ENTRE A ORALIDADE E A ESCRITA
UM CONTÍNUO TIPOLÓGICO

José Mario Botelho (UERJ e FEUDUC)

 

INTRODUÇÃO

Muito se discutiu a respeito das particularidades da oralidade e da escrita, as quais, a partir de comparações grosseiras, eram concebidas ou como sendo uma a transcrição da outra, ou sendo duas modalidades da língua que se distinguem por completo.

Venho defendendo que mais semelhanças do que diferenças entre essas duas modalidades lingüísticas, apesar de cada uma delas possuir características que as particularizam.

Tais semelhanças se evidenciam quando os resultados de cada modalidade são dispostos num continuum tipológico.

De fato, há gêneros tipográficos da oralidade que se assemelham a gêneros tipográficos da escrita e tantos outros da escrita que se assemelham a da oralidade, assim como tipos de cada uma das modalidades que se afastam dos seus respectivos protótipos, tendo em comum apenas o fato de ser ou do gênero oral ou do escrito.

 

O contínuo tipológico

Venho sustentando a idéia de que oralidade e escrita são dois fenômenos inerentes ao ser humano e que entre a linguagem oral e a linguagem escritamais semelhanças do que diferenças. Que cada uma dessas modalidades discursivas possui características particulares é um fato que inexoravelmente não se pode negar, mas é inegável também que muitoem comum entre elas.

A maioria das pesquisas mais antigas sobre a linguagem oral e a linguagem escrita foi feita, baseada em textos de conversação espontânea (da fala) em comparação com textos em prosa expositiva (da escrita). Sem dúvida alguma, um determinado texto da conversação espontânea, como uma conversa entre amigos, apresenta características da oralidade e pode certamente representar a linguagem oral, assim como um texto em prosa expositiva, como um artigo acadêmico apresenta características da escrita e representa de forma satisfatória a linguagem escrita. Contudo, esses representantes distintos se opõem completamente, não porque pertencem a fenômenos discursivos “a priori” distintos, mas principalmente porque pertencem a gêneros diferentes, cujos processos de produção, condições de produção e objetivos, entre outros elementos, se distinguem completamente. Conversa informal e artigo acadêmico são, sem sombra de dúvida, tipologias diferentes e certamente poder-se-iam colocar nas extremidades de uma linha reta.

A comparação entre a linguagem oral, cujo representante é uma conversa informal entre amigos, e a linguagem escrita, cujo representante é um artigo acadêmico, apenas porque ambos são modalidades discursivas da língua é, no mínimo, inconveniente. Naturalmente, provar-se-ia que são diferentes.

Diferente seria, entretanto, se a comparação se desse entre textos de mesmo gênero, como por exemplo, uma conferência (representando a linguagem oral) e um artigo acadêmico, ou uma conversa informal e um bilhete familiar. Certamente, provar-se-ia a semelhança entre as duas linguagens.

Como se pode elucubrar, as linguagens oral e escrita não ocupam as extremidades de uma linha reta; não são dicotômicas. Logo, devem ser analisadas como duas práticas discursivas cujas diferenças e semelhanças se dão ao longo de um contínuo tipológico, em cujas extremidades se situam, de um lado o grau máximo de informalidade e, de outro, o grau máximo de formalismo.

Tannen (1983), fazendo uma síntese dos estudos conhecidos acerca das diferenças entre as estratégias das duas modalidades, chega a duas diferenças que considera fundamentais: a) a linguagem oral depende quase que exclusivamente do contexto enquanto a linguagem escrita é descontextualizada, b) recursos paralingüísticos e não-verbais (gesto, entonação, conhecimento compartilhado, etc.) estabelecem a coesão na linguagem oral, ao contrário do que ocorre na linguagem escrita, em que a coesão se dá através de elementos lexicais (conjunções, locuções conjuntivas, dêiticos, etc.) e de estruturas sintáticas complexas.

A autora reconhece as particularidades daquelas modalidades, mas afirma que estratégias da oralidade podem ser encontradas num texto escrito em prosa, bem como podem ser encontradas estratégias da escrita num texto oral mais tenso. Na sua opinião, as diferenças formais se dão em função do gênero e do registro lingüístico, e não em função da modalidade.

Em outros trabalhos seus, essa noção de um contínuo pode ser observada até com mais rigor. Em Tannen (1985), enfatizando o envolvimento interpessoal como um dos traços importantes na comparação entre as modalidades, a autora retoma a idéia das duas estratégias e procura comprovar que as estratégias discursivas decorrem do grau de envolvimento e que permeiam as modalidades oral e escrita num contínuo.

