AS MARCAS CULTURAIS ATRAVÉS DA LINGUAGEM

Célia Barros (UCB)
Maria Antonia da Costa Lobo (UFRJ e UCB)

Uma enunciação é parte integrante de um mundo que desejadamente representa um contexto.

Uma análise pragmática associa elementos teóricos oriundos de múltiplas procedências.

Assim, considera-se que pragmática é de fato uma certa maneira de abordar a comunicação verbal ou não-verbal, através de algumas idéias básicas (Maingueneau,, 1993).

Estas vão da prioridade da interação, passam por uma atividade discursiva que engloba uma enunciação, a qual sofre uma reflexividade, chegando à inseparabilidade do texto e do contexto. Impulsos nele são registrados.

Apesar destes – muitas vezes inalteráveis e correspondentes a certas épocas – o fato é que o modo de expressão varia intensamente com a cultura, e, dentro desta, com o tempo e até as classes sociais. Essa expressividade reflete (as) marcas sócio-culturais.

MARCAS CULTURAIS

A presente análise baseou-se na Estratigrafia Lingüística, de acordo com o estudo da história da superposição dos extratos básicos, investigando a origem e as migrações das palavras selecionadas para pesquisa.

Considerou-se também a teoria de J. Trier voltada a teoria dos campos lingüísticos, uma vez que nenhuma palavra está isolada na consciência do falante, mas inserida em um conjunto de outras expressões, semanticamente relacionadas, formando um Wortfeld (campo da palavra) mais ou menos fechado.

Além desse teórico, a pesquisa tem fulcro na Lexicologia Social de G. Mattoré. Neste caso, a palavra é considerada sempre como um elemento de conjuntos maiores, classificados segundo as estruturas sociais e, no caso, também os campos nocionais.

Os campos nocionais abrangem palavras–chaves e palavras-testemunhas.

Quanto às palavras–chaves, foram consideradas como unidades lexicológicas, definindo uma sociedade e até indicando o ideal desejado por certos grupos sociais.

Quanto às palavras-testemunhas, representam as marcas sociolingüísticas, como é o caso de neologismos denotativos de mudanças sociais.

As variações lexicais favorecem os usos de palavras-testemunhas, como, por exemplo: propinoduto = propino + duto

Através das mutações sociolingüísticas, verifica-se a passagem de propina para propino associado a /duto/

Segundo Houaiss:

Propina pode indicar várias coisas:

1. gratificação extra por serviço normal prestado a alguém, gorjeta, emolumento.

2. taxa paga para ao Estado para efeito de matrícula, exame.

3. em determinadas agremiações, jóia paga por um novo associado.

4. dar a beber, dar de comer.

A palavra propina vem do latim medieval propina/propinae.

– duto => do Latim ductus, pode indicar: liderança, comando, transporte, transmissão, movimento em dada direção, movimento controlado.

Logo, criou-se o propinoduto, no contexto político.

Essa palavra surgida em 2005, embora ainda não dicionarizada, foi divulgada pela mídia e encontra-se em uso na linguagem dos periódicos nacionais. Assim, pela associação de propino + duto, propinoduto se semantizou como escoamento de valores pagos pelos propinadores aos propinados.

Ora, o propinoduto envolve o propinador e o propinado: este é o paciente; aquele é o agente.

Por formação metonímica surgiu ainda, em 2005 o valerioduto, a propina “escoada” pelo propinador em questão.

Nesse mesmo contexto, outra palavra é mensalão (surgida em 2005). Do Latim tardio, mensuãlis, – e mensal, derivado de mensais, mês, pode indicar, segundo Houaiss: 4. que se deposita, se paga ou se recebe a cada mês.

Por aproveitamento sociolingüístico, associou-se à palavra mensal o sufixo – ão. Do ponto de vista semântico corresponde à vultosa soma, que está sendo divulgada pelos meios midiáticos, desde a denúncia por um deputado do PTB, como uma importância equivalente a trinta mil reais. Consoante os meios de comunicações, trata-se de soma recebida todo mês pelos propinados.

Em um contexto econômico do século da industrialização, destacou-se a palavra Coque.

Do inglês coke (1669), indica resíduo obtido do carvão vegetal e de outras matérias–primas, depois de submetidos à destilação. Essa palavra entrou para Língua portuguesa em 1770, através da industrialização mineral em grande escala. O uso dessa matéria–prima permite a produção de aço em grande escala, por ser o principal componente do aço.

Refletindo uma atualidade no contexto social, com base em uma identificação grupal, intensifica-se a pintura corporal. Nada melhor para representá-la do que a palavra Tatuagem, ligada a Tatum.

Do inglês do tattoo (século XVII), significa inserir pigmentos sobre a pele, para obter marca ou figura indelével feita na pele. Do taitiano tatau, sinal, por influência do verbo em francês tatouer/tatuar.

