Formação acadêmica,
coerções institucionais e prática docente
de
leitura em espanhol
como língua estrangeira – E/LE

Cristina de Souza Vergnano Junger (UERJ)

 

Introdução

O presente trabalho discute como a prática docente relacionada ao ensino de leitura, no curso de espanhol língua estrangeira (E/LE) de uma graduação em Letras (Português-Espanhol), sofre influências, tanto da formação acadêmica do professor, quanto dos aspectos acadêmico-administrativos da instituição na qual leciona e das crenças sobre conceitos de língua e seu ensino. As reflexões baseiam-se num estudo de caso, que recolheu, após a análise de um questionário junto a professores universitários de espanhol, considerações e exemplos de atividades de sala de aula de um dos docentes informantes, através de entrevista.

 

Crenças sobre ensino-aprendizagem e leitura
alguns pressupostos teóricos

O professor e suas crenças
sobre o processo de ensino-aprendizagem de línguas

Quando nos propomos uma reflexão sobre questões de ensino-aprendizagem, podemos ter diferentes focos a considerar: os programas e propostas curriculares de maneira geral, os materiais didáticos, as metodologias,os conteúdos, a atuação e perfil dos alunos, o papel do professor. Cada aspecto implica posicionamentos teóricos e/ou ideológicos subjacentes e a observação de condutas práticas. Não existem as considerações tecidas à luz de pesquisas e trabalhos acadêmicos, mas também aquelas nascidas das crenças dos próprios sujeitos envolvidos no processo educativo alunos, professores e comunidade social à qual pertence o sistema observado (Richards & Lockhart, 1998).

No caso dos professores, considerando a escola como uma instituição que, tradicionalmente, tem como função ensinar as normas vigentes na sociedade em que se insere, observamos que se lhe atribui uma imagem daquele que detém o saber e o poder para determinar o que é certo. Sua palavra está legitimada pela sociedade e pela função que esta atribui à escola e, conseqüentemente, ao professor (Grigoletto, 1995). Tal crença é compartilhada pelos alunos, que esperam por respostas inquestionáveis, pela solução de todos os problemas e pela presença de um sujeito que domina os saberes e pode transmiti-los (Coracini, 1995). De igual maneira pensam muitos docentes, que limitam as opções interpretativas de seus alunos, retirando-lhes o status de sujeitos capazes de atribuir sentidos (Eckert-Hoff, 2002).

Mas essa crença dos professores sobre si mesmos também os leva, como conseqüência, a exigir-se o domínio pleno e permanente de todos os conteúdos e habilidades que devem ensinar, sob pena de falhar em sua atribuição (Eckert-Hoff, 2002). Planejamentos rígidos que não admitem a contribuição livre e criativa dos alunos fora da programação previamente estabelecida podem ser explicados por tal crença.

Outro problema, que tem sido levantado com freqüência em discussões sobre prática docente e materiais didáticos em reuniões e eventos científicos, é a transferência, pelos professores, do papel de protagonista do processo educativo para os livros didáticos, passando estes a ser os detentores desse poder antes atribuídos aos próprios docentes. Neste caso, em última instância, podemos dizer que a autoridade é transferida indiretamente ao autor dos textos e o trabalho com a linguagem se torna uma decodificação de intenções supostas pelo docente a partir de sua leitura e interpretação pessoais, ou determinadas nos guias didáticos oferecidos pelo autor do material em questão (Coracini, 1995b).

Não se pode afirmar que haja homogeneidade com relação às visões de professores sobre língua, seu ensino-aprendizagem, trabalho com língua estrangeiras (LE) e, em seu âmbito, com leitura. Em geral, as crenças são moduladas pela trajetória de cada profissional, tanto no campo teórico quanto no prático. Sendo assim, encontramos professores que vêem a língua como um sistema e, por isso, enfatizam o trabalho com estruturas gramaticais e vocabulário, tomando a leitura como uma atividade de decodificação, centrada no material criado pelo autor. Por outro lado, temos aqueles que, ao considerar a língua como veículo de comunicação, valorizam aspectos nocionais-funcionais e processos de interação, atribuindo à leitura, freqüentemente, uma função pragmática de acesso à informação e, no caso particular da LE, contato com a cultura do outro ou papel instrumental (Richards & Lockhart, 1998).

