O TEXTO LITERÁRIO E O COMPONENTE CULTURAL
NO ENSINO DO ESPANHOL
COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Sara Araújo Brito
(UNIGRANRIO, UFF e SME/DC)

A cultura é o meio de comunicação do homem e a personalidade dos membros de uma comunidade. Tem muita relação com a maneira em que as pessoas se expressam, com a forma de pensar, de resolver problemas, de mover-se; observa-se também na organização da sociedade em suas características mais específicas.

Por conseguinte, dado que a língua e a cultura vão unidas, posso dizer que é impossível “dominar” uma língua sem “dominar” a cultura, ou seja, o mundo que vai unido à ela.

A necessidade de relacionamento com pessoas de outras culturas é hoje mais evidente que nunca. Os choques entre sistemas culturais não se limitam às relações internacionais, mas sim dentro de um mesmo país, pois convivem uma diversidade de culturas. Nossa sociedade está cada vez mais multicultural por várias razões. O turismo ou questões de trabalho, haja visto que aqui no Brasil o desenvolvimento acentuado em relação à língua espanhola, vem incrementando uma sociedade aberta ao intercâmbio comercial internacional, por ser quase inexistentes as fronteiras para este tipo de relação.

A literatura como arte reflete as representações da cultura de um povo. E a língua, obviamente, é uma das formas de manifestar a cultura.

A dissociação entre língua e cultura é uma das problemáticas que precisa ser desmitificada. O professor de língua estrangeira deve se preocupar com a transmissão de riqueza, também estética, que nos traz as variadas culturas, fazer das salas de aula “grandes laboratórios de leitura”, como afirma M. Paraquett (1998:120).A variedade de documentos lingüísticos que pode valer-se um professor de língua estrangeira é muito grande. Cada um tem sua especificidade que pode ser explorada de acordo com seus aspectos característicos. Todos devem ser trabalhados, inclusive, os textos literários.

Baseado nesta perspectiva, este trabalho propõe um estudo sobre o ensino do espanhol como língua estrangeira relacionando a literatura, a leitura como processo discursivo e o aspecto cultural, para a aprendizagem do idioma.

Língua e Literatura: uma dicotomia?

A importância dada à leitura no ensino de espanhol como língua estrangeira e o relevo dado à utilização correta da língua materna nos métodos e abordagens modernos estabeleceram um tipo de dicotomia entre a língua e os textos literários.

A literatura é apenas um dos domínios do idioma, é um dos conhecimentos culturais que se faz necessário à competência global da língua. A literatura faz parte do tesouro cultural de toda comunidade lingüística.

Todos sabemos a função dupla da língua: é instrumento de comunicação entre indivíduos de uma mesma comunidade lingüística e, é também uma representação cultural no sentido que engloba, ademais de outros elementos, a expressão literária.

O aspecto prático e material da cultura, fruto do pragmatismo e da inteligência de um povo, é o aspecto natural que observamos no desenvolvimento sócio-cultural das comunidades. O papel da língua estrangeira é muito importante para o domínio das artes, valores espirituais, religiosos e metafísicos, na medida em que a linguagem e o pensamento parecem manter relações estreitas, segundo afirmam os psicólogos e os metafísicos da linguagem. As artes plásticas, a dança, a música constituem em numerosos países um fundo cultural de extraordinária riqueza. Estes meios de expressão artística são, também, meios de comunicação. A literatura é um desses aspectos, dentro do contexto cultural, com múltiplas facetas.

Na Idade Média, na Europa, os romances e as poesias eram lidas, declamadas para o povo, nas praças públicas, pequenas vilas nos capitéis das catedrais. Por outro lado a literatura escrita foi objeto de um extraordinário progresso lingüístico. A consolidação da língua espanhola deveu-se muito aos grandes escritores medievais e renascentistas. Através de seus escritos a língua espanhola foi fossilizando-se e constituindo-se como marca da cultura hispânica.

O componente cultural e a sua importância
no ensino de espanhol como língua estrangeira

Aprender uma língua estrangeira é muito mais que decodificar códigos lingüísticos. É um processo amplo que envolve vários aspectos do saber, entre eles o saber cultural de um povo, cujas diferenças servem como incentivo aos conhecimentos de novos hábitos e costumes, possibilitando, assim, uma aproximação e não um distanciamento entre a cultura de ambos os povos.

Todos sabemos que o ensino de línguas estrangeiras se completa com o enfoque cultural. O acesso à cultura do país da língua meta facilita a aprendizagem e também aumenta a visão critica do aluno.

O professor de LE precisa ir mais além da visão comunicativa. Deve inserir e possibilitar, também ao aluno, essa insersão no contexto lingüístico-cultural.

