RAUL BRANDÃO NUMA ENCRUZILHADA DE -ISMOS

Eloísa Porto Corrêa (UERJ)

A Farsa é uma narrativa povoada pelo patético e marcada pela tragicidade. Foi escrita em 1903, focalizando o Portugal da virada do século XIX para o XX, época de Simbolismo e de Decadentismo.

A obra reflete o desencanto corrente, o descrédito ao cientificismo, incapaz de dar conta de questões subjetivas, como a psique humana. Por outro lado, esse mesmo cientificismo é um “fato” inabalável, manifesto através dos avanços tecnológicos irreversíveis, difundidos entre o homem dessa época.

O Simbolismo bebe da fonte romântica, mas já não pode “se livrar” da ciência. Reconhece que a técnica não foi usada a serviço do bem comum, mas não consegue deixar de usá-la. É marcado pela dúvida, pelo relativismo, pelo hibridismo de gêneros, estilos e valores, por um pessimismo e um horror da realidade, que geram imobilidade, fuga para o sonho e adoração da morte.

A Farsa é iniciada com uma morte e encerrada com várias. Esta, a morte, aparece com múltiplos significados: como fim inexorável de todos os seres; como fonte de vida (uma vez que o ganha-pão do Anacleto é a venda de caixões); como salvação para o sofrimento ou como ritual de sua passagem para outros mundos transcendentes (no caso da cega); como prova da inutilidade da ação e da vida; entre tantas outras possibilidades.

Assim, a narrativa de Raul Brandão vai trilhando caminhos simbolistas, recheados de decadentismo e uma série de outros -ismos. Num formigueiro português marcado pelo Naturalismo, acaba descambando para o Existencialismo, revirando formigas pelo avesso, descortinando seus interiores e suas existências problemáticas diante das ”vistas” do leitor.

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