LEXICOLOGIA: Aspectos relevantes

Maria Helena Carvalho da Silva (UCB)

 

Inicialmente, considere-se a definição de J. Mattoso Câmara Jr. sobre a etimologia:

Disciplina lingüística que nos dá os métodos para descobrir os étimos dos vocábulos primitivos de uma língua. Essa pesquisa apoia-se: a) no conhecimento das mudanças fonéticas sistemáticas; b) na possível ação da analogia; c) no exame das formas anteriores documentadas; d) nas informações históricas. (1)

Reflexão antiga e medieval sobre a palavra se caracterizou pela resistência em considerar o aspecto físico da língua. Quando os estudiosos investiram na pesquisa da verdadeira natureza de uma palavra, não iam buscar sua forma original, mas seu significado próprio.

O estudo da origem e desenvolvimento das palavras teve início com a especulação de certos filósofos do quinto século antes de Cristo. Eles sabiam distinguir o estudo da origem das palavras, etimologia propriamente dita e o estudo do que elas representam, mais ou menos o que é hoje a semântica.

O próprio nomeetimologia” refere-se a uma transcrição latina, de uma das formas do vocábulo grego “etumos”, significando “verdadeirooureal”.

Os etimólogos buscavam métodos para descobrirem os étimos dos vocábulos primitivos de uma língua. Esse étimo era o vocábulo latino, ou da outra origem, do qual se derivou uma certa palavra portuguesa primitiva. O étimopróximo” provinha de um vocábulo português; o étimo remoto podia ser uma forma originária de uma língua românica ou de um antigo latim. Às vezes se chegava a um étimo de cuja existência não se tem nenhum testemunho ou documentação, diz-se então, que é um étimo teórico ou uma forma hipotética.

Para exemplificar essa abordagem foram escolhidas as palavras moeda e dinheiro, pois as mesmas designam coisas sinônimas, apresentam desde a Antigüidade representações diversas, com um valor histórico de suma importância no processo econômico- cultural. Essescorpus” passaram por inúmeras transformações fonéticas.

De acordo com Francisco Torrinha(1945)

monēta, ae,f. moeda. Que significa peça metálica, em geral circular, cunhada por autoridade soberana.”

Dēnārius ( subent. nummus), Ǐ Ī, m. 1-Denário(moeda, que primeiramente valia dez asses e mais tarde dezesseis asses); asses, moeda de cobre: dinheiro, Denarius,a,um; adj.: De dez; que contém o número Dez.

no século XIX, os lingüistas realizaram sua investigação científica em base mais sólida por meio do método comparativo. A lingüística histórica passa a dar maior atenção às mudanças nos sistemas fonéticos das línguas. Foram detectadas algumas alterações comuns, sobretudo a assimilação e a dissimilação entre outros aspectos.

Assim um lingüista ao considerar para análise os corpusmoeda e dinheiroobserva que em ambas modificações ocorreram desde sua origem.

Na palavra moeda tem-se: moeda < moneta < monētam < mŏnetam- forma erudita ou semi-erudita; “monētam” “e” tônico do latim vulgar / sílaba terminada em “a” tornou-se “e”; “mŏnetam” “o” pretônico do latim vulgar, transformou em hiato com “e” tornou-se “o” [u]; ocorreu “m” inicial do latim clássico mudou em português “m”.

Em dinheiro: Dinheiro < dieiro < deeiro < denarĭum... Ocorreu o desenvolvimento de uma consoante nasal palatizada acrescida entre “e” e “e” tônicos; seguiu-se uma dissimilação do “ee”.[1]

Hoje o trabalho do etimólogo é relacionar palavras de um estado da língua sincronicamente descritível à palavras anteriores da mesma[2] língua ou de outra que, por sua vez, derivam de outras mais antigas. Contudo alguns fatores podem obscurecer a relação entre a origem da palavra e seu significado.

Outro aspecto relevante é considerar que toda a pesquisa que se pretenda realizar sobre a língua, não poderá deixar de considerar as grandes transformações sociais, o contexto sociocultural, o momento histórico.

