HIPOCORIZAÇÃO NO PORTUGUÊS
O PADRÃO DE CÓPIA
DOS SEGMENTOS À ESQUERDA

Hayla Thami da Silva (UFRJ)
Carlos Alexandre Gonçalves (UFRJ)

Introdução

Neste artigo, analisamos o fenômeno da Hipocorização em português, mais especificamente o tipo (B), descrito por Gonçalves (2004), que consiste na cópia dos segmentos melódicos do antropônimo da esquerda para a direita como, por exemplo, em ‘Gabi’ (‘Gabriela’) e ‘Rafa’ (‘Rafael’).

A análise se baseia na Teoria da Otimalidade, modelo paralelista que se fundamenta na escolha de um output ótimo a partir de uma hierarquização de restrições. O objetivo primeiro do trabalho é verificar o papel das restrições na avaliação das formas resultantes do processo abordado. Por isso, com base nos dados rastreados a partir do Dicionário de Hipocorísticos de Monteiro (1999), disponível em www.geocities.com/Paris/cathedral/1036, foram elaborados e aplicados testes a informantes de ambos os sexos, com idade de sete a mais de quarenta e cinco anos e escolaridade variada, a fim de se chegar aos padrões estruturais responsáveis pela formação de hipocorísticos.

O principal propósito do artigo é investigar se as restrições reguladoras de tamanho, na Hipocorização, são as mais altas na hierarquia, ou seja, se superam as de marcação, de sílaba e de fidelidade, já que os hipocorísticos constituem palavra mínima e, por isso mesmo, não apresentam mais de duas sílabas.

A Teoria da Otimalidade (OT)

O trabalho se baseia na Teoria da Correspondência (McCarthy & Prince, 1995), versão mais recente da OT, que amplia as restrições de fidelidade para vários domínios lingüísticos que envolvam relações entre formas. Como o processo de formação ora investigado atua na interface da Morfologia com a Fonologia, a Teoria da Correspondência se justifica como a versão otimalista mais adequada ao exame dos dados.

Restrições

No âmbito da Teoria da Correspondência, as restrições regularam e analisam os candidatos gerados por GEN a partir do grau de semelhança entre eles o input, que, no nosso caso, vem a ser o antropônimo. As restrições são posteriormente hierarquizadas, ou seja, propõe-se uma ordem que reflita generalizações do fenômeno estudado: o padrão de cópia dos segmentos da esquerda para a direita do antropônimo (Gonçalves, 2004), como se vê nos dados abaixo:

(A) (B) (C) (D)
Rafael >> ‘Rafa’ Alessandra >> ‘Alê’ Catielen >> ‘Cat(i)’ Cristina >> ‘Cris’
Filomena >> ‘Filó’ Itamar >> ‘Ita’ Natália >> ‘Nat(i)’ Cleonice >> ‘Cléo’
Manuela >> ‘Manú’ Adelaine >> ‘Adê’ Edvanildo >> ‘Ed(i)’ Francine >> ‘Fran’
Gabriela >> ‘Gabi’   Péterson >> ‘Pet(i)’  
Mariana >> ‘Mari’      

Pelos dados, percebe-se que o hipocorístico não apresenta mais de duas sílabas, o que confirma a hipótese de Gonçalves (2004) de que o fenômeno realmente forma palavras mínimas na língua. Em (B), nota-se a existência de formas que, para garantir maior fidelidade input-output, não apresentam onset, ou seja, o ataque silábico. Em (C), para evitar que a posição de coda seja ocupada por consoantes oclusivas, ocorre inserção de [i], que é a vogal epentética por excelência do português, o que garantirá a formação da estrutura CV.CV. Por fim, em (D), aparece a estrutura CCVC, visto a necessidade de respeitar o alinhamento fiel entre a margem esquerda do antropônimo e a do hipocorístico.

Para dar conta desse fenômeno com os instrumentos da OT, são necessárias as restrições formuladas a seguir:

I) Restrição de licenciamento de categorias prosódicas

ANALISE-s: é uma restrição reguladora de tamanho. Seu objetivo é integrar sílabas a pés. Infrações ocorrem aparecem, no output, sílabas desgarradas, isto é, quando sílabas não são vinculadas a pés.

