LEXEMAS VERBAIS
OPERADORES DA INTENSIDADE

Carlos Alberto Gonçalves Lopes (UNEB)

Este assunto se insere no âmbito de uma pesquisa maior realizada na Universidade Federal da Bahia e que teve por alvo descrever os processos de intensificação encontrados na língua falada de informantes cultos de Salvador, tomando como corpos doze inquéritos reunidos na obra organizada por MOTA & ROLLEMBERG (1994). Por outro lado, ao eleger como objeto de pesquisa a intensificação, situa-se no âmbito da Análise do Discurso, e, nesta, mais especificamente, nos estudos da enunciação e da argumentação.

O enfoque escolhido para a análise dos dados obedece a um princípio segundo o qual qualquer língua deve ser estudada dentro dela mesma, jamais tomando como ponto de partida a estrutura de outra língua. Isso explica a visão estreita (quando não inconsistente) das gramáticas normativas tradicionais (moldadas na língua latina) com uma abordagem da intensificação limitada quase sempre ao estudo do "grau" nos substantivos, adjetivos e advérbios, que impossibilita perceber a existência da intensificação implícita encontrada nos lexemas verbais, conforme se verá adiante.

Entende-se por lexemas verbais operadores de intensidade às lexias simples pertencentes à categoria dos verbos que possuem um intensificador integrado, ou melhor, um sema intensivo (por natureza ou por transferência de sentido). Tais elementos se caracterizam por expressar uma visão global ou relativa do locutor, indicando, então, o alto ou baixo grau.

A análise dos verbos intensivos encontrados no corpus veio reforçar a tese defendida por LAKOFF (1966), apud SILVA (1978: 178), de que “adjetivos e verbos constituem uma única categoria gramatical na estrutura profunda”. Também LYONS (1968: 323-325), apud SILVA (1978: 179), foi adepto da “idéia da identidade dos verbos e adjetivos na estrutura profunda, lembrando que tal idéia, na realidade, remonta a Platão e Aristóteles, que consideravam os adjetivos como uma subclasse dos verbos”. Outrossim, o verbo e o adjetivo se identificam de tal modo que, ao contrário das demais categorias gramaticais, ocupam a mesma posição na organização estrutural do discurso, isto é, a de termo secundário, determinante do termo primário (o substantivo), conforme revela GOMES (1994: 3).

De fato, comparando os verbos intensivos com os adjetivos intensivos, nota-se um certo paralelismo entre eles, a começar pela identidade classificatória, já que ambos podem ser por natureza e por transferência de sentido. Por outro lado, em virtude de poderem ser graduáveis e poderem exprimir um grau extremo superlativizante de natureza absoluta, os intensificadores verbais têm um comportamento similar ao de seus correspondentes intensificadores adjetivais, sem falar no fato de alguns deles serem derivados de adjetivos.

VERBOS INTENSIVOS POR NATUREZA

O verbo será intensivo por natureza quando for intensivo por si mesmo, sem precisar sofrer nenhum processo de conversão ou metaforização.

Tomando como base os lexemas verbais operadores da intensidade por natureza encontrados, é possível subdividi-los em verbos graduáveis (dimensivos ou qualitativos) e em verbos que exprimem um grau extremo absoluto.

Os verbos graduáveis expressam uma visão relativa do locutor que possibilita intensificar marcando o grau dessa intensidade sobre uma escala gradativa.

Quanto aos verbos graduáveis dimensivos, os casos examinados apontam para uma escala gradativa básica constituída da série triádica “aumentar, estabilizar (ou manter), diminuir”, sinonimicamente variável, e que corresponde à série adjetiva “grande, médio, pequeno (ou diminuto)”, conforme se verá a seguir:

(1) INF - E... (superp) e, justamente, o tipo de deficiência que vai aumentando cada dia é a deficiência mental, que... (superp)

DOC - Hum. (superp)

INF - ... está muito ligada à subnutrição [...]

(INQ356, INF452, p.274, LINHAS 624-628)

(2) INF - Bom, a lua... isto é a lua nova. O quarto crescente... eh... essa fatia vai se ench... vai enchendo, pouco a pouco, que talvez deixe de ter a forma de fatia pra ter forma... ah... pouco a pouco, de pedaços de um queijo...

DOC - Hum.

