O uso dos diminutivos
no cotidiano da Língua Portuguesa

Fernanda de Oliveira Marconi da Costa (UCB)

Os homens desde os seus primórdios sempre tiveram necessidade de se comunicarem.

Como os homens tinham uma inteligência e sensibilidade diferentes dos outros animais, sentiram a necessidade de trocarem com outros homens as suas experiências e as suas emoções. Começaram a criar através de gestos e vozes uma linguagem que facilitasse essas trocas de experiências e que pudesse beneficiá-los.

O homem é o único animal que cria, que transforma, que evolui. Como ele evolui, a sua maneira de se comunicar com os outros homens também evolui.

As palavras vão também evoluindo. Criam-se expressões novas, usam-se velhas expressões mas com novas significações, modifica-se a grafia das palavras.

A linguagem é viva e vai se modificando de acordo com as modificações sofridas pelo homem, porque a linguagem é o próprio homem.

A linguagem é inseparável do homem e segue-o desde o seu nascimento até sua morte.

É através da linguagem que se conhece o pensamento de um homem, que se conhece a realidade de uma sociedade, de um país.

Como a linguagem funciona por analogias (semelhança entre coisas diferente) ela cria, interpreta e decifra significações.

É na linguagem que a significação se perfaz. Se o homem é a língua que fala é todo ele que se coloca na linguagem. As frases valem pela intenção do falante, pelo que ele quis destacar e realçar, pelo contexto da situação. (WALDECK, S. P. e SOUZA, Luís de)

A linguagem é conotativa, onde a pluralidade de sentido das coisas faz parte de sua própria existência

Saussure já dizia que a característica da fala é a liberdade de combinações.

Marilene Chauí diz em seu livro que a linguagem nasce das emoções, particularmente do grito (medo, surpresa, compaixão) e do riso (prazer, bem estar, felicidade). E mais adiante: Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que aos primeiros homens lhe arrancaram as primeiras vozes..

E é nesse momento de explosão que o homem utiliza os diminutivos para poder expressar melhor as suas emoções e as suas intenções de modo espontâneo, impulsivo e não apenas utilizá-lo como diminuição de tamanho.

Os diminutivos nem sempre indicam diminuição de tamanho. Dependendo de como os diminutivos são colocados no contexto, eles podem assumir as mais diversas significações e não apenas diminuição de tamanho.

O principal morfema da Língua Portuguesa para denotar o diminutivo é “inho”(a). Os outros sufixos são:, acho,culo, ebre, eco, ejo, ela, ete, eto, iço, im, isco, Ito, ote, ucho, ulo, únculo, usco.

Na linguagem coloquial, as formas sintéticas dos diminutivos, tanto nos substantivos, quanto nos advérbios e adjetivos, são, na maioria das vezes utilizadas não só como diminutivos, mas também para indicar as várias manifestações da emoção e das intenções do falante..

A significação dos diminutivos depende do contexto e só existe em relação a ele.

Algumas significações dos diminutivos

Há casos em que os diminutivos têm significação de aumentativo:

1)- Casinha: Dois amigos se encontram e um deles convida o amigo para conhecer a sua “casinha” (diminutivo afetivo, de aconchego).

Quando o amigo chegou em frente à casa, declarou admirado:

- Que “casinha” hein!...

Na realidade, o amigo se admirou porque não era uma casinha, (no sentido de pequena), mas uma casa grande, um casarão.

2)- Friozinho:Quando alguém diz “aquela situação me deu um ‘friozinho na barriga’”, realmente não será o aumentativo de medo?

Nos casos em que os diminutivos se referem a comida, o tom carinhoso, afetivo, surge com muito mais intensidade.

Que comidinha gostosa a sua mãe faz !

Hoje o arrozinho e o feijãozinho da mamãe estavam uma delícia!

Já provou o tutuzinho da vovó?

Gostou do cafezinho?

Algumas palavras causam desconforto, por isso usamos o eufemismo. O diminutivo se presta muito a isso: serve para abrandar, para atenuar uma situação que, (segundo Veríssimo), “na sua forma original são ameaçadoras demais”

Ex.: 1- Remedinho: Maria Paula já saiu toda arranhada por causa dos penduricalhos usados num top. “Era de cristal e tinha várias pontas. Foi só fazer um movimento mais brusco que, pronto, me arranhei toda. No intervalo tive que passar um remedinho para sarar” (Revista da TV, 9/6/02.

Remedinho, neste caso, significa tratamento de rotina, coisa simples, sem conseqüência. Já se ela usasse “um remédio”, o machucado teria sido de maior conseqüência.

2) Operaçãozinha

“João irá fazer uma operação”

Operação é uma palavra que assusta. Uma operação certamente durará horas e os resultados serão incertos.

Agora, quando se diz: “João irá fazer uma “operaçãozinha”, operaçãozinha, neste caso é uma mera formalidade, é uma coisa banal, inconseqüente.

3) Torresminho: Podem-se passar horas comendo torresminho sem causar nenhum efeito daninho para o nosso colesterol.