Entre os diferentes posicionamentos, no que se refere à prática leitora, temos depoimentos de docentes de LE que consideram a tarefa de seu desenvolvimento como atribuição de professores de ensino básico, como parte do processo de alfabetização e letramento em língua materna (Junger, 2002). No entanto, tanto no caso da leitura quanto no ensino de LE em geral, pudemos observar, seja em nossas pesquisas, seja na atuação como docente em mini-cursos, ou participação em eventos acadêmicos e reuniões, que existe uma indefinição e heterogeneidade de crenças e posturas teóricas entre os professores. Ainda é bastante forte a valorização do conteúdo formal e normativo da língua, que divide seu espaço com a preocupação comunicativa pelo desenvolvimento da produção oral e escrita dos alunos. Mas aparecem, ocasionalmente, a atenção às diferentes competências, a reflexão sobre o fazer lingüístico e metalingüístico, principalmente quando se trata de formação de professores de LE, a incorporação e discussão de novas contribuições teórico-metodológicas. Seja como for, essas questões, claramente definidas ou não, interferem nas escolhas e, conseqüentemente, na prática de sala de aula, pois são a orientação que segue cada professor, de maneira consciente ou inconsciente, ao fazer seu planejamento, dar suas aulas e avaliar o processo de ensino-aprendizagem que está levando a cabo (Junger, 2002).

 

A leitura como processo interativo e ensino de LE

Ao longo do século XX até a atualidade, vêm sendo propostos e estudados modelos de compreensão leitora (Amorim, 1997. Santos e Neves, 1999. Junger, 2002). Normalmente estão associados às discussões sobre aprendizagem de leitura e escrita em língua materna, mas também ocupam o espaço acadêmico dos estudos sobre aprendizagem de LE. Partindo do foco no texto, num processamento ascendente das informações nele contidas e passando por um modelo psicolingüístico de processamento descendente, com foco na bagagem do leitor, chegamos ao modelo interativo, que conjuga ambas as formas de processamento da informação (Leffa, 1996.Junger, 2002).

Os princípios referidos ao ensino de leitura em L1[1] são extensivos à LE, ao menos no que tange ao desenvolvimento no leitor da capacidade de utilizar as práticas aprendidas para a sua própria língua em qualquer situação de leitura diante da qual se encontre. Assim:

Ensinar a ler é criar uma atitude de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto, isto é, mostrar [...] que quanto mais [...] previr o conteúdo, maior será sua compreensão; é ensinar [...] a se auto-avaliar constantemente durante o processo para detectar quando perdeu o fio; é ensinar a utilização de múltiplas fontes de conhecimento lingüísticas, discursivas, enciclopédicas – para resolver falhas momentâneas no processo; é ensinar, antes de tudo, que o texto é significativo, e que as seqüências discretas nele contidas têm valor na medida em que elas dão suporte ao significado global. Isso implica em ensinar não apenas um conjunto de estratégias, mas criar uma atitude que faz da leitura a procura de coerência (...) (Kleiman, 1996:151-2)

Pode-se deduzir que, se um aprendiz é competente na leitura em sua L1, será capaz de transferir seu desempenho à LE estudada, escolhendo e aplicando as estratégias necessárias a cada caso, conscientemente.

