PROPOSTA
DE UMA INTERPRETAÇÃO SEMIOLINGÜÍSTICA
DE GÊNEROS FICCIONAIS

Wagner Luiz Ferreira Lima (UERJ)

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, objetivamos propor um estudo das condições de interpretação textual, com embasamento na análise semiolingüística do discurso de Patrick Charaudeau.

Adotamos esse corte epistemológico porque apresenta conceitos altamente operacionalizáveis para oportunizar a compreensão dos atos de linguagem, permitindo-nos recorrer tanto ao sistema da língua quanto à situação comunicativa para a interpretação de textos.

Para demonstrarmos alguns aspectos dessa proposta, escolhemos três textos: “O dragão” de Luís F. Veríssimo, “Tentação” de Clarice Lispector e “Fábula moderna da galinha carijó” da Nations Business (adaptação). Esses textos, além de férteis quanto aos aspectos que interessam à pesquisa, também são muito valorizados nas aulas de Língua Portuguesa, o que revela a possibilidade de uma aplicação pedagógica.

DESENVOLVIMENTO

Os teóricos dessa vertente da Análise do Discurso buscam conciliar conhecimento lingüístico e conhecimentos extralingüísticos (principalmente por meio de relações intertextuais), conforme demonstraremos nos itens que se seguem.

Relação entre os sujeitos da comunicaçã
e a tríplice competência da linguagem.

É sabido que os pronomes “eu e “tu” se referem, respectivamente, às pessoas primeira e segunda do discurso, estando bem definido que “eu” deve ser usado para se fazer alusão ao emissor, e “tu” para indicar o receptor. Entretanto, quando avaliamos a dinâmica do processo sociodiscursivo, segundo Charaudeau (1983), ficamos diante uma complexa estrutura comunicativa.

Portanto, esse teórico considera a ambivalência de sujeitos que se movem ciclicamente durante a comunicação, ora como seres pertencentes ao mundo real (eu - comunicante e tu - interpretante), ora como entidades do discurso (eu - enunciador e tu - destinatário). Eis o motivo pelo qual Charaudeau (apud OLIVEIRA, 2003:41) afirma que comunicar “é pôr em cena um projeto de comunicação”. Para ele, todo ato de comunicação humana é o resultado de uma mise-em-scéne (encenação), com estratégias discursivas criadas por esses sujeitos.

No momento em que o projeto de comunicação está sendo encenado, em se tratando de um corpus escrito, não presencial e monolocutivo, como o corpus a ser avaliado, a estrutura lingüística torna-se ainda mais relevante. Durante a formalização do texto, o eu-comunicante emprega a chamada competência semiolingüística que, segundo Charaudeau (apud OLIVEIRA, 2003:45):

[...] postula que todo sujeito que se comunica e interpreta possa manipular e reconhecer a forma dos signos, suas regras combinatórias e seu sentido, ficando claro que tais elementos visam a expressar uma intenção comunicativa, de acordo com os componentes da situação comunicativa e com as exigências da organização do discurso. É neste nível que se constrói o texto, entendido como o resultado de um ato de linguagem produzido por um sujeito dado dentro de uma situação de intercâmbio social dada e possuindo uma forma peculiar.

Seguindo essa lógica, não só devem ser acessados os níveis gramatical, lexical e textual, como também outras aptidões necessárias à identificação da situação comunicativa, tanto por parte do eu-comunicante, durante a elaboração do texto, quanto por parte do tu-interpretante, ao interpretá-lo.

Assim, cabe ao eu-comunicante demonstrar habilidade no sentido de saber fazer construções gramaticais, empregar o léxico e usar os mecanismos de coesão, tudo isso se ajustando que se ajustem à intencionalidade do texto. Nessa hora, quem fala ou escreve terá de estar preocupado também com outros aspectos extratextuais, como diagramação, gestos, inclusão de gráficos, dentre outros.

Para isso, ao formular o texto, o eu-comunicante fala ou escreve para um tu-interpretante a partir da imagem que faz de si mesmo, o eu-enunciador, ao mesmo tempo em que constrói uma hipótese sobre quem seja o tu-interpretante, a qual corresponde ao tu-destinatário. Dessa forma, quanto maior a proximidade entre o tu-destinatário e o tu-interpretante, maior o sucesso do projeto de comunicação.