Paraquett (1998:118) afirma que cultura “é o conjunto de tradições, de estilo de vida, de formas de pensar, sentir e atuar de um povo”. Acrescenta ainda que é o “conjunto de produção de um povo, estética ou não, mas que colabore para a identificação de um grupo étnico, diferenciando-o dos demais, dando-lhe uma cara pessoal e comum”.

A cultura diferencia os grupos sociais e ao mesmo tempo pode unir esses grupos, através da interação vinculada entre os processos sociais, ao ensino de idiomas, ao turismo, ao trabalho, etc.

A cultura é uma produção inerente ao homem que varia em cada grupo social, o que lhe permite sua identidade, afirma Junguer (1997:109). A sociedade tem seus próprios hábitos e costumes. Continuando, a autora diz que

podemos identificar en ella la llamada cultura erudita -artes, literatura, música- la popular o folklórica, y también (¿ por qué no?) una de base cotidiana, que nos muestra la idiosincrasia de un pueblo (o porción de él), sus costumbres más sensillas, tales como la inclinación por determinadas comidas o hábitos respecto a la alimentación (hora, compañias, lugares, valores sociales, etc.)

Podemos dizer que a língua como caráter identitário reflete uma determinada comunidade lingüística. Sendo assim a língua é um dos aspectos culturais da sociedade. Para Nauta (1992:11) (Apud JUNGER, 1997: 109) os dois conceitos estão interligados, um não existe sem o outro e não significam nada. Uma não é mais importante que a outra, mas ambas se completam.

Os livros didáticos de espanhol como língua estrangeira ainda apresentam uma hierarquia em relação ao ensino da língua e da cultura. Colocam uma parte da unidade para língua e ao final algum comentário cultural.

Alguns professores mais ousados já conseguem trabalhar a língua estrangeira de forma a não priorizar uma em relação à outra. Se o conteúdo cultural é parte da competência comunicativa, não podemos separar ou entender que, língua e cultura, uma seja mais importante que a outra, como explica New Sans (1992:16),

si, desde una perspectiva comunicativa, queremos que el estudiante sea competente, es decir, que no tenga sólo conocimientos sobre, sino que estos conocimientos le sirvan para actuar en la sociedad o con los individuos que hacen uso de la lengua-meta, la necesidad de abordar la competencia cultural como una parte indisociable de la competencia comunicativa es incuestionable.

Segundo Dell Hymes e Van Ek (Apud GIOVANNINI et alli,1996: 33) a competência lingüística não é suficiente para poder falar uma língua. É muito mais abrangente, porque junto a esta existem a competência sócio-lingüística, a competência discursiva, a competência estratégica, a competência sócio-cultural e a este conjunto de competências é que forma a competência comunicativa.

O objetivo central das aulas de espanhol como língua estrangeira é levar o aluno a alcançar uma competência comunicativa. Então, para isso, é necessário que se trabalhe todo o conjunto das competências citadas anteriormente. Neste contexto, torna-se imprescindível o componente cultural como parte indispensável à competência comunicativa.

Os conteúdos a serem trabalhados não devem ser estereótipos, mas sim uma forma de adquirir conhecimentos variados dentro da diversidade cultural dos países hispânicos.

No processo ensino-aprendizagem a língua, a cultura e a sociedade constituem um conjunto cujos elementos se implicam mutuamente, são indissociáveis, um não aparece sem o outro. Sánchez Lobato (1997:7) (Apud SANTOS GARGALLO, 1999: 35) diz que

La lengua forma parte del sistema cultural y adquiere significado propio como expectativa de comportamientos compartidos, como conjunto de técnicas de comunicación y estructuras lingüísticas que son parte del conocimiento social transmitido a través de procesos lingüísticos de socialización. La cultura, por tanto, supone un proceso de interacción de los seres humanos, de significados compartidos tendente a la configuración de sistemas simbólicos.

Para falar uma língua estrangeira é imprescindível conhecer alguns fatores da cultura e da sociedade, já que a língua será o veículo de comunicação entre a língua materna e a língua estrangeira. É indispensável conhecer a forma de vida, como se estrutura a sociedade, seus hábitos diários, alimentares, como se comportam em diversas situações do cotidiano, enfim, como vivem os falantes da língua meta.

Por várias décadas a metodologia ignorou ou utilizou muito pouco o componente cultural na aprendizagem de língua estrangeira, no entanto, atualmente já se considera ponto relevante para uma aprendizagem comunicativa no ensino de idiomas estrangeiros.