Muitos outros estudiosos nos legaram subsídios com suas comparações entre as modalidades para uma análise consistente do contínuo em que se situam os diversos tipos de textos. Chafe (1982. 1985 e 1987) o faz, levando em consideração um envolvimento maior ou menor dos interlocutores; Halliday (1987 e 1989), discutindo a complexidade estrutural das modalidades; Ochs (1987), descrevendo estratégias de planejamento das modalidades; Britton (1975), demonstrando que as diferenças dos gêneros se fundam nas suas condições de produção; Biber (1988), descrevendo as dimensões significativas de variação lingüística, a relação entre os gêneros e o contínuo tipológicos nos usos da língua; e outros.

Entre nós, Koch (1997: 32), afirma que “existem textos escritos que se situam, no contínuo, mais próximos ao pólo da fala conversacional (bilhete, carta familiar, textos de humor, por exemplo), ao passo que existem textos falados que mais se aproximam do pólo da escrita formal (conferências, entrevistas profissionais para altos cargos administrativos e outros), existindo, ainda, tipos mistos, além de muitos outros intermediários”.

 

A proposta de Marcuschi

Marcuschi (1995) também se preocupava em analisar as formas textuais num contínuo tipológico, embora nesse texto a sua preocupação principal tenha sido com a contextualização e explicitude na relação entre a fala e a escrita, principalmente para demonstrar a inconsistência da dicotomia contextualização X descontextualização, defendida por Tannen (1982b).

Nesse trabalho de Marcuschi, surge, pela primeira vez provavelmente, o termo “continuum” tipológico que foi sugerido por Biber (1988), para quem na comparação entre a fala e a escrita devem-se considerar seis dimensões significativas de variação lingüística e a relação entre os gêneros respectivos a cada um deles e o contínuo tipológico nos usos lingüísticos, evitando comparações dicotômicas, baseadas apenas em textos prototípicos de cada modalidade. Desta forma, não se pode conceber que qualquer caracterização lingüística ou situacional da fala ou da escrita se efetive em todos os gêneros orais ou escritos. No contínuo tipológico, há gêneros orais e escritos muito semelhantes (conferência−artigo acadêmico, conversa entre amigos−carta familiar, entre outros) e outros muito distintos (bate-papo−artigo acadêmico ou um seminário−bilhete). Isto ocorre porque nãohomogeneidade na relação oralidade/escrita.

Na mesma linha de pensamento de Britton (1975), Pawley & Syder (1983), corroboram a sua tese de que a linguagem é determinada pelas condições de uso.

Para Pawley & Syder, as diferenças entre coloquialismo e gramática literária podem ser mais bem compreendidas quando a análise se faz, considerando as situações de uso das modalidades oral e escrita. Tais situações de uso, no entender dos autores, dispõem-se num contínuo, em cujas extremidades se colocam o uso convencional ou coloquial e o uso autônomo ou formal.

Considera-se, ainda, que não se pode definir a linguagem escrita como um mero aglomerado de propriedades formais, imune a influências da linguagem oral, de cujas propriedades se distingue completamente. Elas não são estanques; ambas selecionam seus itens de um mesmo sistema de possibilidades lingüísticas − a língua, que lhes serve como fonte de alimentação das produções dos seus falantes e dos seus escritores.

Figura 1. A língua como fonte da oralidade e da escrita.

Para Kato, o que determina as diferenças entre as modalidades oral e escrita são as diferentes condições de produção, que refletem uma maior ou menor dependência do contexto, um maior ou menor grau de planejamento e uma maior ou menor submissão às regras gramaticais.

A dependência contextual determina o grau de explicitação textual, isto é, o seu grau de autonomia. O grau de planejamento determina o nível de formalidade, que pode ir do menos tenso (casual ou informal) até o mais tenso (formal, gramaticalizado). (Kato, 1987: 39)

Porém é Marcuschi (2001) que, retomando a hipótese do “continuum” tipológico que Biber suscitou, e provavelmente considerando o esquema desenvolvido por Kato, descreve com mais propriedade o que venha a ser o contínuo tipológico. Marcuschi desenvolve, inclusive, um gráfico bem mais interessante, em que a noção esquemática dessa postura se mostra bem mais clara.

O autor observa que a impressão que se tem da escrita é a de um fenômeno, se não homogêneo, pelo menos bastante estável e com o mínimo de variação. A que se tem da fala, ao contrário, é a de um fenômeno conturbado; ela se apresenta como variada, multifacetada, que não nos vem à lembrança de imediato a fala padrão.

