Aspectos lingüísticos, filológicos
e
gramaticais das cartas do soldado
tiberiano e de rustius barbarus

Maria Cristina da S. Martins (USP)

 

Introdução

Este artigo tem como objetivo apontar as principais características das cartas do soldado tiberiano e de Rustius Barbarus[1], representantes do latim vulgar do início do século II d.C., mostrando aspectos que diferem do latim clássico e apontam para as línguas românicas.

Latim vulgar” é o termo tradicionalmente usado para se referir ao latim que mostra um conjunto de inovações gramaticais que não seguem as normas do latim literário (clássico), e que pode ser tomado como a língua falada. Este latim pertencia a uma população que era muito pouco ou quase nada escolarizada e que, portanto, não poderia ter sido influenciada pelos modelos literários.

O latim vulgar não sucede ao clássico; teve origem nos meios plebeus de Roma e cercanias, sendo essencialmente, como afirma Maurer Jr. (1959:5), “o latim falado pela plebe romana, embora muito de seus característicos se infiltrassem no seio da classe média e até das classes mais altas, sobretudo na época imperial[2].”

Latim clássico” é a norma literária, altamente estilizada, que compreende o período que vai de 81 a. C. a 14 d.C. Esta norma literária coexistia com o sermo urbanus ou usualis, língua coloquial das classes cultas, e com o sermo plebeius, que pode ser subdividido na língua dos camponeses – sermo rusticus língua regional, sermo peregrinus, - linguagem dos estrangeiros, bastante numerosos no Império, sermo castrensis ou militaris língua dos soldados. O termolatim vulgar” engloba estas últimas variedades. O sermo classicus se fixou como uma língua escrita (o latim clássico que estudamos) e o latim vulgar prosseguiu se transformando até que em mais ou menos 600 d.C. constituía os primeiros romances (variedades regionais do latim vulgar) e posteriormente, a partir do século IX, as línguas românicas.

Não se sabe até quando o latim vulgar existiu e quando se transformou nos romances. Igualmente, não se sabe a natureza desses romances, visto que não documentos que os comprovem.

Considera-se “Os Juramentos de Estrasburgo”, de 842, o primeiro documento em língua românica (francês), muito embora ainda hoje não esteja claro qual seria exatamente o dialeto empregado. Neles, Luís e Carlos, com o apoio da Igreja, fazem um acordo diplomático para instaurar a divisão do Império de Carlos Magno. É a língua que realiza e significa essa divisão: Carlos recebe a parte francófona (romana lingua, no caso, uma variedade francesa) e Luís a germanófona (teodisca lingua, uma variedade franca da região do Reno) do Império. Antes disso, em 813, o Concílio de Tours havia determinado que nas funções religiosas e homilias se usasse a Rustica Romana Lingua ou a Thiotisca (teodisca, o germânico). Assim, o Concílio de Tours comprova que o povo não mais entendia o latim e que existiam essas duas línguas.

Rigorosamente falando, não existem obras em latim vulgar. O que são obras que contêm vulgarismos. As cartas do soldado tiberiano e de Rustius barbarus constituem uma das melhores fontes para o estudo do latim vulgar, pois, escritas por pessoas de pouca escolaridade, mostram um latim simples, pleno de modificações em todas as áreas da gramática, em comparação com o latim clássico, e que depois farão parte das línguas românicas.

 

Os textos e suas características

A primeira carta é a do soldado tiberiano (CPL 254)[3], escrita em papiro, do início do século II d.C., encontrada em Karanis, no Egito. A segunda carta , do comerciante “Rustius Barbarus” (CPL 304), é um outro papiro, também do século II d.C., encontrada em Ostracon, no Egito[4].

A tradução que fazemos das cartas é literal tanto quanto possível. Tentamos preservar os casos que se apresentam no latim.

 

Carta de um soldado tiberiano (CPL 254)