É através do léxico que são percebidas as mudanças sociais de uma comunidade, pois é a parte menos conservadora de uma língua. Certos vocábulos surgem e desaparecem, num reflexo contínuo e natural, caracterizando esse fato. No momento atual, as diferenças socioeconômicas vêm revelando uma crescente valorização da classe popular, seja em virtude dos processos de democratização como o fácil acesso à escola ou devido à popularização dos meios de comunicação, ocorrendo um processo de uniformização cultural através da mídia.

Do ponto de vista lingüístico, a cultura de massa incide diretamente sobre a linguagem. Novelas, noticiários, programas cômicos e científicos, legenda de filmes, propagandas, jornais, revistas, informática e outros objetivam atingir o receptor padrão, sempre que possível, de uma maneira semelhante, criando temas acessíveis a todas as classes sociais, dentro dos seus interesses mais imediatos, ligados à realidade.

Daí o processo de uniformização cultural e, por conseqüência, lingüístico. As informações recebidas por falantes apresentam uma mixagem de hábitos orais e escritos atenta às alterações constantes, “à moda lingüística,” `a maneira mais original ou expressiva de dizer as coisas. O usuário da língua depara-se com o léxico mais voltado para a linguagem popular que assim, ganha um prestígio social.

Nesse contexto, surge a gíria com seu artesanato lingüístico, como poderoso elemento significativo, com o propósito de transmitir o sentimento de rebeldia, insatisfação, agressividade, não raro com humor e ironia, constituindo um vocabulário em constante e veloz transformação.

A gíria “depende muito mais de condições dentro das quais a mensagem é transmitida, de dados como a personalidade, as intenções e a situação do falante que a emprega do que o fato de pertencer a um grupo social determinado” (2)

Esse modismo lingüístico é mais do que uma resultante da dialetologia, tornou-se linguagem universal encontrada em todos o níveis da sociedade, principalmente aqueles pouco afeitos ao estudo do idioma pátrio.

O léxico da gíria enriquece a língua, costuma-se dizer que cada época tem seu modismo, apesar de se encontrarem algumas referências resistentes ao tempo sendo, até mesmo, absorvidas pela língua. Mas não se pode esquecer que seu uso exagerado empobrece essa mesma língua por apresentar um equipamento falado, portanto ágrafo.

Segundo Francisco da Silva Borba(1973),

O vocabulário das gírias pode resultar de especializações do vocabulário da língua corrente, uso da metáfora e da metonímia, uso do estrangeirismo, uso do arcaísmo, deformação do aspecto exterior da palavra, uso de onomatopéias.

A gíria é considerada um fenômeno lingüístico que paralelamente aos dialetos apresenta uma forma típica de significação. Apresenta um mecanismo de criação de novas palavras, muitas vezes sem nenhuma comprovação específica. A fonética se articula com a morfologia, observa-se que a produção, emissão e atribuição de significados aos sons se processa sobre raízes, prefixos, sufixos e desinências. Essa manifestação atribui a palavras existentes valores semânticos especiais.

Considerando a palavra pesquisada “dinheiro”, encontra-se em seu elencar aspectos que merecem atenção quanto ao surgimento de algumas gírias:

 

Elevado Número de Sinônimos

Dinheirocomoabobrinha”, “barão”, “bolada”, “cabedal”, “caixinha”, “carvão”, “erva”, “gaita”, “ grilo”, “grude”, “mango”, “merreca”, “nota”, “prata”, “quebrados”, “tostão”, “verba” e outros.

 

Metáfora

Tropo que consiste na transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa.

Chamar dinheiro de “abobrinha”, “cacau”, “capim”, “cominho”, “legume”, “milho” é metaforiar designações do reino dos vegetais, por isso seres vivos com traço animado. emtubos”, bala”, “gaita”, “tacho” há uma relação de contiguidade através de palavras que nomeiam coisas materiais, consequentemente inanimadas.

 

Metonínia

Termo designativo de outro objeto que tem com o primeiro uma relação de causa e efeito.