Em termos de sala de aula, a proposta de desenvolvimento da leitura interativa implica a participação ativa do aprendiz, que irá construir os sentidos com base nas informações presentes no texto e nas associações que faça com seus diferentes conhecimentos prévioslingüístico, enciclopédico, textual, discursivo. O professor, considerado como um leitor proficiente, tem o papel de orientar a transferência das estratégias de leitura em L1 para LE, bem como o de explicitar os processos de compreensão, a fim de permitir seu uso autônomo por parte dos alunos (Leffa, 1996b). Os objetivos visados no ensino de leitura em LE, com base nesse panorama, podem ser definidos como: (1) passar de uma proposta de leitura como pretexto para o ensino de listagem de vocabulário e estruturas gramaticais para uma proposta de leitura que ocupe igual destaque frente às demais habilidades desenvolvidas em aula (escrever, falar e ouvir); (2) desenvolver o domínio de variados tipos de texto, para o atendimento às diversas finalidades da vida cotidiana, sejam de ordem intelectual, pessoal, social ou profissional; (3) oferecer os meios para a construção de sentidos por parte dos leitores aprendizes (Denyer, 1999).

Uma forma de abordar pedagogicamente a leitura, tanto em L1 quanto em LE, é estabelecendo três etapas para as atividades de sala de aula relacionadas à compreensão de textos escritos: pré-leitura, leitura e pós-leitura (Solé, 1994; Amorim, 1997). Na primeira, pré-leitura, o trabalho enfatiza as estratégias de ativação de conhecimentos prévios e de inferência. No caso do aprendiz de LE, constitui um momento relevante para as tarefas seguintes de construção de sentidos, pois é quando são estabelecidos laços entre sua bagagem cultural e a da cultura estrangeira. Também são atualizados e ampliados os conhecimentos relacionados ao texto, no que se refere ao seu assunto e estrutura.

Durante a leitura propriamente dita, o aprendiz lançará mão das diversas estratégias, a fim de interagir com o texto e construir seu sentido. Como os processos de compreensão global e ativação de esquemas requerem como ponto de partida um insumo vindo do próprio texto, as limitações lingüísticas do leitor de LE provavelmente surgirão com mais clareza nesta etapa. Paralelamente à preocupação com o desenvolvimento de estratégias metacognitivas, portanto, pode-se desenvolver o trabalho com elementos estruturais da língua. O processo nessa fase engloba: (1) procedimentos de exemplificação por parte do professor; (2) atividades compartilhadas, nas quais todos atuam e trocam idéias e informações, e, finalmente, (3) leituras independentes 19 (Solé, 1994). Entre as estratégias utilizadas para resolver os problemas de compreensão, que por ventura surjam, estão: a inferência de vocabulário desconhecido (a partir, por exemplo, do contexto ou por comparação com outras línguas, inclusive a L1); a associação de imagens e elementos não-lingüísticos com o texto verbal; a compreensão geral do assunto; a compreensão pontual ou detalhada de aspectos do texto; a comprovação, abandono ou re-elaboração de hipóteses de leitura.

Na última etapa – a pós-leitura – a proposta compreende discussões sobre o que foi lido. Avalia-se o processo, fazem-se comparações com outros textos conhecidos, ampliam-se as predições e inferências realizadas na fase inicial. Outras habilidades poderão estar implicadas no trabalho, como a fala e a escrita. O caráter relevante dessa etapa das atividades didático-pedagógicas de leitura é a conscientização do leitor para o fato de que as informações negociadas através da sua interação com o texto passarão a fazer parte de sua bagagem e constituirão elementos para futuras ativações de conhecimento prévio.

O trabalho de compreensão leitora sob a ótica interativa considera, por tanto, a relevância dos conhecimentos enciclopédicos do leitor e sua capacidade de utilizar estratégias para avançar no processo. Vista como uma atividade comunicativa, na leitura se estabelece uma interação entre este leitor e o autor, mediada pelo texto, na qual é tão importante a informação que se apresenta no material escrito – seja verbal ou não quanto a atuação do receptor da mensagem. Com relação ao conhecimento lingüístico, embora se reconheça seu papel no processo, deve-se ressaltar que, dentro desta perspectiva teórica, o procedimento estratégico pode ser capaz de sanar limitações de ordem lingüística e permitir o êxito na atividade leitora, segundo os objetivos estabelecidos por cada leitor.