Deve-se tomar cuidado com o uso d as palavras no diminutivo, pois em determinadas situações pode haver constrangimentos, ofender as pessoas, magoá-las.

Ex.: 1) Doutorzinho

“Esse doutorzinho não acertou um diagnóstico sequer”

Esse diminutivo revela ironia, desprezo, antipatia.

2) Povinho

“Esse povinho não tem muita coragem”

Povinho- revela um grande desprezo pelas pessoas, por esse povo.

3) Vinhozinho

“Ele nos serviu um vinhozinho qualquer”

Este ”vinhozinho” conota desprezo, depreciação.

Os diminutivos nos nomes dá-lhes um significado carinhoso, sentimental, de ternura. Aquilo que é nosso, que está, segundo Veríssimo “perto de nós, de aconchego, familiar, à mão, é o da gente”.

Lulinha Paz e Amor,, Toninho Betinho, Bruninho, Rafaelzinho, Rodriguinho, Terezinha, Joãozinho, Ronaldinho, Rubinho, Rosinha.

Isso não quer dizer que são pequenos, mas sim que eles são muito amados.

2) Escolinha de Futebol: Não quer dizer que é uma escola pequena em tamanho, mas sim uma escola para crianças

3) Casinha:

“A nossa casinha é muito bonita.”

Casinha não se refere ao tamanho, mas sim ao que ela significa.

Nos epítetos, os diminutivos são inigualáveis, pois, carinhosamente, substituem os nomes

Ex.: 1) Terrinha:

“...mas na sexta-feira ele levou à Terrinha o Show”. J.B. 28/05/02

Terrinha = Portugal

2) Baixinho:

“Xuxa de volta para os baixinhos”

Baixinho, neste caso são as crianças

3) Pombinhos:

“Um filho para os pombinhos” (O Globo, 18/09/02)

Pombinhos = casal feliz

4) Mosquinha morta:

Amaro era como diziam os criados uma “mosquinha morta” (O Crime do Padre Amaro. Eça de Queiroz p.23)

Mosquinha morta = Amaro, Inofensivo.

Existem diminutivos que, etimologicamente sejam considerados diminutivos, atualmente perderam a significação de diminutivos, pois adquiriram significados especiais, dissociado da palavra derivante. Não se pode mais a rigor falar de diminutivos, pois são em verdade, palavras em sua acepção normal.

Ex.: 1) Asterisco: do latim asterískos que significa “estrela pequena”.

Atualmente: Sinal tipográfico em forma de estrela que indica uma remissão ou chamada para citação

2) Flâmula: do latim flammula que significa “pequena chama”

Atualmente: galhardete, bandeirola.

3) Ósculo: do latim osculu, que significa “boquinha”

Atualmente: beijo.

4) Casal: Vem do latim vulgar que significa cabana, choça, choupana (casa pequena e rústica).

Atualmente: par composto de macho-e-fêmea.

Existem palavras que embora utilizem o sufixo diminutivo, não tem significação de diminutivo. Elas são meramente formais, não encerram a idéia de diminutivos, desde que colocados dentro de um contexto.

Ex.:

1) Santinho: Propaganda eleitoral impressa em formato pequeno, com foto do candidato e informações sobre ele.

2) Folhinha: Folha com o calendário impresso.

3) Patricinha: Mulher que se veste com excessivo apuro.

4) Pegadinha: Ciladas

As pegadinhas do Faustão.

5) Vaquinha (Vários amigos colaborando?

“Não tinha dinheiro, então, fez-se uma vaquinha entre os amigos para comprar a carne para o churrasco”.

Vaquinha = ajuda mútua, caixinha.

E os diminutivos sensuais? Aquelas palavras afetuosas que se usam para designar o que é agradável, e segundo Veríssimo, “aquelas coisas tão afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido”, a sensualidade, o excitante, a imaginação ao erótico.

Ex.:

1) Bundinha:Que bundinha bonitinha!

2) Nuinha: Ela estava nuinha, nuinha...

3) Cuequinha: “Num autdoor..., o modelo italiano Travis Timmel, vestido apenas com uma cuequinha Calvin Klein, vem engarrafando o trânsito de Londres. JB, 16/05/02

Quando o diminutivo sugere alguma recomendação, Isto é, dar a alguém alguma incumbência, alguma ordem, isto não indica mais lentidão ou ligeireza da realização do fato, mas sim acentuar a recomendação, reforçar o sentido.

Ex.:

João, vá depressinha apanhar o meu remédio na farmácia.

Maria é bom que estudes devagarinho.

Embora os verbos não admitam flexão de grau, quando aparecem no diminutivo, eles são usados como um desvio gramatical, intencional, estilístico.

Os diminutivos dos verbos, dando idéia de freqüência, exprimem uma ação, uma marcha de tempo que desliza suave e incessantemente.

