A LINGUAGEM FIGURADA
NA CULTURA PROPAGADA EM VEÍCULOS

Maria Antonia da Costa Lobo (UCB e UniverCidade)
Maria Helena Carvalho (UCB)
Maria Vergínia Chambela Costa (UCB)
Vera Lúcia de Oliveira (UCB)
Luciane de Senna (UCB)
Luciana S. Conrado (UCB)

INTRODUÇÃO

A partir da assertiva de Antônio Houaiss, segundo a qual “a língua é o principal código desenvolvido e utilizado pelos homens para as necessidades comunicativas da própria vida social” nasceu o interesse pela temática aqui apresentada.

A fonte de consulta e de apoio para a análise em questão teve por ponto de partida mensagens transmitidas e propagadas em veículos auto-motores, através de adesivos.

De início, apenas sinais iniciais; posteriormente, constatou-se que esses adesivos estampam emoções, sentimentos, ordens, vontades, idéias, apelos, divagações, crenças, raciocínios, pressuposições e mesmo argumentos em uma mescla de exteriorização social.

É evidente que os componentes conteudescos dessa estampagem são infinitos e estão amplamente separados no tempo, e que, mesmo independentemente dessa atemporalidade, se inserem em um contexto sociológico, refletindo aspectos psico-comportamentais.

Convém ressaltar que um contexto é, muitas vezes, um conjunto de entidades (coisas ou eventos) relacionadas de uma certa maneira, essa relação podendo indicar generalidade ou particularidade.

Logo, contextualizar para poder responder aos questionamentos apresentados a seguir.

1) Qual a conotação da Linguagem figurada na cultura propagada em veículos?

2) Que recursos foram utilizados para o enquadramento das mensagens contidas nessa linguagem?

Não se hesitará muito em admitir que, sem essa recorrência, nenhuma previsão, inferência, reconhecimento, generalização indutiva, conhecimento ou opinião provável seria possível, a respeito do que não é imediatamente fornecido.

A INTENCIONALIDADE

Considerando-se que a linguagem pode ser compreendida como tudo aquilo que permite comunicação entre indivíduos, é, através dessa linguagem, que esses indivíduos se expressam e que a comunicação se efetiva.

Cada um desses envolvidos no processo comunicativo tem preferências lingüísticas em consonância com a própria visão de mundo e a realidade sócio-político-econômico-cultural, e essas preferências vão adquirir múltiplas feições.

A linguagem encontrada nas estruturas criadas para o envio de mensagens, através dos vidros de veículos auto-motores, inclui-se em parte dessas escolhas. Estas, por sua vez, objetivam tornar claras situações de feições diversas, de modo que atinjam um grande número de indivíduos e, para isso, trazem à tona todo um simbolismo lingüístico pré-estabelecido, utilizado intencionalmente, por não requerer grandes esforços interpretativos.

Há, sim, sempre um objetivo pré-determinado de obter do receptor e/ou destinatário atenção, curiosidade, reflexão, aceitação ... e até catarse.

Os enunciadores anônimos dessas estruturas recorrem a inúmeros recursos lingüísticos para chegar intencionalmente a esses estados mentais de forma eficaz e, para isso, procuram prever o comportamento do mencionado receptor e/ou destinatário com grande margem de exatidão. Afinal, o grau de permeabilidade desse processo comunicativo deve ser total e imediato, pois as circunstâncias temporais e espaciais são, muitas vezes, efêmeras.

Os referidos enunciadores manipulam a linguagem em diferentes níveis (fonológico, morfo-sintático e semântico), sempre com uma intenção de, através do envio de um recado, aconselhar, advertir, desabafar, provocar o riso...

É interessante perceber que esses enunciados apresentam diferentes variedades lingüísticas, de maior e de menor prestígio social, registros formais e informais, e incorporam, inclusive, traços de oralidade culta e popular.

Logo:

(1) “Se a sua estrela não brilha, não tente apagar a minha”;

(2) “Tá nervoso? Vai pescar!”

(3) “Bebê a bordo.”

Em (1), por exemplo, há uma construção claramente representativa da norma culta, uma vez que não há mistura de pessoas gramaticais entre o imperativo e o sujeito (palavra essencial, segundo a N.G.B.), nem entre o pronome (sua) e esse mesmo sujeito.

Em (2), há mistura das pessoas gramaticais dos dois verbos (e vai), além da utilização da forma popular , característica da modalidade oral de uso da língua.

Em (3), a expressão a bordo, empregada conotativamente, é mais de uso popular, próxima da gíria, encontrada nesse enunciado.

Percebe-se, de forma clara, nas duas estruturas, a intenção do enunciador de agir de modo direto, explícito, sobre o outro, intenção essa que é concretizada pela escolha do modo imperativo (Não tente. Vai). Já em Bebê a bordo, o enunciador dissimula tal intenção com uma expressão nominal, mas o objetivo é o mesmo das outras duas: advertir o receptor/destinatário.

Este, levando em conta o contexto estabelecido no momento da leitura dessas estruturas (calçada, rua, outro carro, trânsito), absorverá o respectivo conteúdo de forma rápida e imediata. Provavelmente, refletirá sobre a advertência recebida e, se for outro motorista, poderá até mesmo mudar o comportamento no instante em que está conduzindo um veículo.

Há outros casos de enunciados em que o léxico utilizado constitui uma forma de expressividade baseada na linguagem popular e são encontradas palavras de baixo calão, ou ambíguos que, em sua maioria, se referem ao âmbito sexual:

(4) Como prevenir a AIDS: comidinha caseira...

(5) Paquere todas as mulheres mas conserve a sua direita.

(6) Faça como eu: preserve a natureza; não coma viado.

Essa forma de linguagem confere a esses enunciados um caráter irreverente que caracteriza o enunciador como transgressor, pois sabe que pode chocar os respectivos receptores/destinatários. Essa irreverência, em relação à linguagem, expressa aconselhamentos preconceituosos: em (4) e (5), o machismo e, em (6), contra o homossexual. O enunciador pressupõe que, apesar de desagradar alguns receptores/destinatários, com outros obterá perfeita interação, uma vez que se utiliza de conceitos estereotipados, cristalizados popularmente.

O que causa agrado ou desagrado nesses textos vem camuflado pelo jogo interativo entre o sentido literal e o sentido figurado: comidinha caseira (a mulher de casa ou a comida simples de casa); direita (o lado da rua por onde o carro vai circular ou a mulher de casa); preserve a natureza; não coma viado (não contribuir para a extinção do animal ou ir contra a natureza, ao se relacionar com um homossexual). E é somente considerando que os receptores/destinatários dessas estruturas conseguem perceber esses jogos de sentido, que elas ganham funcionalidade e, em decorrência disso, aceitação.

Nos adesivos, há enunciados cuja compreensão depende de um pressuposto fundamental: o receptor/destinatário será capaz de relacionar o código lingüístico a outros códigos:

(7) Sai pra lá olho grande.

(8) 80 ção! 20 ver! 100 você, não sei viver!

(9) Todo vagabundo tem um nome a lazer.

(10) Lenha verde e mulher véia chora, mas pega fogo!

Em (7) e (8), só se chegará ao respectivo sentido, se houver uma percepção de que há uma mistura de códigos e de que é preciso relacioná-los: segmentação em (7), e, em (8), há um quebra-cabeça na mistura de números e sílabas.

No enunciado (9), o enunciador propõe que o receptor/destinatário perceberá o jogo fonológico-semântico obtido no par lazer / zelar, que é resultado da transposição de fonemas, da oposição semântica que dela decorre e da relação que esse enunciado estabelece com o outro: “Todo trabalhador tem um nome a zelar.”

Em (10), a compreensão do receptor/destinatário depende da percepção do que não foi dito, apenas sugerido, nas imagens “lenha verde chora”/ “mulher véia pega fogo, e da relação entre a forma sonora da palavra velho.

Todo esse trabalho com a linguagem revela o objetivo claro do enunciador de atingir o respectivo receptor/destinatário. Há mensagens que advertem, mandam recados de forma direta e certamente devem deixar quem as lê sem resposta, sem argumentos frente à força daqueles que lhes são apresentados. É o caso destas estruturas que pretendem levar o receptor/destinatário à reflexão.

(11) Não me inveje, trabalhe.

(12) Não jogue espinhos na estrada... na volta, você pode estar de pés descalços.

Nestas outras estruturas, os respectivos enunciadores apostaram na incoerência pragmática, isto é, em uma reação dos receptores/destinatários ao quebrarem as expectativas dele em relação à seqüência de fatos que elas apresentam.

(13) Se não gosta do jeito que dirijo, saia da calçada.

(14) Sorria, você está sendo ultrapassado.

“Sair da calçada” e “estar sendo ultrapassado” não estão em uma seqüência apropriada em relação à primeira parte de seus respectivos enunciados; não é o que o leitor espera encontrar e, por isso, é tomado de surpresa, o que certamente lhe despertará uma reação, provavelmente de desagrado.

Há enunciados ainda em que o enunciador pretende provocar no receptor/destinatário efeitos de humor.

(15) Enviuvei e casei com a cunhada para economizar sogra.

(16) A mulher foi feita da costela...imagine se fosse do filé.

Nelas, o enunciador conseguiu esse efeito através da inesperada relação entre economizar e sogra, no enunciado (15); e através da ambigüidade da palavra filé, no enunciado (16), que significa no contexto habitual “a melhor parte da carne de boi”, mas que também pode ser interpretado a partir de um outro sentido - o de mulher bonita. É esse o jogo entre o sentido literal e o metafórico, e a criação de imagens inusitadas que propiciam ao enunciador o alcance de seu objetivo: provocar o riso.

Na intenção de suscitar a atenção do receptor/destinatário, de atingi-lo, os enunciadores satirizam todos, até eles próprios e, muitas vezes, tomam o destinatário como confidente. Este, por sua vez, com esses desabafos, sente-se aliviado (catarse) por se deparar concretamente (o adesivo) com a expressão do que sente.

(17) Odeio quebra-molas.

(18) Minha namorada falou ou o carro ou eu, sinto saudades dela...

(19) Existo por insisto.

No caso, se recorreu a uma das funções da linguagem, para uma análise mais atenta do trabalho do enunciador com a linguagem nesses enunciados. Desta vez, através da função metalingüística, empregada em frases que fazem referência a outras ou até mesmo estabelecem um diálogo com elas, numa apropriação imediatamente perceptível pelo leitor. O enunciador, para isso, recorre à intertextualidade (um dos traços da metalinguagem) e relaciona os dois enunciados.

(20) Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho!

(21) Não tenho tudo que amo, mas...DANE-SE!

Cabe ao receptor/destinatário estabelecer a relação entre a estrutura (20) e a (21). Ele deve encarregar-se de preencher esse espaço, esse implícito, de perceber a interação entre elas.

Na estrutura (22), essa intertextualidade é estabelecida com o mesmo enunciado, apenas com a troca de posição (e de classe) entre as palavras “pardas” e “gatas”.

(22) À noite, todas as pardas são gatas.

(23) À noite, todas as gatas são pardas.

É necessário que o receptor/destinatário disponha deste referencial de leitura, para estabelecer prontamente a relação entre os dois enunciados.

Nessas referências, é inegável o caráter metalingüístico que o enunciador imprime a essas estruturas.

Fatores constitutivos da linguagem

Para que o processo comunicativo se estabeleça de maneira mais expressiva, vê-se que as figuras de linguagem aparecem estampadas nos adesivos dos veículos, dizendo respeito às manifestações do povo, às expressões mais empregadas na língua falada. Dentre elas, destaca-se o uso do palavrão, na condição de marca lingüística da função emotiva.

Quando se lê a mensagem Corno é assim mesmo, tudo que vê, lê, sente-se muito mais agressividade nela do que se estivesse escrito: Bobo é assim mesmo, tudo que vê lê. Fato semelhante ocorre em Não tenho tudo que amo, mas foda-se, ao invés de Não tenho tudo que amo, mas dane-se. A comparação está presente em todas elas.

Em verdade, as figuras de linguagem são largamente empregadas neste meio de comunicação e podem ser explicadas pela respectiva importância para o entendimento do que se quer dizer.

Na estrutura Não sou dono do mundo, mas sou filho do dono, tem-se a influência de conceitos religiosos que vão muito além do sentido apresentado nos dicionários para as palavras que a constituem.

Em Eu na mão, Deus na direção, a palavra mão está substituindo a palavra volante, portanto a consulta ao dicionário se torna contraproducente, inútil e até mesmo desastrosa, quando se tenta deduzir a significação em função do radical ou das palavras cognatas.

Desviar uma palavra da sua significação própria é um fenômeno normal na comunicação lingüística. Na linguagem dos adesivos este desvio tem, em algumas construções, efeitos bastante expressivos que se assemelham à linguagem da publicidade e do jornalismo.

Em Se casamento fosse estrada, eu só andava no acostamento, o enunciador/comunicador faz uma publicidade explícita sobre a aversão dele ao casamento, recorrendo à conotação para tornar a mensagem mais expressiva, como se quisesse vendê-la.

A linguagem jornalística, por exemplo, pode ser observada na seguinte mensagem: O salário do pecado é a morte. O enunciador, após atribuir um título (manchete), deixa o desenvolvimento do assunto por conta do receptor/destinatário.

O sentido exato de uma palavra que integra uma estrutura de caráter conotativo depende em grande parte do alcance dessa estrutura em que ele foi empregado.

Em A única mulher que andou na linha o trem matou, a palavra linha passa a ser justificada não por ela mesma, mas pela relação contida na expressão andou na linha e a palavra trem. Mais uma vez o recurso à comparação. No caso, um padrão de comportamento moldado pelo social. Segundo a mensagem do enunciador/comunicador, não existe mulher com comportamento irrepreensível, levando o receptor a fazer reflexões sobre o que é certo e o que é errado, na maneira de se comportar da mulher.

Na linguagem das mensagens dos adesivos, encontra-se a figuração da palavra de várias formas: o emprego de uma palavra para designar um conceito com que o respectivo conceito próprio tem alguma relação, conforme na construção Pior do que um cavalo na estrada é um burro no volante. A palavra volante aparece substituindo a palavra carro, da parte para o todo - relação de contigüidade.

Em Olho grande é pior do que macumba, percebe-se claramente a intenção de quem enunciou essa mensagem de mostrar a presença do aborrecimento causado por uma pessoa invejosa - é o símbolo para a coisa simbolizada. E ainda, a presença da metonímia no gênero de cultura em questão.

O emprego de uma palavra com a significação de outra, sem que entre uma e outra coisa designada haja uma relação real, está presente em Mulher feia é igual à ventania: só quebra galho. Nesse enunciado, mulher feia é igualada à ventania, para dar mais clareza e vigor ao enunciado.

Também é comum nesse gênero de construções o aparecimento da ambigüidade, esta entendida como o que se pode considerar em mais de um sentido, usada, muitas vezes, com o resultado de uma intenção clara e determinada, encontrada em diversas mensagens. Constitui um falha lingüística, quando decorre do descuido de quem se expressa. Mas há casos em que gera construções interessantes, conforme constante de Amor de mulher é Real.

Nesse caso, real tem o sentido de algo verdadeiro, transparência de sentimento. Mas levando-se em conta o fato da moeda brasileira designar-se por Real, o sentido da estrutura modifica-se, possibilitando aos receptores mais de uma interpretação.

Outra estrutura ambígua aparece em Carteiro feliz é aquele que gosta de sê-lo. Tem-se aí uma ambigüidade no plano sonoro, selo objeto e sê-lo do verbo ser mais o pronome oblíquo da 3a pessoa do singular, o que só pode ser esclarecido através da escrita.

É interessante observar que o enunciador da mensagem, para conseguir esse efeito ambíguo, recorreu à norma culta da língua (sê-lo), o que não é comum nesse tipo de comunicação.

Em Adoro as rosas, mas prefiro as trepadeiras, tem-se mais um caso de ambigüidade, pois verifica-se uma distinção entre dois tipos de mulheres, as socialmente corretas e as consideradas vulgares, deixando clara a preferência, sem explicitar a palavra MULHER.

É importante ressaltar que a metáfora e a metonímia são meios lingüísticos valiosíssimos para agradarem, sugestionar e convencer. Não poucas vezes, a metáfora é um recurso utilizado para esclarecer satisfatoriamente uma comparação ou até um conceito, e as mensagens transmitidas através dos adesivos a ele não escapa.

Estrangeirismos

Filho de rico é playboy, filho de pobre é office-boy.

A estrutura lingüística que abre este tópico apresenta palavras que fazem parte do léxico da língua inglesa e que foram incorporadas à Língua Portuguesa, estando inclusive dicionarizadas (Novo Aurélio). Esse processo vem ocorrendo cada vez mais nas últimas décadas.

Esse empréstimo lingüístico é chamado de estrangeirismo que é um dos meios mais comuns de incorporação de neologismos a uma Língua, provenientes do desejo absolutamente legítimo e altamente fecundo de novas criações.

Os neologismos nada mais são do que meios de expressão inventados por quem fala um idioma e escreve nesse idioma, podendo eles ser formados por mecanismos oriundos da própria Língua, ou por itens lexicais provenientes de outros sistemas lingüísticos.

O idioma do qual mais se emprestam palavras depende da época e do contexto histórico. No início do século passado, palavras francesas invadiam a Língua Portuguesa e muitas delas foram mais fortes do que a(s) própria(s) correspondente(s) em Português, sendo incorporada(s) ao léxico no lugar delas.

Atualmente, é o inglês quem empresta muitas palavras à Língua Portuguesa, às vezes até uma estrutura inteira. É comum encontrar em adesivos estruturas como as seguintes: Simply the best e Follow the leader.

No que diz respeito à presença dos neologismos em adesivos, foi destacada a estrutura I love you como nunca iloviei ninguém. Nela, criou-se um neologismo, um verbo novo, obedecendo a certas regras do processo de formação de palavras: da expressão inglesa I love you foi formado o verbo iloviar (ailoviar), pertencente à primeira conjugação. Iloviei corresponde à primeira pessoa do presente do indicativo do verbo iloviar, que apresenta o radical ilov (ailov), cuja marca de neologismo permanece então.

A incorporação ortográfica da unidade lexical estrangeira ao sistema português não constitui uma regra. Muitos empréstimos assimilados revelam essa adaptação, porém se observa, com certa freqüência, que a forma ortográfica integrada ao Português chega a concorrer com o elemento grafado de acordo com a língua de origem, como, por exemplo: Nada de xerox; só original.

A palavra xerox é um caso bastante interessante, pois coexistem duas grafias: xerox que é a forma encontrada na língua inglesa, e xérox que é a forma gráfica integrada ao português, obedecendo à regra de acentuação das paroxítonas.

Morfo-sintaticamente, a integração à língua portuguesa manifesta-se nos casos em que o estrangeirismo começa a formar derivados e compostos. Na estrutura Tá nervoso? Vai surfar! Tem-se, no caso, a palavra surf que originou a forma aportuguesada surfe. Acrescentando uma vogal temática de primeira conjugação ao radical surf-, forma-se surfa-, acrescentando-se a desinência do infinitivo chega-se à palavra surfar. Ainda com radical surf- mais o sufixo -ista, tem-se surfista (aquele que pratica o esporte).

A adaptação semântica do estrangeirismo constitui um processo curioso. Introduzido nesse sistema lingüístico com um único significado, ou seja, com caráter monossêmico, o respectivo emprego constante pode conduzi-lo à polissemia. Um exemplo é: Tá punk? Vai pescar! A palavra punk que, na língua inglesa, significa pivete ou um movimento popular que envolve oposição à autoridade expressada através de comportamentos agressivos, é aqui empregado como sentido de coisa difícil, negativa.

O emprego freqüente de um estrangeirismo constitui também um critério para que essa forma estrangeira seja considerada parte componente do acervo lexical português, como, por exemplo, a estrutura inicial deste tópico (Filho de rico é playboy, filho de pobre é office-boy. E Entre aqui, é melhor que shopping center.

Nem a religião escapa

Com o crescimento do número de evangélicos, no Brasil, nas três últimas décadas, e a proliferação de cultos e crenças de diferentes origens e tipos, o panorama religioso no Brasil se tornou mais plural e diversificado, questionando o monopólio da Igreja Católica e abrindo, no campo religioso, uma situação de concorrência e conflito. Essa concorrência e conflito derivam do fato de que os evangélicos, sobretudo grupos pentecostais, se comportam de modo “diferenciado” na conquista de novos adeptos, utilizando diferentes meios como a mídia, a política e a ação social na afirmação da respectiva identidade no espaço público. Os adesivos, objeto da pesquisa, também fazem parte das estratégias dessa manifestação pública e do pluralismo religioso. Exemplos são muitos: Sorria, Aceite a Jesus Cristo, Eu sou feliz por ser católico, Sem caridade não há salvação, Eu acredito em bruxas, Leia Kardec, Ogum lê, etc.

Por um lado, setores da opinião (pública) reclamam que essas expressões estariam ferindo a maneira como a modernidade constituiu domínios sociais autônomos e com as próprias lógicas, ou seja, a religião, própria do âmbito privado, estaria transbordando para esferas públicas, como política, mídia, economia, entre outras. Por outro lado, o discurso e a prática extremamente conversionistas dos pentecostais estão provocando reações e transformações na dinâmica das relações entre os diversos segmentos religiosos, entre os quais a Renovação Carismática Católica seria um caso exemplar. Nesse sentido, adesivos como Sou dizimista e Assumo, Sou católico e Assumo, ilustram essas reações.

Na sociedade brasileira, em que o Catolicismo está associado a diversas práticas culturais, onde se fala inclusive de uma cultura católico-brasileira, causa estranhamento e desconforto uma postura tão afirmativa de determinados grupos religiosos, acirrando a disputa por fiéis. Por exemplo, Provai e vede que o Senhor é bom, Jesus, sentido único da vida, Jesus te ama!, Foi Deus que me deu, Jesus está vivo, falei com Ele hoje.

Os adesivos revelam sob variadas formas este pluralismo religioso que favorece processos de adesão, desfiliação religiosa e trânsito em diversas crenças e religiosidades, ampliando, no fim das contas, o espaço das escolhas individuais. É por isso que, cada vez mais, se ouve falar de casos de pessoas que têm trajetórias religiosas distantes do Catolicismo, ou que depois de católicas se tornam espíritas, evangélicas, adeptas de alguma religiosidade oriental ou Nova Era, sem falar dos que não têm nenhuma filiação institucional - os chamados sem religião.

Cultura estereotipada

O mundo moderno é um mundo de comunicação. A linguagem verbal exerce hoje o valor social mais atuante. Verifica-se que o pensamento humano encontra formas diferentes de canalizar os respectivos estados de ânimo. Então, a palavra toma completamente esse lugar, reforçando, dessa maneira, toda a extensão da respectiva conceituação técnica e humana que vai desde a fala articulada do homem até os enunciados que englobam expressões comunitárias ou sociais que transmitem emoções vividas, simultaneamente, pela massa crescente dos indivíduos.

Na sociedade, há aqueles falantes extrovertidos, indivíduos que, ao se envolverem com o mundo externo das pessoas e coisas, tendem a ser mais coletivos e conscientes do que acontece no meio onde se inserem. Mesmo que se apoiem nas idéias alheias, expõem, todavia, os próprios pensamentos: problemas, críticas, opiniões... sempre arranjando uma forma de direcionar o respectivo material psicológico, porções da própria vida ligadas através de uma verdadeira ponte de emoções.

Esses indivíduos valorizam os objetivos do mundo que os cerca, apresentam grande preocupação com o presente, remetendo outros a todo instante, através da linguagem, a conceitos estereotipados no âmbito crítico e social. Esse comportamento se faz perceber nas estruturas dos vidros de inúmeros veículos, cujos proprietários fazem parte de um grupo que aceita imagens estereotipadas como substitutos para percepções da realidade. Assim, utilizam estruturas lingüísticas que facilitam a memorização do que desejam exteriorizar de uma forma mais imediata e transmiti-las para um grande público.

Essas concepções são encontradas em algumas estruturas, por exemplo, nas quais sogra e mulher remetem o receptor/destinatário a idéias de estereótipos. Assim, quando um receptor/destinatário se depara com uma construção do tipo Perdi minha sogra e o cachorro; ecompenso pelo cachorro, o que se percebe é que sogra, para esse tipo de enunciador/comunicador, não tem valor denotativo de ser um componente da família, podendo indicar a mãe do marido, em relação à mulher, ou mãe da mulher, em relação ao marido. O valor semântico depreciativo está centrado na conotação relacionada com a respectiva realidade interna. Surge o estereótipo de sogra - esta para ele não deveria existir, é algo que se pode desprezar, empecilho. E mais ... perder a sogra e o cachorro, e só recompensar pelo cão - animal irracional - caracteriza, ainda mais, a imagem de alguém que atrapalha o relacionamento familiar.

Outras estruturas também são carregadas de estereótipos: enviuvei e casei com a cunhada para economizar a sogra. Nesta, o enunciador/comunicador, após passar por uma situação desagradável e conhecer o papel de uma sogra, tenta evitar uma segunda. Para ele, quanto menos, melhor. Ainda uma vez, o estereótipo se faz presente - alguém desagradável, inoportuna, perfil já traçado, conhecido e reconhecido.

Em Não mando minha sogra para o inferno porque tenho pena do diabo, o enunciador/comunicador enfatiza mais intensamente sogra como algo terrível que nem o demo a suportaria. ogra é pior do que o diabo.

Conforme citado, também a mulher é associada a uma variada simbologia. O relacionamento entre homem e mulher, em uma sociedade machista, caracterizada pela supremacia masculina, leva à criação de inúmeras construções lingüísticas em que a mulher mãe, amor, dedicação ao lar e à família perde o respectivo valor semântico denotativo, surgindo então a mulher objeto, uma imagem estereotipada e parte de grandes chacotas. Em outra estrutura - Estepe e mulher é sempre bom ter de reserva - percebe-se que esse enunciador/comunicador considera a mulher como algo que pode deixar o outro na mão a qualquer momento, não durável e que precisa ter outra. Também passa ao destinatário/receptor a idéia de que é comum, em sociedade, o Homem ter uma esposa e outra de reserva.

Em As mulheres perdidas são as mais procuradas, a expressão mulheres perdidas já está estereotipada para os falantes da língua portuguesa, como referência às mulheres que vendem o próprio corpo, e o enunciador/comunicador dessa mensagem se aproveita desse fato para construir uma estrutura com um efeito bastante sugestivo. Emprega idéias antitéticas (perdidas X procuradas), reforçando o sentido de que mulher com essas características é que interessa ao Homem.

Em outra estrutura, Mulher e árvore só dão galhos, nota-se um estereótipo de problemas, traição, marcado semanticamente pela palavra galhos.

Desse modo, levando-se em conta as exteriorizações psíquicas do enunciador/comunicador, as estruturas nas quais mulher é elemento de estereotipação, o que se detecta é que mulher, de acordo com várias concepções, semanticamente passa ao receptor/destinatário uma imagem de menos poder, objeto, sexo, vulgaridade, infidelidade, desagrado e, portanto, um grande esvaziamento do próprio sentido denotativo.

Ao se analisar essa cultura estereotipada, percebe-se, então, que há fatores que atuam na própria mensagem dessas estruturas da linguagem. Dizem respeito aos estereótipos utilizados nelas, formando um desencadeamento de condições emocionais que ajuda a construí-las.

CONCLUSÃO

O corpus coletado constitui um vasto material de investigação sobre a relação enunciador/comunicador // receptor/destinatário, a respeito das intenções dele(s) que lança mão de tantos procedimentos lingüísticos distintos para criar os respectivos enunciados e, através deles, estabelecer um processo interativo com o outro. Esse comunicador (que em determinado momento passa a ser quem afixa os adesivos com as estruturas no próprio veículo e não quem as criou) expõe-se, pois emite opiniões, pontos de vista, juízos, sobre os mais variados assuntos, muitas vezes com a intenção de chocar, de escandalizar o outro; outras, para fazê-lo rir ou, ainda, para transmitir-lhe ânimo, esperança ou até mesmo solidariedade.

Essas estruturas são carregadas, muitas vezes, de ambigüidades, de duplos sentidos, de implícitos, de insinuações, de inovações, de estereótipos, um verdadeiro jogo com a linguagem. Refletem o dinamismo das interações que caracteriza, a vida nas cidades, o que explica a variedade de intenções, a brevidade dos enunciados, a produção intensa e o breve período de exposição de algumas.

Múltiplas são os significados das mensagens enfocadas: uma propriedade intrínseca, a conotação de uma palavra, uma atividade projetada a partir de uma situação, um evento propositado, uma emoção suscitada por qualquer coisa, associações adquiridas - o sugerido.

A conotação de uma palavra determina a respectiva denotação, a qual, por sua vez, determina a própria compreensão e até o próprio entendimento.

Tanto denotar, quanto conotar não podem ser usadas como se fosse uma situação de uma relação simples ou fundamental. As relações entre uma palavra e a coisa simbolizada são, no caso, indiretas. Faz-se necessário ir além - contextualizar. Isto exige um exame detalhado a partir de uma situação para se chegar aos sentidos dos significados, o que equivale a uma investigação de valores lingüísticos e psico-sociais.

A influência da linguagem sobre o pensamento é da maior importância. Reflete ela ações, intencionalidades, interações, parcerias, persuasão e convencimento para a exposição de pontos de vista e processos mentais.

Essa influência reflete bem o poder das palavras. A magia delas tem um lugar especial na magia geral.