Breves considerações acerca dos gêneros textuais
a serem avaliados.

Discutir gêneros textuais torna-se uma tarefa complexa, uma vez que não há consenso sobre a matéria. Muitas vezes, o termo gênero é tomado como sinônimo do que Charaudeau denomina modo de organização do discurso. Com isso, a categoria de gênero passa a ser tomado como cada texto tendo contrato de comunicação específico. Portanto, para cada gênero textual há um contrato no qual são explicitados direitos e deveres dos sujeitos envolvidos.

No caso dos gêneros a serem avaliados - conto, fábula e parábola - deparamos com textos de estruturas bem amarradas, tendo começo, meio e fim, bem como elementos próprios da constituição interna dos mesmos, como tempo verbal predominante, localização do clímax, dentre outros.

Apesar de seus aspectos particularizantes, os três gêneros pertencem ao modo narrativo, uma vez que o objetivo central desses gêneros é relatar fatos. As mudanças mais visíveis ficaram por conta das estratégicas lingüísticas utilizadas pelo eu-comunicante. Esse procedimento, segundo Coelho (2000:163), comprova que os gêneros textuais, em especial os do domínio literário, tornam-se “a expressão estética de determinada experiência humana de caráter universal”.

Outra informação acerca do conto, da fábula e da parábola é que, por se tratar de textos de ficção, através deles podemos preencher a necessidade de completude (começo, meio e fim) que sentimos, em meio às experiências cadeidoscópicas do cotidiano (OLIVEIRA, 2003:50). Isso nos leva a constatar que os gêneros, aqui entendidos como contratos de comunicação, apresentam regras ou cláusulas próprias do faz-de-conta, dificultando, assim, a verificação do racional, uma vez que abrem a porta para o mistério, a magia, o sobrenatural etc., sem compromisso com o relato de fatos verídicos.

Do ponto de vista estrutural, percebemos que os recursos lingüísticos utilizadas na construção do conto, da fábula e da parábola seguem uma “regra”, que nos permite admitir uma lógica interna em cada um desses gêneros. E a aceitação de tal verdade vai depender tanto da competência semiolingüística do eu-comunicante desenvolvendo em saber-fazer nos níveis gramatical, lexical e textual quanto da tríplice competência do tu-interpretante.

Uma proposta de interpretação semiolingüística dos gêneros

Procederemos à transmissão dos textos, catalogados como A, B e C. Ei-los:

Texto A

TENTAÇÃO

Clarice Lispector

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.

Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. (...)

Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.

Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro. A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.

Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera no mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.

Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.

Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos. (...)

Mas ambos eram comprometidos.

Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.

A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-lo dobrar a outra esquina.

Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

Texto B

FÁBULA MODERNA DA GALINHA CARIJÓ

In Seleções do Reader’s Digest: Julho de 1976

Era uma vez uma pequena galinha carijó, que vivia ciscando no quintal, até que um dia encontrou uns grãos de trigo. Chamou os vizinhos e disse:

- Se plantarmos esse trigo, teremos pão para comer. Quem quer me ajudar a plantá-los?

- eu não, mugiu a vaca.

- Nem eu, grasnou o pato.

- Nem eu, crocitou o ganso.

- Então eu vou plantá-lo sozinha, disse a galinha carijó - e assim fez. O trigo cresceu bem alto e, amadureceu com espigas douradas.

Quem vai me ajudar a colher o trigo, perguntou a galinha.

-Eu não vou, disse o pato.

- Está abaixo da minha categoria, resmungou o porco.

- Não vou perder meu status, anunciou a vaca.

- Não vou perder meu subsídio de desempregado, queixou-se o ganso.

- então eu vou colhê-lo sozinha, disse a galinha carijó - e assim fez.

Finalmente, chegou o tempo de assar o pão. Quem vai me ajudar a assar o pão, perguntou a galinha.

- Está fora do meu horário, disse a vaca.

- Não vou perder meu subsídio de previdência social, desculpou-se o pato.

- Nunca me formei, por isso não sei como fazê-lo, declarou o porco.

- Se eu for o único a ajudar, isso será uma forma de discriminação, afirmou o ganso.