Ex.: A vida vai morrendo, morrendinho (Lapa,M. Rodrigues. Est. Da Língua Portuguesa)

O vento madrugouzinho (Caliman, Plínio. O rio da minha aldeia)

Desceu os vales caminhandozinho (Climan, Plínio. O rio da minha aldeia)

Quero estarzinho com ela (Bopp, Raul. Cobra Norato)

Querzinho de ficar junto. (Bopp, Raul. Cobra Norato)

Na linguagem coloquial, onde as manifestações de ternura caracterizam-se por sua intensidade e natural exagero é comum o advérbio e o adjetivo, por afinidade com os substantivos, assumirem uma forma diminutiva, utilizando os sufixos “inho (a)” com um valor de superlativo.

Ex.:

1) Pouquinho

“... os mais cínicos diriam hoje que se J.K fosse um pouquinho mais medroso, o país estaria melhor” (Joaquim Ferreira dos Santos, JB, 23/10/02)

Pouquinho = menos corajoso.

2) Quietinha

“Quando os homens se separam dos meninos no entanto, o medo é uma bola que dorme quietinha no fundo das redes” (Joaquim //Ferreira dos santos, JB).

Quietinha: parada, paralisada, imobilizada. (quietíssima)

3) Igualzinho

“É igualzinho a você” (J.B. 4/10/02)

Igualzinho: não tem diferença alguma, são completamente iguais. (igualíssimos)

4) Apressadinho

“Não vamos aceitar nenhuma provocação de apressadinhos que querem botar o carro na frente dos bois” (Lula, O Globo, 11/03/03)

Apressadinhos: Neste caso, determina a circunstância de um fato, que não medem as conseqüências. Apressadinhos: os que tem muita pressa. Apressadíssimos.

5) Lindinha

“ Como você está lindinha” ! (JB, 19/05/02)

Lindinha = muito linda, lindíssima.

6) Cedinho

“Ele acordou cedinho para estudar”

Cedinho = muito cedo. Cedíssimo

Verificou-se que, através da diversificação desinencial, os diminutivos se prestam para a representação de diferentes nuances:

Ex.:

Livrinho nota-se o diminutivo simplesmente

Livreco realça o caráter pejorativo.

Libelo predomina o tom agressivo

Casinha é o diminutivo de casa. Mas como no interior as instalações sanitárias estão no quintal em pequena casa fechada, adquire novo sentido: banheiro.

Casebre pensa-se logo em pobreza

Casulo é muito usado como termo técnico

Balancete é diminutivo de Balanço (exame de situação comercial)

Balancinho é diminutivo de balanço (objeto de deslocação sem movimento de deslocação)

Covil e covinha, diminutivo de cova, não se pode usar um pelo outro.

Os diminutivos deverão ser sempre analisados dentro de um contexto pois só assim se terá a noção exata de seu significado.

Ex.:

1) Jeitinho

“Ele com jeitinho, resolveu o impasse”. Aqui, jeitinho é igual a habilidade.

“Jeans com jeitinho parisiense”. (JB, 07/05/03). Jeitinho = modo de ser.

“Prédio com Jeitinho de chácara”. Jeitinho = igual, com características de chácara.

“Aposentem o jeitinho” (JB, 26/10/02). Jeitinho: maneira de burlar a lei.

2)Coisinha

“Ó coisinha tão bonitinha do pai...” Coisinha = pessoas

Ele briga por qual quer coisinha. Coisinha = motivo

“Não tive tempo de almoçar. Fui à lanchonete e comi qualquer coisinha”. Coisinha = comida.

Esses são alguns exemplos do uso dos diminutivos no nosso cotidiano.

São nos sufixos diminutivos que a descarga das emoções e das intenções se dá com maior energia (Lapa, M. Rodrigues)

O sufixo diminutivo é um meio estilístico que torna a linguagem mais flexível e mais expressiva, refletindo os nossos sentimentos e intenções pelas coisas e pelas pessoas.

Terminando, mais um dedinho de prosa sobre os diminutivos (Papinho)

Dia de luz

festa de sol

e o barquinho a deslizar

no macio azul do mar (Menescal e Bôscoli)

Um cantinho e um violão

Esse amor, uma canção

Pra fazer feliz a quem se ama. (Tom e Vinícius)

“Preta, preta, pretinha...” (Moraes Moreira)

“Estava triste, tristinho...” (Zeca Baleiro)

“Vem meu cachorrinho,

A sua dona está chamando” (Mc Andinho)

Bibliografia

GENOUVIER, E.; PENTAR, J. Lingüística e o Ensino do Português. Coimbra: Almedina, 1973.

GUIRAUD, P. A Semântica. Rio de Janeiro: Bertrand, 1975.

LAPA, M.R. Estilística da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1982.

MOURA, H.M. de. Significação e contexto. Uma introdução a Questões de Semântica e Pragmática. Santa Catarina: Insular, 2000.

NASCENTES, A. Dicionário Etimológico Resumido. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1966.

VERGNA, W. Comunicação Nobre. Rio de Janeiro: Sophos, 1974.