... dico illi, da mi, dico, a(e)s paucum; ibo, dico, ad amicos patris mei. Item acu lentiaminaque mi mandavit; nullum assem mi dedit. Ego tamen inc ebinde collexi paucum aes ed ibi ad Varoclum et G(.)ivan et emi pauca que e(x)pedivi. Si aequm tempus esset se exiturum Alexandrie s(i)lui(t). Item non mi d(e)dit aes quam (quam) aureum matri mee in vestimenta (dedit). Hoc est, inquid, quod pater tus mi mandavit. Quo tempus autem veni omnia praefuerunt et lana et (linum)? Matrem meam aute praegnatam inveni. Nil poterat facere. De(i)nde pos paucos dies parit et non poterat mihi succurrere. Item litem abuit Ptolomes pater meu sopera vestimenta mea, et factum est illi venire Alexandrie con tirones et me reliquid con matrem meam. Soli nihil poteramus facere, absentia (illius) illim abit(u)ri. Mater mea (dicit): Spec(t)emus illum dum venit et ven(i)o tequm Alexandrie et deduco te usque ad nave. Saturninus iam paratus erat exire illa die qu(a)ndo tam magna lites factam est. Dico illi: veni interpone te si potes aiutare Ptolemaeo patri meo. Non magis quravit me pro xylesphongium sed sum negotium et circa res suas. Attonitus exiendo dico illi: da m(i) paucum aes, ut possim venire con rebus meis Alexandrie, im inpendiam. Negabit se (h)abiturum. Veni, dicet, Alexandrie et dabo t(i)bi. Ego non abivi. Mater m(e)a no(n haben)s assem, vendedi(t) lentiamina (u)t veniam Alexandrie.

... digo a ele, dá-me, digo, um pouco de dinheiro; irei, digo, aos amigos de meu pai. Da mesma forma me mandou uma agulha e tecidos de linho, nenhuma moeda me deu. Eu finalmente aqui e ali reuni um pouco de dinheiro e fui a Véroclo e Givan, e comprei umas poucas coisas que enviei. Se fizesse tempo bom, ele não disse que iria para Alexandria. Igualmente não me deu dinheiro a não ser uma moeda de ouro à minha mãe para as roupas. Isto é, diz ela, o que o teu pai me mandou. Nesse tempo, porém, tudo teve preferência tanto a como o linho? Encontrei a minha mãe grávida. Nada ela podia fazer. Depois de poucos dias pariu e não podia me auxiliar (socorrer). Também meu pai, Ptolomeu, teve uma briga a respeito de minhas roupas, e aconteceu de ele vir a Alexandria com os recrutas e me deixou com a minha mãe. Sozinhos nada podíamos fazer, havendo de ter a ausência dele dali. Minha mãe (diz): esperemos até que ele chegue então, e vou contigo para Alexandria e te levo até o navio. Saturnino estava pronto para sair naquele dia quando aconteceu tão grande briga. Digo a ele: vem, interpõe-te, se podes ajudar Ptolomeu, meu pai. Não mais se preocupou comigo, como algo sem importância, mas com seus negócios e suas coisas. Saindo atônito digo a ele: dê-me um pouco de dinheiro para as despesas, para que eu possa ir a Alexandria com as minhas coisas. Negou que ele até haveria de ter. Vem, disse ele, a Alexandria e te darei. Eu não fui. Minha mãe, não tendo dinheiro, vendeu os tecidos de linho para que eu viesse a Alexandria.

 

Carta de um comerciante, escrita em papiro
e encontrada
em Ostracon. Do séc. II d.C.; CPL, 304

Rustius Barbarus Pompeio fratri suo salutem. Opto deos ut bene valeas que mea vota sunt. Quid mi tan invidiose scribes aut tan levem me iudicas? Si tan cito virdia mi non mittes, stati amicitiam tuam obliscere debio? Non sum talis aut tan levis. Ego te non tamquam amicum habio, set tanquam fratrem gemellum qui de unum ventrem exiut. Hun(c ver)bum sepius tibi scribo, sed tu (ali)as me iudicas. Accepi fasco coliclos et unum casium. Misi tibe per Arrianum equitem chiloma; entro ha(b)et collyram I et in lintiolo (...) alligatum, quod rogo te ut ema(s) mi matium, salem et (mi)ttas mi celerius quia pane volo facere. Vale frater K(a)rissime.

Rustius Barbarus saúda o seu irmão Pompeu. Peço aos deuses que estejas com boa saúde. Estes são os meus votos. Por que razão tão invejosamente me escreves, ou me julgas tão leviano? Se não me mandas depressa as verduras, devo esquecer imediatamente a tua amizade? Não sou tal ou tão leviano. Eu não te tenho como um amigo, mas como um irmão gêmeo, que saiu de um único ventre. Esta palavra te escrevo, mas tu me julgas de outra maneira. Recebi um feixe de couves e um queijo. Enviei para ti, pelo cavaleiro Arriano, um cesto, dentro um pão e amarrado num pedacinho de linho (...)[5], que te peço para que me compres uma medida de farinha e sal, e me envies sem demora, porque quero fazer pão. Salve, caríssimo irmão.