Daí, levantar a hipótese de que

as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos.” (Marcuschi, 2001: 37)

e, por conseguinte, afirma que sua preocupação é com as correlações em vários planos, de onde surge um conjunto de variações e não tão-somente uma simples variação linear, como se pode verificar no seguinte esquema:

Caixa de texto: ESCRI TA

 

Gêneros da Escrita

 

 (GE1, GE1,... Gen)

                                                                                                              GE1

 

 

 

Caixa de texto: FALA

 

 

 

 


 

        

             GF1

                                                                         Gêneros da Fala

                                                                       (GF1, GF2,... GFn)

Gráfico 1.
Fala e escritas no contínuo dos gêneros textuais. (cf. Marcuschi, 2001: 38)

Vêem-se, neste gráfico, os dois domínios lingüísticos: a fala e a escrita, os quais contêm diversos gêneros tipológicos (G), que estão dispostos num contínuo (em seqüência), respectivamente, na fala e na escrita. Cada linha vertical representa o limite (que não pode ser rígido e, por isso mesmo não deveria ser uma linha, mas um pontilhado) de cada gênero textual, que, posto um ao lado do outro, se afasta de um dos pontos de referência e se aproxima do outro.

Tendo-se G como gênero, GF1 representa o gênero-protótipo da fala, o qual seria mais especificamente uma conversação espontânea ─ uma espécie de texto genuinamente oral. GE1, por sua vez, representa o gênero-protótipo da escrita, o qual seria uma publicação acadêmica em revista específica ou livro.

Certamente GE1 e GF1 não ocupam o mesmo ponto no contínuo e não poderiam, por conseguinte, ser elementos de uma comparação, a menos que se objetivasse determinar diferenças entre eles. A comparação entre a linguagem oral e a linguagem escrita fundada na análise de GE1 e GF1 não seria aconselhável.

Entretanto, entre os dois há muitas outras produções de diversos domínios discursivos e em condições naturais e espontâneas das duas modalidades, e poderiam servir como elementos de análise numa comparação, em cujos resultados seriam constatadas menos diferenças.

A noção de contínuo tipológico respalda a tese de quemais semelhanças entre as modalidades discursivas da língua do que diferenças entre elas. A noção de contínuo também torna a tese da dicotomia entre as modalidades discursivas inconsistente, pois a partir dela é possível comprovar que oralidade e escrita compõem um mesmo sistema lingüístico e que, mormente por essa razão, não são estanques, apesar de seus processos de produção e meios de produção distintos.

Segundo Marcuschi, pode-se ter a idéia das relações mistas dos gêneros a partir do meio e da concepção das modalidades. Para um melhor esclarecimento, o autor apresenta o Gráfico 2.

Considerando as oposições sonoro X gráfico, como meios de produção e oral X escrito, como concepção discursiva, Marcuschi situa no domínio tipicamente oral a produção “a” e no domínio tipicamente escrito a produção “d”. Está claro que “a” e “d” se opõem, pois representam gêneros distintos (“a” é sonoro e oral, ao contrário de “d”, que é gráfico e escrito).

As produções “b” e “c” situam-se no domínio misto, pois se misturam as modalidades (“b” é gráfico e oral e “c” é sonoro e escrito).

Para que a descrição se torne mais clara, a autor toma como exemplos os seguintes gêneros: conversação espontânea, artigo científico, notícia de TV e entrevista publicada na revista Veja e os distribui, considerando as variáveis do Gráfico 2. Confira no Quadro 1.


 

Caixa de texto: Concepção
(oral)

 

 

 


 

  

 

 

 

Caixa de texto: E
Caixa de texto: Concepção
(escrita)
Caixa de texto: Meio
(sonoro)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

Gráfico 2. Representação da oralidade e escrita pelo meio de produção e concepção discursiva. (Marcuschi, 2001: 39)

 

Gêneros textuais

Meio
de
produção

Concepção
discursiva

Domínio

 

Sonoro

Gráfico

Oral

Escrita

 

Conversação espontânea

X

 

X

 

A

Artigo científico

 

X

 

X

D

Notícia de TV

X

 

 

X

C

Entrevista publicada na Veja

 

X

X

 

B

Quadro 1. Distribuição de quatro gêneros textuais de acordo com o meio de produção e a concepção discursiva. (Marcuschi, 201: 40)

Analisando os dados do Quadro 5, fica claro que:

·     A produção do domínio “a” − conversação espontânea − é protótipo da oralidade por ser um texto tipicamente oral, visto que é sonoro e oral;

·     A produção do domínio “b” − entrevista publicada na revista Veja − não é um protótipo nem da escrita nem da oralidade por ser um texto misto, que é gráfico apesar de oral;

·     A produção do domínio “c” − notícia de TV − também não é um protótipo, é misto, uma vez que é sonoro apesar de escrito;

·     A produção do domínio “d” − artigo científico − é protótipo da escrita, uma vez que é um texto tipicamente escrito, pois é gráfico e escrito.

Por fim, o autor exibe um outro gráfico, onde relaciona uma série de produções discursivas, distribuídas por gêneros, com base nos dois postulados descritos acima (meio de produção e concepção discursiva), demonstrando satisfatoriamente o contínuo tipológico.

Analisado esse gráfico de Marcuschi (cf. 2001: 41), pode-se observar que a linha que “limita” os gêneros está pontilhada e que muitos tipos de produção se situam bem próximos dela ou sobre ela. Na verdade, nãolimite rigidamente definido entre os gêneros que se distribuem num contínuo. Pode-se observar também que alguns tipos de produção discursiva se situam na linha, também pontilhada, que separa a fala da escrita e envoltos por uma linha pontilhada, por serem textos intermediários que se caracterizam como mistos por apresentarem aspectos da oralidade e da escrita à semelhança da descrição do Gráfico 2.

Vê-se claramente que produção do tiporelatório técnico” constitui um protótipo da escrita (GE1) e é, pois, um texto tipicamente escrito (gráfico e escrito), e que produção do tipoconversa telefônica” é um protótipo da fala (GF1), por ser tipicamente oral (sonoro e oral); são textos do domínio “d” e “a”, respectivamente.

Vê-se também que produções dos tiposdiscurso oficial”, na fala, e “bilhete”, na escrita, são textos tipicamente oral e escrito, respectivamente (se considerarmos, em parte, os postulados do Gráfico 2), por serem o “discurso oficial” do domínio “a” (sonoro e, provavelmente, oral) e a “bilhetetexto do domínio “d” (gráfico e, provavelmente, escrito).

Todavia, esses textos se afastam das suas referências. A referência do “discurso oficial” é GF, da qual se afasta, e as influências da escrita podem ser sentidas, assim como podem ser sentidas as influências da oralidade no “bilhete”, cuja referência é GE. Isto faz com que tais textos não sejam tipicamente oral e escrito, respectivamente. Também não são textos exatamente mistos, como aqueles que foram colocados dentro de uma parábola pontilhada e situados na linha pontilhada que separa a fala da escrita, por serem intermediários.

Assim, se tentássemos distribuí-los de acordo com o meio de produção e concepção discursivas à semelhança do que fez Marcuschi no Quadro 1, teríamos o seguinte quadro:

Gêneros textuais

Meio de produção

Concepção discursiva

Domínio

 

Sonoro

Gráfico

Oral

Escrita

 

Bilhete

 

X

X

X

?

Discurso oficial

X

 

X

X

?

Quadro 2. Distribuição de dois gêneros textuais à semelhança do que fez Marcuschi no Quadro 1

Percebe-se que os dois tipos de texto se distinguem claramente apenas no que se refere ao meio de produção: o “bilhete” é gráfico e o “discurso oficial” é sonoro, porque chegam dessas formas ao receptor. Quanto à concepção, quem pode garanti-la ao certo? Umbilhetequase sempre é a transposição da fala para o papel (¾ Alunos conversam por meio de bilhetinhos em sala de aula.); e umdiscurso oficialnormalmente é a transposição da escrita para a fala, pois quase sempre é preparado anteriormente.

Logo, os postulados do Gráfico 2 não abrangem todos os gêneros. De que domínio especificamente seriam o “bilhete” e o “discurso oficial”? Não poderiam ser dos domínios “b” ou “c”, porque diferem dos textos intermediários; são textos-protótipos que se afastam demais de suas referências e, por conseguinte, se assemelham demais a textos-protótipos da outra modalidade.

Se considerarmos os textos dos “chat” na Internet, a que o próprio Marcuschi faz alusão, a inconveniência do postulado fica ainda mais flagrante. O “chat” é o texto da modalidade escrita mais próxima da oralidade, pois é um verdadeiro pate-papo escrito. Ou seja, uma verdadeira simulação da fala, mas que tem características próprias; não é exatamente uma transcrição da fala. De que domínio, considerando o postulado de Marcuschi, seria essa forma dialogada de escrever?

Uma solução viável seria traçarmos um retângulo sobre a linha horizontal (Meio sonoro X Meio gráfico) naquele Gráfico 2, de Marcuschi, e denominarmos os domínios “x” (“a-c”, em que textos sonoros e de concepção mista possam ser enquadrados) e “y” (“b-d”, em que textos gráficos e de concepção mista possam ser enquadrados).