 

Entre a prática docente,
a
formação e os parâmetros institucionais
um estudo de caso

Em nossa pesquisa (Junger, 2002), entrevistamos um docente de espanhol em uma instituição de ensino superior (IES) do Rio de Janeiro. Nosso objetivo era discutir as relações que poderiam ser estabelecidas entre suas crenças sobre leitura e ensino-aprendizagem de E/LE, sua formação, a realidade institucional na qual se inseria e a atuação em sala de aula. Partimos do pressuposto de que a preocupação com o desenvolvimento de leitores proficientes é um requisito que deve fazer parte dos cursos de Português-Espanhol, visando a formação de profissionais mais completos. Nossa pergunta de investigação era se e como isso estaria ocorrendo. Por isso, procuramos primeiro traçar perfis dos docentes de E/LE em IES da área do Grande Rio, para, então, escolher alguns sujeitos cujas características se houvessem apresentado de forma mais homogênea para um estudo mais aprofundado.

O informante que aqui destacamos foi o que demonstrou uma caracterização mais compatível com o perfil de professor que trabalha com a leitura sob uma ótica interativa, na primeira etapa de coleta de dados. Em termos de formação acadêmica, é especialista em espanhol instrumental para leitura, demonstrou conhecer os conceitos básicos que caracterizam o modelo interativo, bem como identificá-lo como sua orientação teórica nos casos em que trabalha com leitura.

Foi-lhe solicitado, antes da entrevista, que escolhesse entre cinco textos autênticos de diferentes tipologias, aquele (ou aqueles) com o qual gostaria de desenvolver uma atividade de leitura com uma de suas turmas[2] e que preparasse os exercícios conforme estava acostumado a trabalhar, segundo seu conceito de leitura e de seu ensino. Tendo escolhido três histórias em quadrinhos, explicou que o fez com objetivo de:

Trabalhar o lingüístico e o não lingüístico, que escolhi os quadrinhos; observar aspectos gramaticais de maneira prática e estabelecer a relação entre a linguagem e forma dos quadrinhos e o cotidiano. D13 – Junger, 2002: 256.

Com base nos três textos elaboraram-se quatro perguntas de caráter geral, válidas para o conjunto de historinhas, duas específicas para a primeira, outras duas para a segunda e, finalmente, três para a terceira história em quadrinhos (HQ). As questões tinham estrutura de perguntas abertas ou semi-abertas e foram resolvidas em uma aula de quarenta e cinco minutos. O período escasso para a realização da tarefa se deveu, segundo o docente colaborador, ao fato de que estavam na última aula antes do período de provas, não havendo possibilidade de extensão do tempo. Essa restrição de tempo impediu-o de incluir entre as atividades, conforme foi esclarecido na entrevista, uma proposta de prática escrita, na qual os alunos reescreveriam e desenvolveriam o argumento das HQ sob a forma de um texto em prosa.

Quanto à descrição do instrumento, as questões 2 e 4 de caráter geral podem ser identificadas como sendo tipicamente de produção escrita. No primeiro caso, embora a opinião pessoal requisitada implique um certo grau de compreensão dos textos com relação ao seu sentido de humor “cuál de los chistes es más gracioso–, a abertura da pergunta deixa margem a uma ênfase na produção, pois admite qualquer resposta. A questão de número 4 (geral), por sua vez, propõe a criação de uma HQ/piada sobre tema igual ao trabalhado nas leituras (questões relacionadas aos eventos terroristas do 11 de setembro e à vida cotidiana argentina) ou da atualidade, constituindo-se, portanto, numa proposta de redação criativa.

A pergunta de número 1 (geral) trabalha em certa medida com intertextualidade, quando pede a relação entre os textos, mas deixa a proposta vaga no que se refere a que relação se espera observar: “qué relación se establece entre los tres chistes”. A 3 (geral) envolve identificação de assunto também intertextual, pois solicita um título para o conjunto de HQ. Em última análise, ambas exigem o mesmo nível de compreensão geral sobre um aspecto idêntico requisitado de forma distinta – o tema comum às três HQ. Nenhuma questão sobre compreensão pontual foi elaborada para os textos.

