A ELABORAÇÃO DO ESTILO PAVESIANO

Alcebiades Martins Arêas (UERJ)

O objetivo deste trabalho é apresentar os principais elementos que contribuíram para a construção do estilo pavesiano: o slang, a repetição, o diálogo e a parataxe. Estes elementos, que perpassam toda sua produção, de Lavorare stanca a La luna e i falò, aproximam o texto pavesiano da linguagem do dia-a-dia, à medida que ele insiste em estruturas cristalizadas na língua falada de sua época e inusitadas para o registro literário tradicional.

O slang é um elemento chave na formação do estilo pavesiano. Inspirado nos norte-americanos, Pavese elabora um novo registro literário em que insere a sintaxe do dialeto piemontês, variações regionais, linguagem coloquial, gíria e linguagem culta. Esta miscelânea de registros lingüísticos aproxima o registro literário de Pavese à linguagem do dia-a-dia. Contribuem para esta caracterização a importância que assumem em seu texto a repetição, o diálogo e a parataxe. Tais elementos, segundo Beccaria (1964: 89) se revestem de grande importância não só porque são próprios da linguagem coloquial, mas também, porque constituem o tecido do texto como um todo. O importante não é o que se narra, mas a narração em si mesma.

Trata-se de uma linguagem híbrida, na qual a fusão de todos os registros lingüísticos contribuem para a criação de um “piemontese illustre”. Isto, no entanto, só foi possível porque Pavese soube abdicar-se de sua erudição. O plurilingüismo, em seu texto, se verifica, sobretudo, pela capacidade de captar atmosferas comuns, situações vivenciadas nos registros coloquial, popular, regional, e mesmo na gíria e no dialeto piemontês.

O Slang

Para entendermos o valor do slang na obra de Pavese, é preciso que esclareçamos a diferença entre este e o “volgare americano”. O primeiro é quase uma gíria, um registro particular, um emaranhado de transposições grotescas, organizadas de maneira picante. Uma criação consciente e, propositadamente, desejada, aprovada por todos, com exceção dos puristas. Já o “volgare americano” é simplesmente a língua falada no dia-a-dia pelos americanos, diferente do inglês britânico no tocante à fonética e à morfologia, mas freqüente no léxico e na construção. Contribuíram para a formação do “volgare americano” as diferentes condições dos emigrantes ingleses e o contato com emigrantes de outros países, além da evolução natural do slang.

Pavese, ao entrar em contato com a Literatura Norte-Americana do final do século XIX e início do século XX, lendo e traduzindo vários autores, descobre a riqueza do slang e decide adotá-lo em seu texto literário, adaptando-o à sua realidade cultural, ou seja, à realidade cultural italiana.

Os norte-americanos buscavam uma maior aproximação com o leitor de seu tempo, ao narrar acontecimentos aparentemente simples que retratavam a realidade circunstante. Inspirando-se em fatos do quotidiano, na problemática do homem moderno, levaram, para o texto literário, situações e atmosferas que, mesmo recriadas e reinventadas, confundiam-se com aquelas vividas pelos leitores. A fronteira entre o vivido e o narrado desaparecia quase por completo, possibilitando, dessa forma, uma completa identificação com o leitor no tempo e no espaço.

Pavese, por sua vez, resguardadas as particularidades culturais, dá início à criação de um novo registro para a literatura, a partir da fusão de vários registros lingüísticos: o dialeto piemontês, a língua falada pelos camponeses, lavradores, mineiradores, operários, pelo homem simples da cidade, as variações regionais, a língua culta padrão e o próprio registro literário clássico. Ele pretendia identificar-se com os clássicos no tocante ao conteúdo, mas adotando uma nova forma, capaz de refletir os problemas do homem de seu tempo.

O dialeto, para Pavese, é o real. É uma maneira de devolver às linguas e à cultura seu caráter virginal. O dialeto, diz Pavese, é uma miscelânea de língua culta e slang que constitui a coluna dorsal e o principal fundamento da linguagem literária dos escritores norte-americanos do final do século XIX e início do nosso século XX.