Nestas duas cartas, verifica-se a maioria das transformações apontadas para o latim vulgar em todas as áreas da gramática. Citem-se, por exemplo, na fonética, a redução de ditongos e hiatos; na morfologia, a tendência do desaparecimento do neutro e a redução dos casos; na sintaxe, o predomínio da ordem direta, da parataxe e o aumento no uso de pronomes e de preposições; no léxico, o emprego de um vocabulário simples, não-erudito.

Na verdade, ambas as cartas apresentam construções clássicas aprendidas na escola, uma vez que ambos os autores não deviam ser falantes do latim como língua materna, com elementos populares em todos os níveis, mostrando mais diferenças com relação à norma culta do que semelhanças. Entre as construções do latim clássico estão a saudação inicial opto deos ut bene valeas, da segunda carta, e o infinitivo futuro negabit se habiturum (carta 1, na linha 23), que, em textos com características tipicamente vulgares como estes, em todos os níveis lingüísticos, chegam a soar como fórmulas fixas.

O método histórico-comparativo triunfou sobretudo com a aplicação das leis fonéticas, importante contribuição dos neogramáticos àqueles que se dedicam à lingüística histórica e aos estudos românicos em particular. Esse método permite ao romanista estabelecer conjecturas bastante exatas acerca de uma origem latina comum (vocábulos-fontes) para várias palavras não documentadas em latim vulgar (mas que podem vir a ser), quando se comparam as diferentes línguas românicas.

 

Algumas das características fonológicas do latim vulgar
encontradas nas
cartas 1 e 2 são:

· A queda das vogais átonas: coliclos por cauliculos (carta 2, linha 8), virdia por viridia (carta 2, linha 4). Ambas mostram a síncope de uma vogal postônica entre consoantes.

Este metaplasmo fonético faz com que a palavra perca uma sílaba: assim, uma proparoxítona torna-se paroxítona. Isto comprova o que acabou por ser a tendência das línguas românicas quanto ao acento tônico: a de serem paroxítonas (a exceção do francês, que como se sabe, o acento não recai sobre a palavra, mas sobre o sintagma). Coliclos mostra também a redução dos ditongos, neste caso, au> o.

É interessante que este fenômeno seguramente ocorreu no próprio latim culto, como podemos ver através de Cícero (Ad Quint. Fr. 2,13,4, Apud Väänänen, 1965: 419), que emprega a locução proverbialoricula infirma mollior” ´mais macio que o lóbulo da orelha’, denunciando a pronúncia de oricula por auricula.

· /i/ e /e/ diante de uma vogal mais aberta tendiam a se fechar pela tendência a evitar o hiato: habio (habeo) (linha 3, carta 2), debio (debeo) (linha 3, carta 2), (linha 5, carta 2), casium (caseum) (linha 5, carta 2). Na evolução do português vemos confirmada a tendência do latim a dissolver o hiato: habeo > habio > haio > *hai > hei. A perda do – o de *haio se explica pelo freqüente emprego proclítico deste verbo, quando auxiliar.

· A contração de duas vogais consecutivas, de mesmo timbre: mi < mii < mihi. Este exemplo mostra também a perda de aspiração do /h/ (carta 2, linha 2);

· A troca de /t/ por /d/ inquit por inquid, set por sed que em muitos casos deve-se à influência de uma consoante surda posterior: set tanqua (carta 2, linha 4). O inverso também ocorre no latim vulgar, ou seja, a troca de surda /t/ por sonora /d/ por influência de uma consoante sonora posterior, ou por estar entre vogais. Quanto à sonorização das surdas intervocálicas, temos /d/ pelo /t/, na grafia da conjunção et como ed. Depreende-se, nesta ocorrência, que deveria haver junção de ed + ibi (edibi), formando um vocábulo fonético, porque assim pode-se explicar um /t/ intervocálico sonorizado em /d/. Como se sabe, a tendência a sonorizar as oclusivas surdas intervocálicas não acontece em toda România, o que determinou a cisão em dois grandes domínios lingüísticos.

· A redução dos ditongos: o caso locativo Alexandrie (carta 1, linhas 6 e 14) em vez de Alexandriae.