II) Restrições de alinhamento

TODO-PÉ(D): restrição de alinhamento de categorias prosódicas. A categoria de nível mais baixo, que é o pé, deve ser alinhada à direita da categoria mais alta - a palavra prosódica. Um candidato infringe essa restrição quando possui dois pés e a satisfaz quando possui duas ou três sílabas, desde que, nessa última situação (três sílabas) uma delas não seja integrada (estrutura [s(ss)], em que os parênteses indicam pés e os colchetes, palavra prosódica)\parALIN(H)esq,(A)esq: restrição de alinhamento, cujo objetivo é nivelar a margem esquerda do antropônimo (A) com a margem esquerda do hipocorístico (H). Essa restrição é violada quando os segmentos esquerdos de (H) e (A) não equivalerem, isto é, não se encontrarem numa perfeita situação de nivelamento na margem esquerda.

III) Restrição quanto à formação de palavras

NÃO-HOMONÍMIA: restrição quanto à formação de palavras já existentes na língua. É violada a partir do momento em que o output constitui palavra já existente na língua (bloqueio).

IV) Restrições quanto à forma silábica

ONSET: restrição que avalia a existência da posição de ataque na sílaba. É violada se o candidato não apresentar um segmento nessa posição;

*COMPLEX: são proibidos onsets constituídos de dois segmentos. Tal restrição será violada sempre que o hipocorístico apresentar estrutura CCV;

CODA-COND [+contínua]: restrição que limita a existência da posição de CODA, ou seja, se essa posição for ocupada por uma consoante oclusiva, cujo traço é [- contínuo], há infração dessa restrição; são permitidas codas preenchidas somente por vogais, soantes e sibilantes.

V) Restrições de fidelidade

MAX-IO: restrição anti-apagamento. É infringida sempre que são apagados segmentos do input (antropônimo), na formação do output (hipocorístico);

DEP-IO: restrição que proíbe a inserção de segmentos no output, não pertencentes ao input (anti-epêntese).

Propomos a seguinte hierarquia de restrições:

ANALISE-s , TODO-PÉ(D) >> ALIN(H)esq,(A)esq >> NÃO-HOMONÍMIA >> ONSET >> *COMPLEX >> CODA-COND [+contínua] >> MAX-IO >> DEP-IO.

As primeiras restrições ranqueadas atuam em conjunto, não havendo, entre elas, relação de dominância. A primeira obriga a formação de pés e, assim, exclui sílabas desgarradas. Já a segunda atua de maneira a obrigar o alinhamento dos pés à direita da palavra prosódica e, dessa forma, elimina candidatos com mais de um pé na sua estruturação. O objetivo comum dessas restrições é limitar o tamanho do hipocorístico, visto que sua característica principal é a formação de uma palavra mínima.

A restrição seguinte, ALINH, está subordinada às primeiras, tendo por função principal a cópia dos segmentos melódicos do antropônimo da esquerda para a direita e, portanto, limita outro padrão de cópia; daí a necessidade de estar bem cotada na hierarquia.

Posteriormente, temos a restrição morfológica (NÃO-HOM), que elimina a possibilidade de o hipocorístico equivaler a outra palavra já existente na língua, sendo, então, fundamental para que haja o rastreamento do antropônimo a partir de sua forma reduzida.

As restrições seguintes prevêem uma estrutura silábica padrão. No entanto, encontram-se subordinadas às quatro primeiras, pois é mais importante que seja respeitado, durante o processo de redução, um alinhamento perfeito e não formador de palavras homônimas que um padrão silábico não-marcado, como pode ser comprovado a partir de exemplos como ‘Cris’ (Cristina), que apresenta complexidade no onset, e ‘Alê’ (Alessandra), que não apresenta a posição de ataque silábico.

As restrições que ocupam as últimas posições do ranking equivalem às de fidelidade, já que sempre é necessário que haja algum tipo de perda, o que acarreta a violação de MAX. Além disso, algumas vezes, é necessário que haja alguma inserção, o que infringe DEP, porém esse fato ocorre para que seja atendida a condição de coda e, também, para garantir a formação do padrão CV.CV em casos como ‘Peti’ (Peterson). Cabe destacar, entretanto, que apesar de MAX estar ranqueada na penúltima posição, muitas vezes servirá como definidora do candidato ótimo, o que comprova que há perdas, mas essas devem existir minimamente para que o antropônimo seja mais bem rastreado a partir de seu hipocorístico.