As marcas tatuadas em período longínquo eram vinculadas aos presos por mandados judiciais. No contexto social atual, faz parte de um visual de beleza e jovialidade ou até mesmo marca de força perante um grupo ou sinal contrário às regras sociais.

AS SIGLAS

As siglas são marcas lingüísticas que, inseridas num contexto lingüístico, refletem uma redução, como é o caso de TPM, decodificada como tensão pré-menstrual. A TPM passou, segundo Nani (Jornal do Brasil/Caderno B de 06 de novembro de 2005), a significar tensão pré-malvadeza, devido ao cenário político atual, envolvendo um político brasileiro.

REDUÇÕES

Os prefixos tal como micro e moto assumem na língua portuguesa papel semântico de toda palavra (Lobo, 2000)

O consumidor ao comprar um computador nomeia-o de “micro”, para a facilitação de comunicação na aquisição do produto.

Moto, redução de motocicleta, foi associada a um estrangeirismo “boy”, (do inglês: garoto/menino), passou a designar uma ligação sociolingüística entre consumidor e produto a ser consumido.

O que antes era um simples serviço para oferecer comodidade ao cliente transformou-se na principal estratégica de sobrevivência do comércio no Leblon e Ipanema, o sistema de entrega em domicílio cresceu 40% nos últimos doze meses.

Segundo a publicitária, Andréa Branco, moradora do Leblon:

“Sinto-me confinada dentro de um casulo, mas reconheço que é mais seguro receber o produto em casa, do que ir até a loja. É lamentável mas estamos vivendo a cultura do medo.” (Jornal do Brasil – Cidade – Domingo, 06 de novembro de 2005 – 2a edição)

A proprietária da Esquisite, Sônia Medeiros, explica que o serviço oferecido aumenta a relação de confiança, e evita surpresas indesejáveis para quem prefere ficar em casa. (Jornal do Brasil (Idem) – A/26)

OS ESTRANGEIRISMOS E AS RESPECTIVAS SIGNIFICAÇÕES

Embora no dicionário da Língua Portuguesa (Houaiss), em relação a Royalties, conste: 1. Compensação ou parte do lucro pago ao detentor de um direito qualquer, segundo o dicionário Larousse (página 1586), consta: 2. Redevance payée à un pays sur le territore duquel se trouvent des gisements pétrolifères ou pour le passage d’un pipeline, (tradução: soma paga a um país sobre o território do qual se acham jazidas petrolíferas ou para a passagem de tubulações). Logo, é no sentido do apresentado no Larousse que a palavra royalties é mais utilizada no Brasil.

Na modernidade avassaladora de transição dos termos estrangeiros para a Língua Portuguesa, surgem: CD, DVD.

No primeiro caso, aparece uma sigla que surgiu em língua inglesa, indicando compact – Disk, a qual entrou na Língua portuguesa no século XX, em substituição ao disco de vinil, popularizando-se como CD, por adoção da grafia e do som da língua de origem.

No segundo caso, DVD, a sigla tem origem também na língua inglesa e surgiu em 1845, como redução de: Digital Versalite Disk; anteriormente, como Digital Feder Disk. Tradução: disco de vídeo digital, atual: disco versátil digital.

Ainda por influência dos estrangeirismos entrou, também, na Língua Portuguesa a palavra e-mail, que se popularizou como correspondência eletrônica, a ponto de falante usar: “me manda um e-mail. A palavra é responsável pelo uso ambíguo da mesma, já que além de correspondência eletrônica, pode indicar endereço eletrônico.

Gradativamente, vem substituindo a correspondência postada via correio.

Outra palavra (Piquenique) aparece também como marca cultural, indicando Passeio ao ar livre, campo ou praia, em que cada participante leva alimentos que poderão ser desfrutados por todos. Surgiu na língua francesa em 1694, assim registra o dicionário Larousse: faire un repas à pique-nique. A união dos termos se deu em língua francesa em 1881.

Na origem, refeição feita em pleno ar sobre a relva. No uso em língua portuguesa (Rio de Janeiro), essa palavra encontra-se, praticamente, em estado de dicionário, uma vez que o contexto sócio-político da cidade, por razões de insegurança social, o dissociou do conteúdo semântico.

NEOLOGISMOS

Conforme já afirmara, Eduardo Martins, a política cria vocabulário, levando mesmo termos como prefeitável, compromissado e voto branco a esbarrarem nas normas do português. (M.A.C.LOBO, 2000)

Nomes de políticos podem gerar novas marcas lingüísticas, assim como partidos políticos integrados por eles, dando origem a neologismos, como, pefelistas, indicando aqueles que são partidários ou simpatizantes do Partido da Frente Liberal”.