· A apócope das consoantes finais: pos (linha 11, carta 1) por post; stati (carta 2, linha 4) por statim, onde perda do –m final. Um dos fatos mais importantes do latim vulgar é a queda do -m final do acusativo, o que contribuiu para a confusão entre este caso e ablativo, que se tornaram iguais na pronúncia. A perda de consoantes no final da palavra é também uma característica morfológica do latim vulgar, destacando-se o acusativo sem o –m final, que vem a ser o formador do léxico das línguas românicas.

Uma das características marcantes do latim vulgar em contraposição ao clássico é a perda da quantidade das vogais, que em latim clássico era um elemento de valor fonológico, diferenciando por exemplo, levis, com /e/ breve, ‘leve’, de levis com /e/ longoliso’; solum, com /u/ breve, ‘solo´, de solum, com /u/ longo, ‘’.

 

Na morfologia, verificam-se entre outras coisas:

· Dentre as inúmeras as modificações que ocorreram com a morfologia do verbo, destacamos o uso de obliscere (carta 2, linha 4) por oblivisci, depoente, que em latim clássico tinha forma passiva mas sentido ativo. Posteriormente, a idéia de “esquecer expressa por obliscere foi substituída pela forma oblitare (a partir do particípio de oblivisci = oblitus), de onde procedem o esp. olvidar, o cat. oblidar, o provençal oublidà, o francês oublier. Oblitare estendeu-se até o oriente, como se pela forma uita do romeno.

· o uso do acusativo sem o m- final: pane por panem (carta 2, linha 12); acu por acum (carta 1, linha 2).

 

No léxico, destacam-se por alto as seguintes peculiaridades:

· A influência do grego no vocabulário do latim vulgar desta região (latim do oriente): chiloma (carta 2, linha 10), matium (carta 2, linha 11), xylesphongium (carta 1, linha 21); karissime (carta 2, linha 13, pela grafia com k)

· O vocabulário simples, com palavras da vida cotidiana: frater, panis, etc.

 

Na sintaxe, podemos apontar as seguintes características
que se distanciam do uso clássico:

· o uso do verbo habere impessoal (carta 2, linha 10): entro habet collyram ...;

· o predomínio do discurso direto e da parataxe: dico illi, da mi, dico, a(e)s paucum; ibo, dico, ad amicos patris mei (carta 1, 1ª linha);

· o uso de factum est (carta 1, linhas 13-4), junto ao infinitivo (factum est illi venire) como uma construção impessoal, no sentido de “aconteceu”.

· o predomínio da ordem direta: Soli nihil poteramus facere (carta 1, linha 15, entre tantas outras ocorrências);

· a confusão entre os casos ablativo e acusativo, como se pelo uso da preposição cum regendo o acusativo: con matrem meam (carta 1, linhas 14-5 ) (cf. con rebus meis, carta 1, linha 23 );

· o uso da conjunção quia, mostrando a tendência a englobar ut e a substituir o subjuntivo pelo indicativo + infinitivo (volo facere): (...) mittas me celerius quia pane volo facere (carta 2, linha 12).

Através dessas cartas, comprova-se que, em latim vulgar, a ordem das palavras se tornou mais fixa e mais próxima das línguas românicas do que do latim clássico, com o emprego da ordem direta, próxima da encontrada nas línguas românicas, na qual os termos que estabelecem relações semânticas, sintáticas e morfológicas aparecem contíguos. Para ilustrar, tomemos o exemplo (1), dentre tantos outros:

(1) (Carta 1, linhas 12-13) Item litem abuit Ptolomes pater meu sopera vestimenta mea, et factum est illi venire Alexandrie con tirones et me reliquid con matrem meam.

Também meu pai, Ptolomeu, teve uma briga a respeito de minhas roupas, e aconteceu de ele vir a Alexandria com os recrutas e me deixou com a minha mãe.

Além da ordem dos termos numa seqüência que poderia ser de uma língua românica, este período mostra peculiaridades sintáticas, morfológicas e fonéticas que se distanciam do latim clássico e se aproximam das línguas românicas, as quais vimos de passagem: o uso de factum est junto ao infinitivo (factum est illi venire, carta 1, linhas 13-14) como uma construção impessoal, no sentido de “aconteceu”; a confusão entre os casos ablativo e acusativo, como se pelo uso da preposição cum regendo o acusativo - con tirones (carta 1, linha 14), con matrem meam (carta 1, linhas 14-15) (cp. con rebus meis; carta 1, linha 19); a mudança fonética de cum para con.