...la ricchezza espressiva di quel popolo nasceva non tanto dalla vistosa ricerca di assunti sociali scandalosi e in fondo facili, ma da un’aspirazione severa e già antica di un secolo a costringere senza residui la vita quotidiana nella parola. Di qui il loro sforzo continuo per adeguare il linguaggio alla nuova realtà del mondo, per creare in sostanza un nuovo linguaggio,materiale e simbolico (BECCARIA, 1964: 89).

“Adaptar a linguagem à nova realidade do mundo” é uma frase bastante significativa, pois define uma escolha que parte do real. E é, principalmente, da realidade dos camponeses, das Langhe, das colinas do piemonte, do mundo que reconhece como seu que Pavese partirá.

O dialeto pavesiano é utilizado de duas formas, conforme afirma Gian Luigi Beccaria:

Ci sono nel lessico pavesiano diversi piani d’intenzioni,d’effetti e di risultati: se tampa, o vigliacco, gorba, piola, e così via, si schierano sulla linea di una negazione più vistosamente polemica contro il “tono alto” della lingua ermetica e post-ermetica, [...] delimitata, altri tipi[...]s’ inquadrano nei programmidi una “rivoluzione” più sottile, quando cioè la “trascrizione” di-screta del dialetto fa acquistare senza sforzo a certe forme cittadinanza naturale nella lingua italiana...(PAVESE, 1990: 32-33)

No entanto, o dialeto serve apenas para inovar, para despertar a linfa no corpus cristalizado e morto da língua literária. Por isso mesmo, diz Beccaria, Pavese não tenta fazer uma transcrição italiana da palavra dialetal, mas procura realizar uma pesquisa bem ampla de uma língua que, inserida em uma tradição histórica, seja como uma metamorfose contida ao máximo possível no sistema, seja construção e liberdade de expressão.

O slang, no texto pavesiano, não é a simples transposição do dialeto piemontês ou qualquer outro registro particular para o texto literário, veiculado por um narrador ou personagens de uma determinada classe social, mas a junção de todos esses modos de rever, sentir e interpretar a realidade, acessível a qualquer leitor.

A repetição

A repetição que perpassa por toda a obra de Pavese, da coletânea Lavorare stanca a La luna e i falò, constitui-se em um elemento básico, responsável pela elaboração de seu estilo sui generis.

A técnica da retomada, empreendida após a publicação da coletânea Lavorare stanca, é indiscutível e vital para a elaboração de seu projeto estilístico.

Os temas que aparecem em Lavorare stanca serão insistentemente retomados nos contos e nos romances posteriores de forma mais aprofundada e elaborada, contribuindo para a consolidação de seu estilo. Os espaços, físicos ou não, são quase simétricos, centrados sempre na oposição campo x cidade, refletindo, incansavelmente, problemas que afetam o outro. Também os narradores e os personagens apresentam características semelhantes. Vivem conflitos e insatisfações iguais aos vividos pelo leitor pelos outros locutores.

A repetição de uma palavra ou expressão é fundamental, mesmo nas situações em que as personagens entram em contato diretamente. O célebre diálogo entre Stefano e Giannino, durante uma caçada, tendo como centro a palavra quaglia, é um clássico exemplo de construção por retomada, pois, os interlocutores repetem, em contextos diferentes, uma mesma palavra:

- Andiamo sulla collina, - disse Giannino, - ci sarà qualche quaglia. - Avete il mare che dà pesce.

- Abbiamo quaglie che nude son belle. Quella è l’única caccia che ci può appassionare.

- Forse è per questo che non fate altro, - rispose Stefano, ansante.

- Volete sparare ? Là, dietro quel sasso: c’è una quaglia.

- Lo sapete cosè da noi la quaglia ? - disse Giannino socchiudendo gli occhi. Stefano lo fissò per qualche istante.(...)

- Perché ? Ve la farete cucinare dalla vostra padrona. Dalla figlia, via, che così potrà dire di avervi servita la quaglia. Di rimando Stefano disse: - Spetta a voi, Catalano. Non avete nessuna che vi possa servire una quaglia ? (PAVESE, 1990: 32-33)

O mesmo ocorre com a palavra braciere, repetida com menos ênfase, mas de forma, também, maliciosa:

- Però adoperate il braciere. Che cos’è il braciere ?

