O USO VARIÁVEL DAS ORAÇÕES RELATIVAS
NO PORTUGUÊS EUROPEU

Filomena Varejão (UFRJ)

APRESENTAÇÃO

Faz parte do senso-comum afirmar que a boa norma falada e escrita é aquela praticada em Portugal, em que não se observariam desvios típicos de um vernáculo desleixado como o brasileiro. Entretanto os resultados de pesquisas sobre usos de formas variantes no Português Europeu (PE) e no Português Brasileiro (PB) mostram que fenômenos não-padrão do português falado no Brasil também são encontrados na fala de portugueses, conforme se pode atestar, por exemplo, pela pesquisa de Naro & Scherre (2001) sobre as concordâncias nominal e verbal naquele país.

Este trabalho pretende apresentar um outro aspecto desses usos variáveis no PE: as estruturas de relativização não-standard. Tais estruturas já foram cuidadosamente descritas para o português brasileiro falado (Lemle 1978; Tarallo 1983), no qual se observa que as relativas preposicionadas são pouco usuais.

Os primeiros resultados mostram que relativas cortadoras também são encontradas na fala de portugueses, independentemente do nível de escolaridade, embora com menor freqüência e em contextos mais restritos, confirmando a tese de que fenômenos marginais são inerentes aos sistemas lingüísticos.

SITUANDO O PROBLEMA

O debate acerca das origens do PB é motivado, principalmente, pela constatação da variabilidade dos sistemas de concordância verbal e nominal, quando comparados aos do PE. A explicação para essa variabilidade tem levado muitos lingüistas a apresentarem pontos de vista divergentes filiados, basicamente, a duas grandes correntes de estudos nesse campo: grosso modo, uma que fundamenta as origens do PB num processo histórico de crioulização e outra que atribui as diferenças entre o PE e o PB à deriva natural das línguas indo-européias (em particular, das línguas românicas) acelerada e maximizada pelos contatos com outras línguas, em terras brasileiras.

Neste trabalho, assumimos que a hipótese da deriva natural oferece condições mais adequadas à análise da questão. Para isso focalizamos, inicialmente, as condições históricas que mesclam a transplantação de uma língua européia para um território americano e o processo de contato com línguas indígenas e africanas, estas provenientes da vergonhosa escravização dos negros na América. Em seguida, fundamentamos nossa argumentação trazendo exemplos extraídos de inquéritos do Projeto Variação no Português, da UFRJ. A variável em questão é o uso das orações relativas, cujas variantes foram controladas e submetidas ao programa VARBRUL / GOLDVARB. Nosso trabalho visa corroborar a argumentação em favor da deriva lingüística como causa natural das marcas estruturais salientes no PB.

A CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DO PB

A hipótese de que no Português Brasileiro (PB) encontram-se traços típicos de línguas crioulas fundamenta-se, essencialmente, nas condições históricas da colonização brasileira semelhantes às de outros povos colonizados que desenvolveram pidgins e crioulos, a exemplo de Nova Guiné e São Tomé. Sem dúvida, não se pode negar que as origens do PB estão relacionadas a um contato lingüístico entre o Português e outros falares, especialmente os indígenas e africanos, numa situação de opressão imposta pelo colonizador.

Nos primeiros séculos da colonização, o contato entre brancos e índios possibilitou a origem de uma "língua geral" - um pidgin simplificado de origem tupi - que serviu como instrumento de interação a índios, brancos e africanos, que chegaram ao Brasil para realizar o trabalho ao qual os índios logo resistiram. Essa situação lingüística perdurou até o século XVIII, quando o português passou, de fato, a ser a língua falada no Brasil.

Para lingüistas como Baxter & Lucchesi (1997), nas origens do PB está a aquisição de um modelo defectivo da língua dois e desse processo resultariam, no PB, os fenômenos variáveis mais salientes. Outros estudiosos, como Naro & Scherre (2001), por exemplo, postulam que o que de fato ocorreu no Brasil foi uma certa mescla de fatores conjugados de tal forma que, ao encontrar ambiente propício às realizações variáveis previstas no sistema, acelerou e maximizou as diferentes possibilidades estruturais, tornando-as assim mais salientes no Brasil, quando cotejadas com o PE. Isso quer dizer que fenômenos variáveis já vieram de Portugal e aqui, no processo de nativização - o contato entre as línguas africanas, indígenas e portuguesa - e num ambiente de complexo quadro sociolingüístico como era o Brasil-Colônia, eles assumiram um caráter quantitativamente mais expressivo e deram ao PB sua feição peculiar.