A subordinação, que permite reunir vários enunciados em relação de dependência, é um fato característico de língua literária. Repare-se que, de uma modo geral, não há nessas cartas um processo de subordinação, nem clássico nem vulgar. O verbo dicere, em latim clássico, exige uma oração completiva construída com o sujeito em acusativo e o verbo no infinitivo; em latim vulgar sabe-se que a construção preferida para introduzir este tipo de subordinada é com quod/ quia. Retomemos um dos exemplos:

(2) (carta l, linha 1): ... dico illi, da mi, dico, a(e)s paucum; ibo, dico, ad amicos patris mei.

Verifica-se também que a crescente fixidez da ordem de palavras foi acompanhada de uma maior coesão interna do sintagma[6].

Pode-se apontar as seguintes características gerais do sintagma nominal dessas cartas: a) contigüidade dos elementos modificante/modificado (em geral, ausência de constituintes descontínuos); b) aumento de utilização de pronomes pessoal ego na função de sujeito, sem o valor enfático clássico; c) uso do demonstrativo ille como pronome pessoal de 3ª pessoa (aqui somente na função de objeto); d) uso repetido de pronomes possessivos (salientando-se o uso de suus como o pronome possessivo correspondente à nova terceira pessoa, e não mais com o uso reflexivo clássico).

 

Considerações Finais

Os aspectos característicos destas cartas e os pontos que aqui mostramos são uma pequena amostra da fonte inesgotável representada por textos deste tipo.

Temos plena consciência de que as modificações morfológicas e sintáticas ocorridas no latim vulgar, como a substituição dos casos por sintagmas preposicionados, a mudança de voz passiva de sintética para analítica, as formas verbais perifrásticas, etc, somente podem ser testemunhadas, de fato, nos séculos VII e VIII. Mesmo assim, podemos ver o começo dessas mudanças nas cartas do soldado tiberiano e de Rustius barbarus, do início do séc. II d.C.

Somos de opinião que, na situação em que se encontra ainda hoje o conhecimento do latim vulgar, assistemático e atomizado, um trabalho descritivo desta natureza, abordando aspectos lingüísticos, gramaticais e filológicos, é um trabalho de extrema importância, que não existe em português, e o desconhecemos em outras línguas. Acreditamos que esta é uma etapa necessária para um entendimento mais profundo não das variedades do latim, mas também das origens das línguas românicas.

Esperamos que este trabalho forneça elementos para outras pesquisas sobre as diglossias da língua latina e sobre a diacronia das línguas românicas, quer sejam de orientação estruturalista, gerativista, tradicional, entre outras.

 

BIBLIOGRAFIA

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DIAZ Y DIAZ, Manuel. Antología del latín vulgar. Madrid: Gredos, 1962.

HAADSMA, R.A. & NUCHELMANS, J. Précis de latin vulgaire. Groningen: Wolters, 1963.

HERMAN, József. Le latin vulgaire. Paris: Presses Universitaires de France, 1967.

––––––. Vulgar latin. Philadelphia: Penn State Press, 1999.

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––––––. O problema do latim vulgar, 1962.

VÄÄNÄNEN, Veikko. Le latin vulgaire des inscriptions pompéiennes. Helsinki: Annales Academiae Scientiarum Fennicae, 1937.

––––––. Latin, langue parlée et langue écrite: réactions et régressions. Linguistique et Philologie Romanes: Actes du Xe Congrès International de Linguistique et Philologie Romanes, Strasbourg, 23-28 avril 1962. Paris: Klincksieck, 1965.

––––––. Introduction au latin vulgaire. Paris: Klincksieck, 1981.


 

1 As cartas 1 e 2 foram retiradas da edição de Diaz y Diaz (1962) Antología del latin vulgar.

[2] O período do Império vai de 27 a.C. a 476 d.C.

[3] CPL = Corpus Papyrorum Latinarum

[4] Os papiros são feitos de um tipo de planta aquática, que tem esse mesmo nome. Durante o Império Romano deveriam existir milhares deles porque eram empregados para registrar toda burocracia do Império, além das correspondências privadas. Como são biodegradáveis, apenas umas centenas sobreviveram em regiões secas, como no deserto do Egito, de onde provêm estas duas cartas. Como nesta região o grego era usado como língua escrita, há também vários papiros em grego, inclusive um escrito em latim com caracteres gregos (Ver Bassetto (2001:116) e Herman (1999:21)).

[5] (...) falta a palavra, talvez seja “moedas”, pelo que se tem na seqüência.

[6] Este aspecto foi amplamente exemplificado e explorado na minha tese de doutorado. Ver MARTINS, Maria Cristina da S. (2002).