INF - ... ou de uma bola, até a lua cheia, que é a bola total. E o final, que é o quarto minguante, esta bola começa a se... a diminuir da mesma forma que cresceu, até tornar-se novamente a talhada, que é o quarto... que é uma nova lua... lua nova.

(INQ135, INF164, p.138-139, LINHAS 433-443)

(3) INF - E o comércio em Salvador está se estendendo agora pra Barra, né? [...]

DOC - É.

INF - A tendência é crescer.

(INQ100, INF118, p.125, LINHAS 761-766)

(4) INF - Bom, o custo de vida, principalmente aqui entre nós, que já se considera que é o lugar onde o nível de vida é mais alto, não é, em matéria de custo de vida, a gente sente que os preços sobem dia a dia, não é? Os supermercados, as remarcações são constantes, diárias. Os transportes aumentando os custos, mas sem melhoria.

(INQ356, INF452, p.273, LINHAS 580-586)

(5) INF - Eles reunir... (superp) eh... re... reduziram muito, reuniram muitas clí... muitas disciplinas em um departamento só. Aí, tem um chefe do departamento, né; esse chefe do departamento e, dentro de cada área, os seus professores, especializados em Clínica Médica, em Cardiologia.

(INQ231, INF301, p.157-158, LINHAS 313-318)

(6) INF Pluviômetro, o... o barômetro, barô... barômetro é de parede, inclusive aquele clássico do... do bonec... do frade, da freira, compreendeu? Aquele era mais - ao que me lembro, é cabelo -sensível. Com a temperatura, ele... eh... retr... contraía ou não.

(INQ135, INF164, p.144, LINHAS 647-652)

No exemplo (1), aumentando expressa o grau superior e se refere à deficiência mental, de modo que uma “deficiência que vai aumentando” se opõe a uma deficiência que vai diminuindo, enquanto que ambos se opõem a uma deficiência que vai se estabilizando.

Por outro lado, nos exemplos subseqüentes aparecem variações sinonímicas da escala gradativa dimensiva já mencionada constituída da série “aumentar, estabilizar, diminuir”. De fato, em (2), uma fatia de lua que vai se enchendo e uma bola de lua que começa a diminuir da mesma forma que cresceu, correspondem, respectivamente, a uma fatia de lua que vai aumentando e a uma bola de lua que começa a diminuir da mesma forma que aumentou; em (3), o comércio em Salvador que está se estendendo agora pra Barra e a tendência é crescer, corresponde ao comércio em Salvador que está aumentando pra Barra e a tendência é aumentar; em (4), preços que sobem dia a dia, corresponde a preços que aumentam dia a dia; em (5), reduziram os departamentos, corresponde a diminuíram os departamentos; e, em (6), o barômetro que, com a temperatura, contraía ou não, corresponde ao barômetro que, com a temperatura, diminuía ou não.

Quanto aos verbos graduáveis qualitativos, os casos examinados evidenciam um paralelismo entre adjetivos e verbos, conforme aparecem nos seguintes trechos:

(7) DOC - Porque, por exemplo, (superp) a cidade estava muito concentrada, né, as avenidas de vale abriram a cidade, mas não só as avenidas, há obras que ajudam a cidade a se expandir, e a... a ficar...

DOC2 - Melhorar o tráfego.

DOC - ...melhorar o tráfego, essas coisas, né?

(INQ100, p.118, LINHAS 474-479)

(8) INF - Então, a gente sente isso, a gente que, realmente, há muito poucos gozando de uma vida... eh... bastante promissora, financeiramente, e uma grande maioria se empobrecendo cada vez mais.

(INQ356, INF452, p.274, LINHAS 606-609)

Em (7), o verbo melhorar se relaciona com o adjetivo melhor, procedente do antigo comparativo latino, e corresponde ao grau superior da escala gradativa verbal constituída da série “melhorar, manter, piorar”, de sorte que melhorar o trânsito se opõe a piorar o trânsito, enquanto que manter o trânsito seria deixá-lo como está, sem melhorá-lo nem piorá-lo.