Desta forma, numa comparação entre um texto-protótipo do domínio “a” (“conversa telefônica”) e outro do domínio “y” ou, como queira Marcuschi, “d” (“inscrições em parede”), ou entre um texto-protótipo do domínio “d” (“artigo científico”) e outro do domínio “x” ou, segundo Marcuschi, “a” (“exposição acadêmica”), ou ainda entre outros do mesmo gênero e domínio situados no mesmo ponto de cruzamento da fala e da escrita, muitas características semelhantes seriam encontradas. Mas ainda assim, o da escrita não seria a transcrição do outro, em virtude de ter cada um deles as suas características particularidades. Sobre esse aspecto, Marcuschi declara:

O contínuo dos gêneros textuais distingue e correlaciona os textos de cada modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias de formulação que determinam o contínuo das características que produzem as variações das estruturas textuais-discursivas (sic), seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dão num contínuo de variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de contínuos sobrepostos. (Marcuschi, 2001: 42)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da noção de contínuo dos gêneros fica claro que muitos autores se equivocaram quando afirmaram que a fala é uma forma dialogada e a escrita, monologada, fazendo uma verdadeira confusão entre uma das formas de textualização da fala (a conversação) com modalidade oral em si e entre uma das formas da escrita (textos acadêmicos) com a modalidade escrita.

Fica mais do que comprovado que as diferenças entre oralidade e escrita se fundam no processo de produção de seus textos. Logo, faz-se necessário partir de um componente de ordem funcional na análise da relação oralidade/escrita enquanto modalidades de uso da língua, pois é no uso que a língua se efetiva, tanto na fala, quanto na escrita. No uso da língua, determinam-se sentidos e formas de produção discursivas.

Logo, qualquer estudo que se propõe determinar diferenças e similaridades entre a oralidade e a escrita deve fazê-lo a partir do uso da língua, observando o contínuo de variações da fala e da escrita.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTELHO, J. M. A Influência da Oralidade sobre a Escrita. Monografia Inédita (Curso de Doutorado em LetrasEstudos da Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997.

––––––. O isomorfismo entre as modalidades da língua. Cadernos do CNLF, Ano VII, n. 7 Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2003, p. 157-77.

BIBER, D. Spoken and written textual dimensions in English: resolving contradictory findings. Language, 1986.

––––––. Variation across speech and writing. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.

BRITTON, J. et al. The development of writing abilities. London: McMillan, 1975.

CHAFE, W. Integration and involvement in speaking, writing and oral literature. In: TANNEN, D. (org.). Spoken and written language: exploring orality and literacy. Norwood: NJ: Ablex, 1982b. p. 35-53.

––––––. Linguistic differences produced by differences between speaking and writing. In: HOROWITZ, Rosalind; SAMUELS, S. Jay (Eds.). Comprehending Oral and Written Language. New York: Academic Press, 1987.

CHAFE, W. & DANIELEWICZ, J. Properties of speaking and written language. In: HOROWITZ, Rosalind; SAMUELS, S. Jay (Eds.). Comprehending Oral and Written Language. New York: Academic Press, 1987. p. 83-113.

HALLIDAY, M. A. K. Spoken and written modes of meaning. In: HOROWITZ, R.; SAMUELS, S. J. (eds.). Comprehending oral and written language. New York: Academic Press, 1987.

––––––. Spoken and written language. New York: Oxford University Press, 1989, p. 76-101.

KATO, M. A. No Mundo da Escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 2ª ed. 1987.

KOCH, I. G.V. Interferência da oralidade na aquisição da escrita. In: Trabalhos em Lingüística Aplicada. Departamento de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, 30, Campinas: Editora da UNICAMP, 1997(a). p. 31-8.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

OCHS, E. Planned and unplanned discourse. In: GIVÓN, T. (ed.). Discourse and syntax. New York: Academic Press, 1979b. p. 51-79.

PAWLEY, A. & SYDER, F. H. Natural selection in syntax: notes on adaptative variation and change in vernacular and litrary grammar. Journal of Pragmatics, 1983, p. 551-579.

TANNEN, D. The oral/literate continuum in discourse. In: Deborah Tannen (Ed.). Spoken and written language: exploring orality and literacy. Norwood, NJ: Ablex, 1982b.

––––––. Relative focus on involviment in oral And written discourse. In: D. R. Olson et al. Literacy, language and learning. The nature and consequences of reading and writing. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.