DO TEXTO AO HIPERTEXTO
LEITURA E NOVAS TECNOLOGIAS
NO ENSINO DE E/LE

Greice da Silva Castela (UFRJ e UERJ)

HIPERTEXTO E LEITURA

Lemos (1996) considera que todo texto escrito é um hipertexto, uma vez que a leitura é feita de interconexões à memória do leitor, às referências textuais e aos índices que remetem o leitor para fora da linearidade textual.

A recepção não hierárquica do texto não é uma revolução radical implantada pelo texto eletrônico, já que as notas de roda-pé, a divisão em capítulos e os índices encontrados nos livros tradicionais também oferecem ao leitor percursos alternativos e possibilitam a ruptura da linearidade. Essa não-linearidade do hipertexto é inerente a sua estrutura e permite escolhas entre várias possibilidades, que podem modificar totalmente o assunto inicialmente pesquisado e a construção do sentido.

O hipertexto é um modo de apresentação de informações em um monitor de vídeo, onde são disponibilizadas conexões entre determinadas passagens de um texto (links), através de elementos (palavra, expressão ou imagem) destacados, que acionados por um clique de mouse provocam a exibição de um novo (hiper)texto com informações relacionadas ao link selecionado.

Os links permitem que o hipertexto seja uma rede complexa e não seqüencial de associações de assuntos, na qual temas distintos são visualizados em função do interesse ou necessidade do usuário, independente da ordem de apresentação.

Em relação ao texto tradicional, o hipertexto apresenta como peculiaridades:

a) a não-linearidade, que otimiza ao máximo os percursos de leitura

b) a fragmentação, que rompe com a hierarquia canônica de começo, meio e fim pré-definidos

c) a virtualidade, já que sua materialidade é constituída por bits.

d) a pluritextualidade, uma vez que possui interface com recursos multimídia

e) a superintertextualidade, já que mantém relações com outros textos que se agregam a cada instante aos inúmeros portais de acesso e permite a interdisciplinaridade

f) a megainteratividade, que possibilita que seus usuários sejam co-produtores do processo interativo.

Segundo Pietraróia (2002) na Internet os textos apresentam como características, que interferem na leitura e na construção dos sentidos: a multicanalidade (vários canais de comunicação), a fragmentalização (textos ou partes de textos ocultos por links), a multireferencialidade (diversas fontes de enunciação), a descentralização do espaço (num mesmo documento com diversos centros) e a interatividade (percursos de leitura individuais).

A leitura hipertextual de um texto on-line, devido ao suporte,tende a ser realizada individualmente, de forma silenciosa, em espaços fechados e restritos.

Além disso, a estrutura desse suporte dificulta a apreensão da visão global do conjunto do texto, já que parte desse está oculta em links, que ao serem acionados abrem novas janelas com outro texto ou parte dele. Somente clicando em todos os links relacionados a determinado assunto, o leitor-navegador ultrapassará a fragmentação e alcançará uma visão abrangente do texto.

Chartier (1999:152) nos lembra que “o texto vive uma pluralidade de existências. A eletrônica é apenas uma dentre elas”. Sendo assim, podemos encontrar o mesmo texto em vários suportes, mas sua leitura/ recepção será diferente em cada um deles.

Levy (1993) ao afirmar que “se definirmos um hipertexto como um espaço de percursos de leitura possíveis, um texto apresenta-se como a leitura particular de um hipertexto” ratifica a concepção de que a leitura de um mesmo hipertexto realizada por diferentes pessoas é sempre distinta, visto que cada uma delas pode seguir um percurso de leitura, que influenciará diretamente na construção do significado.

O texto eletrônico permite uma grande interatividade, dando ao leitor a possibilidade de modificar a estrutura do texto e selecioná-lo de acordo com seus interesses, através de links e de seu conhecimento de mundo participa da construção da significação que o texto assume. Como ressalta Levy (1993) “toda leitura em computador é uma edição, uma montagem singular”.

De acordo com Calvo Revilla (2002), a leitura hipertextual desenvolve estratégias cognitivas e contribui para a formação de leitores autodidatas, capazes de criar significados no processo de ampliação e construção de um novo conhecimento.

INTERNET E NOVAS TECNOLOGIAS NO ENSINO DE ELE

De acordo com Sitman (1998) a Web deve ser julgada com os mesmos critérios de utilidade e rentabilidade usados para avaliar os outros materiais de apoio, considerando a adequação de seu uso à filosofia pedagógica adotada, aos objetivos da aula e às necessidades dos alunos.

Como Cruz Piñol (1997) adverte, a Internet não substitui a aula preparada pelo professor, mas é um canal de informação e comunicação que a complementa.