Outros também ocorrem nas áreas psicológicas e psiquiátricas, como adultecentes, que, segundo os estudiosos no assunto, significa uma aglutinação das palavras: adulto + adolescentes. Esse neologismo foi passado ao público através do programa “Fantástico – dia: 13/11/2005. O mesmo foi decodificado para o público-alvo com a seguinte conotação o adulto que não consegue sobreviver distante da proteção do pais.

PUBLICIDADE

Na Comunicação Social, é ela responsável pela introdução de signos lingüísticos que denotam um contexto sócio-cultural para chegar ao consumidor.

Para essa realização, multi-recursos são utilizados, como é o caso da criação de slogans centrados no produto a ser divulgado entre os consumidores.

Usando recursos metafóricos e metonímicos conseguem criar esses slogans, que permanecem por muito tempo no psíquico do consumidor.

Criada por Bastos Tigre, no auge da Semana de Arte Moderna, em 1922, a estrutura “Se é Bayer é bom”, permanece até hoje. Assim, um traço comum metonímico, Bayer, nome da empresa no lugar do nome do produto, foi acentuadamente identificado pelo público. Em verdade, uma destacável assimilação da empresa à cultura brasileira.

Muitas vezes até símbolos (cruz) são utilizados em textos publicitários:

B

a

Bayer

e

r

Outros textos publicitários marcantes do século XX enfocavam produtos da linha infantil:

Glaxo

Os dez mandamentos do bebê.

I– Dar-me-has um banho todos os dias.
II– Não me deixarás com fraldas sujas.
III– Não me espirrarás nem tocirás no rosto.
IV– Não me beijarás na bocca.
V– Reservarás um caminha para mim.
VI– Não me darás chupeta.
VII– Dar-me-has um quarto espaçoso e arejado.
IX– Observarás a escrupulosíssima higiene do meu alimento e de sua preparação.
X– Terás o meu Glaxo em logar seco e fresco e com a tampa muito bem fechada.

Rio, 27/01/1923.

Obs: E um retrato do bebê aparece ao lado do texto. (Gorberg, p. 307)

CONCLUSÃO

Será que o público-alvo da mídia tem noção semântica do básico contido no léxico, tão difundido através dos meios de comunicação?

Em verdade, nas marcas lingüísticas constatam-se influências políticas, sociais, culturais e tecnológicas. Essas marcas aparecem, em especial, no léxico usado em periódicos, passando, em alguns casos, ao vocabulário usual do falante.

Uma das áreas de grande influência está centrada na tecnologia, responsável parcial pela presença de estrangeirismos e também por mudanças sociais, como é o caso do hábito de escrever cartas e a postagem das mesmas. Por onde anda o Escrevo-te estas mal traçadas linhas...?

A área médica também não escapa às mudanças. Os nomes de medicamentos entram no uso lingüístico e podem desaparecer, em conseqüência do desaparecimento do produto do mercado consumidor, quando o usuário é levado a substituí-lo por outro.

As mudanças nos costumes sociais indicam que, embora algumas palavras permaneçam na Língua Portuguesa, são, de fato, responsáveis pela inclusão das mesmas no ostracismo, como é o caso de piquenique tão utilizada, no século XX, refletindo uma forma de lazer.

Caso uma comparação seja feita entre os hábitos sociais dos séculos XX e XXI, no lugar do piquenique, às pessoas voltaram-se para o Shopping e para as Praças de alimentação.

Além disso, a diversão também é responsável pelas marcas culturais na língua Portuguesa.

No início do século XX, por exemplo, transformações urbanas ocorreram no Rio de Janeiro, acarretando grandes modificações na vida carioca. O automóvel e o cinematógrafo influíram diretamente em hábitos cariocas.

Na centenária Avenida Central (inaugurada em 15 de novembro de 1905), cinemas como: Parisience (nº 179, desta avenida), Pathé Avenida (No 151), Odeon, (No 137) e Pavilhão Internacional (No 164) foram aí instalados.

Em 1917, projetos e cinematógrafos de luxo, abrigando pianistas e orquestras, foram desenvolvidos pela companhia Brasil cinematográfica, cujo fundador foi Francisco Serrador, não se pode esquecer que até hoje o Hotel Serrador lá está.

Depois, outros cinemas foram também criados: Glória, Império, Capitólio e Pathé-Palácio, inserindo, assim, o Rio de Janeiro em um circuito que passa a receber filmes europeus e de Hollywood.

Até nossos dias a Praça Floriano é chamada pelo povo de Cinelândia. E a terra do cinema, abriga também, teatros, restaurantes, confeitarias e bares, como é o caso do “Amarelinho”.

 

...........................................................................................................................................................

Copyright © Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos