QUALIDADES E DEFEITOS
DE UM TEXTO ARGUMENTATIVO

Luci Mary

A argumentação visa persuadir o leitor acerca de uma posição. Quanto mais polêmico for o assunto em questão, mais dará margem à abordagem argumentativa. Pode ocorrer desde o início quando se defende uma tese ou também apresentar os aspectos favoráveis e desfavoráveis posicionando-se apenas na conclusão. Agostinho dias Carneiro afirma que “argumentar é um processo que apresenta dois aspectos: o primeiro ligado à razão, supõe ordenar idéias, justificá-las e relacioná-las; o segundo, referente à paixão, busca capturar o ouvinte, seduzi-lo e persuadi-lo”.

Os argumentos devem promover credibilidade. Com a busca de argumentos por autoridade e provas concretas o texto começa a caminhar para uma direção coerente, precisa e persuasiva. Somente o fato pode fortalecer o texto argumentativo. Não podemos confundir fato e opinião. O fato é único e a opinião é variável. Por isso, quando ocorre generalização dizemos que houve um “erro de percurso”.

Como bem ministra Othon M. Garcia “na argumentação, além de dissertar, procuramos formar a opinião do leitor ou a do ouvinte, tentando convencê-lo de que a razão está conosco”, isto é, a verdade. Argumentar é, em última análise, convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões em face da evidência das provas e à luz de um raciocínio lógico e consistente. Em muitas situações como discussões na imprensa, nas assembléias ou em conversas cotidianas a argumentação passa a ser um “bate-papo”. “Às vezes ocorrem insultos ou sarcasmos. Tudo isso não contribui para uma verdadeira argumentação. Pelo contrário parece que faltou conhecimento de mundo que consiga defender o ponto de vista”.

Cabe ainda comentar que preconceitos e superstições também não colaboram com o texto argumentativo. Uma argumentação legítima precisa ser construtiva e crítica. Por isso que Othon M. Garcia baseia-se nos elementos da consistência do pensamento e da evidência dos fatos. Descartes considera a evidência como o critério da verdade. Porém, a argumentação informal só será considerada uma evidência se houver comprovação. Às vezes, conversas são apenas exposições narrativas e descritivas sem nenhuma preocupação com o real. Mesmo assim nos encontros informais há de qualquer forma uma pessoa tentando convencer outra. Dependendo do ponto de vista, isso pode ser uma argumentação mesmo sendo falaciosa.

Para que possamos focalizar os defeitos e as qualidades do texto argumentativo começaremos pelas qualidades passando em seguida para os defeitos. Partindo da premissa de que todo texto deve ter unidade, coerência e ênfase, analisaremos cada um desses recursos. Contudo, percebemos que não são os únicos, mas talvez os que possam representar a parte fundamental para que haja comunicação. A unidade consiste em dizer uma coisa de cada vez. Todas as idéias cumprem seu papel desenvolvendo a idéia núcleo, permitindo a compreensão. As idéias principais e as secundárias mantêm relações. Nesse momento surge a coerência com o intuito de organizar o sentido de cada idéia apresentada. Para Othon M. Garcia a coerência é a alma do texto. Como se pode ter sentido se a coerência não assumiu o seu papel?

No livro Comunicação em Prosa Moderna Othon M. Garcia comenta que “ênfase é a idéia predominante não apenas que aparece sob a forma de oração principal, mas também se coloca em posição de relevo, por estar no fim ou próximo do fim do período-parágrafo. Com isso, ele comprova que é indispensável dar ênfase à idéia-núcleo, quer pelo encadeamento dos termos na oração e das frases no texto, quer pela expressividade. Além desses recursos meliorativos não podemos deixar de fazer comentários sobre alguns vícios considerados condenáveis. Para muitos profissionais de redação erros grosseiros podem invalidar um texto argumentativo. Observemos o texto abaixo extraído de um vídeo exibido na Casa de Detenção de São Paulo, para ensinar aos detentos formas de prevenção contra a aids:

Aqui é bandido: Plínio Marcos. Atenção, malandrage! Eu num vô pedir nada, vô te dá um alô! Te liga aí: Aids é uma praga que rói até os mais fortes, e rói devagarinho. Deixa o corpo sem defesa contra a doença. Quem pegá essa praga está ralado de verde e amarelo, de primeiro ao quinto, e sem vaselina. Num tem dotô que dê jeito, nem reza brava, nem choro, nem vela, nem ai, Jesus. Pegou Aids, foi pro brejo! Agora sente o aroma da perpétua: Aids pega pelo esperma e pelo sangue, entendeu? pelo esperma e pelo sangue! (Pausa)

Eu num tô te dando esse alô pra te assombrá, então se toca! Não é porque tu ta na tranca que virou anjo. Muito pelo contrário, cana dura deixa o cara ruim! Mas é preciso que cada um se cuide, ninguém pode valê pra ninguém nesse negócio de aids. Então, já viu: transá, só de acordo com o parceiro, e de camisinha! ( Pausa)

Agora, tu aí que é metido a esculachá os outros, metido a ganhá o companheiro na força bruta, na congesta! Pára com isso, tu vai acabá empesteado! Aids num toma conhecimento de macheza, pega pra lá, pega pra cá, pega em home, pega em bicha, pega em mulhé, pega em roçadeira! Pra essa peste num tem bom! Quem bobeia fica premiado. E fica um tempão sem sabê. Daí, o mais malandro, no dia da visita, recebe mamão com açúcar da família e manda para casa o Aids! E num é isto que tu qué, né, vago mestre? Então te cuida. Sexo, só com camisinha.(Pausa)

Quem descobre que pegô a doença se sente no prejuízo e quer ir à forra, passando pros outros. ( Pausa) sexo só com camisinha! Num tem escolha, transá, só com camisinha.

Quanto a tu, mais chegado ao pico, eu to sabendo que ninguém corta o vício só por ordem da chefia. Mas escuta bem, vago mestre, num qué nem sabê que, às vezes, a seringa vem até com um pingo de sangue, e tu mete ela direto em ti. Às vezes, ela aparece que vem limpona, e vem com a praga. E tu, na afobação, mete ela direto na veia. Aí tu dança. Tu, que se diz mais tu, mas que diz que num pode agüentá a tranca sem pico, se cuida. Quem gosta de tu é tu mesmo. (Pausa) E a farinha que tu cheira, e a erva que tu barrufa enfraquece o corpo e deixa tu chué da cabeça e dos peitos. E aí tu fica moleza pro Aids! Mas o pico é o canal direto pra essa praga que está aí. Então, malandro, se cobre. Quem gosta de tu é tu mesmo. A saúde é como a liberdade. Agente dá valor pra ela quando já era!

A partir do texto, podemos provar o que é argumentação. O texto dá informação sobre o vírus da Aids. O ator Plínio Marcos apresenta-se como sendo um deles. Utiliza a linguagem que eles estão habituados. “Comunicar não é apenas fazer saber, mas também um fazer crer”. A persuasão é o ato de levar o outro a acreditar no que foi dito. Para Platão e Fiorin “todo texto é argumentativo porque todos são de certa maneira persuasivos”.

Vale a pena ressaltar que a concisão no qual o pensamento precisa ser expresso com o mínimo de palavras demonstra que algumas idéias são desnecessárias não fazendo nenhuma falta na hora da comunicação argumentativa. Longas explicações só tornam o texto cansativo para o leitor. Algumas pessoas se iludem ao escrever muito pensando que estão argumentando. Outro aspecto é a clareza. Não escrevemos somente para nós mesmos. Escrevemos para um leitor crítico que não deve precisar ler duas vezes para entender o que está escrito. Períodos longos e ambigüidade são grandes inimigos da clareza.

Há também um folclore em torno da precisão. Usar um vocabulário prolixo só tende a prejudicar o texto. O léxico deve ser valorizado pela sua expressividade e não por clichês que tornam a argumentação confusa e insignificante. Conhecer o significado de cada vocábulo faz parte de um autor maturo e que tem domínio pelo assunto que pretende abordar. Agostinho Dias Carneiro em seu livro Redação em Construção enumera exemplos importantes para uma argumentação. Para ele falácias, generalizações excessivas, deduções falsas, estatísticas tendenciosas e argumentos autoritários só enfraquecem o texto. Com certeza, somente a verdade seja um argumento concreto.