Hipocorização

O processo não-concatenativo ora analisado equivale ao encurtamento de antropônimos; logo, formas totalmente fiéis ao input, isto é, sem nenhuma perda, não são hipocorísticas. Alguns autores, como Benua (1995), consideram esse processo uma forma de Truncamento, visto a necessidade de se perderem segmentos. Cabe destacar, contudo, que Gonçalves (2004) considera, pois, que Truncamento e Hipocorização são processos distintos, este último limitado à redução de nomes próprios. O hipocorístico constitui palavra mínima e, portanto, as restrições de tamanho devem ser consideradas as mais altas da hierarquia.

Há quatro tipos de hipocorização, descritos por Gonçalves (2004): (a) a cópia dos segmentos do input para o output da direita para a esquerda, como em ‘Chico’ (Francisco); (b) a cópia de segmentos da esquerda para a direita, caso que constitui objeto de estudo deste trabalho, como, por exemplo ‘Rafa’ (Rafael); (c) reduplicação da sílaba tônica, como em ‘Dedé’ (André) e (d) reduplicação da primeira sílaba, ‘Cacá’ (Carlos).

O tipo (b), no qual nos deteremos neste artigo, consiste na cópia dos segmentos melódicos do antropônimo (A) da esquerda para a direita. Esse processo origina como outputs formas de até um pé binário. Os padrões silábicos podem ser CV.CV (pé dissilábico), como em ‘Gabi’ (Gabriela); CVC, como em ‘Lis’ (Lislene); e CVC.CC (pé trocaico-dissilábico) como em ‘Monti’ (Montigomery).

Cabe acrescentar, no entanto, que formas como ‘Ta’ (possibilidade de output para ‘Tatiana’, por exemplo) apresentam um pé, visto que, segundo Bisol (1992), em um processo derivacional, a palavra mínima ‘Ta’ formaria a estrutura ‘Tazinha’, por exemplo; logo, existe uma consoante abstrata que garante o peso silábico e, por conseguinte, a formação de um pé bimoraico.

Corpus e validação dos dados

Para validar as análises sobre a hipocorização, foram elaborados testes, num total de dois, compostos por quatro questões: a primeira tinha como objetivo detectar se os padrões apresentados eram, de fato, utilizados pelos falantes; logo, apresentava-se o nome próprio e solicitava-se o hipocorístico correspondente. A segunda questão privilegiou a recuperação do antropônimo a partir de sua forma reduzida; na terceira, havia nomes próprios e opções de formas hipocorizadas, tendo o informante que marcar aquela(s) que mais lhe parecesse(m) usual(is); por fim, a quarta, teve como finalidade “forçar” a hipocorização em nomes de duas sílabas, visto que dados com esse perfil não se mostram passíveis de redução, como ‘Hugo’ e ‘Uriel’, por exemplo.

Supondo-se que os resultados englobem variações determinadas por sexo, idade e escolaridade, de cada dez testes cinco foram respondidos por homens e cinco por mulheres, que, por sua vez, distribuíram-se em faixas etárias que partiam de sete a mais de quarenta e cinco anos. Quanto à escolaridade, houve uma flexibilização maior, mas cabe destacar que todos os informantes eram alfabetizados e variavam da primeira série do ensino fundamental até o ensino superior. Após aplicados os testes, elaboraram-se tabelas de tendências, cujas funções foram as seguintes:

propor candidatos com base em critérios objetivos;

detectar padrões de uso, ou seja, verificar qual das formas propostas sobressaía em relação às demais; logo, seria o output ótimo;

analisar se os padrões apresentados nos testes equivalem aos obtidos na coleta de dados;

apontar variáveis, ou seja, verificar o surgimento de outros candidatos que poderão acarretar a existência de um output ótimo e outro sub-ótimo, por exemplo. Nesse caso específico, haverá necessidade de trabalhar com restrições flutuantes - expostas em mais de um lugar no tableau, e rankeamento parcial, isto é, a ordem hierárquica passa a não ser fixa.

Análise de casos

Por limitações de espaço, analisamos dois dados referentes ao fenômeno abordado neste trabalho. Em primeiro lugar, apresentamos uma forma mais regular, isto é, um hipocorístico que se caracteriza pelo padrão mais geral: o constituído pela estrutura CV.CV, como em ‘Gabi’ (Gabriela). Em seguida, verificamos um caso com inserção de vogal epentética ([i]) para garantir a formação da estrutura CV.CV, como em ‘Nat[i]’ (Natália). Há, nesse padrão de Hipocorização, no entanto, mais dois casos: um primeiro com uma estrutura sem a posição de ataque silábico - ‘Ita’ (Itamar); logo, a estrutura apresentada será V.CV; e outro com onset complexo e preenchimento da posição de coda, como em ‘Fran’ (Francine).