- Então vou assá-lo sozinha, disse a galinha carijó. Assou cinco pães e mostrou-os aos vizinhos.

Todos eles quiseram um pedaço (na verdade, exigiram uma parte), mas a galinha carijó disse: Não, eu posso muito bem comer os cinco pães sozinha.

- Excesso de lucros!, gritou a vaca.

- Sanguessuga capitalista!, berrou o pato.

- Exijo direitos iguais!, praguejou o ganso.

O porco apenas grunhiu. Então, pintaram cartazes tachando de “desleal” a pequena galinha carijó, e fizeram uma marcha de protesto, gritando obscenidades.

O agente fiscal chegou e disse à pequena galinha carijó.

“Exatamente”, atalhou o funcionário. Esse é o maravilhoso sistema da livre iniciativa. Qualquer um pode ganhar o que quiser, mas segundo as leis governamentais, os trabalhadores produtivos devem dividir o produto do seu trabalho com os inativos.”

E todos, viveram felizes para sempre. - mas as vizinhas da pequena galinha carijó nunca puderam compreender por que ela nunca mais assou pão.

Texto C

O DRAGÃO

Veríssimo - Jornal O Globo. 26 de abril de 2003.

Parábola. Era uma vez um lugar dominado por um dragão. O dragão era mau. O dragão era aterrorizador. O dragão comia gente. Todos os dias um número determinado de pessoas - o dragão estabelecia a cota mensal e era atirado dentro da caverna do dragão, que devorava as pessoas depois de assá-las com as labaredas das suas ventas. E o dragão não controlava apenas a sua dieta. Controlava toda a vida do lugar, com sua presença ameaçadora e suas ordens. O lugar não ia para frente por causa do dragão. Não progredia porque o dragão não deixava. Não dava de comer à sua população porque tinha que dar sua população para comer ao dragão.

Aquilo não podia continuar assim. Precisavam de alguém para enfrentar o dragão, para matá-lo e fazê-lo fugir. E encontraram alguém. Um cavalheiro destemido, acostumado a grandes lutas. E começaram a preparar o cavalheiro para enfrentar o dragão. Não foi um processo rápido, levou anos. O cavalheiro não teve que ser convencido da maldade do dragão. Ele mesmo tivera companheiros devorados pelo dragão. Odiava o dragão. Todo mundo concordava que o dragão tinha que cair para que o lugar se erguesse. O importante era saber como derrotar o dragão. E só entrar na caverna quando o cavalheiro, eleito pelo lugar para livrá-los do dragão, estivesse pronto.

Foi um treinamento extenso e meticuloso. Tudo foi previsto. Assim que percebesse que o cavalheiro não era apenas outro prato, o dragão reagiria com ameaças e insultos pesados. O cavaleiro foi preparado para responder à altura. Entraria na caverna com o discurso pronto. O dragão lançaria fogo pelas ventas. O cavalheiro iria equipado para restringir ao fogo. O dragão usaria o seu rabo serrilhado para tentar cortar o cavalheiro ao meio. O cavalheiro treinou muito a manobra evita-rabo. O dragão tentaria esmagar o cavalheiro com uma das suas grandes patas ou trespassá-lo com uma das suas grandes unhas. O cavalheiro como se esquivar das patas e das unhas. O cavalheiro estava pronto para entrar na caverna e enfrentar o dragão.

Entrou, e foi aquele silêncio. Do lado de fora da caverna toda a população na expectativa dos sons da luta, dos sinais de que o cavalheiro e o dragão combatiam até a morte e nada. Silêncio. Horas, dias, meses de silêncio. Finalmente se atreveram a espiar para dentro da caverna e viram o cavalheiro e o dragão lado a lado batendo o maior papo. “Sabe que ele é até simpático?”, disse o cavalheiro, quando lhe cobraram. Tinham preparado o cavalheiro para todas as eventualidades, mesmo a de o dragão gostar dele.

Os gêneros textuais A, B e C pertencem ao modo narrativo de organização do texto, por estarem centrados no fato, com diz a tradição em estudos dessa natureza.

As escolhas conscientes feitas pelos autores permitem acesso fácil ao enredo, o que implica um público alvo bastante heterogêneo, desde o leitor mais ingênuo até o mais perspicaz. Surgem, então, vários níveis de interpretação.