Giannino: - È un bacile di rame, pieno di cenere e di brace, che si sventola e si lascia nella stanza. Poi ci si mettono sopra e stanno calde. Scaccia l’umidità, - disse ridendo. (Ibidem, p. 44)

O diálogo, além de cristalizar um termo ou expressão, pode, também, ser elaborado de forma a confrontar duas cristalizações diferentes e já realizadas, como no exemplo que citamos a seguir; exemplo importante, pois mostra o provérbio como ponto central na estrutura do diálogo: "Giannino non volle che accendesse la luce e si sedettero come prima. Anche Gianni- no accese una sigaretta." (Ibidem, p. 47-48)

A conversa entre Giannino e Stefano desenvolve-se através de antíteses e ironias, de acordo com os esquemas e epígrafes elaborados no diário de Pavese. Consideradas como um todo, essas antíteses e ironias não geram contradições, ao contrário, contribuem para uma ampliação concêntrica e gradual, já que reproduzem e relatam um mesmo conceito. O fio condutor do diálogo consiste naquilo que está acontecendo a uma idéia estereotipada - aceitar ou recusar o destino - que, pouco a pouco, enriquece outras estruturas.

O confronto entre provérbios é um caso limite. O diálogo, de maneira geral, cristaliza-se de forma menos peremptória e o tecido lingüístico se transforma, de vários pontos de vista, em um único centro, bem individualizado.

Giannino trasse di tasca una pipetta.

- Ho fatto il militare e veduto un po’ di mondo, - disse frugando col dito. - Poi ho smesso, perché somigliava troppo alla scuola... (Ibidem, p. 18-19)

A técnica consiste em um ampliar por similaridade, o que é, ao mesmo tempo, o próprio ato de narrar, tendo em vista os diversos contextos a que se refere, de vez em quando. A repetição dialógica aponta sempre para sugestões inesperadas e bizarras, ainda que tenha à sua disposição um material selecionado. O diálogo, que transcrevemos a seguir, nos dá uma irônica versão da situação de exilado do protagonista Stefano:

Andarono a far due passi sulla strada degli ulivi, brulla anch’essa e solcata di rigagnoli. Camminando Stefano sbirciava la vetta del poggio.- D’inverno non si va più lassù ? - Che volete vedere ? il panorama ? - diceva Piero (Ibidem, p. 76-77)

A repetição verbal não é estritamente necessária. Em uma conversa, a resposta pode considerar implícito um termo que será cristalizado e o efeito evocativo funciona como um reforço: "Gli faceva piacere salutare e venir salutato da visi noti.” (PAVESE, 1990: 4-5)

Também o provérbio, além do diálogo, insinua significados ou intenções que ultrapassam a área da fossilização, ainda que continuem a pressupô-la. Outro artifício, usado por Pavese para dar a seu registro literário um caráter inventivo, consiste em retomar um termo ou conceito precedente para inverter seu significado:

- Ma ce ne sono ? - insisté Stefano.

- E come ! - disse Gaetano sorridendo compiaciuto. - La nostra donna invecchia presto, ma è tanto più bella in gioventù. Ha una bellezza fina, che teme il sole e le occhiate. Sono vere donne, le nostre. Per questo le teniamo rinchiuse (Ibidem, p. 69)

A repetição, a partir de Lavorare stanca, funciona como um contínuo rever e refazer. É um aperfeiçoar dia após dia ou obra após obra. É a reflexão, levando, pois, ao amadurecimento que se dá, não quando vemos, mas, quando revemos ou revisitamos.

É na monótona repetição que está o segredo do estilo pavesiano, “Raccontare è monotono” (PAVESE, 1991: 305-309), visto que, em seu texto, o ato de narrar coincide com ato de viver, e a vida é um eterno repetir-se.

O diálogo

Mediado pelas leituras de escritores norte-americanos, o diálogo adotado por Pavese é, preponderantemente, escoimado e linear, despido de tiradas pomposas e filosóficas. É algo que se torna eficaz exatamente por seu impiedoso tom incisivo e árido. E é esse instrumento que se constitui na própria narração, evocando, através de habilidosos artifícios entre os interlocutores, atmosferas e estados de espírito que dispensam descrições, já que nascem e se revelam por intermédio das vozes dos personagens.

