PRÁTICAS DE LEITURA/ESCRITA EM SALA DE AULA

Honoralice de Araújo Mattos Paolinelli (UNINCOR)
Sérgio Roberto Costa
(UNINCOR)

Introdução

O ensino tradicional da língua materna pode ser caracterizado por seu feitio predominantemente normativo e conceitual. Esse tratamento privilegiado da forma se faz visível na atenção especial dedicada à ortografia, à produção e à sintaxe.

Na década de 70 e sobretudo a partir dos anos 80, a hegemonia dessa concepção formalista passou a ser contestada com o surgimento de teorias inspiradas no sociointeracionismo, na teoria da enunciação e do discurso e na lingüística do texto.

Segundo essas teorias, a prática lingüística seria uma forma de interação de sujeitos, e o texto, o resultado dessa interação. Assim além das formas lingüísticas, passam a ser estudadas com interesse crescente as relações entre essas formas e seu contexto de uso, suas condições de produção e o processo mental de todos esses elementos pelos sujeitos falantes. Desse modo, o ensino da linguagem - antes conceitual e normativo - passa a ser centrado no uso e no funcionamento da língua enquanto sistema simbólico, situado num contexto sócio-histórico determinado.

É a partir dessa compreensão que se formula a expressão “produção de texto”, com a qual se pretende evidenciar o ato, o processo de elaborar um texto.

Desenvolvimento

Ensinar a ler é uma tarefa de todo professor, não sendo exclusividade do de Língua Portuguesa, quase sempre responsabilizado pela dificuldade do aluno de interpretar questões de outras disciplinas. O desconhecimento do que seja leitura e dos processos sócio-cognitivos nela envolvidos leva as pessoas a construírem um conceito limitado desta ação de linguagem.

A noção textual usualmente presente na escola empobrece o trabalho com a leitura/escrita, pelo fato de tratar de maneira idêntica qualquer texto, desconsiderando suas especificidades e intenções.

No ambiente escolar, o texto é abordado como um produto, ignorando-se, assim, a dinamicidade de seu processo de significação, que inclui a consideração de estruturas, de conhecimentos prévios partilhados, de múltiplos recursos semióticos, como a imagem e, ainda, as condições de produção: o contexto, os sujeitos envolvidos nessa ação de linguagem, as intenções comunicativas, o meio de circulação do texto.

Apesar do surgimento das novas teorias que sustentam a produção textual, a partir dos anos 80, a qualidade das redações dos alunos pouco alterou. Os textos continuam artificiais, padronizados, mal seqüenciados, intraduzíveis e fora de seu contexto de produção.

Para que haja mudança no quadro é necessário que o professor passe a olhar a produção escrita do aluno não atrás de erros, atentando apenas para a linearidade do texto, mas buscando ver o significado e as formas de construção desse significado.

A escola é tomada como um autêntico lugar de comunicação e as situações escolares como ocasiões de produção/recepção de textos. Portanto, no ambiente escolar, a produção de textos deve inserir-se num processo de interlocução, o que implica a realização de uma série de atividades mentais - de planejamento e de execução - que não são lineares nem estanques, mas recursivas e interdependentes.

“É impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto.” Essa posição defendida por Bakhtin (1997) e também por Bronckart (1999) é adotada pela maioria dos autores que tratam a língua em seus aspectos discursivos e enunciativos e não em suas peculiaridades formais. Essa visão segue uma noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva.

É nesse contexto que os gêneros textuais se constituem como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo. O trabalho com gêneros textuais é uma excelente oportunidade de se lidar com a língua em seus mais diversos usos no dia-a-dia, pois nada do que fizermos lingüisticamente está fora de ser um gênero.

No trabalho com produção de textos é importante ainda fazer-se uma distinção entre gêneros textuais e tipos textuais.

O primeiro é usado para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição, ou seja, aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas. Cada tipo textual possui pistas lingüístico-discursivas características e as seqüências lingüísticas são norteadoras.

Já a expressão gênero textual refere-se a textos materializados, encontrados em nossa vida diária e que representam características sócio-comunicativas definidas por seus conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição próprios.

Enquanto os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros, devido à enorme diversidade das atividades enunciativo-discursivas das esferas sociais, ou seja, domínios discursivos. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bem específicos. Assim, falamos em discurso religioso, discurso jurídico, discurso jornalístico. As atividades sociais é que dão origem a vários deles, constituindo práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais. Os domínios discursivos são as grandes esferas da atividade humana em que os textos circulam.

Para aprender a escrever um gênero determinado de texto é necessário que os alunos sejam postos em contato com um corpus textual desse mesmo gênero, que lhes sirva de referência em situações de comunicação bem definidas e reais.

É função do professor fornecer ao aluno condições adequadas de elaboração, permitindo-lhe empenhar-se na realização consciente de um trabalho lingüístico que realmente tenha sentido para si, e isso só é conseguido à medida que a proposição de produção textual seja bem clara e definida, apresentando-se as “coordenadas” do contexto de produção. É necessário que o aprendiz possa sentir que realmente está produzindo para um leitor (que não deve ser apenas o professor ), eliminando a exclusividade das situações artificiais de produção textual tão presentes no cotidiano da escola.

Com o objetivo de trabalhar diversidade de textos em situações concretas e reais de comunicação, será apresentada uma proposta prática de produção de texto em sala de aula.

Esse trabalho foi desenvolvido com alunos da 2ª e 3ª séries do Ensino Médio da E.E. “Presidente Tancredo Neves”, de Carmópolis de Minas -MG

Relato das atividades desenvolvidas

No mês de agosto de 2003, os alunos da referida escola estavam envolvidos com a organização do Iº Festival de Dança, evento que mobilizou toda a comunidade escolar, por se tratar de algo cuja motivação chega a ser espontânea, em se tratando de juventude: movimentação do corpo.

As atividades a serem desenvolvidas constavam de:

pesquisa do ritmo musical previamente escolhido pelo grupo, exibição de coreografia e apresentação de lâminas, durante o “show”, sobre o conteúdo pesquisado”.

No período de agosto a outubro, aproveitando-se o “clima” de euforia que impregnava o ambiente escolar, foram desenvolvidas várias atividades de produção textual envolvendo diversidade de gêneros. O conteúdo temático era sempre o mesmo, variando-se o contexto de produção.

O primeiro gênero a ser abordado foi a propaganda, já que era necessário fazer-se a divulgação do evento.

O segundo foi a notícia, pois o jornal da cidade possui um espaço reservado para a divulgação das promoções sócio-culturais feitas pelas escolas.

O terceiro surgiu de uma necessidade flagrante: como o festival havia dado uma renda muito além das expectativas, tornou-se necessário definir prioridades a fim de se fazer um bom investimento. Tais prioridades foram definidas pelos próprios alunos, após reuniões e discussões, restando dirigir-se à administração da escola para fazer solicitação. Daí o requerimento.

Antes de se fazer a proposta concreta da produção de texto, o aluno foi colocado em contacto com o corpus textual de cada gênero a ser solicitado, o qual lhe serviria de referência.

A leitura e a análise dos textos levados para a sala de aula abordaram os seguintes aspectos: circulação, domínio discursivo e gênero textual (conteúdo temático, estrutura composicional e estilo). Durante o estudo e a análise de cada gênero, o professor levou o aluno a perceber a função de recursos lingüístico-discursivos que traduzem as intenções do autor e situam o texto em determinado tipo: relato, narração, descrição e outros tipos textuais possíveis de serem criados.

Após o estudo detalhado de cada gênero, fizeram-se as propostas de produção de texto, iniciando-se com a propaganda, depois a notícia e finalmente o requerimento.

Houve um intervalo entre uma proposta e outra, a fim que todas as etapas do processo de produção fossem cumpridas, ou seja, garantir o desenvolvimento de todas as atividades mentais de planejamento, execução e revisão necessárias à semitiozação de um texto.

As propostas concretas foram as seguintes:

1ª - Gênero textual : propaganda

Circulação : cartazes a serem expostos nos murais da escola e em locais públicos

Emissor : escola ( alunos, professores, diretor e demais funcionários)

Receptor : comunidade escolar e público em geral

Objetivo: divulgar o evento e convidar o público a participar.

2ª - Gênero textual : notícia

Domínio discursivo : jornalístico

Circulação : Jornal de Carmópolis, periódico mensal local

Emissor : aluno

Receptor : leitores do referido jornal, público diversificado

Objetivo : noticiar o evento “Festival de Música”

3ª - Gênero textual : requerimento

Emissor : alunos da turma X

Receptor: Diretor da escola E.E.”Presidente Tancredo Neves”

Objetivo : solicitar aplicação do dinheiro arrecadado pelo festival naquilo que os alunos julgaram ser prioridade no momento.

Das atividades mentais que compõem a produção textual, a revisão talvez seja a mais árdua. No entanto, quando o aprendiz tem consciência de que seu texto vai circular além dos quatro muros da escola, a revisão passa a ser uma meta prioritária.

Bibliografia

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 280-326.

DIONÍSIO, Ângela. MACHADO, A.R. BEZERRA, Maria Auxiliadora. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

SANTOS, Terezinha Maria Barroso. Práticas de leitura em sala de aula. Juiz de Fora: Lame/Nupel/UFJF, 2000.

SCHNEUWLY, Bernard e DOLZ, Joaquim: Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, nº 11, p. 5-15, mai/jun/jul/agos 1999.

SUASSUNA, Lívia. Produção de textos escritos: Tendências e desafios do ensino. Revista Pedagógica, v. 4, n. 24, p. 31-35, nov/dez 1998.

VAL, Maria das Graças Costa. O que é produção de texto na escola? Revista Presença Pedagógica, v. 4, n. 20, p. 83-85, mar/abr. 1998)