Muitos podem ser os caminhos que possibilitem o acesso a A, B e C, mas um deles é decerto o mais confiável: começar pelo que Patrick Charaudeau denomina “núcleo hard”, um conhecimento lingüístico complexo, relativo ao emprego das estruturas fonológicas, morfossintáticas, semânticas, ortográficas etc. na formalização do texto. Entretanto, como o termo foi utilizado uma única vez pelo referido teórico no artigo O discurso da mídia, priorizaremos a categoria de tempo verbal, bastante útil ao estudo em tela.

Em Estructura y función de los tiempos en el lenguage (1968), o teórico Harald Wenrich postula que a escolha do tempo verbal mantém estreita relação com a tipologia textual ou, de acordo com a terminologia de Patrick Charaudeau, com o modo de organização do discurso. É possível fazer as correlações: narrativo - pretérito perfeito, descritivo - presente do indicativo (tempo predominante) e pretérito imperfeito (descrição a serviço da narração), dentre outros.

Interessa-nos particularmente a correlação entre o modo narrativo e o pretérito perfeito ocorrida nos textos que, embora entrecortados por descrições, conservam características da narração, a saber: a existência de personagens, a progressão temporal (começo, meio e fim), a localização espacial e enredo. Essa estrutura, típica da narração, aparece o tempo inteiro enriquecida pelo modo descritivo, que nos permite caracterizar personagens, locais e cenas estáticas e dinâmicas, bem como evocar arquétipos.

Acreditamos que as ocorrências excessivas de pretérito imperfeito sinalizando as inúmeras descrições se devam à necessidade do eu-comunicante de inserir elementos mais particularizantes e adequados ao universo dos textos. Além disso, existe a legítima exigência de atender às expectativas de um tu-interpretante que precisa perceber as circunstâncias e finalidades da comunicação por meio das estratégias lingüísticas engendradas nos contratos de A, B e C.

Para operacionalizar o estudo dos gêneros textuais, vamos apresentar o quadro a seguir:

GÊNEROS TEMÁTICA OCORRÊNCIA DE TEMPOS VERBAIS COMPETÊNCIA SEMIOLINGÜÍSTICA
Texto A: “Tentação” de Clarice Lispector Conto que aborda fatores de identidade entre uma menina e um cão. PP <PI Aptidões: uso enfático do adjetivo durante a evocação de arquétipos da menina e do cachorro; uso de imagens e hipálages.
Texto B: “Fábula moderna da galinha Carijó” da Nations Business Fábula que apresenta animais com atitudes tipicamente humanas, versando sobre a oposição entre o regime capitalista e o socialista. PP >PI Aptidões: emprego de discurso direto e escolha de vocábulos e expressões formando campos semânticos da área dos sistemas socialista e capitalista.
Texto C: “O dragão” de Luís F. Veríssimo Parábola que trata do embate entre o dragão e um cavalheiro que, apresentando semelhanças com o cenário político recente. PP =PI Aptidões: presença de frases curtas, sendo a maioria construída na ordem direta; repetição do vocábulo “dragão” nas posições de sujeito, agente da passiva, objeto direto, dentre outros; uso de símiles, metáforas e prosopopéias.

· PP - Pretérito Perfeito

· PI - Pretérito Imperfeito

No quadro apresentado, os gêneros textuais conto, fábula e parábola pertencem ao modo narrativo de organização, se considerarmos as circunstâncias que orientam cada contrato de comunicação, à luz do conceito de predominância quantitativa e de predominância qualitativa (cf. OLIVEIRA, em aulas do Doutorado em Língua Portuguesa / UERJ, 2004/01 e Adam (1987), em Types de sequences textuelles élémentaires; a saber:

· apenas no texto B, houve predominância quantitativa das seqüências narrativas;

· no texto C, houve empate técnico entre as seqüências narrativa e descritiva;

· no texto A, predominaram quantitativamente as seqüências descritivas;

· em A, B e C, devido aos objetivos de cada projeto de comunicação, predominou, do ponto de vista qualitativo, o modo narrativo de organização dos textos.