A rede mundial de computadores viabiliza tanto a interação síncrona como assíncrona entre pessoas de todas as partes do mundo e proporciona condições para a aprendizagem de línguas, já que permite o diálogo num contexto sociocultural, a leitura e audição de materiais autênticos, a visualização e/ou participação do intercâmbio comunicativo na língua estrangeira.

Atualmente, a Internet permite a existência de novos tipos de texto, como ‘e-mail’, ‘lista de discussão’, ‘chat’ e o hipertexto, ferramentas que contribuem para a aprendizagem permanente e para o intercâmbio de experiências.

O e-mail possibilita desenvolver competências gramaticais, comunicativas e discursivas, além de promover o contato com diferentes culturas e variantes do idioma, através da troca de mensagens.

A existência de um interlocutor concreto, seja um falante nativo, o professor ou um colega da escola, motiva o aluno, que treinará a compreensão da leitura e a produção escrita em contextos reais de interação.

A necessidade concreta de intercâmbio desenvolve no aluno a competência comunicativa e estratégias de aprendizagem, que permitem adquirir conhecimentos lingüísticos, através da negociação de significados.

Os chats permitem a interação síncrona com falantes nativos ou outros estudantes do idioma. Como o importante nesse espaço é o envio rápido das mensagens, não é comum o uso de acentuação nem de pontuação. No entanto, o professor pode estabelecer com seus alunos o uso da norma padrão nesse espaço. Os diálogos podem ser salvos e analisados em relação às dificuldades apresentadas nesse contexto comunicativo.

O foro de discussão também pode ser utilizado no ensino ELE. As mensagens em tempo assíncrono entre os estudantes e o professor contribuem para o desenvolvimento da leitura e escrita, treinam a capacidade de argumentação e permitem a expressão de opiniões.

Além disso, considero que todas as estratégias de aprendizagem podem ser desenvolvidas no ambiente interativo proporcionado pela Internet. Oxford (1990) distingue as estratégias de aprendizagem diretas e indiretas. As primeiras se relacionam diretamente à língua estrangeira e se subdividem em: estratégias de memória (memorizar e relembrar informações), cognitivas (compreensão e produção na língua meta) e de compensação (utilização da língua a pesar de defasagens em seu conhecimento).

Já as estratégias indiretas controlam a aprendizagem e se subdividem em: metacognitivas (avaliação e controle da aprendizagem de modo consciente pelo aprendiz), afetivas (autoconfiança e motivação) e sociais (o ambiente social contribui para a interação).

Alguns autores crêem que a navegação pela rede, sem a mediação do professor, só é adequada aos alunos com maior domínio da língua estrangeira, já que a leitura não linear pode ser muito difícil e desestimulante para um estudante com pouco conhecimento lingüístico, cultural ou que não desenvolveu estratégias para compensar suas defasagens na língua alvo.

No entanto, a Internet permite visualizar e imprimir informações culturais, turísticas e lingüísticas, através da consulta de dicionários, gramáticas, livros eletrônicos e sites especializados na difusão do espanhol. Como afirma Moura (2002:104) “na Web, o texto está preparado para receber todo tipo de leitor”.

As novas tecnologias podem facilitar o processo de aprendizagem de ELE, em qualquer que seja o nível de domínio do idioma pelo aprendiz, já que permitem salvar e visualizar dados multimídia e facilitam a elaboração de atividades e guias de leitura, a resolução de exercícios, a correção automática de erros, atividades de revisão e verificação da pronunciação e a aprendizagem autônoma do idioma.

Além do mais, a rede facilita o acesso a vários tipos de materiais autênticos e representa uma imensa fonte de textos, que podem ser aproveitados para as aulas de ELE. O professor pode utilizar a rede para aproximar os alunos da realidade, da cultura e das variantes lingüísticas da língua alvo, através de pesquisas sobre um determinado tema ou da leitura de textos elaborados em distintos gêneros e países, sempre com o cuidado de identificar um objetivo de leitura para o texto selecionado.

No entanto, a grande quantidade de informação disponível pode ser maior que a capacidade de assimilação, impedir a reflexão sobre as informações obtidas na rede e desviar o leitor-navegador de sua busca inicial.

O uso do computador e da rede mudou o tempo de leitura e a postura do leitor frente ao suporte. A leitura tornou-se fragmentária, já que o leitor “passa os olhos” rapidamente por trechos de informações que aparecem na tela e desconhece o tamanho do documento que acessa devido às conexões e aos fragmentos que visualiza. Por outro lado, a leitura também pode ser funcional, uma vez que as conexões remetem a outros textos ou fragmentos relacionados que podem aprofundar o tema pesquisado.