As perguntas que têm como objetivo verificar aspectos de gramática textual constituem o maior foco do trabalho. Estão assim distribuídas: 1 (texto A) – coesão referencial (artigo neutro); 1 (texto B) – coesão referencial (pronome oblíquo); 2 (texto B) – organização sintático-semântica (coesão), restando o problema de que, na medida em que se solicita a substituição por um termo equivalente, seria exigida apenas a memória do elenco das conjunções e suas classificações para resolvê-la; 1 (texto C) – identificação do autor com base nas opções de pronome de tratamento (aspecto sociolingüístico – variação); 2 (texto C) – coesão referencial (pronome oblíquo).

Paradoxalmente em uma proposta que se define como uma atividade que busca trabalhar o lingüístico e o não-lingüístico (imagens e aspectos tipográficos) e observar aspectos gramaticais em uso, somam-se às questões de gramática textual duas de elementos sistêmicos, segundo a gramática normativa, associadas à produção escrita. Apesar de as tarefas envolverem um grau de compreensão do significado e uso dos termos assinalados, uma vez que não se solicita qualquer tipo de explicação sobre a produção de sentidos, é requerida do aluno somente a memória de um conjunto de vocábulos de usos equivalentes e o domínio da produção escrita em nível de re-escritura de frases para alcançar os objetivos previstos.

Embora o professor tenha destacado o objetivo de trabalhar com elementos não lingüísticos, razão da escolha das HQ, não houve nenhuma questão que privilegiasse ou, ao menos, enfocasse tal meta papel da imagem na construção do significado das historinhas. Segundo ele, contudo, na questão 4, procurou valorizar a compreensão do texto em quadrinhos, pois, sem o entendimento pleno da relação entre imagem e palavra na construção da mensagem, não seria possível criar uma outra HQ diferente. Predominaram na tarefa, no entanto, as questões de gramática textual, abordando preferencialmente a coesão referencial ou os exercícios de reescritura. A compreensão foi relegada a segundo plano, limitada à compreensão geral, pouco explorada e apresentada por comandos pouco orientadores. Houve a presença de propostas de prática escrita mescladas às de compreensão.

Em vista da aparente contradição entre o resultado do questionário de sondagem inicial, que colocava o docente num perfil interativo, e a análise da atividade de leitura por ele proposta, passamos à entrevista que enfocou, principalmente, esse aspecto díspar, com atenção à prática habitual em sala de aula e possíveis coerções que a limitassem.

O docente informou que o trabalho específico com leitura não é muito freqüente em suas turmas. Segundo seu depoimento durante a entrevista, a instituição recebe alunos que não têm conhecimento algum da língua espanhola”. As questões de tempo e da falta de pré-conhecimento da língua por parte dos estudantes são as maiores limitações ao desenvolvimento de um trabalho de compreensão leitora.

E é uma grande corrida contra o tempo, porque eles têm três tempos por semana, média de quarenta a quarenta e cinco minutos cada um e o curso, nós temos apenas três anos. Então é uma grande corrida contra o tempo para passar o conteúdo de língua e conseguir desenvolver um trabalho com leitura. (Junger, 2002; gravação em CD-ROM)

Ensinar a língua envolve, nessa perspectiva, desenvolver o domínio das estruturas lingüísticasvocabulário, classes gramaticais, suas formas e seus usos – de acordo com um modelo tradicional, determinado no programa do curso. Além disso, a equipe docente não constrói uma proposta integrada de trabalho, que favoreça um olhar novo sobre os conceitos de língua e sua aprendizagem.

Ainda segundo o informante, no período dedicado ao desenvolvimento do estudo de sintaxe da língua espanhola (6º e último do curso), ele próprio opta por propostas de leitura, com ênfase na gramática textual. E há também um espaço para a análise e a realização, como exercício, de provas de concursos públicos para professor de E/LE, dos quais muitos recém-formados participarão ao terminar sua licenciatura. As iniciativas no sentido de promover o desenvolvimento e aprimoramento da leitura, contudo, são isoladas, dependendo de cada professor da instituição, e sujeitas às restrições de tempo e às dificuldades específicas dos grupos de alunos. Acrescentou que, sempre que possível, inclui materiais autênticos para atividades de compreensão ao lado do livro didático adotado, que não oferece propostas de leitura sob o enfoque interativo, mas contribui, conforme o ressaltado pelo docente, para facilitar o trabalho, principalmente em termos de sistematização gramatical.

