LEXICOLOGIA: RELAÇÕES FUNCIONAIS NO DISCURSO

Maria Antonia da Costa Lobo
(UFRJ, UCB, UniverCidade)

Para efeito de comunicação, a linguagem mecanicamente estruturada se fundamente em dois aspectos: a seleção lexical e a constituição de enunciados.

No primeiro caso, é possível afirmar que a função básica das palavras é a de nomear ou de até categorizar; no segundo, por parte de um enunciador, a respectiva função básica estaria na referência a seres, estados, situações (contextualizadas, evidentemente) no estabelecimento de relações entre este(a)s último(a)s e o outro (receptor/destinatário) ao qual seria endereçada uma mensagem.

Considerando-se que o ponto de partida para a construção de enunciados está na base de determinadas regras de estruturação, deve-se levar em conta que uma das funções da seleção lexical é a adequar-se a idéia contida em um item lexical às respectivas necessidades de respeito à idéia, no instante da construção desse enunciado.

Assim, a seleção lexical deve ter por finalidade uma organização com base em princípios lingüísticos, os quais são responsáveis pela constituição que se espera que um enunciado denote.

Por sua vez, as relações entre estruturas enunciativas devem ser definidas em termos de relações entre proposições, em função da estratégia discursiva definida em termos de objetivos do enunciador.

Corroborando VAN DIJK:

O discurso não é simplesmente uma representação dos fatos mostrados; ele deve também respeitar vários condicionamentos para processar informação, a partir de um ponto de vista tanto cognitivo como interacional ou social.

 

A funcionalidade inferencial

Consiste em preencher lacunas e descontinuidades no sentido da resolução de problemas relativos à continuidade de sentido.

A inferência é uma operação cognitiva que permite ao receptor (e/ou destinatário) construir outras proposições, passando do explícito ao implícito para chegar ao subentendido.

Está ele presente nos mais variados contextos e um anúncio referente a consumo alimentar bem reflete a necessidade de recorrência a inferências para que a mensagem contida nesse anúncio possa ser captada:

Ceja Bem vindo E

Esperimente a linguiça.

Batata 4.00

Sebola. 1.50

Méu 4.00

Melansia 3.00

La Ranja 3.00

Mocotó

Faive

Estar

Todos

sabado

Com

muito

amor

(Jornal do Brasil. Domingo, 08 de agosto de 2004 )

Nesse caso se está diante de uma informação ativada e recuperada, passando antes pela seguintes indagações: qual é a natureza exata de modelo de contexto o qual o usuário da língua portuguesa deve conhecer a respeito da situação comunicativa, para identificá-la e para participar da mesma? Quais os recursos de sinalização para o distanciamento ou a eliminação da inferência?

Em uma primeira análise, o modelo ortográfico:

Ceja > Seja

Esperimente > experimente

Linguiça > lingüiça

Sebola > cebola

Méu > mel

Melansia > melancia

La Ranja > laranja.

No caso, cabe destaque ao item méu, pois, na pronúncia de um carioca, graficamente se encontra um registro fonético/fonológico.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, certamente esse registro na ocorreria.

Na terceira parte do anúncio, na qual aparece: todos sabado, uma dúvida permanece: haveria um sinal gráfico (vírgula) após o item todos, que, então, funcionaria como vocativo, ou faltou a marca gráfica (S) de plural no item sabado no estabelecimento da relação com o item todos?

O usuário da língua segue passos interpretativos, decodificadores, finalisticamente orientados. Serve-se de pequenos (re)cortes ou de acréscimos complementares para chegar à informação completa, a partir de uma outra incompleta.

Essa relação inferencial está presente em várias áreas do conhecimento.

No setor econômico, exemplos são múltiplos:

Menos impostos, mais créditos.

Fazenda estuda redução de carga tributária de bancos em troca de queda de taxas, mas Receita resiste.

(Jornal do Brasil, 19/08/2004 - Caderno Economia & Negócios)

O processamento cognitivo da informação tem, antes de tudo, um caráter estratégico.

Uma análise de base semântica e, por conseguinte, pragmática pode exigir uma análise retórica no sentido estrito.

Em verdade, a indicação mais créditos deve ser entendida como a redução de impostos que incidem sobre o crédito (IOF) e a intermediação financeira (PIS, COFINS, CPMF) e mais: a conversão de IOF em imposto regulatório e não arrecadatório, conforme acontece atualmente.

No caso dos itens Fazenda e Receita, constata-se um uso lingüístico generalizador excessivo para ocultar a prática de ações por processos, cujos nomes são mantidos em sigilo. Essa ocultação parece prática regular e habitual, no que concerne a certos órgãos, como em Atenciosamente DELEGADO DA RECEITA FEDERAL - recurso ao cargo, ao invés de um antropônimo. A denominação por setores ou órgãos desempenha papel interacional fundamental na preservação de estratégias globais de auto-representação.

A função semântica de uma generalização pode apresentar informação não específica de um episódio individual, mas de episódios (práticas) coletivo(a)s. Logo, um agente de uma proposição é o agente de uma ação denotada pela proposição.

A funcionalidade pré-suposicional:
o recurso a outro código

Um enunciado deve fornecer a informação ou elementos que permitam a depreensão da mesma a respeito da possível ordenação (condicional ou temporal) dos fatos ou das ocorrências implicadas e até mesmo nem expressas, às vezes, no enunciado.

Um enunciado é, sem dúvida, controlado por um contexto local ou global, contendo parâmetros relevantes e pertinentes da interação comunicativa e desse contexto que é também social.

Assim, na Revista VARIG (nov. 98), intitulada Smiles no Ar (p. 14/15), se encontra:

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E a ressalva: Estes benefícios são válidos até 31/12/98 e estão sujeitos à disponibilidade.

Outra observação necessária à análise semântica é o fato de que a proposição não é estritamente completa, por serem usados dois códigos: a Língua Portuguesa e a Língua Inglesa.

Embora estados e ações reportados sejam aparentemente detalhados, o enunciador normalmente deixa de fora muitos componentes lingüísticos intermediários (de fatos, de ações), os quais dependem de conhecimento de mundo (Língua Inglesa), por parte do receptor.

Considerando-se o conhecimento de mundo, então os esclarecimentos discursivos não precisam ser completos, nem declaradamente enunciados para serem condicionalmente e até decodificados. Os elos podem ser reconstruídos quer formal, quer cognitivamente, a partir de proposições - pressupostamente, um cliente VARIG fala Inglês.

Até mesmo na área bancária, fato semelhante é verificado através de registro jornalístico: Spread Bancário (Caderno Economia & Negócios - Jornal do Brasil - 19/08/04).

Afinal de contas, o receptor deve saber que SPREAD é a diferença entre o que os bancos pagam para captar recursos e as taxas que cobram dos clientes, pois é preciso alavancar a expansão do crédito.

CONCLUSÃO

Enunciados subseqüentes podem generalizar, especificar, corrigir, contradizer e até explicar enunciados anteriores.

A coerência semântica passa a existir através de: proposições denotadoras de enunciados, contendo, por exemplo, fatos relatados, ações mostradas condicionalmente; especificações funcionais de itens lexicais; e de proposições explícitas e implícitas que reavivem o conhecimento do enunciado a respeito do item envolvido ou implicado.

O significado de um enunciado estruturado deve ser considerado com base no significado dos itens lexicais que o compõem.

Conforme Van Dijk:

Necessitamos de análise conceitual, formulação teórica, testagem experimental ou observação sistemática adicionais, e estabelecimento de relações explícitas entre estruturas da língua, discurso, comunicação e interação social.