Sinais e Símbolos de Pertencimento
das
Ordens Militares no Período Feudal

Sergio André Barros Melo Carvalho (UNINCOR)

 

Tudo que existe é justo e injusto e, em ambos os casos, igualmente justificáveis” (Nietzsche, A Origem da Tragédia, p. 84). A citação de Frederico Nietzsche serve bem de ilustração inicial para este trabalho, no qual será feita uma análise do ponto de vista semiológico, político e social, do Espírito de Corpo: Sinais e Símbolos de Pertencimento, dos Cavaleiros da Ordem do Templo de Salomão. Aqui serão ressaltadas, principalmente, as diferenciações existentes nessas ordens, do ponto de vista das estruturas sociais, que se corporificavam claramente nas vestimentas - um dos tópicos que veremos a seguir. Apesar de, teoricamente, todos que a essas ordens pertenciam serem considerados “irmãos”, tudo demonstra que as ordens militares eram mero reflexo da sociedade feudal onde elas foram forjadas, manipulando-se e corrompendo-se o dito sagrado em favor de interesses específicos do profano.

De início, vamos fazer um breve apanhado sobre as ordens militares e, mais especificamente, a Ordem dos Templários.

A viagem de Hugo de Payns e de cinco de seus companheiros ao Ocidente em 1127-29 mudou a situação. Ele obteve do concílio de Troyes uma regra para sua ordem, e são Bernardo, a mais alta autoridade da Igreja da época, que teve papel ativo em Troyes, escreveu pouco depois a tratado ou melhor, sermãoDe laude novae militae ( Elogio da nova cavalaria) para exaltar a missão da nova ordem. (Demurger, p. 34).

Esta é a data do surgimento da que seria a maior ordem religiosa do período das cruzadas, os precursores dos banqueiros internacionais - o maior poder político em muitos estados. Isto, sem dúvida, foi fator gerador da inveja de muitos que cobiçavam suas riquezas, trazendo como conseqüência sua dissolução, aparentemente, em 18 de março de 1314, quando seu Grão Mestre Jacques Molay é queimado na fogueira, pela interferência direta de Felipe o Belo, rei que havia se apercebido da real dimensão que os Templários haviam atingido e do poderio que sua queda poderia proporcionar.

Dando seqüência, vamos nos dedicar a tentar entender como os vários símbolos, de pertencimento desta Ordem, serviam para demonstrar que havia algo mais do que simplesmente pertencer aquela Ordem: aquele que portasse aqueles símbolos teria uma clara posição na hierarquia social.

Eram designados irmãos das ordens militares; pertenciam a uma instituição e formavam um corpo; o que implicava o senso de honra, o orgulho e o senso do dever. O manto, a insígnia, a bandeira e o sinete são sinais de pertencimento da ordem.

Se cada um dos itens de vestimenta e acessórios dos Templários permitia que eles fossem identificados pelo conjunto da sociedade, como membros de sua ordem; o que obviamente era vantajoso tanto em situações de paz, que de forma muita clara lhes dava acesso ao prestígio de pertencer a casa Templária – a ordem militar mais rica e poderosa no períodocomo em tempos de guerra, pois permitia que se identificassem de forma rápida no campo de batalha.

Essas formas de identificação que tão úteis foram aos Templários; depois que estes foram jogados na clandestinidade e vieram a transformar-se na Maçonaria atual, foram utilizadas para formar um socioleto, língua particular de um grupo que serve para identificar seus membros e lhes proporcionar acesso a muitos rituais.

Enquanto meio de comunicação visual impregnado de significado universal, o símbolo não existe apenas na linguagem. Seu uso é muito mais abrangente. O símbolo deve ser simples e referir-se a um grupo, idéia, atividade comercial, instituição ou partido político. (Dondis, p. .93).

Será dado destaque, a partir desde momento, às roupas: hábitos, cruzes e insígnias. “A roupa tem como papel principal indicar o lugar de um indivíduo no seio de um grupo e o lugar desse grupo no seio da sociedade. Naturalmente isso era válido para as ordens religiosas” (N. Pastoreau, p. 32).

Os primeiros Templários não gostavam de vestir roupas laicas e serem assim confundidos com os Cavalheiros seculares. Sua regra determinava que portassem um hábito branco ( que a simbologia dessa cor nos remete ao sentimento de paz quase que imediatamente), o que o Papa Alexandre III homologou em 1664, pois era preciso distinguir o hábito das outras roupas. Por hábito se designava, em uma ordem religiosa, a roupa exterior: a cappa, manto fechado com capuz (cogula), ou o manto aberto, que chamamos capa. As roupas são o resto, camisas, cuecas, veste, sobrecota, etc.

As roupas revelavam a duplicidade: religiosa e militar. No convento, trajavam manto e fora deste os irmãos deviam portar o hábito cappa monástica fechada ou manto aberto, vestido por cima da roupa ou armadura, solenemente entregue àquele que faz profissão de , por ocasião de seu ingresso em uma ordem militar. A atribuição de um hábito específico a cada ordem remonta a sua própria origem, ainda que essa questão não seja clara para o Templo. Podemos dizer que as variações das vestimentas seriam mudanças no eixo paradigmático, de acordo com o que as circunstâncias se fizessem necessárias; e o eixo sintagmático se manteria inalterado, que a mensagem de diferenciação social se manteria de forma clara, a qualquer um com capacidade de decodificá-la.

Guilherme de Tiro escreve que o manto branco foi atribuído aos templários no concílio de Troyes, ao passo que a regra, redigida nesse mesmo concílio, diz que o portavam: abusos constatados no uso desse hábito branco de fato levaram os padres do concílio a limitá-lo apenas aos cavaleiros; todos os outros, e sobretudo os familiares da ordem (co-irmãos, cavaleiros serventes temporários), poderiam vestir um manto preto ou um burel (cinzento-roxo). No caso do templo, bem como de todas as outras ordens militares em seguida, o hábito devia ser de uma cor uniforme.(Tiro, p. 188).

A diferença entre cappa e cogula monástica, de um lado, e manto, de outro, é acentuada pela a associação de escapulário a primeira e da insígnia ao segundo. O costume da cruz do cruzado foi o laboratório da insígnia medieval. É preciso buscar nas ordens militares representativas do ideal da cruzada, para encontrar as primeiras definições de uma insígnia religiosa, que iriam vincular ao manto. A regra do templo não mencionava insígnia; os Templários começaram a costurar no manto uma cruz vermelha, depois de terem recebido autorização do Papa Eugênio III em 27 de abril de 1147; porém, os Templários teriam conservado a insígnia, como os cônegos do Santo Sepulcro durante um certo tempo.

pode se tratar então da cruz patriarcal de duas travessas e não da cruz de Jerusalém.Cruz potentéia cantonada de quatro cruzetas não potentéias, que se tornaria à cruz dos cavaleiros do Santo Sepulcro no século XIV, depois da ordem dos cavaleiros do Santo Sepulcro mais tarde.(Gennes, p. 147).

Já que até agora nos detivemos nas vestimentas e insígnias vamos nos dedicar falar um pouco das cores e das formas; o manto nem sempre era branco; a insígnia, nem sempre uma cruz; e esta nem sempre vermelha.

O simbolismo das cores, tanto do manto como das insígnias, é bastante simples. O preto era símbolo de humildade e penitência; o branco símbolo da pureza; as cores vivas pertenciam aos leigos. Os irmãos das ordens religiosas e militares deveriam renunciar à cavalaria secular e adotar o branco, o preto, o cru ou o burel (cinzento roxo).

Por tanto não devemos cair no simbolismo fácil, associando o negro às trevas e branco à luz (Jesus Cristo): o negro ou a cor do burel (cinzento roxo) do manto dos irmãos sargentos e dos irmãos capelas do Templo não são evidentemente símbolos do mal, marcando simplesmente a humildade. Quanto à insígnia, nem sempre era em forma de cruz, a insígnia não era sistematicamente vermelha, a mesma cruz sendo verde em Alcântara e em Avis. (Demurger, p. 175).

Hábitos e insígnia

Ordem

Manto (cor)

Insígnia (forma)

Insígnia (cor)

Templo

Branco (cav.)

Cruz grega simples
ou pateada

Vermelha

Hospital

Preto, vermelho
(
guerra).

Cruz simples,
depois de Malta

Branca

São Lázaro

Branco

Cruz grega simples,
ou pateada

Verde

São Tomás
de
Acre

Negro

Cruz grega simples

Branca
e
vermelha

Teutônica

Branco

Cruz simples ou pateada

Preta

Porta-gládios

Branco

Espada encimada
por uma cruz

Vermelha

Dobrin

Branco

Espada encimada por estrela

Vermelha

Calatrava

Branco

Cruz flordelisada

Preta,
depois vermelha

Alcântara

Branco

Cruz floderlisada

Verde

Avis

Branco

Cruz flordelisada

Vermelha,
depois verde (1385)

Santiago

Branco

Espada

Vermelha

San Jordi
de Alfama

Branco

Cruz simples

Vermelha

Montjoie

Branco

 

 

Santa María

Branco

Estrela de oito braços

Vermelha

Montesa

Branco

Cruz flordelisada,
depois simples

Preta, depois
vermelha (1400)

Cristo

Branco

Cruz simples ou pateada

Vermelha, depois vermelha sobre branco

(DEMURGER, Alain, p. 174)

Podemos entender que esse sistema de vestimentas, insígnias e cores são elementos denotadores, que estavam devidamente convencionados pela sociedade da época; e o seu conjunto transmitia a mensagem conotada de qual era a ordem militar à qual aquela pessoa pertencia, bem como o seu posicionamento dentro da pirâmide social.

A conotação, por ser ela própria um sistema, compreende significantes, significados e o processo que une uns aos outros ( significação); o significante de conotação, que chamaremos de conotadores, são constituídos por signos (significantes e significados reunidos) do sistema denotado; naturalmente, vários signos denotados podem reunir-se para formar um conotador, se provido de um significado de conotação; ou melhor, as unidades do sistema conotado não tem forçosamente o mesmo tamanho que as unidades dos sistemas denotados. (Barthes, p. 96/97).

Fica claro que, apesar de toda uma maquiagem sacro religiosa, as ordens militares conforme acumulam riquezas e poder vão se transformando, de ordens religiosas em servos da matéria; em banqueiros a serviço da comunidade internacional. Sagrado e profano fundem-se, deixando transparecer talvez uma briga secular “entre o bem e o mal”.

O espaço sagrado tem valor existencial para o homem religioso. Para a experiência profana o espaço é homogêneo e neutro, não ruptura, embora ele reafirme que o homem profano não consegue abolir de todo o comportamento religioso, há sempre vestígios de uma valorização religiosa do mundo. ( César, Waldo, p. 127).

Percebe-se, claramente, que o mundo se encontrabastante tempo cercado de signos e símbolos, que são elementos fundamentais para as relações interpessoais e do indivíduo com o mundo a sua volta e, sem eles, a sociedade não poderia ter alcançado o grau de sofisticação em que se encontra. Os signos são elementos neutros e portanto sujeitos à interpretação.

Neste trabalho demonstramos como os sinais e símbolos de pertencimento das ordens militares -mais especificamente dos cavaleiros do Templo de Salomão, através de suas vestes, insígnias e cores - transmitiam uma mensagem clara, à sociedade da época, de qual era sua posição social e ideológica.

“Esta coroa de rosas, esta coroa de homem que ri: a todos vós, meus irmãos, dou-vos esta coroa! Canonizei o riso; homens superiores, aprendei pois a rir”. (Nietzche, p. 30 ).


 

BIBLIOGRAFIA

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Tradução Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1993.

CÉSAR, Waldo; Mircea Eliade. Sagrado e ProfanoReligiões e Existência Humana; artigo científico baseado no estudo O Sagrado e o Profano. Essência das Religiões. Lisboa: Livros do Brasil. Coletânea de artigos por Francisco Cartaxo Rolim. Petrópolis: Vozes, 1997.

DEMURGER, Alain, Os Cavaleiros de Cristo: As Ordens Militares na Idade Média (Séculos XI – XVI). Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed.. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

GENNES, J. P. Les Chevaliers du Saint-Sepulcre. Paris, 1995.

PATOREAU, M. Image, Symbole, Etudes D`Historie et D`Anthropologie. Paris: Le Leopard D`Or, 1987.

NIETSCHE, Frederico. A Origem da Tragédia [Sem mais notas?]

TIRO, Guilherme. Chronique. Ed. crit. por R. B. C. Huygens. Turnhoult: Brepols, 1986, 2 vols.

www.geocities.com/torredevigia/ocultismo.htm#armadura

www.geocities.com/templosalomão/hieraia.htm, por André Ranulfo

www.guatimizin.org.brm/artigos/templar-part1.htm por Omar Cortes