Padre Antônio Vieira aborda que a qualidade unidade é um dos recursos mais importantes na argumentação, já que, um texto dispersivo cheio de informações desencontradas não é compreendido por ninguém. Ele também faz um comentário da importância de citações de outros textos que chama de argumento de autoridade. Platão e Fiorin também comenta em seu livro Lições de Texto: leitura e redação sobre alguns recursos lingüísticos usados com a finalidade de convencer. Um deles é o argumento de autoridade já citado. Trata-se da comprovação de que o autor ou o falante conhece bem o assunto que está sendo abordado. Outros recursos ou qualidades como argumentos baseados em provas concretas e raciocínio lógico não devem ser ignorados. Podemos observar tais qualidades em editoriais e redações escolares. Afinal, bem sabemos que todo texto apresenta intertextualidade.A reescritura faz parte de tentar buscar o melhor no texto argumentativo.

A argumentação é a exposição de recursos com o objetivo de fazer o texto ser ou parecer verdadeiro. Para finalizar essas qualidades não podemos esquecer que Ingedore Villaça diz “que a coerência teria a ver com a boa formação do texto. Portanto, a coerência é algo que se estabelece na interação, na interlocução numa situação comunicativa entre dois usuários”. Paralelamente ao conceito de coerência encontramos a coesão. “A coesão é explicitamente revelada através de marcas lingüísticas”. Manifesta-se na organização da seqüência do texto argumentativo. É a relação entre um elemento do texto e um outro elemento. Isso é fundamental para uma interpretação. Depende desses articuladores ou conectores como chamam alguns estudiosos a compreensão do qual o texto pretende atingir. Sempre que se pensa em coerência logo se pensa em coesão. Para Marcuschi (1983), “a coesão é a estrutura da seqüência de um texto, como uma organização linear”. Diante das qualidades nos situamos de forma não pejorativa em comentar alguns defeitos do texto argumentativo.

Pensando no que já foi abordado seria muito simples dizer que os defeitos são o contrário das qualidades mencionadas. Em alguns momentos isso ocorreu. Só que pretendemos destacar outros que possam ser evitados em qualquer texto argumentativo. O primeiro seria voltado para os períodos longos. Não é que seja um “erro”. O erro está em ser longo e confuso. Um texto com frases desconexas, com repetições de palavras que comprometam a falta de vocabulário e expressões vulgares interferem na hora de persuadir o leitor. Os defeitos só surgem na hora de escrever. Muitos professores alegam que a contradição seja um defeito “gritante”. Outros preferem textos com pontos positivos e negativos porque aponta para duas visões. O texto argumentativo vive em todas situações possíveis. O que não podemos permitir é que a argumentação deixe de ser um ato de pensar. Os que pensam que comunicar é apenas transmitir informações, precisam pensar mais. Argumentar é fazer crer e a aceitação depende de vários fatores. Argumentar cujo sentido primeiro significa iluminar. É disso que precisamos. Iluminar para convencer. Esse trabalho visou despertar em alunos de letras e professores de língua portuguesa uma viagem ao mundo da argumentação. Criticamos tanto os textos que lemos. Será que há uma explicação? Lendo o texto abaixo poderemos refletir antes de criar fórmulas de qualidades ou de defeitos:

... A moléstia é real, os sintomas são claros, a síndrome está completa: o homem continua cada vez mais incomunicável (porque deturpou o termo comunicação), incompreendido e/ou incompreensível, porque voltou-se pra dentro e se autoanalisa continuamente, mas não troca com os outros estas experiências individuais; está “desaprendendo” a falar, usando somente o linguajar básico, essencial e os gestos. Não lê, não se enriquece, não se transmite. Quem não lê, não escreve. Assim, o homem do século XX, bicho de concha, criatura intransitiva, se enfurna dentro de si próprio, ilhando-se cada vez mais, minado pelas duas doenças do nosso tempo: individualismo e solidão.

(Ely Vieitez Lanes. Laboratório de literatura)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARNEIRO, Agostinho dias. Redação em construção: a escritura do texto. São Paulo: Moderna, 1993.

FÁVERO, Leonor Lopes & KOCH, Ingedore G. Villaça. Lingüística do texto: introdução. São Paulo: Cortez, 1984.

FIORIN & SAVIOLI, Francisco Platão. 1990. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática.1995.

------ & SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática.1996.

GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 13ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.1986.

KOCK, Ingedore G. Villaça. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.

------. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1989.