HETEROGLOSSIA BAKHTINIANA
ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS
NO
TEXTO PARA CRIANÇAS

Sonia Regina Nascimento Horn (UERJ)

 

Introdução e Justificativa

O objetivo deste trabalho é investigar, a partir do conceito bakhtiniano de heteroglossia, que recursos e estratégias discursivas realizam a multivocalidade em uma obra da Literatura Infantil contemporânea e de natureza fantasista. O corpus em questão é o livro “The Secret of Platform 13” (1994)[1] da escritora austríaca, radicada na Inglaterra, Eva Ibbotson.

Pretendo analisar as vozes de dois personagens da trama, um do mundo mágico e outro do mundo real: o primeiro personagem é Odge Gribble, uma menina-bruxa, integrante da equipe encarregada de resgatar um príncipe raptado, com dotes mágicos. O segundo é o suposto príncipe raptado, um menino chamado Raymond Trottle,, que vive hoje com uma família muito rica de Londres, cercado de mimos e vontades e que na realidade, não tem conhecimento de seus supostospoderes mágicos’.[2]

Devido ao escopo do trabalho, uma comunicação oral, ele enfocará somente a perspectiva da voz do narrador, ou seja, o discurso relatado

 

Revisão da Literatura

Vista sob uma perspectiva semiótica e social, a linguagem encontra-se na base do pensamento filosófico de Bakhtin, na qual a expressão do indivíduo é um produto de várias vozes interligadas, “fala-se a respeito daquilo que os outros dizem” (Bakhtin, 2002: 139).

 

Heteroglossia na visão de Bakhtin

Em “Dialogic Imagination” (1983:293), Bakhtin descreve a heteroglossia ou o próprio conceito de voz como a interação de múltiplas perspectivas individuais e sociais, representando uma estratificação e aleatoriedade da linguagem; mostrando-nos o quanto não somos autores das palavras que proferimos. O filósofo russo diz que até mesmo a forma pela qual nos expressamos vem imbuída de contextos, estilos e intenções distintas, marcada pelo meio e tempo em que vivemos, nossa profissão, nível social, idade e tudo mais que nos cerca. Entretanto, apesar de essa natureza dialógica ser conceito central da obra bakhtiniana, segundo Brait (1994:12) permanece ainda em aberto devido às diferentes tentativas de se compreender o seu funcionamento.

Assim sendo, o estudo que proponho para a compreender a heteroglossia lança mão do trabalho teórico de Leech e Short (1981) sobre discursos direto e relatado. Esses autores listam pelo menos dois modos através dos quais a voz do narrador se manifesta especificamente no texto, assumindo posições narrativas:

a primeira é quando o narrador (a) fala sobre o personagem, geralmente com controle total da situação, e a outra possibilidade é o controle parcial da situação, isto é, uma espécie de momento de transição, em que se caracteriza pela aparição de um segundo locutor no enunciado atribuído a um primeirolocutor”. (Leech e Short,1981: 324)

 

Análise

Em “O Segredo da Plataforma 13”, existem vários indicadores heteroglóssicos, que, através das vozes dos personagens, emanam caracterizações distintas. Pode-se dizer que este texto representa um coro de vozes em competição, incluindo a voz do autor, do narrador, dos personagens.

Um exemplo concreto da voz narrativa no nosso corpus, são os casos em que o narrador dá voz ao personagem e complementa com um verbo discendi, como (‘said, asked, ordered, etc), sendo através deste processo que o personagem passa a ser construído. Assim, o enunciado: “You try, Ben”, ordered Odge, pressupõe uma hierarquia., há uma sugestão de que, nesse momento a personagem Odge Gribble ordena que algo seja feito. Uma reiteração de verbos discendi desse mesmo campo semântico pode indicar a predisposição desse personagem a vocalizar ordens e não pedidos.

nas primeiras páginas do livro, os personagens Raymond e Odge são revelados em seus traços marcantes. O menino Raymond é descrito através dos sons que emite, ora através de verbos, ora através de discurso relatado com substantivos como ‘screams’: “She had been making up her face when Raymond’s screams began”. (Meus grifos) (p.62), ou através de discurso direto, através de um verbo discendi como em “I don’t like apple sauce”, whined Raymond. (p.67). Em contraponto, enquanto Raymond é caracterizado pelo uso de “whine”, que significa choramingar, Odge, por exemplo é caracterizada em discurso relatado como sendo o oposto do antagonista Raymond. Vejamos o seguinte exemplo:

“Odge was a hag. She was a very young one, and a disappointment to her parents. (…) but Odge did not whinge or whine. She was a strong-willed little girl.” (op cit: 27-29) (Meus grifos), Odge, que também é jovem, é pintada com cores mais positivas, visto que em contraponto a Raymond ela não titubeia nem choraminga.

Para esclarecer tal processo, é necessário investigar quais foram as estratégias e recursos utilizados por Ibbotson ao longo da história e este é meu propósito na presente pesquisa.

 

Discurso Relatado como marca heteroglóssica

Nesta parte da análise vamos sugerir níveis de heteroglossia no texto. Ibbotson intercala os dois modos narrativos ‘do contar e do mostrar’ (Reuter, 1997:60) ao longo da trama – construindo na imaginação do leitor uma espécie de teatro de marionetes, onde o narrador (a) alterna momentos de relato da história e em seguida, dá a voz aos personagens para mostrar e confirmar para o leitor aquilo que foi narrado. Ibbotson usa recursos simples, como por exemplo a escolha de certos adjetivos, advérbios e registros de emoção, como o uso de muitas interjeições, além de articuladores textuais como ‘but’, ‘and then’, ‘from that day on’. Assim, a autora constrói cada personagem de maneira única e peculiar e faz com que o contar flua naturalmente.

Percebemos níveis de heteroglossia, dividos em três instâncias: nos exemplos de discurso relatado com verbos discendi para, através da ocorrência mais freqüente deste ou daquele tipo, vermos como a narradora caracteriza os personagens pelo modo como desempenham seus atos de fala. Um segundo nível se verifica em exemplos de discurso relatado sem os verbos discendi. Um terceiro nível é o momento em que as falas do narrador (a) e personagem se entrelaçam marcando claramente o discurso do outro no discurso do um.

O narrador heterodiegético e onisciente obviamente sabe tudo sobre os personagens, dominando os modos de dizer dos personagens e seu próprio, que ele tudo pode. Neste momento, o narrador detém o controle total do ato de contar. O narrador neste caso usa o discurso indireto livre ou o discurso indireto; principalmente através deste último recurso sua voz fica mais visível, que todas as falas são mediadas por este narrador(a). No primeiro caso, trata-se de marcar o embate de vozes, e assim a voz do personagem se entrecruza com a fala do narrador; temos então um forte índice heteroglóssico e dialógico, como se a voz do personagem ecoasse de dentro da fala do narrador. Em outro momento, o narrador dá a voz aos personagens, por meio de verbos discendi. Este momento é o que chamamos de controle parcial do narrador.

Assim, nesta fase do trabalho estarei examinando estas três situações. Para isto, selecionei algumas passagens onde tais situações ocorrem com ambos personagens.

 

Controle total do narrador

As passagens a seguir representam exemplos de discursos relatados nos quais o narrador (a) não descreve os pensamentos de nenhum personagem e exerce domínio total sobre o ato de contar:

Discurso Relatado/Odge: “Odge hung her head. She had not meant to betray the reason for their journey any more than she had meant to ill-wish the Knickerbocker Glory, but she was a girl with strong feelings. (p.83)

No exemplo acima, percebe-se que o narrador (a) controla o ato de contar totalmente na medida em que é a sua voz que caracteriza Odge como uma menina com “strong feelings”. Talvez esta não fosse a opinião de Odge sobre si mesma, porém isto não é possível saber, que quem comanda a situação é o narrador (a).

Discurso Relatado/Raymond: “That was how things always ended on days when Raymond didn’t feel well enough to go to school – with Raymond and Mrs. Trottle, dressed to kill, going to have lunch in London’s grandest department store. (p.66)

O exemplo acima tem o controle total do narrador (a), que ainda faz uso de um advérbio de freqüência “always” dando a entender que o fato de Raymond fingir estar doente para não comparecer à escola vem sendo acompanhado pelo narrador (a) há tempos, e este ainda acrescenta a expressão ‘dressed to kill’, queum ar de ironia ao contexto: imaginemos que depois de toda a cena de gritaria com o objetivo de faltar a escola, Raymond e sua mãe estão super produzidos (dressed to kill), para saírem para almoçar em Londres. Novamente, tem-se aqui toda a fala sendo mediada pela visão do narrador (a).

Discurso Relatado/Odge: From that day on, Odge was a girl with a mission. She started school the following year and worked so hard that she was soon top of her class. She jogged, she threw boulders around to strengthen her biceps, she studied maps of London, and tried to cough up frogs. And a month before the gump was due to open, she wrote a letter to the palace. (p.33)

É interessante observar que da mesma forma que o narrador (a) constrói seus personagens com caracterizações centradas nas escolhas lexicais, não se pode esquecer que é a autora quem tem o domínio sobre estas escolhas. Com o narrador (a) onisciente e heterodiegético, ‘a girl with a mission’ não é o que Odge diz de si mesma, mas na realidade, suas ações refletem esta qualidade de perseverança. E o leitor tem de concordar diante das evidências textuais.

 

A heteroglossia por verbos discendi
nas
falas de Raymond Trottle e Odge Gribble

Maingueneau (1997:87-88) argumenta que em um nível microcontextual das estruturas lingüísticas, “não é possível negligenciar os verbos destinados a introduzir o discurso relatado. De fato, em função do verbo escolhido (sugerir, afirmar, pretender...) toda a interpretação da citação será afetada.” Pode-se acrescentar ainda que é através da freqüência de determinado verbo discendi, muitas vezes acompanhado por um complemento adverbial, que o narrador (a) passa a caracterizar seus personagens pelo modo como desempenham seus atos da fala. Nos exemplos a seguir, tem-se uma caracterização de Odge e Raymond, nos quais percebe-se claramente que apesar de os dois personagens serem voluntariosos, os dois têm vozes distintas, e é justamente através dos verbos discendi que o leitor passa também a construir os personagens:

Discurso Direto/Odge: “I will go”, she said aloud. “I’ll make them let me go.” (p.33)

No exemplo acima, a maneira de dizer de Odge é ‘aloud’, tem-se então a visão de que ou Odge está nervosa, ou é autoritária por natureza.

Discurso Relatado/Odge: Odge looked at him with loathing. (p.93)

Novamente neste exemplo, Odge não olha normalmente para o outro, mas ‘with loathing’, o que muda a interpretação completamente da maneira como ela está olhando para Raymond.

Discurso Direto/Odge: “He’s not a common servant boy, he’s Ben,”raged Odge – and took a step backward as the harpy lifted her dreadful claw and sharpened it once, twice, three times against the step. (p. 193)

No exemplo acima, percebe-se que Odge está muito aborrecida, por que o verbo ‘rage’ incorpora sua fúria em defesa de Ben.[3]

Abaixo, seguem alguns exemplos de discurso relatado com verbos discendi na construção de Raymond Trottle:

Discurso Relatado/Raymond: The dish was taken away and Raymond decided to start with soup. “Only not with any bits in it”, he shouted after the waitress. “I don’t eat bits.” (p.71)

No caso de Raymond, quando o narrador utiliza o verbo discendi ‘shout’, tem-se aqui a interpretação de Raymond como um menino que não sabe falar, mas somente gritar, pois em outras instâncias, ela usa também ‘yell’, por exemplo. A construção deste personagem vai tomando forma como um menino voluntarioso, porém mal educado, autoritário, tudo isso por causa da carga semântica dos verbos discendi escolhidos e em alguns casos, com o acréscimo de complementos, como é o caso do exemplo abaixo, onde Raymond responde à mãe ‘crossly’, indicando que a maneira de dizer foi alterada e furiosa.

Discurso Direto/Raymond: “It’s not a dream”, said Raymond crossly. “They told me. The old man in the park. And the lady with the beetroot in her hat. I’m going to be a famous ruler and I don’t have to do anything I don’t want to ever again. (p. 121)

Discurso Direto/Raymond: “I don’t like applesauce”, whined Raymond. ….. (p.67)

Neste ultimo exemplo da heteroglossia com o uso de verbos discendi, Raymond recusa o purê de maçã, porém é o verbo discendi que tem a função de caracterização do modo como ele proferiu aquela fala. ‘Whine’ siginifica choramigar, de modo irritante e por isso cria-se uma imagem de Raymond como um menino extremamente mimado, e, quando lhe é dada a voz, ele sabe gritar, choramingar, entre outras características com valores semânticos negativos. Porém, é preciso lembrar que é o narrador (a) neste momento parcial de domínio sobre o enunciado quem determina a visão que o leitor terá sobre determinado personagem e dentre estes dois, Odge Gribble e Raymond Trottle, apesar de serem extremamente voluntariosos, é o segundo quem será o antagonista na visão do leitor pela forma como é construído.

 

A fala de outrem no discurso do autor

Neste modelo heteroglóssico, as falas dos personagens e do autor se entrelaçam de maneira dissimulada, marcando assim a multiplicidade de vozes e discursos na narrativa. A seguir, seguem alguns exemplos de Raymond e Odge respectivamente.

Discurso Relatado/Raymond: “ Raymond was still staring at the little creature. No one at school had anything like that. He’d be able to show it off to everyone. Paul had a tree frog and Derek had a grass snake, but this would beat them all. (p.91-92)

No exemplo acima, o narrador (a) começa a contar a reação de Raymond ao ver um ‘mistmaker’[4] pela primeira vez. Entretanto, percebe-se um entrecruzamento da voz do narrador (a) com a voz de Raymond, como se o narrador (a) apagasse uma luz ou a deixasse opaca para dar lugar a uma luz mais forte que é a de Raymond, cujos pensamentos afloram claramente na última parte, quando ele diz que nenhum animal de estimação iria se comparar ao seu mistmaker proveniente de uma terra mágica.

Discurso Relatado/Odge: Odge was very thoughtful as she made her way back along the shore. (…) The Prince was only four months older than she was. How did he feel, being Raymond Trottle and living in the middle of London? What would he think when he found out that he wasn’t who he thought he was?

And who would be chosen to bring him back? The rescuers would be famous; they would go down in history. (p.32-33)

Da mesma forma, o narrador (a) começa a contar como Odge está se sentindo ao saber que o príncipe raptado está vivendo em Londres. Aos poucos, percebe-se um apagamento da voz do narrador (a) para dar lugar aos pensamentos de Odge com relação às indagações acerca da vida do príncipe. Em seguida, percebe-se o lado ambicioso de Odge, sob a perspectiva dela, que é a sua voz que ecoa na diegese do texto. Ela pensa que se for escolhida, certamente ficará famosa e entrará para história.

Uma outra estratégia observada no texto estudado foi a assídua freqüência dos adjetivos ao longo do enredo. Portanto, faz-se necessário dar uma maior atenção à escolha dos adjetivos que a narradora usa e que se “confundem” com outras vozes pelo texto.

 

A adjetivação como recurso heteroglóssico

Segundo Martins, (1989:79) palavras de significado afetivo, como os adjetivos, são recursos estilísticos de forte efeito, “podendo exprimir emoção, sentimento, um estado psíquico”. A autora acrescenta que tambémsão carregadas de afetividade as palavras que exprimem julgamento pessoal’, por exemplo, ‘bonito ou feio’, etc. Monteiro (1991:63) sugere, além da afetividade, “as imagens sensoriais (olfativas, tácteis, visuais, auditivas, térmicas, gustativas, cinéticas, etc.) como também parte desta cadeia complexa de vocábulos ou expressões que funcionam como adjetivos. É portanto, através do adjetivo que o falante caracteriza emocionalmente o ser de que fala.”

Nas seguintes passagens há inúmeros exemplos de marcas afetivas, sensoriais e/ou avaliativas presentes nos discursos relatados dos personagens, foco de minha análise.

It was the most bitter disappointment. She would have taken it better if the people who had been chosen were mighty and splendid warriors who would ride through the gump on horseback, but they were not. A wheezing old wizard, a slightly batty fey, and a one-eyed giant who lived in the mountains moving goats about and making cheese. (p.33) – OG

Ibbotson constrói seu enredo e delineia seus personagens, através de, dentre outros recursos, adjetivos, que apesar de numerosos e repetidos não promovem redundância no texto. Por exemplo, Quando a narradora descreve a decepção de Odge por não ter sido escolhida para integrar o grupo de resgate do Príncipe, acentua ainda mais a frustração da bruxa acrescentando o adjetivo ‘bitter’.

Por outro lado, a escolha de ‘mighty’ e ‘splendid’ deixa entrever a capacidade de avaliar a situação por parte da personagem, e, por que não dizer sua ironia também, que diante de seu grande desapontamento, Odge ironiza a escolha dos outros integrantes, imaginando-os necessariamente poderosos e esplendorosos; no entanto, segundo sua maneira de ver, eles não eram pessoas nem qualificadas para a tarefa do resgate. Os outros adjetivos, ‘wheezing old’, ‘batty’ e ‘one-eyed’, nos remetem a questões de julgamento também, à medida em o personagem classifica os integrantes do grupo de resgate com adjetivos depreciativos, descrevendo o mago Cornelius como um velho de respiração ofegante, uma fada maluquinha e um ogro de um olho . Esta caracterização está longe de ser aquela esperada acerca dos protótipos de um mago, fada e ogro de tantas histórias infantis.

Além da escolha expressiva dos adjetivos, percebe-se também que no trecho acima, as vozes se misturam e apesar de aparentemente a narradora ter todo o controle, que o que ela nos conta são os pensamentos de Odge, parece ser esta quem chama o mago de velho ofegante, a bruxa de maluquinha e o Ogro de caôlho. Por consequinte, nesta passagem quem fala é a narradora, mas os pensamentos de Odge estão interligados nesta fala, daí pode-se considerar que nesta passagem temos um embate de vozes, principalmente a do narrador (a) e a de Odge, criando um autêntico momento de heteroglossia no texto.

Por outro lado, no exemplo a seguir, percebe-se o controle total da narradora:

But Odge did not whinge or whine. She was a strong-willed little girl with a chin like a prizefighter’s and long black hair which she drew like a curtain when she didn’t want to speak to anyone, and she was very independent. (p.29) - OG

No exemplo acima, o narrador (a) não está descrevendo os pensamentos de ninguém; ela escolheu chamar Odge de ‘strong-willed’ e de ‘independent’, além de descrever seu ‘long black hair’. Neste caso, pode-se confiar que a escolha destes termos foi da narradora e de mais ninguém. Quanto à escolha dos adjetivos, podemos caracterizar os dois primeiros, ‘strong-willed’e ‘independent’, como avaliativos, sob a ótica exclusiva do narrador (a), e o terceiro bloco formado por dois adjetivos, ‘long’ e ‘black, dão o toque de criação do personagem em termos de aparência, informação esta que é fruto da criação.

 

Conclusões e considerações finais

Através dessa análise, pode-se concluir que em The Secret of Platform 13 existem muitos índices heteroglóssicos e os vários níveis de heteroglossia aproximam ou afastam o discurso do outro. Apreende-se desta análise que o momento em que existe maior entrecruzamento de vozes é na fala do outro no discurso do autora.

Os exemplos selecionados em (2.1.3) esclarecem o que Bakhtin (2002: 111) define como “uma das variantes da construção híbrida sob a forma de uma fala dissimulada de outrem.” Temos aqui momentos onde as forças centrípetas e centrífugas[5] entram em ação e as vozes dos personagens interagem umas com as outras, incluindo a voz do narrador (a), a da autora e a do leitor. A interação das múltiplas perspectivas individuais através da justaposição destas vozes acrescentam uma outra dimensão ao texto, principalmente quando o teórico russo diz quenão existem fronteiras para um contexto dialógico” (op cit).

Percebemos que a heteroglossia está presente em O Segredo da Plataforma 13 através de recursos lingüístico-narratológicos como a escolha dos verbos discendi e também as escolhas lexicais, como por exemplo os adjetivos e advérbios que contribuem em grande parte para a construção dos personagens.

Através dos exemplos selecionados, observamos a forte presença da multivocalidade no texto de Ibbotson e também tivemos a oportunidade de constatar que de acordo com a interação dos personagens, autor e leitor, o dialogismo ocorre em maior ou menor grau.

 

Referências bibliográficas

BAKHTIN, M. M. Dialogic Imagination. Austin: University of Texas Press, 1983.

BAKHTIN,M. M. Questões de Literatura e Estética, A Teoria do Romance. São Paulo: Annablume, 2002.

BRAIT, B. Bakhtin, Dialogismo e Construção de Sentido. Campinas: Unicamp, 1997

IBBOTSON, E. The Secret of Platform 13. New York: Dutton Children’s Books, 1994.

LEECH, G.N e SHORT, M. H. Style in Fiction, A Linguistic Introduction to English Fictional Prose. Essex: Longman, 1981.

MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes, 1997.

MARTINS, N. S. Introdução à Estilística. São Paulo: Edusp, 1989.

MONTEIRO, J. L. A Estilística. São Paulo: Ática, 1991.

REUTER, Y. A Análise da Narrativa. Rio de Janeiro: Difel, 1997.


 


 

[1] Em português: “ O Segredo da Plataforma 13”

[2] Na realidade, Raymond Trottle não é o menino príncipe, mas a equipe de resgate acredita que ele seja o menino raptado.

[3] Ben é o verdadeiro príncipe, porém no momento ele ainda trabalha como empregado da família Trottle.

[4] ‘Mistmaker’ é um animalzinho existente na ilha mágica somente.

[5] Forças centrípetas e centrífugas para Bakhtin significam respectivamente forças centralizadoras e descentralizadoras em qualquer língua ou cultura. O teórico russo diz que enquanto a poesia, por exemplo, é um gênero centralizador, o romance é o oposto, um gênero com tendência descentralizadora cuja característica primordial é a plasticidade genérica. Adaptado de Dialogic Imagination ( 1983: 425)