Quanto ao exemplo (8), o verbo empobrecer, no gerúndio, é derivado do adjetivo pobre, com o qual se relaciona. Desse modo, pode-se dizer que o referido verbo pressupõe a escala gradativa “enriquecer, remediar, empobrecer”, que, por sua vez, corresponde à série adjetiva graduada “rico, remediado, pobre”, fato este que vem reforçar a idéia concebida acerca da existência de um íntimo relacionamento entre adjetivos e verbos. Aqui, particularmente, dizer que há “uma grande maioria de pessoas se empobrecendo” significa dizer que há um grande número de pessoas ficando pobre, com o verbo empobrecer expressando o aspecto imperfectivo cursivo, o que não significa o mesmo que dizer que há um grande número de pessoas se enriquecendo e, muito menos, que há um grande número de pessoas se remediando, isto é, ficando na classe média.

Tratando agora acerca dos verbos que exprimem um grau extremo, absoluto, no material objeto de análise foram encontrados os verbos frisar, esmerar, arrombar e horrorizar, que aparecem destacados abaixo:

(9) INF - Há as pessoas que quando se vêem nessa situa... nessas situações, gostam de frisar; então, dizem “Meus pêsames”, “Meus sentimentos” ou qualquer coisa desse tipo e há aquelas pessoas que fazem uma visita, comentam, em geral, sobre assuntos fora de... do... da... daquelas circunstâncias e fica subentendido que é uma visita de pêsames.

(INQ125, INF151, p.75, LINHAS 183-189)

(10) INF Encontramos também aqueles pães, assim, mais sofisticados que levam frutas cristalizadas e... outros com chocolates ou outros sabores, canela, etc., frutas frescas, também, por vezes, nós encontramos desse tipo, e, principalmente no período natalino, quando nós nos esmeramos, assim, para fazer aqueles pães muito bonitos, muito saborosos.

(INQ081, INF089, p.187, LINHAS 401-408)

(11) INF - Bem, a minha casa quando o ladr... (risos) (superp) quando o ladrão arrombou, sabe, tinha uma fechadura, uma... assim, uma fechadura comum e tudo; independente disso, tinha um pega-ladrão, né...

(INQ173, INF224, p.97, LINHAS 414-418)

(12) INF [...] você encontra pizza de presunto, pizza de galinha, pizza de um... uma infinidade de coisas. Até pizza de camarão, que alguém fazia... faz aqui na Bahia, e que nós nos horrorizávamos...

(INQ081, INF089, p.184-185, LINHAS 314-317)

Em todos esses casos, a intensificação se faz não de forma comparativa, com cada um desses lexemas verbais se relacionando com outros pertencentes a uma escala gradativa equipolente, mas em termos absolutos, expressando uma intensificação enfática que extrapola os limites da própria escala, razão pela qual frisar, dizendo “Meus pêsames”, no exemplo (9), mais do que expressar o sentimento de pesar, o qual poderia ser manifesto, inclusive, com o próprio silêncio, ou de outra maneira, significa expressar com ênfase, empregando o conhecido clichê. Por outro lado, em (10), “nós nos esmeramos [...] para fazer aqueles pães muito bonitos” é (mais do que pôr cuidado naquilo que se está fazendo) pôr todo o cuidado para fazer alguma coisa muito bem; em (11), “o ladrão arrombou [...] a minha casa” é (mais do que abriu a minha casa) abriu pela força, quebrando; e, finalmente, em (12), “pizza de camarão [...] que nós nos horrorizávamos” é (mais do que pizza de camarão da qual nós tínhamos aversão) pizza de camarão da qual nós tínhamos muita aversão.

Observando os intensificadores verbais por natureza, nota-se que, semelhantemente aos intensificadores substantivais e adjetivais , são empregados com um propósito nitidamente argumentativo, sobretudo em se tratando daqueles que expressam uma intensificação hiperbólica, como é o caso dos intensificadores superlativizantes, dentre os quais estão incluídos os lexemas verbais operadores da intensidade por transferência de sentido que serão vistos no próximo item.

VERBOS INTENSIVOS POR TRANSFERÊNCIA DE SENTIDO

O verbo será intensivo por transferência de sentido quando a intensificação ocorrer pela mudança de sentido de um mesmo verbo num contexto diferente. Essa transferência costuma acontecer mediante associações de idéias, sendo a metáfora a figura mais comum de transformação, conforme se constata com o verbo adorar que aparece no seguinte trecho:

INF - Eu adoro o sol.

DOC - É, não é?

INF - Bem, eu não digo olhar para o sol... (superp)

DOC - Sim. (superp)

INF - ...eu costumo olhar o tempo bo... bonito, o tempo bom...