Muito eficiente, também, na narrativa de Pavese, é o diálogo interrompido que sugere a hesitação dos interlocutores em revelar parte de seus pensamentos, conforme afirma Tibor Wlassics (WLASSICS, 1985: 112). Em La bella estate, encontramos uma passagem magistral:

- Non hanno nessuno quei due, che gli scopi la stanza? - disse Ginia, mentre tornavano a casa sole.

Amelia disse che Guido si fidava troppo a lasciare la chiave dello studio a Rodrigues.

- Li há fatti Guido, quei quadri (PAVESE, 1968: 33)

A ausência de comunicação entre as pessoas, que funciona como elemento básico na estrutura do romance, oscila entre o diálogo interrompido, transcrito anteriormente, que, mesmo no plano expressivo, sugere duas existências, que se desenvolvem a partir de dois planos que jamais se encontrarão.

No romance Il diavolo sulle colline, o diálogo encontra tamanha naturalidade que a apresentação dos personagens se dá através das palavras e dos temas que eles veiculam. Os diálogos constituem, por si mesmos, a mola propulsora da narração. Em síntese, é o diálogo que dá ritmo à narrativa, sendo o objeto fundamental no qual Pavese se detém.

Quando Pavese comincia un racconto, una favola, un libro, non gli accade mai di avere in mente un ambiente socialmente determinato, un personaggio o dei personaggi, una tesi. Quello che há in mente è quasi sempre soltanto un ritmo indistinto, un gioco di eventi che più che altro,sono sensazioni e atmosfere. (PAVESE, 1990: 266)

A conseqüência imediata dessa técnica estilística é o desaparecimento dos personagens enquanto elementos indispensáveis à narração. "I personaggi gli servono semplicimente a costruire delle favole intellettuali il cui tema è il ritmo di ciò che accade..." (Ibidem, p. 266)

O diálogo, na narrativa de Pavese, estabelece uma relação entre pessoas e, especialmente, idéias. Coloca problemas, hipóteses, teses sociológicas, étnicas e políticas. Mas a personagem, na narrativa pavesiana, está no diálogo só aparentemente, pois, na verdade, o autor se serve do diálogo, utilizando-o habilmente com as mesmas finalidades do narrador, o inexorável manipulador de experiências que caminham, todas, para uma única e global estrutura que é a obra como um todo. Por isso mesmo, o diálogo é simples e reproduz a estrutura e a espontaneidade do falar do cotidiano, pensamento em voz alta ou expressão de uma lógica da personagem. É com esse objetivo que Pavese usa frases lineares, perguntas e respostas em nível mínimo de comunicação. As construções dos períodos são, raramente, complexas, resguardadas as situações em que tenciona exprimir alguma hipótese política. Em geral, seus períodos são curtos, as frases baseadas, predominantemente, na língua falada, a linguagem do dia-a-dia, construídas com orações absolutas, independentes, ligadas por coordenação. O uso generalizado da parataxe, no entanto, no texto de Pavese, é muito mais que um simples índice de primitividade e aproximação espontânea ao real circunstante: é, acima de tudo, um artifício sintático que visa a complementar a condição de ausência do protagonista dilacerado por uma dupla personalidade: adulta e infantil, burguesa e camponesa. Os finais de períodos com uma frase no imperfeito ilustram bem esta situação, conforme observamos nesta passagem de Paesi tuoi: “Il vecchio dice: - Mi chiamo Vinverra, - e riempì tre bicchieri. Prima di riempirli li fiutava nel secchio e buttava via l’acqua sull’aia. I ragazzi guardavano”. (PAVESE, 1991: 25) Para quem se sente estranho no mundo, a realidade apresenta-se em seqüências desarticuladas que perderam uma precisa hierarquia e, por isso, se dispõem em um alinhamento absurdo.

In Paesi tuoi, por exemplo, os diálogos funcionam como elemento integrador entre a realidade sócio-cultural dos personagens e a trama dramática, favorecendo, desta forma, a incorporação do espaço regional.