Servem como elementos básicos à argumentação daqueles que defendem as origens crioulas do PB os dados coletados por Ferreira (1984/1985), em pesquisa realizada na região de Helvécia (Bahia), em 1963. Naqueles dados, Ferreira levanta fenômenos gerais de mudança como o ieísmo e a ausência de concordância de número, mas também aponta fenômenos característicos que, segundo seu ponto de vista, seriam vestígios da existência de um dialeto crioulo na formação do PB. Em defesa a sua tese, a autora aponta os seguintes aspectos: o isolamento da região, a formação predominantemente negra da população e, sobretudo, a existência de peculiaridades lingüísticas do tipo falta de concordância de gênero (uma vestida; o casa); uso de 3a pessoa em lugar da 1a (io bebi; io sabi); predomínio da vogal nasal /õ/ em lugar do ditongo /ãu/ e a presença do artigo una, entre outros. Curiosamente, um pouco antes de Ferreira, Callou (1998), em 1960, havia encontrado fenômenos lingüísticos idênticos em uma comunidade de maioria branca e também isolada, em Mato Grosso. A hipótese de se encontrar um português “sem mistura” não se concretizou.

Como defensores da hipótese da deriva natural, Naro & Scherre (2001) apresentam os seguintes dados de PE não-padrão: i) concordância verbal e nominal variáveis: "Eu ontem foi à Malhada"; "eu foi"; "eu pôde"; "só tem as raízes enterrado"; ii) uso do verbo TER indicando posse e existência: "aqui no nosso sítio tem muntos rapazes", "tinha muita casa velha"; iii) supressão de preposição: "nunca me lembre fazenda", "O Senhor Prior vem todos os interros", entre outros.

Este trabalho, portanto, tem por objetivo focalizar as estratégias de relativização no PE, numa tentativa de corroborar a tese de que as estruturas não-padrão postuladas para essa variável não são exclusivas do PB. A hipótese é de que a variação nas orações adjetivas entre falantes europeus deve atender às possibilidades inerentes à deriva do próprio sistema da Língua Portuguesa ou a outros fatores sociais (a influência da TV, por exemplo), ainda que sua ocorrência seja quantitativamente mais robusta no PB.

Por ser um estudo sociolingüístico, procuramos estabelecer os contextos favoráveis à realização das formas variantes aqui postuladas. Esse quadro teórico passa a ser melhor definido a seguir.

ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Uma noção definitiva norteia os estudos relativos à análise das línguas naturais nas suas comunidades: a heterogeneidade, a qual "se manifesta através da variação e da alternância de formas semanticamente equivalentes, em contextos lingüísticos idênticos" (Thibault, mímeo). Nenhum sistema lingüístico permanece igual ao longo de sua história e sob esse postulado estabelecem-se os estudos variacionistas nos quais nos fundamentamos para este trabalho.

Em 1968, em livro considerado seminal, Weinreich, Labov & Herzog propõem as bases teóricas da Sociolingüística, cujas noções essenciais conceituam o encaixamento e o princípio da uniformidade. Este postula que as forças de mudança atuantes no presente são as mesmas que teriam atuado no passado; aquele recobre a noção de que mudanças não são fenômenos isolados, elas são provocadas por outros movimentos de variação/mudança dentro de um sistema.

Nesse trabalho, aqueles lingüistas estabeleceram uma questão básica aos estudos da mudança, cuja resposta não havia sido formulada pelo estruturalismo até então: se as línguas são estruturadas para funcionar eficientemente, como as pessoas continuam falando e entendendo-se mesmo que o sistema apresente fenômenos de variação?