O informante destacou que o grupo escolhido para participar da atividade possuía noções de língua instrumental, uma vez que a maioria da turma, anteriormente, num evento promovido por sua instituição, teve a oportunidade participar de um mini-curso sobre leitura realizado pelo docente. Nessa ocasião, foram desenvolvidas atividades que favoreciam o contato com diversas estratégias de leitura. O evento, aberto a diferentes LE, não se orientava especificamente ao espanhol, mas como muitos de seus alunos estiveram presentes, para ele, tal fato permite concluir que a leitura segundo o enfoque interativo não era algo estranho aos estudantes, mesmo não fazendo parte de seu cotidiano em sala de aula. Ao lado dessa constatação, no entanto, está o fato, reconhecido pelo professor, de que existe uma falta de orientação sistemática para o desenvolvimento da leitura a graduação em espanhol de sua instituição. As dificuldades apresentadas por tais alunos na sua língua materna, no que se refere às competências e às estratégias cognitivas envolvidas no processo de leitura, reduzem suas oportunidades de tomar consciência de tais pré-requisitos para o trabalho com textos, ou de transferi-los e aplicá-los à LE.

Finalmente, o docente acrescenta que é no espaço da aula de literatura, no contato com textos autênticos literários, que consegue aplicar fundamentos da leitura interativanoções de inferência lexical, emprego de conhecimentos enciclopédicos, negociação de significados, uso do dicionário etc. Na tentativa de ampliar o domínio dos aprendizes no campo da compreensão leitora, propõe a leitura de textos literários e sua posterior apresentação aos colegas de turma em aulas preestabelecidas. Embora avalie a iniciativa de maneira positiva, observando uma maior autonomia dos alunos na sua relação com os textos, admite na entrevista que não oferece qualquer roteiro ou orientação metodológica (dados teóricos sobre as estratégias que permitam aos estudantes a conscientização dos processos metacognitivos utilizados durante a leitura), para auxiliá-los na tarefa. Isso, somado aos demais problemas destacados pelo docente, talvez explique as dificuldades apresentadas pelos estudantes na resolução da tarefa proposta para a pesquisa.

 

Aspectos para a reflexão
breves considerações finais

A despeito de nosso informante se tratar de um docente que reconhece, tem formação em leitura interativa, admitindo usá-la sempre que possível, e possui um discurso compatível com as bases teóricas da abordagem, seu trabalho pouco refletiu esse enfoque teórico, pois não contemplou estratégias e apresentou apenas aspectos de compreensão geral dos textos escolhidos, sem explorar suas características de gênero, admitindo questões de orientação gramatical tradicional. A justificativa recorrente durante a entrevista feita ao informante foi a dificuldade dos alunos com relação a um tipo de atividade que não lhes é freqüente. Nãoum trabalho sistemático e conjunto na equipe de professores do curso que permita criar a base teórico-prática de leitura interativa nos aprendizes. Por isso, é difícil praticá-la, desenvolvê-la e obter resultados satisfatórios em exercícios isolados seguindo tal enfoque.