Dovete passare in municipio per il permesso. L’avete il libreto di macchinista ? “Ce l’hai ?” fa Talino. L’avete aperto un momento fa’ dico al carabiniere ridendo. “C’è poca luce, questo è vero.” Lui mi guardava com gli occhi sottili, sotto la luna. “Dovete denunciare lavoro e residenza. Al più presto.” Poi si staccano e a tre passi ci dice ancora: “Buona notte...” (Ibidem, p. 64-65)

A voz dos personagens corresponde à realidade lingüística em que eles estão inseridos. E são essas vozes que tecem a narrativa, conferindo-lhe um grau de concretude e uma presença dramática muito superior àquela veiculada pelo discurso indireto. "Lei senza levare la testa, mi teneva le mani e diceva: ‘Ci sono le cicale che ci vedono, non senti ?’” (PAVESE, 1991: 53)

O discurso indireto livre, muitas vezes, alternado com o discurso direto nos diálogos, revela uma integração do narrador-protagonista com os outos personagens, pois, ele, é um estranho àquele ambiente, ou seja, não faz parte do mundo dos camponeses, comum a todos os outros personagens. O narrador protagonista, Berto, mesmo não pertencendo ao espaço narrado, se deixa contaminar, isto é, procura adaptar-se ao registro dos camponeses, mantendo-se, dessa forma, a harmonia do texto.

Per provarla bisogna accendere la caldaia, e Vinverra masticava e i ragazzi correvano, ma io dico che basta Talino che mi faccia da cinghia e dia qualche giro al volante di comando. (Ibidem, p. 34-35)

A parataxe

O uso da parataxe no texto pavesiano é mais uma marca de oralidade, presente no registro literário, no qual ele mescla os registros coloquial, popular, regional, dialetal e culto. A comprovação desta asserção está, sobretudo, na narração em primeira pessoa, que inclui, sem dúvida, a regressão do autor no personagem-protagonista, e a repetição do discurso direto ou indireto que proporcionam uma maior aproximação da língua falada:

Aspettando pensavo che, se avessi attaccata la giacca sopra quella di pieretto, sarebbe subito finito il discorso che a guardarci nello specchio sembravamo fatti uno per l’altro e che lei mi aveva sempre voluto; e invece avrebbe detto che non volevamo, né lei né io, l’amico che prendevamo in giro, e mi avrebbe tormentato e messo su contro Pieretto. (Ibidem, p. 15)

No entanto, observamos que a parataxe é utilizada em outras situações e, desta forma, não se limita, apenas, à representação do real ou mesmo expressão de uma emoção ou lembrança. "Talino dice allora chi erro, e il vecchio mi guarda le scarpe e si gratta dentro i calzoni, e si volta a quelle del carro gridando di finire prima di notte." (Ibidem, p. 23)

Em muitos casos, a conjunção aditiva “e”, que normalmente liga as orações no período paratático, dá acesso a outras construções sintáticas: "Sempre uguale quell’alto e quel basso, sempre uguale quel caldo del sole e del forno, e tutti che maneggiavano i tridenti e le forche e portavano i sacchi e saltavano via." (Ibidem, 89-90)

Neste último exemplo, a vírgula antes da oração substantiva objetiva, e a oração coordenada aditiva “e dice il vecchio” ligada à principal “Tutti parlavano di quel Berto di Bra”, dá à sintaxe deste período um aspecto extremamente variado.

Percebemos, desta forma, que o uso da parataxe no texto de Pavese vai além de uma adesão a um modelo que reflita a linguagem cotidiana. Poderá, em muitos casos, tratar-se de uma sugestão, um artifício sintático que irá caracterizar uma complexa reelaboração estilística.

Este tipo de reelaboração que não é mais baseada no modelo da linguagem coloquial, pois está consagrado na linguagem literária tradicional, aparece já em diversas passagens do romance Paesi tuoi, através do período paratático construído com uma estrutura tripartida: "Quello grasso salta giù daí covoni e prende i buoi per la cavezza e bestemmia." (PAVESE, 1991: 77) Nos dois últimos exemplos, percebemos que a opção pelo período composto de três orações coordenadas, o período tripartido, se justifica pela necessidade de registrar o ritmo lento com o qual as personagens, Berto e Vinverra, realizam as ações.

Notamos, também, que, ao optar pelo período paratático tripartido, o autor se esforça ao máximo para trazer a “fala” de Berto, o narrador-protagonista, ao tempo presente, conforme afirma o próprio Pavese em seu diário.

Na elaboração do período paratático tripartido, não podemos deixar de notar a força expressiva que a pontuação atribui às orações. A principal característica dessa construção sintática consiste na coordenação de três orações que, normalmente, possibilitam a passagem de um polissíndeto a um assíndeto: “Quello grasso salta giù dei covoni e prende i buoi per la cavezza e bestemmia.” (Ibidem, 77) De acordo com as normas da gramática tradicional, o período deveria ter sido estruturado da seguinte maneira: “Quello grasso salta giù dai covoni, prende i buoi per la cavezza e bestemmia.”

È muito comum encontrarmos, no texto pavesiano, períodos compostos por três orações coordenadas, em que as duas primeiras, além da vírgula, são ligadas por uma conjunção aditiva: "...ma ecco che si mette a ridere facendo il malizioso come fossimo uomo e donna in un prato, e si butta sotto braccio il fagotto e mi dice...” (Ibidem, p. 7)

Por outro lado, a coordenação por meio de polissíndeto, em um período composto por três orações, pode, também, ser interpretada como um período composto por duas orações cordenadas assindéticas, ao qual se liga uma terceira oração, independente sintaticamente, separada por um ponto: “Vinverra, col cappello in testa, s’era seduto anche lui e fissava la polenta e sembrava ascoltasse quei tonfi...” (Ibidem, p. 8). Este período, segundo as regras gramaticais do italiano comum, seria desmembrado em dois: o primeiro com duas orações coordenadas, ligadas pela conjunção aditiva, e outro simples: “Vinverra, col cappello in testa, s’era seduto anche lui e fissava la polenta. Sembrava ascoltasse quei tonfi...” Ocorre também períodos compostos por quatro orações: três coordenadas e a última, subordinada à terceira: “Vinverra, col cappelo in testa, s’era seduto anche lui e fissava la polenta e sembrava ascoltasse quei tonfi che i piedi scalzi facevano sulla volta.” Obedecendo às regras da sintaxe, este período seria dividido em dois: “Vinverra, col cappello in testa, s’era seduto anche lui e fissava la polenta.” e “Sembrava ascoltasse quei tonfi che i piedi scalzi facevano sulla volta.” A pausa entre os dois períodos, seguindo a sintaxe tradicional, poderia ser marcada por um conector de valor adversativo “ma”: “Vinverra, col cappello in testa, s’era seduto anche lui e fissava la polenta ma sembrava ascoltasse quei tonfi che i piedi scalzi facevano sulla volta.” (Ibidem, p. 9)

Sem dúvida que a intenção de Pavese, neste caso, foi dar maior ênfase à sintaxe do período e, com tal objetivo, transgrediu a norma, pois alterou o ritmo do período, ao deixar de assinalar a pausa após a segunda oração. Podemos constatar este recurso estilístico sem dificuldade, visto que Pavese, não raramente, usa a vírgula e a conjunção para assinalar a retomada do ritmo na passagem da segunda para a terceira oração: "Piegò il foglio e se lo mise nel taschino della camicia, e guardò la fontana. (PAVESE, 1991: 8)

Neste último exemplo, notamos também uma mudança de sujeito e tempo verbal, na passagem da segunda para a terceira oração.

Constatamos que este procedimento sintático favorece a atribuição de outro valor expressivo às duas conjunções do período, uma vez que a segunda conjunção assume forte conotação circunstancial e, em alguns casos, de conseqüência. Podemos dizer, ademais, que a conjunção, no texto pavesiano, funciona, ainda que de forma progressiva, como um instrumento autônomo, um elemento cuja expressividade enriquece o período.

Em outros casos, a pontuação serve para indicar a justaposição de um período independente àquele coordenado: "Le diede lui la sigaretta e gliel’accese com le dita bagnate, e scherzarono tutti e tre sui lampioni." (Ibidem, p. 46)

O período paratático, em La bella estate, torna-se mais elaborado, apurado e ardiloso. Percebemos, de fato, que este tipo de estrutura é menos freqüente no discurso indireto, excetuando-se aquelas situações em que se deseja uma aproximação com a estrutura da língua falada: "Ma guido difese Rodrigues e le disse che era un pittore straordinario ma era uno che prima di dipingere ci pensava sopra e non faceva niente per caso e gli mancava soltanto il colore." (Ibidem, p. 44)