Na agenda desse modelo (também conhecido como quantitativo), cinco questões de pesquisa são fundamentais: a) as restrições e os condicionamentos; b) o encaixamento; c) a avaliação; d) a transição e e) a implementação. Isso quer dizer que devem ser investigados aspectos básicos relacionados a um fenômeno de mudança os quais devem definir: sob que condições ele ocorre; como se encaixa no sistema; de que forma os falantes o avaliam; em que estágio encontra-se, numa linha temporal e, finalmente, é preciso saber que fatores contribuem para sua ocorrência em uma ou várias línguas.

A partir de então outras questões vêm sendo propostas nos trabalhos de orientação variacionista, tais como a origem da mudança; a coexistência de variantes em um determinado espaço de tempo; a generalização e a propagação de uma forma; a inter-relação entre fatores lingüísticos e sociais num processo de mudança etc.

Este paradigma é, portanto, altamente produtivo na oferta de respostas ao problema que serve como ponto de partida a este trabalho: teria havido uma língua crioula na base da estruturação do PB ou os fenômenos variáveis arrolados como argumentos para os crioulistas estariam, na verdade, também no sistema do PE?

Nossa contribuição para as discussões baseia-se na análise do corpus obtido nos inquéritos da pesquisa "O Português Fundamental", que correspondem a transcrições de fitas gravadas na década de 70, em diversas cidades portuguesas. Para este trabalho os informantes foram selecionados e agrupados em dezoito células correspondentes a três variáveis sociais: nível de escolaridade (ensino fundamental, médio e superior); faixa etária (21 a 35; 36 a 50 e de 51 anos em diante) e gênero.

Duas variáveis lingüísticas foram propostas: a função sintática do pronome relativo (sujeito; objeto direto; predicativo; objeto indireto; complemento relativo; complemento circunstancial; adjunto adverbial; adjunto adnominal e complemento nominal); e a animacidade do antecedente (+ humano ou - humano).

É importante destacar que, por estarmos em um estágio pré-pesquisa, reconhecemos que nosso corpus é ainda muito limitado e não se presta a conclusões mais sistemáticas.

AS ORAÇÕES RELATIVAS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Para ilustrar a tese laboviana de que línguas são por natureza heterogêneas, tomemos o caso das orações relativas no PB, no qual apresentam as seguintes formas variantes:

a) a relativa padrão: As pesquisas das quais participo tratam de língua e sociedade.

Os eleitores cujos títulos se perderam devem procurar o TRE.

Não sei o que pensam os jovens que votam pela primeira vez.

b) as relativas não-padrão:

copiadora: O documento que o dono dele sou eu está pronto.

Tinha um cara que ele gostava de provocar as meninas.

cortadora: Cachorro é o bicho que mais gosto.

O garoto que eu fiquei na festa é um gato.

Você é a única pessoa que eu conto meus segredos.

As formas acima registradas foram estudadas por Tarallo (1983), cujas pesquisas concluem que: i) as estratégias não-padrão são altamente produtivas no PB e ii) suas estruturas estão relacionadas com mudanças no sistema pronominal do vernáculo brasileiro, entre outros aspectos. Para Tarallo, o que diferencia o PE do PB, nesta variável, é o fato de que as relativas no PB não são geradas por regras de movimento, ao contrário do PE. Em Portugal, as orações as pessoas chegaram/ eu falei das pessoas podem gerar o período as pessoas de quem falei chegaram, no qual o constituinte “das pessoas” foi movido e substituído por “de quem” na estrutura encaixada. Já as formas de relativas cortadoras do PB seriam resultantes da possibilidade de apagamento do constituinte sem que ele tenha sido movido: as pessoas que eu falei [v] chegaram. Além de mostrar essa diferença estrutural, a pesquisa conclui que o baixo percentual de relativas-padrão nas funções oblíquas aponta para a possibilidade de que essa estratégia esteja "moribunda", nas palavras de Tarallo, no PB.