Na opinião do professor informante, qualquer mudança no sentido de explorar o potencial leitor dos alunos teria que fazer parte de um processo coletivo na instituição. No âmbito do curso, os diversos professores apresentam visões díspares sobre o que é ensinar uma LE e sobre o espaço que deve ser ocupado pela leitura. Considerando as dificuldades citadas, relativas ao público alvo e às exigências institucionais, o trabalho pedagógico poderia ser desenvolvido com uma relativa congruência se houvesse uma coerência seqüencial, de maneira a seguir uma mesma linha desde o princípio do curso, e tivesse continuidade ao longo de todos os seus períodos. Segundo ele, se um docente começasse a desenvolver a compreensão leitora de seus alunos sob a ótica interativa, usando princípios de gramática textual, e, no semestre seguinte, a turma passasse a um professor que lhe cobrasse informações de gramática normativa e abandonasse o trabalho interativo com o texto, o esforço inicial estaria perdido. Haveria frustração por parte dos estudantes, que não teriam a base para responder às demandas de seu novo professor, e críticas deste ao processo de formação anterior dos aprendizes.

Como se pode inferir deste caso, a formação de um profissional de educação tem relevância no momento de construir a base teórica, que orientará seu trabalho. No entanto, não é uma condição suficiente para garantir a coerência entre teoria e prática ou para dar homogeneidade à atividade docente. Coerções de ordem institucional, condições de trabalho e o perfil dos alunos com os quais se vai trabalhar são fatores importantes a considerar e que podem matizar a atuação do professor. Este pode, inclusive, manifestar a consciência da própria incongruência que vive, mas não conseguir vislumbrar mecanismos para resolvê-la.

Não estamos propondo um caminho único para a abordagem e desenvolvimento da leitura em aulas de E/LE. Com nossas reflexões pretendemos fomentar a ampliação da discussão e a avaliação dos rumos que vem tomando a formação dos profissionais de espanhol, que, em última análise, deverão ser orientadores, no caso específico que aqui enfocamos da leitura, de novos leitores autônomos e proficientes. A atuação docente influencia diretamente a discente no processo interativo de ensino-aprendizagem. Conseqüentemente, a base teórico-metodológica do professor, suas experiências e crenças se somam às condições institucionais e de sala de aula nas que está inserido para conformar o processo observável de ensino-aprendizagem de E/LE.


 

Referências bibliográficas

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SOLÉ, Isabel. Estrategias de Lectura. 4ª ed. Barcelona: Graó, 1994.

 


 

Anexo

Exercício elaborado pelo docente

Cuestiones generales

1) ¿Qué relación se establece entre los tres chistes? Justifica tu respuesta.

2) ¿Cuál de los chistes te pareció más gracioso? Justifica.

3) Si tuvieras que darles un título general a los chistes, ¿cuál sería? Justifica.

4) ¡Ahora eres el escritor! Elabora tu propio chiste sobre el mismo asunto de los demás u otro

tema de la actualidad. ¡A trabajar!

 

Cuestiones específicas

Texto A

1) En el fragmento: “(...) Por lo del ántrax, ahora no olvides el remitente.” El vocablo subrayado se refiere a:

2) Si tuvieras que decirlo de otra manera, sin cambio de significado, ¿cómo lo harías?

 

Texto B

1) En: “(...) que funciona sin que nadie lo maneje”. ¿El vocablo subrayado tiene el mismo valor del vocablo LO de la cuestión anterior? Justifica tu respuesta.

2) ¿Qué idea introduce la palabra TODAVÍA en: “(...) ¡Todavía hay esperanza!”? Si quisieras

sustituirla por otra palabra, con el mismo significado, ¿cuál sería?

 

Texto C

1) Tras leer el chiste: “¡ Vamos, Matías! ¡Tenés que ir a la escuela!”, ¿te has dado cuenta de

dónde es su autor? Justifica.

2) “¡No... le tengo miedo al ántrax!” ¿qué función tiene el pronombre LE?

3) “¿Y qué tiene el ántrax con todo eso?” Sustituye el vocablo subrayado de manera que no haya cambio de sentido en lo que ha sido dicho.

 

 

 

 

Miércoles 17 de octubre de 2001

Yo, Matías – Por SENDRA

 

 

 

  

 


 

[1] A abreviatura refere-se à primeira língua de um indivíduo, neste caso, tomada como sinônimo de língua materna.

[2] Definiu-se que se trabalharia com alunos de 4º período, ou seja, do penúltimo ano do curso, cuja duração é de três anos.