Há sempre o risco dos estudantes apresentarem como trabalhos textos extraídos integralmente da Internet, o que exige do professor uma preparação contínua na manipulação das novas tecnologias, de modo a elaborar bem as atividades e avaliar corretamente os alunos.

Por outro lado, os alunos precisam aprender a avaliar a qualidade e a veracidade das informações veiculadas pela rede. Cabe ao docente prepará-los para essa tarefa, destacando no texto informações como o autor, o local em que o texto está inserido, se foi publicado e se contêm referências a outras fontes de informação.

É importante ressaltar que conforme os Parâmetros de Curriculares Nacionais do ensino fundamental (1998), o ensino de língua estrangeira deve, entre outras funções, contribuir para a construção da cidadania, aumentar as possibilidades de ação discursiva dos alunos, reduzir a exclusão social na comunicação, atuar como força libertadora individual e nacional através da consciência crítica da linguagem, estabelecer a interdisciplinaridade e colaborar na compreensão intercultural e no processo de educação como um todo. A Internet pode contribuir para que os objetivos do ensino de língua estrangeira sejam alcançados.

A integração dessa ferramenta, tão interativa, ao processo de ensino de idiomas minimiza os fatores inibidores da participação dos estudantes e maximiza a motivação, os materiais autênticos a que se têm acesso, as oportunidades de comunicação no ELE e a autonomia de estudo. Além disso, promove a integração entre a abstração do material pedagógico e a realidade, facilita a aproximação a um imenso número de culturas e pessoas e transfere o foco do professor para o aprendiz.

Tendo em vista, por um lado, a posição de Rodrigues Gonçalves (2002) que distingue três tipos de professores que coexistem na atualidade: o professor tradicional que não integra novas tecnologias à aula, o docente que as utiliza sem aproveitar seu potencial continuando com o ensino tradicional e o educador que as emprega em uma interação crítica, construindo o conhecimento junto com os estudantes, valendo-se de novas estratégias pedagógicas.

E por outro, o fato de que as novas tecnologias da informação e comunicação reúnem recursos multimídia, que contribuem para que o ensino seja mais atrativo, desenvolvem as destrezas de compreensão e produção e possibilitam que o aluno participe ativamente do processo de aprendizagem.

Sem dúvida, podemos afirmar que as novas tecnologias representam uma grande contribuição ao ensino de línguas estrangeiras, porém essas ferramentas não garantem a aprendizagem, porque depende do professor sua eficaz utilização nesse processo pedagógico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALVO REVILLA, A. Lectura y escritura en el hipertexto. Revista Especulo, Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2002.

www.ucm.es/info/especulo/numero22/hipertex.html

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: conversações com Jean Lebrun. São Paulo : UNESP/IMESP, 1999.

CRUZ PIÑOL, Mar. La World Wide Web en la clase de E/LE, Revista Especulo, Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 1997. www.ucm.es/info/especulo/numero13/int_hisp.html

LEMOS, A.: As Estruturas Antropológicas do Ciberespaço, in Textos, nº 35, Facom/UFBA, 1996.

LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. O Futuro do Pensamento na Era da Informática. <http://www.livrariasaraiva.com.br/scripts/megasite.dll/detalhe?CODREDUZIDO=328164&TIPO=TITULO&FAMILIA=01&NOME=PORXXX>São Paulo: Editora 34, 1993.

MOURA, Leonardo. Como escrever na rede: manual de conteúdo e redação para Internet. Rio de Janeiro: Record, 2002.

OXFORD, R. L. Language Learning Strategies: what every teacher should know. Massachusetts: Heinle &Heinle publishers, 1990.

Parâmetros Curriculares nacionais para o ensino médio. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. 3. ed. - Brasília : A Secretaria, 1998

PIETRARÓIA, Cristina Casadei Multimídia, hipertexto e internet: novos percursos de leitura. GEL Estudos lingüísticos XXXI, São Paulo: FFLCH/USP, 2002.

RODRIGUES GONÇALVES, Maria Ilse., Internet em Educação., Espanha: Universidad Nacional de Educación a Distancia, 2002.

www.uned.es/ntedu/espanol/master/primero/modulos/internet/colint.htm

SITMAN, Rosalie. Divagaciones de una internauta: algunas reflexiones sobre el uso y abuso de la Internet en la enseñanza del E/LE. Espéculo. Revista de estudios literarios, Madrid :Universidad Complutense de Madrid, 1998.

www.ucm.es/info/especulo/numero10/sitman.html