Trata-se, no entanto, de um período formado por quatro orações que aparece em muitas passagens do romance: "Se ne andarono al centro, tutte e due senza cappello, seguendo il fresco dei corsi, e per cominciare presero il gelato e leccandolo guardavano la gente e ridevano.” (Ibidem, p. 29)

A estrutura sintática dos períodos compostos por três orações, o período tripartido, do romance La bella estate, cujo ambiente é muito diferente daquele do romance Paesi tuoi, evolui e torna-se mais complexa, menos em situações em que o registro culto da língua é predominante. Observamos, neste exemplo, a presença do assíndeto e do polissíndeto em um mesmo período: “Com’è la vita, _ pensava, _ Guido che non lo conosco, mi prenderebbe a braccetto e ci fermeremmo sugli angoli, mi direbbe che sono una donna e ci guarderemmo.” (Ibidem p. 29)

Temos, também, situações em que a conjunção aditiva “e” coloca em um mesmo plano orações com valores sintáticos diferentes: "Si stupiva di camminare come sempre, e di aver fame e pensava a una cosa sola... " (Ibidem, p. 15)

Observamos, neste exemplo, que a vírgula após o advérbio de tempo “sempre”, provoca, de forma intencional, uma coordenação entre duas orações: “di aver fame e pensava” que estariam, normalmente, ligadas a uma subordinada, no caso da primeira: “di aver fame di camminare” e a segunda: “Si stupiva e pensava” ligada à principal. Vejamos outro exemplo onde esta mesma situação se repete:

Così quella mezz’ora che Ginia avrebbe voluto chiedergli tante cose, di Amelia, di lui, dei suoi quadri, e che cosa faceva di sera e se le voleva bene, passò che Ginia non ebbe coraggio e ottenne soltanto che andassero dietro la tenda... (PAVESE, 1991: 76)

A parataxe, neste caso, dá ao período um caráter mais variado, já que, após uma série de locuções substantivas ( tante cose, di Amelia, di lui, dei suoi quadri), ocorre uma mudança de sujeito ( quella mezz’ora... passò che Ginia...) e uma segunda parataxe (ebbe... ottenne). A parataxe, formada por polissíndetos, pode ser interrompida por um assíndeto, que é introduzido no período como se fosse uma outra oração principal:

Allora guido le raccontò di quell’anno che aveva preso lo studio e che venivano i suoi amici studenti a trovarlo e ce n’era uno che poi si era fatto frate. Amelia non faceva ancora la modella ma le piaceva divertirsi, e venivano di giorno e di sera e ridevano e bevevano mentre lui cercava di lavorare. (Ibidem, p. 45)

Pode acontecer, em alguns casos, uma troca de posições, se considerarmos que em um período tripartido ocorre, normalmente, primeiro o assíndeto e depois o polissíndeto. Neste tipo de estruturação do período, a vírgula, que interrompe o polissíndeto, assinala uma anomalia gramatical, que é o desejo do autor: "Ginia si accorse di essere tutta sudata, e fece un sorriso scemo, diventò rossa come il fuoco." (Ibidem, p. 38)

Em La bella estate, é muito mais freqüente a alternância de função da conjunção “e”, passando de “copula” à conjunção: "Era giovanotto come Severino, e non le dava soggezione, perché portava sempre la tuta, e qualche anno prima la prendeva ancora per i polsi dicendo se voleva la scossa." (Ibidem, p. 37)

Neste último exemplo, a conjunção “e” adquire maior valor expressivo, não só pela vírgula que a precede, mas, também, pela repetição do sujeito através do substantivo próprio “Ginia”.

Não temos dúvida de que a função do período paratático no texto pavesiano vai muito além da necessidade de reestruturar “realisticamente” a sintaxe dialetal, quando nos referimos ao dialeto piemontês, e àquele ritmo comum à lingua do cotidiano. À medida que o estilo de Pavese se cristaliza, torna-se mais elaborado e complexo o uso da parataxe. Portanto, devemos atribuir a essa construção sintática um valor essencialmente expressivo que transforma a fantasia em “real” e vice-versa.

Bibliografia

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WLASSICS, Tibor. Pavese falso e vero. Torino: Centro degli Studi Piemontesi, 1985.