Quanto aos nossos dados para o PE, inicialmente, eles foram submetidos ao programa codificados em uma variável binária: relativas-padrão e não-padrão. Os resultados indicam que não podemos sustentar que o uso da estratégia padrão seja categórico para o PE e mais, nos casos em que o constituinte relativizado apresenta-se preposicionado, é possível mesmo postular que o uso de estruturas não-padrão é de certa forma significativo, pelo menos nos dados arrolados neste trabalho.

Na primeira rodada do programa, esperávamos que o fator função sintática apresentasse alguma relevância para o uso das diferentes estratégias de relativização, mas isso não se concretizou, já que o VARBRUL não selecionou nenhum grupo de fatores como relevante para a análise da variação. Uma explicação possível para esse resultado é a pequena quantidade de dados com que trabalhamos. Separamos então os casos em que os constituintes relativizados apareciam em funções oblíquas e não oblíquas e constatamos que, em função oblíqua, as relativas não-padrão (cortadoras) aparecem, mas estão limitadas a certos tipos de preposição - no caso, em, de e por - semanticamente mais vazias (conforme (4), abaixo e (8), (9) e (10), mais adiante). Os exemplos a seguir dão mostra do que encontramos em termos de relativas preposicionadas do tipo padrão e não-padrão:

(1) excluindo casos em que se prove que o marido que é... ou que é completamente alienado

(2) o público a quem principalmente o jornal se dirigia

(3) eram uns textos que eu retirei novamente de torga de quem gosto muito

(4) um um dos assuntos que que me interesso desde criança

Quanto aos resultados para os fatores animacidade e gênero, eles já eram esperados porque Tarallo já havia encontrado algo semelhante. São os seguintes:

1- O traço animacidade favorece a estratégia padrão (80% dos casos);

2- A diferença de gênero não atua na escolha da estratégia pelo falante, são quase idênticos os percentuais para homens (padrão 62% e não-padrão 37%) e mulheres (padrão 64% e não-padrão 35%).

Com relação ao fator escolaridade encontramos a seguinte distribuição, de um total de 22 dados:

DISTRIBUIÇÃO DAS ORAÇÕES RELATIVAS NO PE POR NÍVEL DE ESCOLARIDADE
     
  PADRÃO NÃO-PADRÃO
     
FUNDAMENTAL 50% (1) 50% (1)
     
MÉDIA 44% (4) 55% (5)
     
SUPERIOR 81% (9) 18% (2)
     
TOTAIS % (n) 63% (14) 36% (8)

Exemplificando esses números, temos os seguintes dados de relativas padrão, nos níveis superior, médio e fundamental, nessa ordem:

(2) o meu plano era uma introdução em que eu defendia exatamente a existência de poesia

(3) elas fazem um trabalho na aldeia que um homem não faz na vila

(4) a gente temos aqui um cabrito que eles adoram

Para os mesmos níveis, no entanto, registram-se os seguintes dados do tipo não-padrão:

(5) era um bocado do sebastião da gama do diário que ele diz: 'eu não gosto de impingir versos aos meus alunos’

(6) há muitas aldeiazinhas (...) que tanto trabalha o homem como trabalha a mulher

(7) atravessou uma serra que hoje há lá floresta

Quanto ao fator faixa etária, temos a seguinte tabela:

DISTRIBUIÇÃO DAS ORAÇÕES RELATIVAS NO PE PELO FATOR IDADE
     
  PADRÃO NÃO -PADRÃO
     
DE 21 A 35 ANOS 58% (7) 41% (5)
     
DE 36 A 50 ANOS 66% (4) 33% (2)
     
ACIMA DE 51 ANOS 75% (3) 25% (1)
     
TOTAIS % (N) 63% (14) 36% (8)

Para essa tabela, na qual registramos as faixas 1 (de 21 a 35 anos); 2 (de 36 a 50) e 3 (de 51 anos em diante), destacamos os seguintes exemplos do tipo padrão:

(8) e é a única coisa em que o tribunal lhe interessa

(9) a sardinha é o peixe com que nós trabalhamos cá

(10) um indivíduo que anda quarenta e oito anos à espera de uma carta de alforria

Mas também podemos extrair dados de relativas não-padrão para aquelas mesmas faixas, respectivamente:

(11) [visitantes] se sujeitam até a desastres caso de há bocado que até falamos

(12) há muitas aldeiazinhas que tanto trabalha o homem como trabalha a mulher

(13) há casos que vivem [os aldeões] em barracas que vivem em aldeias

Uma primeira afirmação acerca desses dados talvez já possa argumentar em favor de um uso não categórico de estratégias do tipo padrão na fala européia. Além disso também seria possível dizer que a distribuição dos dados na tabela referente à idade dos informantes sugere, conforme Thibault (mímeo), que falantes mais novos implementam mudanças (5 ocorrências não-padrão no grupo mais jovem contra as 3 dos demais grupos), ainda que seja maior o número de ocorrências da estratégia padrão. Quanto ao fator escolaridade, poderíamos afirmar que o nível alto de escolarização não é suficiente para determinar o uso exclusivo de estruturas do tipo padrão, uma vez que falantes cultos também apresentam variedades não padrão em seu desempenho oral.

É importante destacar que os dados para o PE aqui apresentados podem confirmar o mesmo fenômeno de apagamento in situ observado por Tarallo e isso sugere a necessidade de se verificarem mais dados para que, caso seja comprovada e sistematizada a variação, estabeleça-se um corpus diacrônico a fim de analisarmos esse fenômeno dentro do sistema, em tempo real.

Ainda que tenhamos dados precários, não deixa de ser curioso pensar que, se, no Brasil, a variação nas estratégias de relativização ocorre em função de um rearranjo no sistema pronominal, haveria também uma motivação sistêmica explicando o aparecimento de estruturas não-padrão no PE? Ou ainda, constituído um corpus mais recente, como se atualizariam os dados e percentuais aqui encontrados?

À GUISA DE CONCLUSÃO

Há um fato empírico inegável: existe uma significativa diferença entre o português falado no Brasil e o português europeu. A grande tarefa dos lingüistas interessados nesse campo é responder ao porquê de o PB ter assumido algumas características que o PE não assumiu? A resposta não é fácil, mas, sem dúvida, alguns fatos são decisivos na construção de uma resposta plausível, fundamentada em dados concretos e dentre eles parece estar a seguinte questão: nossas diferenças são qualitativas ou apenas quantitativas?

Reconhecemos o caráter inconcluso desta pesquisa, porém reafirmamos sua validade em dois aspectos: i) a ratificação das propostas de Labov para o caráter de não-homogeneidade dos sistemas lingüísticos e, em decorrência, ii) a necessidade de investigarem-se mais a fundo as possibilidades de certos fenômenos variáveis no PB também se apresentarem como tal no PE.

Esse segundo aspecto, por exemplo, pode reforçar a tese anti-crioulista de Antony Naro e Marta Scherre, já que aponta para um processo de variação também em Portugal, onde sabidamente não houve uma língua crioula.

Uma outra questão a ser sublinhada refere-se ao encaixamento de fenômenos variáveis. Para o PB, Tarallo já havia analisado a variável em tela dentro da reestruturação do sistema pronominal iniciada a partir do século XVIII. Tal mudança torna fácil a explicação, por exemplo, de um período do tipo "enfim uma receita contra a dor que você entende a letra", veiculado em um outdoor da revista Veja (8/2/2002), que mostra como estratégias de esquiva ao pronome relativo cujo estão passando da modalidade oral à escrita. O desafio, no entanto, é explicar , para o PE, a presença de uma frase como "uma coisa que ontem fiquei pasmada foi numa aldeia (...)” em um sistema para o qual apenas o senso-comum postula regras categóricas. Em outros termos, podemos dizer que esse é um aspecto mais ideológico e idealizante do que lingüístico no âmbito do debate sobre a “deturpação do idioma de Camões em terras brasileiras”.

Em suma, este trabalho defende que as diferenças estruturais entre o português lusitano e o brasileiro não devem ser argumentos suficientes para que se sustentem as teses crioulistas. Preferimos apontar a deriva natural como uma das causa da variação entre os dois sistemas até que evidências mais fortes se apresentem e isso significa reafirmar a necessidade de se implementarem mais pesquisas nesse campo.

 

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