A Expressão do Gênero nos Substantivos

Herbert Elton de Figueiredo Nobre Alves (UERJ)

O gênero, como categoria gramatical, insatisfatoriamente descrito em nossas gramáticas tradicionais, segundo já afirmava Câmara Jr. em um de seus escritos, em 1972, constitui-se num objeto de estudos complexo, em especial, em relação ao substantivo. Isto se diz, particularmente, devido ao caráter imanente ou inerente do gênero que o substantivo em si concentra e de que se reveste. Não enxergar o valor ou o caráter próprio do gênero na constituição natural, digo, na perspectiva lexical do substantivo, é limitar-se ao que se diz por herança gramatical e por tradição, ao associar-se a noção de gênero à noção de sexo.

Sendo verdadeira a afirmação de que o gênero é uma categoria gramatical, torna-se aceitável a idéia de que o falante não o cria, simplesmente o utiliza, tendo-o já antecipadamente concebido, segundo um conhecimento adquirido de mundo, baseado em traços pragmáticos.

Se admitirmos a flexão de gênero como possível, seria de se esperar que houvesse um número majoritário de substantivos da nossa língua, o português, sujeitos a essa natureza de processo. Mas, ao contrário, a variação de gênero se apresenta como um processo assistemático e não obrigatório, no âmbito da sintaxe. Isso, porque somente aqueles que se referem a determinados seres animados, no que se vê uma relação entre sexo e gênero, podem receber o acréscimo de um elemento mórfico, semelhante ao que é, em geral, classificado como desinência de gênero feminino.

Poucos, entretanto, são os substantivos que se enquadram nesta situação. Apenas a título de ilustração e de ampliação do entendimento, diríamos que se enquadram nessa situação, 618 substantivos (Cf. BOTELHO, 2005: 17).

A confusão tem sua origem na flutuação dos substantivos, em determinadas sentenças, quando podem funcionar como adjetivos, ao lado do outro substantivo. Casualmente, assim, pode ser possível formar o feminino, com o uso do morfema “a”. Mas, isso se dá exatamente pelo fato do adjetivo ter que concordar com o núcleo substantivo a que se refere, por imposição gramatical, o que é impróprio do processo onde aparecem os adjetivos, pela própria natureza destes.

Ao usarmos um adjetivo na sentença, não é possível escolher seu gênero. Será obrigatoriamente feminino ou masculino, se for biforme, como fruto da relação direta com o núcleo substantivo a que se ligar. Se for uniforme, o adjetivo se mostrará invariável.

No caso dos substantivos não é assim. Pode-se escolher uma “forma” masculina ou feminina de uma mesma base (MENIN + A = menina; MENIN + O = menino) ou base masculina ou feminina (HOMEM / MULHER). Será masculino ou feminino, de acordo com a idéia que se deseja expressar. A escolha será anterior à estruturação frasal.

A “expressão” do gênero também se verifica nos casos em que se pode fazer uma relação entre sexo e gênero. Ou seja, como nos casos de substantivos do tipo sobrecomum, a testemunha, o cônjuge, a criança; ou mesmo, do tipo epiceno, como a cobra, a onça etc. Nestes casos, temos a possibilidade de pensar em gênero ligado a sexo, por pensarmos em homem / mulher; ou animal macho / fêmea.

Propostas didáticas
para a classificação de gênero dos substantivos

I – Não levando em conta a noção de sexo:

a) Substantivos de gênero pré-determinado, independente do contexto:

masculinos: os que recebem a antecipação do artigo “o” ou outro determinante.

Ex: mestre, menino, cantor, órfão, homem, cônjuge, planeta, cipó, vatapá.

femininos: os que recebem a antecipação do artigo “a” ou outro determinante.

Ex: aluna, professora, atriz, mulher, órfã, criança, condessa, pá, tribo, jarra.

b) Substantivos de gênero a ser determinado lexicalmente e dependentes do contexto.

Ex: o/a artista, o/a estudante, o/a mártir, o/a consorte, o/a colega.

II – Considerando a “noção de sexo”, como fez o professor Rocha Lima (BOTELHO, 2005: 66-8), mas sem lhe conferir o status de flexão.

1) Substantivos de gênero único, independente do contexto:

a) Masculinos ou femininos – pessoas de ambos os sexos.

Ex: o algoz, o cônjuge, o indivíduo, a criança, a vítima.

b) Masculinos ou femininos – para designar animais de ambos os sexos.

Ex: o jacaré, o gavião, a cobra, a onça, a baleia, o tigre.

c) Masculinos ou femininos – para designar pessoas de um determinado sexo.

Ex: o boi, o rapaz, o pai, a mulher, a moça, a mãe.

d) Masculinos ou femininos – para designar animais de um determinado sexo.

Ex: o boi, o cavalo, a vaca, a cabra, a égua, o bode.

e) Masculino com uma forma variante de feminino – para designar sexos opostos de pessoas e de alguns animais.

Ex: o menino / a menina; o guri / a guria; o maestro / a maestrina; o europeu / a européia.

f) Masculinos ou femininos – para designar coisas.

Ex: o carro, o poste, a casa, a pele, a dor, o amor.

2) Substantivos de gênero dependente do contexto – possuem apenas uma forma para ambos os gêneros, o qual será apontado pelo artigo ou outro determinante.

Ex: o/a dentista; o/a estudante; o/a gerente; o/a personagem.

CONCLUSÃO

Existem muitas contradições quando se procura estudar a descrição de gênero dos substantivos, devido principalmente à relação estabelecida pela tradição entre sexo e gênero gramatical.

É inadequado considerar o gênero sob o aspecto natural, pois sexo e gênero não são um mesmo assunto. A correspondência entre estes dois aspectos é relativa, porque a maioria dos nomes é assexuada e a eles não se pode atribuir qualquer tipo de relação com os sexos masculino e feminino. O gênero em português não se fundamenta nesta oposição natural. Nos adjetivos, pronomes e numerais, o gênero se fundamenta numa regra de concordância, em que se pode atestar que a forma utilizada é determinada pelo núcleo substantivo a que aquelas classes fazem alusão.

Nos substantivos, entretanto, o gênero se fundamenta numa oposição meramente formal e de natureza classificatória em dois grupos: por um lado os masculinos – todos a que se pode antepor o artigo masculino; por outro, os femininos – todos a que se pode antepor o artigo feminino.

Devo ressaltar que o gênero dos substantivos é imanente ou inerente. Isso, porque faz parte da constituição de cada substantivo. O gênero surge no momento da concepção do ser a que se refere.

Fica mais fácil compreender a questão em debate aqui, se diferenciarmos os conceitos de derivação sufixal (objeto de estudos da morfologia lexical) dos conceitos de flexão (objeto de estudo da morfologia flexional). Ou seja, se entendermos que o gênero constitui uma categoria gramatical, referente à classe dos adjetivos, e uma categoria lexical, referente à classe dos substantivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTELHO, José Mário. O Gênero Imanente do Substantivo no Português. Rio de Janeiro: Botelho, 2005.

SILVA, José Pereira da. A Expressão de Gênero do Substantivo. 2ª ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Do Autor, 2005.

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