Gabi’

/Gabriela/ + HIPOCOR AN TD PÉ ALIN NÃO- HOM ON- SET *COM PLEX CODA COND MAX DEP
a) [(Ga(C))]             *! ******  
b) [(Ga.bri)]           *!   ***  
c) [(E.la)]     *!**** * *     *****  
d) [(Le.la)]     *!*****         ***** *
e) [(Gab)]             *! *****  
f) [(Ga.bi)]               ****  
g) [Bri(e.la)] *!   **   * *   **  

Dentre os candidatos, o primeiro a ser eliminado da disputa é (g), que possui uma sílaba não integrada a um pé (‘bri’); logo, infringe ANALISE-s. Portanto, quanto ao tamanho, (g) não é formador de palavra mínima. Os candidatos (c) e (d) são eliminados pela restrição de alinhamento, ALIN, já que seus segmentos à esquerda não equivalem aos mesmos que estão à esquerda do antropônimo. O próximo candidato a output a ser descartado é (b), que não respeita a restrição *COMPLEX, uma que vez que apresenta onset constituído de dois segmentos (‘br’). Os candidatos (a) e (e) não respeitam a condição de coda, posto que o primeiro, nessa posição, apresenta o elemento (C), que, por sua vez, garante o peso silábico, mas não é licenciado; logo, não se sabe se esse respeita a condição de coda e, portanto, a infringe. O segundo apresenta uma consoante oclusiva como coda e, dessa forma, infringe a restrição que controla essa posição na estrutura da sílaba.

Assim, o output ótimo, isto é, o que, de fato, se realiza na língua, é o candidato (f) que infringe apenas a restrição de fidelidade, MAX. Cabe enfatizar que esse restritor, no processo de Hipocorização, é sempre violado para que se satisfaça a exigência de formar uma palavra mínima, como propõe Gonçalves (2004).

‘Nati’

/Natália/ + HIPOCOR AN TD PÉ ALIN NÃO- HOM ON- SET *COM PLEX CODA COND MAX DEP
a) [(Lia)]     *!***     *   ****  
b) [(Na.ta)]       *!       ***  
c) [(Na.li)]     *!*         ***  
d) [(Na.t(i))]E               **** *
e) [(Na(C)]             *! ******  
f) [(Nat)]             *! ****  
g) [Tá(li.a)] *!   **   *     **  

O primeiro candidato a ser eliminado da disputa é (g), que apresenta uma sílaba desgarrada, isto é, não formadora de pé. Posteriormente, os candidatos (a) e (c) são eliminados pela restrição de alinhamento (ALIN), visto que os segmentos à esquerda do hipocorístico não correspondem aos do antropônimo. O próximo candidato a ser eliminado é (b), pois coincide com uma palavra já existente na língua (‘nata’). Por fim, os candidatos (e) e (f) também serão eliminados: o primeiro porque se desconhece o componente formador da coda e o segundo, pelo fato de a posição de coda ser ocupada por uma consoante oclusiva. Dessa forma, o candidato vencedor é (d), pois infringe apenas as restrições de fidelidade, inclusive, DEP, para garantir formação de silabas com padrão CV. Logo, o output ótimo é o que equivale à grande maioria das respostas apresentadas pelos informantes dos testes.

Conclusão

Pode-se concluir, então, que as restrições de tamanho são as mais altas da hierarquia, seguidas pelas de alinhamento, sílaba e, por fim, de fidelidade. Outro fator relevante deve-se ao fato de que todas as restrições podem ser violadas para que aquelas que são as mais altas na hierarquia sejam atendidas. No entanto, cabe destacar, que as restrições de tamanho e alinhamento nunca são infringidas no padrão de Hipocorização analisado neste texto.

Referências Bibliográficas

BENUA, L. Identify effects in morphological truncation. In: BECKMAN, J. (ed.). Papers in Optimality Theory, 18 (1): 77-136, 1995.

BISOL, L. O acento e o pé binário. Letras de Hoje, 12 (1), 1992.

GONÇALVES, C. Processos morfológicos não-concatenativos: tipologia e funcionalidade. ALFA - Revista de Lingüística. Araraquara, 42 (1): 9-42, 2004.

McCARTHY, J. & PRINCE, A. Faithfulness and reduplicative identity. Rutgers: Rutgers University, 1995.

PRINCE, A & SMOLENSKY, A. Optimality Theory: constraints and interaction in Generative Grammar. Boulder: University of Colorado/Rutgers University, 1993.