Segundo Costa (1997: 125),

El ámbito d la cultura en la enseñanza de una lengua extranjera no puede seguir siendo visto como algo aislado, encerrado en un ´coto` - generalmente la última sección del libro de texto - en la que se destilan pequeñas gotas informativas

A prática no ensino de idiomas nos permite afirmar que o “rótulo” sobre o conceito de cultura foge às tradições de um povo, crenças, festas típicas, etc., de forma separada da aprendizagem da língua. Vai muito além desses conceitos. É, também, aprendizagem.

Como já comentamos, a língua é uma das representações de um povo. Ora, se representa um povo é porque se faz necessário também conhecê-la sob o aspecto lingüístico. A língua não está dissociada da cultura. E o que vemos nos manuais didáticos, são simplesmente pequenos comentários ao final das unidades. Tais comentários sempre aparecem priorizando os grandes nomes da história, literatura, cantores, ou seja, estereótipos de um mundo hispânico longe de ser representação de todo o seu povo; por exemplo, a Espanha das “Touradas” e do “Flamenco”, a Argentina do “Tango”, o México dos “Sombreros”. O povo representa muito mais que esses temas genéricos.

Por causa desses fatores, preocupamo-nos também com o papel dos professores que trabalham com manuais desses tipos. Precisamos ser críticos em relação aos conceitos que as editoras tentam passar através dos temas nos livros. Devemos valorizar a cultura como um todo, como parte da competência comunicativa que tanto se comenta e que sabemos que precisa ser bem trabalhada.

A cultura identifica um grupo social e marca o que é produzido por ele. Então, tudo que uma comunidade lingüística produz podemos utilizar em aulas de língua estrangeira. Alguns materiais, define Junger(1997:111) como “marginados”.

A pesar de formar parte de la vida diaria de la gente, definir sus valores, maneras de pensar y actuar, son frecuentemente rechazados por la escuela. Hoy día, algunos ya encuentran espacio en los libros, como los periódicos, incluso los anuncios, y la publicidad en general. Pero, haría falta incluir más elementos - billetes de metro, autobús, etc, entradas de teatro, menús de restaurantes, folletos, carteles, pequeños recados, graffitis, fragmentos sacados de la radio o de la televisión, mostrando, entre otras cosas, escenas cotidianas y entrevistas.

Esses materiais utilizados com os alunos vão favorecer a aprendizagem da língua estrangeira. é possível trabalhar a escrita e a oralidade, ou seja, as destrezas comunicativas através de discussões sobre maneiras diferentes de viver, das regras sociais, do discurso proferido, etc. são exemplos que podemos utilizar para trabalhar a cultura e ao mesmo tempo a língua. Além de usar a oralidade para as debates sobre os temas, podemos trabalhar as normas da língua e o seu funcionamento, por exemplo, o discurso formal e o informal, a relação textual em contextos variados de uso real da língua.

No mundo em que vivemos precisamos estar atentos à necessidade de nos relacionarmos com pessoas de várias e diferentes culturas. As pessoas de uma mesma cultura dividem a mesma língua e repartem as experiências comuns do seu modo de viver.

O contato do aluno de L.E. com a cultura do outro, da língua-meta, provoca novas descobertas e ao mesmo tempo reafirma a sua própria cultura. E isso, o torna eficaz na aquisição das competências.

A língua e o texto literário

A língua é considerada como parte integrante da realidade social e cultural de um povo. Ela se torna estéril se é desvinculada da cultura, torna-se uma série de símbolos vazios e sem significados (GIOVANNINI et alli, 1996: 35). Os aprendizes se sentem motivados em conhecer e identificar-se com os valores da sociedade da L.E. Essa é uma das necessidades dos alunos. Giovannini (1996) sintetiza o conceito de cultura, de acordo com a reflexão de Riley, que se desenvolve em três âmbitos: saber o que, sobre o que e saber como. Este saber como atua a sociedade e a fala, nada mais é que o funcionamento da língua na oralidade. Essa comunicação de agradecer, saudar, contar,... no ensino de línguas fazem parte da competência comunicativa. É realmente necessário trabalhar estas questões.

Dessa forma, recordamos Saussure sobre a relação linguagem - língua - fala. Para o lingüista, a “langue” é o próprio sistema da língua, ou seja, o conjunto das regras morfológicas, fonológicas, sintáticas e semânticas, e “parole” - fala ou discurso - parte concreta e individual da “langue”, colocada em ação por um falante em situações comunicativas concretas. O autor comenta ainda que não podemos confundir língua com linguagem. A língua é que faz a unidade da linguagem. Eugenio Coseriu(1980:91) propõe três níveis da linguagem e que tratam da estrutura das línguas e da linguagem:

A linguagem é uma atividade humana universal que se realiza individualmente, mas sempre segundo técnicas historicamente determinadas (‘línguas’) (...) Por outro lado, todo falante fala individualmente (mesmo no diálogo): a linguagem não é nunca atividade ‘coral’. Por fim, a linguagem se apresenta sempre como historicamente determinada, como ‘língua’ (italiano, português, francês, alemão, etc.). Não há falar que não seja falar uma língua.