DOC - Hum, hum.

INF - ...porque eu adoro o... a mar... o mar, adoro a praia.

(INQ135, INF164, p.134, LINHAS 262-270)

Nesse trecho, a metáfora surge do efeito provocado por uma comparação hiperbólica dentro da qual o sema /gostar muito de/ é colocado em evidência. Realmente, adorar, aqui, não é idolatrar, venerar, reverenciar, e muito menos cultuar, visto que aquilo que o informante quer transmitir é a noção de que ele gosta muito, extremamente, do sol, do mar e da praia, com o verbo adorar adquirindo uma natureza hiperbólica que lhe possibilita funcionar como intensificador.

Algo semelhante acontece com o lexema aprofundar na seguinte passagem:

INF - Eles exigem que a pessoa passe num teste psicotécnico, [...] e fazem uma prova escrita muito sumária, um ditado muito sumário e um exame de direção. Nessa parte onde eles deviam se aprofundar bem, inclusive pra testar reflexos da pessoa... eh... dirigindo em alta velocidade e... e... e como a pessoa conduz um automóvel em alta velocidade; tudo isso deveria ser testado.

(INQ277, INF354, p.38, LINHAS 521-534)

No segmento “Nessa parte onde eles deviam se aprofundar bem”, referindo-se a uma parte do teste psicotécnico, nota-se que a metáfora resulta do efeito provocado por uma comparação dentro da qual o sentido investigar muito, a fundo ou com minúcia, uma questão é colocado em evidência, de sorte que aquilo que se deseja transmitir aqui nada tem a ver com buraco ou escavação, mas com a noção de que em determinada parte do teste psicotécnico, isto é, no exame de direção, os examinadores deveriam investigar muito, a fundo ou com minúcia, o domínio dos examinandos no comando do veículo.

Outros casos similares aos comentados acima aparecem nas seguintes transcrições:

(15) INF [...] quando chega uma pessoa estranha, a gente quer obsequiar, a gente se desdobra em gentilezas.

(INQ100, INF118, p.113, LINHAS 239-241)

(16) INF Esse problema de puxar pela criança - “Ah, não deve puxar pela criança.” ­- , eu acho que isso não funciona muito, porque a criança vai à maternal somente pra brincar, ser educada, aprender a fazer coisas que, em casa, a mãe, às vezes, não tem condições de ensinar [...].

(INQ231, INF301, p.152, LINHAS 93-98)

(17) INF - Bom, o clima mais frio que eu já peguei foi em Londres... eh... [...]. Aí... eh... chega a arder, (rindo) principalmente a... as extremidades [...].

(INQ135, INF164, p.145, LINHAS 712-714)

Em (15), desdobrar em gentileza não é abrir ou estender algo que esteja dobrado, mas ser muito gentil; em (16), puxar pela criança não é arrastar a criança, mas exigir muito dela em termos de aquisição de conhecimentos; e, em (17), clima que chega a arder não é um clima no qual se sente muito calor, mas, muito pelo contrário, um clima excessivamente frio, tão frio que se tem a sensação de arder como o fogo.

Em síntese, é cabível se dizer que os verbos desdobrar, puxar e arder ao se relacionarem com os substantivos gentileza, criança e clima, correspondem a adjetivos metafóricos intensivos de caráter não só argumentativo como também subjetivo. Outrossim, convém ainda esclarecer que o processo de metaforização de tais verbos passou pelo apagamento do sema primitivo deles, e que a afinidade existente entre o verbo e o adjetivo é facilmente percebida, como se evidencia no último exemplo mencionado em que clima que “chega a arder” corresponde a clima ardente.

BIBLIOGRAFIA

GOMES, José Maria Barbosa. “O advérbio: uma categoria gramatical mal compreendida”. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 1994. [Copia xerografada].

LOPES, Carlos Alberto Gonçalves. Processos de intensificação na norma urbana culta de Salvador. Tese de Doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2000.

MELO, Gladstone Chaves de. Gramática fundamental da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.

MOTA, Jacyra & ROLLEMBERG, Vera (orgs.). A linguagem falada culata na cidade de Salvador: matérias para seu estudo. Salvador: Instituto de Letras da UFBA, 1994.

SILVA, Carly. Gramática transformacional: uma visão global. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.