Quando dinheiro é chamado pelos nomesprata”, “ouro”, “cobre”, “níquel”, essas analogias enfatizam a metonímia que estabelece a conexão entre a matéria e o objeto em si. Também há uma relação de proximidade no emprego das lexias “nota” e “tostão”. “Notapor se referir, popularmente, à cédula do dinheiro( papel-moeda) que imita as notas de emissão, oficial (nota fiscal, nota promissória, nota marginal entre outros) e “tostãopor representar o dinheiro em forma de moeda de níquel ( elemento metálico branco-prateado, usado na cunhagem).

 

Onomatopéia

Palavra cuja a pronúncia imita o som natural da coisa significada.

Para dinheiro a gíria “dindim” representa um processo onomatopaico. Isto advém do som produzido pelo ruído da moeda ao haver um atrito entre ele e a “lata”( espécie de cofre) que a contém. As palavra “pilim” e “pilimpilim” também revelam ruídos relativos à moeda em movimento deslizante sobre alguma superfície.

 

Indigenismo

Apresenta lexias oriundas do vocabulário da cultura indígena.

As palavras empregadas como gírias para dinheiro perderam seu significado primitivo.

Assim “acué” ( tribo indígena); “bererê “(como os índios chamavam o acará da amazônia); “pororó” (conversa mole); “jiripoca” ( arrebentar) , “pororoca”(do tupi estrondar) evidenciam esse aspecto .

 

Brasileirismo

Dinheiro neste ponto de vista tem a possibilidade de agrupar expressões( gírias) que enumeram coisas próprias do Brasil como: “arara”( ave da família dos Psitacídeos, de cauda longa encontrada em quase todo território brasileiro), “cacau”( fruto ovóide do cacaueiro que contém amêndoas empregadas no fabrico do chocolate e da manteiga de cacau); “ticotico”( ave que é amplamente encontrada pela América do Sul); “caraminguá “ objeto de pouco valor, dinheiro miúdo); “tutu”( feijão cozido, refogado e misturado com farinha; alimentação dos escravos); “jeripoca”( peixe de couro de cor negra dos rios brasileiros); “couro-de- gato e outr

 

Caipirismo

Maneira própria de um caipira se referir a dinheiro.

São empregadas as gírias: “jabá”; ”jabazinho”, “jabaculê” (são referências a um elemento típico , a carne seca, usada predominantemente no nordeste do país.); “grilo” ( tipo de inseto ortóptero, de coloração geralmente parda ou escuro, com membros posteriores muito grossos, apropriados para o salto, que tem se habitat nas matas); “gaita”( instrumento de sopro com vários orifícios, que se toca fazendo-o correr entre os lábios, instrumento que se destaca na região rural); “capim” (denominação de plantas gramíneas); “ joça” ( coisa insignificante, de pouco valor); “cascaio”(modo caipira de se dizercascalho”).

 

Africanismo

Palavras oriundas de algumas tribos africanas.

Vêm do quimbundo “jimbra”; “jimbo”, “jilongo”, “jibungo” como gírias para o dinheiro.

 

Palavras Compostas

Aquelas que apresentam mais de um radical podendo aparecer juntas ou separadas e formadas por elementos distintos, compostos ou não; com repetição dos elementos. Como fato tem-se as gírias para o dinheiro: “calaboca”( dois radicais diferentes que deveriam ser grafados em sílabas disjuntas). “ticotico” (repetição de radicais iguais). Ainda vêem-se os mesmos aspectos em “!parneparnê”, “mola real”, “mangalote”, “faz-me-rir”, “couro de gato”, “meio careca”(nota antiga de quinhentos cruzeiros)

 

Metaplasmos

Designação comum a todas as figuras que acrescentam, suprimem, permutam ou transpõem fonemas nas palavras.

Como exemplos, “gruja” ou “gurja” que advém da palavragorjeta” (dinheiro com que se gratifica um pequeno serviço); “merréis”( da expressão antigamil réis”, nome do dinheiro por muitas décadas); “adianto” ( uma derivação regressiva do verboadiantar”);”cantante”, “barós”, “corós” (de cruzeiro), “cruza”( de cruzado ),”milha”(de milhão), “gadé” e outras que apresentam regressão e mudança fonética de um étimo.

 

Derivação Sufixal

A palavra nova é obtida pela anexação de um afixo à palavra primitiva. Esse acréscimo é um sufixo. Na gíria paradinheiro com essas características acha-se “abobrinha” (do substantivo abóbora), “bagalhoça”( de bago+alho+oça), “bagarote”(gíria para nota ou moeda de mil-réis), “cascalho”( casca+alho, aluviões auríferas ou diamantíferas), “milhanço”, “granolina”, “caixinhaentre outras.

 

Estrangeirismo

Emprego de uma palavra, expressão ou estrutura de outra língua para exprimir uma gíria do dinheiro . Depara-se com algumas formas como “rachid”, “móni”(do inglês money, significando dinheiro) e mais recentemente o termo “cash”( do inglêsdinheiro à vista” no ato de pagar ou receber).

 

Iconografia

Designação através da imagem estampada na cédula do dinheiro.

Chamar-se dinheiro de “arara”(cédula de dez reais), “mico”(cédula de cem reais), “onça”( cinqüenta reais), “beija-flor”( um real), “barão”( Barão do Rio Branco, mil cruzeiros), “Tiradentes”, “Santos Dumont”, “Cabral” entre várias, é relacionar a estampa, o símbolo, à coisa representada.

Na linguagem popular, intensamente jocosa, Dinheiro é chamado de:

Abobrinha, acué, adianto, agrado, algum, arame, arara, baba, bagalhoça, bagarote, bago, bagulho, baguines, bala, baranga, barão, barós, barro, bazaruco, bererê, bilhestre, bola, bolada, bomba, brocha, bronze, bufunfa, burzilhão, cabedal, cacau, caixinha, cachorro, calaboca, calique, cantante, capilé capim, caraminguá, carcanhóis, caroço, carolo, carvão, cascaio, cascalho, cash, changa, chapa, chavo, chelpa,cheta, china, chinfre, cobre, cominho, conques, corós, contos, coscos, coscorinhos, contado, cunfres, cunques, cuprém, dindim, duque, erva, estaleca, estilha, facho, falépia, farpela, faz-me-rir, felpa, felebê, ferros,fio, fundos,gadé, gaita, gaitolina, gás, gimbo, galo, ganhapão, grana, granolina, grilo, grude, gruja, guilhes, guino, guita, gurja, jabá, jabaculê, jabazinho, jeripoca, jibungo, jimba, jimbo, jimbongo, jiripoca, joão-da cruz, , legume, lençol, luz, maçaroca,maco, mago, mangos, mangalote, maquia, massa, meio careca, merreca, merréis, metálico, migalha, mijones, milha, milhafre, milhanço, milho, miúdo, mola real, móni, mosca, mufunfa, música, naita, nicolau, níquel, nota, numo, óleo, onça, ouro, pacotes, painço, pápula, parneparnê,parni, parrolo, pasta, paus, pecúnia, pedágio, peefe, pelga, penique, pichulé, pila, pilcha, pilim, pilimpilim, pixo, pixolé, pororó, pororoca, prata, quebrados, quido, quina, quintuques, quirera, rachid, rachuncho, roço, saco, sapécoas, siris, sonante, taco, tacho, teca, ticotico, tostão, tubos, tucum, tusta, tutu, trocados, unto, ventarola, vento, verba, verde, verdinha, vintém, xartante, zergulho, zinco e outras.

 

Conclusão

Este artigo enfatizou aspectos relevantes dos estudos lingüísticos. Um, a etimologia que busca explicar a origem da palavra considerando sua relação semântica , o outro uma pequenaviagem pelo vasto campo da dialetologia, onde se evidenciou as inúmeras gírias e expressões afins para a palavra dinheiro. Essas surgiram de deformações de significantes da linguagem usual ; observou-se que o distanciamento de sua etimologia e a ocorrência de vários fenômenos lingüísticos ocasionaram conotações estapafúrdias, que compõem o mais expressivo segmento artesanal da Língua Portuguesa.

“O léxico de qualquer língua constitui um vasto universo de limites imprecisos e indefinidos”(Maria Teresa Biderman,1978).


 

[1] CÂMARA JR.,J. Mattoso. Dicionário de Filologia e Gramática.R.J., 4ª edição,s/d, J.

OZON Editor.

[2] Artigo de Denize François, “Les Argots”, in André Martinet (org.). Le Langage. 1968.