Considerando o texto literário, essa questão é clara, não há falar que não seja o falar uma língua. Então o que podemos dizer dessa definição de Coseriu? O literato quando escreve suas obras, sejam elas de qualquer gênero, está, logicamente, usando a língua. E essa língua é a representação de um povo, de uma cultura. A obra literária, muitas vezes, reflete as tradições, a vida, a sociedade e seus costumes, e para sermos mais determinados, coloca para fora todas a emoção e saberes do autor. Isso não é cultura? O que quer representar o poeta quando escreve uma poesia? O contista, um conto? Nada mais que os sentimentos, ironias, críticas, incompreensões, etc. de uma sociedade que ele próprio pertence e representa enquanto cidadão inserido nessa comunidade.

Não podemos esquecer também da força conotativa da literatura, as suas dimensões históricas, ideológicas e culturais e a tríade cultura - língua - literatura, centrando-se todas essas atribuições ao processo cultural de uma sociedade, isto é, todos se resumem em aspectos da cultura. Sobre isso, afirma Domício Proença Filho, citado por Aguilera (2002:83):

(...) a linguagem literária é eminentemente conotativa. A conotação se pluraliza em função do universo cultural dos falantes; prende-se, portanto, às diferenças de camadas socioculturais e ao processo de desenvolvimento da cultura. Fácil é concluir que a literatura, apoiada num sistema de signos lingüísticos que representam o mundo e revelam dimensões profundas do mesmo, traduz o grau de cultura de uma sociedade. E mais: por força de sua natureza criadora e fundadora, ela pode configurar-se como espelho ou como denúncia, como conservadora ou como transformadora.

O texto literário tem a sua própria organização, identificada desde a Antiguidade pelos filósofos gregos, e podemos dizer que é possível isolar traços peculiares do discurso literário comparando-o com o discurso comum, embora saibamos também que o código que se utilizam é o mesmo e que guardam uma relação íntima entre si.

Com base nesta assertiva, sabemos que a literatura tem um vínculo muito grande com a língua, por conseguinte, não podemos dissociar língua e literatura. Os textos literários tem um grande valor para a sociedade, pois a representam. Então, podemos acrescentar que eles são verdadeiros componentes culturais no ensino de espanhol como língua estrangeira. Paraquett (2001:193) afirma que

As práticas culturais (e eu aqui incluo a literatura e as demais artes) são instrumentos para o ensino e, nesse sentido, são causas e não conseqüências do processo ensino/aprendizagem. O aluno não aprende as práticas culturais porque aprendeu a língua estrangeira. o processo se dá, justamente, na contramão do que se afirma: são as práticas culturais que possibilitam o ensino/aprendizagem da língua.”

Isto quer dizer que ensinamos a língua estrangeira a partir das práticas culturais, incluindo também a literatura.

A LEITURA COMO PROCESSO DISCURSIVO
NO ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Baseando-nos na perspectiva de que podemos ensinar a língua estrangeira a partir dos textos literários pensaremos no processo ensino aprendizagem de espanhol como língua estrangeira no âmbito da compreensão leitora, uma das partes formadoras da abordagem comunicativa. Vejamos a leitura como instrumento interdisciplinar, “como possibilidade do autoconhecimento e do encontro com o outro” (PARAQUETT, 2001: 193). O encontro com o mundo cultural hispânico vai proporcionar oportunidades de conhecimentos desse universo que irão possibilitar melhorias no contexto da língua materna e da própria língua estrangeira.

Na perspectiva do discurso, segundo Eni Orlandi (2003:193) a leitura é produzida,

É o momento crítico da constituição do texto, pois é o momento privilegiado do processo da interação verbal: aquele em que os interlocutores, ao se identificarem como interlocutores, desencadeiam o processo de significação.

O discurso, acrescenta a autora, é conceito intermediário que se colocam no lugar onde está a manifestação da liberdade do locutor quanto a ordem da língua e enquanto seqüência sintaticamente correta.

Pêcheux (Apud ORLANDI, 2003: 194) afirma que isto não se dá em abstrato, mas

como parte de um mecanismo em funcionamento, isto é, como pertencente a um sistema de normas nem puramente individuais nem globalmente universais, mas que deriva da estrutura de uma ideologia política e, logo, correspondendo a um certo lugar no interior de uma formação social dada.