Quanto à natureza da comunicação, os textos correspondem à comunicação escrita, monolocutiva e não presencial, o que confere maior relevância ao “núcleo hard”, merecendo destaque: a) o uso da categoria verbal de tempo, especificamente os tempos do pretérito; b) mecanismos de coesão. Explicando melhor:

a) uso da categoria verbal de tempo:

· em A, houve maior emprego do pretérito imperfeito do indicativo valorizando a evocação de arquétipos;

· em B, usou-se o pretérito perfeito do indicativo, com ênfase no fato relatado;

· em C, pretérito perfeito e imperfeito do indicativo geraram, respectivamente, seqüências narrativas e descritivas equivalentes do quanto à predominância quantitativa;

b) presença de mecanismos de coesão:

· em A, chamou atenção o emprego dos pronomes pessoais do caso reto “ela” e “ele”, sendo o primeiro como elemento catafórico referindo-se a menina e o segundo como anafórico referindo-se ao cachorro basset ruivo;

· em B, merecem destaque as repetições da estrutura frasal “Quem vai me ajudar....?” e da expressão “... e assim fez” (fartamente encontrada no livro de Gênesis, da Bíblia Sagrada), além dos bordões “Era uma vez...” e “E todos viveram felizes para sempre...” que fazem parte dos rituais de abordagem dos contos infantis;

· em C, a estratégia adotada é a repetição do vocábulo “dragão”, tomado como recurso coesivo nas seqüências descritivas ricas em dinamismo; aliás, essas seqüências servem de elo para atar as partes da narração que estão sendo construídas na parábola.

No que concerne à identidade dos sujeitos, é possível afirmar o seguinte:

· em A, o eu-comunicante constrói o perfil de personagens que habitam um enredo direcionado a um tu-destinatário, que é um público alvo específico e que não coincide com tu-interpretante ou leitor em potencial;

· em B, devido ao emprego do tom parodístico, sentimos a necessidade de dividi-lo em duas fases: 1ª) na primeira versão, a história é realmente destinada a um público leitor infantil, o que nos permite visualizar aproximações entre o tu-destinatário e o tu-interpretante; 2ª) visto sob o ângulo do texto em análise, temos um e eu-comunicante que é representado pelos editores da Nations Business, e o tu-interpretante deixou de ser apenas infantil e passou a ser constituído de qualquer leitor em potencial, e, quanto ao tu-destinatário, este corresponderá a diversos perfis de leitores cujos propósitos e papéis distintos na comunicação serão absorvidos em níveis diversos;

· em C, o eu-comunicante é Luís F. Veríssimo, o tu-interpretante é o leitor do jornal O Globo, e o tu-destinatário corresponderá à capacidade de apreensão do conteúdo tanto “núcleo hard” quanto da “periferia light”.

CONCLUSÕES

Os textos A, B e C mostraram-se férteis quanto à oferta de material lingüístico, principalmente quanto à marca verbal característica do modo narrativo, o pretérito perfeito do indicativo.

Devido à escolha de vocabulário simples e frases curtas, torna-se fácil descobrir os implícitos codificados contidos nas entrelinhas, a saber: tanto na fábula quanto na parábola, foram levantados aspectos do domínio marxista; no conto, o objetivo foi traçar o perfil psicológico da menina.

Para isso, segundo Oliveira (2003:46), além de “reconhecer e manejar os sistemas semiolingüísticos”, o tu-interpretante deverá considerar as estratégias do discurso e, conseqüentemente, da comunicação.

Pelo fato de os textos “Tentação” de Clarice Lispector, “Fábula moderna da galinha carijó” adaptada pela Nations Business e “o dragão” de Luís F. Veríssimo serem acessíveis ao público leitor de todas as idades e níveis de escolaridade, podem ser trabalhados também em salas de aula durante a educação básica, em Língua Portuguesa, Literatura Infanto-juvenil e em disciplinas afins, como História, Sociologia, Filosofia e Psicologia, dentre outras.

Enfim, através da interpretação semiolingüística dos gêneros textuais avaliados, concluímos que a investigação pelos níveis gramatical, lexical e textual oportuniza ao tu-interpretante acesso aos contratos de comunicação, levando-o a desvendar estratégias e relações intertextuais deixadas pelo eu-comunicante no tecido da trama textual.

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