O texto em relação a exterioridade, com a situação - contexto de enunciação e sócio-histórico mostra a sua incompletude, que de acordo com Eni Orlandi é o fato de que o que caracteriza qualquer discurso é a multiplicidade de sentidos possível. Para a autora,

o texto não resulta de soma de frases, nem da soma de interlocutores: o(s) sentido(s) de um texto resulta(m) de uma situação discursiva, margem de enunciados efetivamente realizados. (ORLANDI, 2003: 194)

Isto quer dizer que o discurso se concretiza a partir de enunciados realizados efetivamente.

O ensino da leitura nas instituições educacionais valem-se por trabalhar os variados tipos de textos. Aplicando as estratégias de ensino de leitura, espera-se que o leitor chegue à compreensão do texto, no nível que ele precisa ter dentro dos seus objetivos da L. E.

O leitor vai se formando a partir da sua vivência e experiência de interação com o universo natural, cultural e social em que vive. Ainda nos conceitos de leitura, Eni Orlandi (idem: 210) afirma que

É um ato cultural em seu sentido amplo, que não se esgota na educação formal tal como esta tem sido definida. Deve-se considerar a relação entre o leitor e o conhecimento, assim como a sua reflexão sobre o mundo. Eu diria que o conhecimento tem caminhos insuspeitados. Ninguém tem a fórmula da descoberta, de como se chega ao conhecimento e à crítica.

O que propõe a autora é que se considere a leitura que é produzida e que se atente às suas condições de produção. Essas condições certamente serão diferentes, dadas as diferentes vivências dos leitores.

Sabendo como o texto funciona o que se espera é que o aprendiz - leitor possa ler não só como o seu professor, mas que entenda que pode se construir como sujeito de sua leitura.

Para os analistas do discurso não há leituras previstas por um texto, como se ele fosse um objeto fechado em si mesmo. Considerando o fato de que toda leitura tem sua história, o que temos que levar em conta é que em relação à compreensão do texto, se definam essas histórias: a história de leituras do texto e a história de leituras do leitor (ORLANDI, 2003: 213).

Cada aprendiz de língua estrangeira leva consigo sua própria história de leitura, sendo assim, analisando diferentes histórias de comunidades educacionais, será também plural as histórias de leituras.

As relações entre diferentes textos, resgata a história dos sentidos deles, isto é, a partir do que é previsível na leitura o professor pode modificar as condições de produção de leitura.

O leitor, na medida em que lê, se constitui, se representa, se identifica, afirma Orlandi (idem:185). A leitura é o momento da interação. Tratando-se do processo ensino aprendizagem de língua estrangeira, essa interação vai mais além da relação texto e leitor, revela-se, também, a língua pela linguagem assumida.

Nesse processo o aprendiz por sua vasta história faz da leitura um momento privilegiado para o conhecimento, não só do social, do cultural, dos sentidos do texto, da incompletude, mas da língua em que ele tem como alvo para sua aprendizagem.

A literatura, pela sua variedade de textos e estilos próprios de cada autor e gêneros, possibilita ao aprendiz uma pluralidade também de leitura, já que esta é produzida pelo leitor.

Ademais, a aula de leitura em L.E. “constitui uma manifestação do imaginário discursivo, partilhado social e culturalmente pelos sujeitos de uma determinada formação discursiva.” (CORACINI, 2002: 84)

O aluno, também, leitor que queremos formar é construtor do significado no momento da leitura e que “lê a partir da sua formação discursiva”, comenta Coracini (2002: 32). Cada texto se constrói pelas múltiplas leituras do autor e do leitor. Essa interação é que resulta um aprendiz pensante e crítico.

Al fin y al cabo...

Se o objetivo da leitura é interagir texto - leitor, a literatura compõe um material riquíssimo para o ensino de língua estrangeira. pois os textos literários são diálogos infinitos com o leitor, eles se valem da riqueza da cultura dos povos.

A leitura literária não deve ser somente um meio de entretenimento, mas o professor pode utilizá-la como ferramenta para o ensino da língua estrangeira.

Se começamos este trabalho dizendo que não podemos dissociar língua e literatura, depois das discussões aqui traçadas, afirmamos mais uma vez que sendo a literatura uma das representações da cultura de um povo, e dado o componente cultural ser uma das partes que formam a competência comunicativa, existe realmente uma cumplicidade entre os dois termos. Concluímos, então, que os textos literários são componentes cultural fundamentais no processo ensino aprendizagem de língua estrangeira.

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