GRAMATICALIZAÇÃO DE SINTAGMAS PREPOSICIONADOS
O FUNCIONALISMO LINGÜÍSTICO COMO BASE DO CONFRONTO
ENTRE COMPLEMENTOS E ADJUNTOS DO VERBO

Fabiana dos Anjos Pinto (UERJ).

 

Introdução

Ao pensarmos na linguagem como meio de comunicação, muitas vezes não nos damos conta de que o ato de comunicar não se restringe apenas à tarefa de transmitir informações. Quando realizamos esse ato, estamos o tempo todo buscando a adesão do outro ao nosso mundo, às nossas crenças e valores – falamos sempre para o outro porque desejamos vencê-lo, ou melhor, (COM) vencê-lo de que nossas postulações são no mínimo discutíveis, propensas a reflexões pertinentes: desejamos, de fato, alimentar o outro de nós mesmos, persuadi-lo e ganhá-lo para o nosso terreno. Nesse sentido, entendemos aqui a comunicação em seu sentido lato, de interação conversacional “homem a homem”, na qual sujeitos operam para empregar a linguagem de forma mais adequada aos seus propósitos conversacionais. No viés desse raciocínio, ao atuarmos enquanto componentes de uma batalha interativa, em que se espera o vencedor, ou melhor, o “ (COM) vencedor”, percebemos que o vitorioso é aquele que consegue tecer argumentos coerentes e “prender’ o seu inimigo interacional na teia que foi construída. A partir daí, podemos criar uma ilustração. Apreendido, o interlocutor, enleado na “teia” apenas destina-se ao seu cruel desfecho – ser sugado, como uma aranha faz com a sua presa já vencida.

A análise aqui proposta destinar-se-á justamente a verificar determinadas marcas sintáticas que ficaram nos “discursos-teias” dos participantes entrevistados. Esses vestígios dizem respeito ao confronto entre “complementos X adjuntos verbais” preposicionados. Faz-se importante ressaltar que este tema foi eleito como foco de nosso estudo porque entendemos que a questão da complementação verbal ultrapassa as barreiras da gramática e alcança a organização do discurso, centralizando o falante-ouvinte no processo de criatividade lingüística como “donos” dos usos que melhor atendam aos interesses interacionais.

 

Suporte teórico 01: o alicerce lingüístico.

Com base nas idéias de que a língua é usada como é para satisfazer as necessidades comunicativas, valemo-nos das contribuições da Lingüística Funcionalista, por meio das teorias de Gramaticalização e Iconicidade com o objetivo de caracterizar e distinguir discursivamente os complementos dos adjuntos verbais. Tais conceitos teóricos servem ao nosso propósito, uma vez que estamos cientes de que apenas o aparato sintático-gramatical não é suficiente para entender o uso de CVs (complementos verbais) e ADVs (adjuntos adverbiais): verificam-se, principalmente, a confluência de aspectos semânticos, discursivos e pragmáticos.

Nos termos de Givón, citado por Martellota (1996), a Gramaticalização constitui um processo de fixação de determinadas classes de sintagmas em determinadas posições sintáticas de modo a sintatizar o discurso. Esse processo expõe formas de ocorrências mais esperadas e mais habituais dos falantes. Entendemos, portanto, as formas mais gramaticalizadas como as mais sólidas e as menos flexíveis, mais integradas a outras formas, por imposição de conteúdos construídos. Em “casamento” com o conceito de Givón, selecionamos três princípios da Gramaticalização, trabalhados no Projeto da Gramática do Português Falado (2000: 5), segundo as orientações de Ataliba de Castilho:

1)     Princípio da ativação: na ativação, palavras necessárias são selecionadas para a formação de tópicos e não-tópicos, em função do grau de informatividade de cada estrutura em relação ao contexto no qual estão inseridos. Neste estudo, procuramos mostrar que, com a ativação, as estruturas sintagmáticas topicalizadas com maior freqüência ultrapassam as barreiras da previsibilidade e apresentam uma propensão mais discursiva.

2)     Princípio da reativação: esse princípio encontra seu fundamento no sistema de correção conversacional. Aplica-se, portanto, a textos oriundos de práticas interativas. No âmbito da Gramática, interessa-nos duas formas de reativação: a ressemantização, em que uma mesma forma gramatical obtém novos significados por imposição do contexto, é o caso do termo , por exemplo, que pode passar de adjunto adverbial a introdutor discursivo; e a reanálise, que decorre de um processo de criatividade lingüística, repetindo e/ou criando novos termos em associação anafórica aos expostos anteriormente. Avaliamos a reativação como fator decisivo na quantidade de sintagmas verbais: será mesmo que a quantidade formal espelha a alta informatividade de um conteúdo? Até que ponto as preposições introdutoras de ADVs são mais flexíveis do que as dos CVs por serem propensas à ressemantização? Essas são as questões que procuraremos investigar.

3)     Princípio da desativação: Neste princípio, evidenciamos, segundo Castilho, o abandono de termos normalmente empregados. Este é o chamado princípio do “silêncio lingüístico”. Interessa-nos a desativação associada aos aspectos sintático-discursivos, no que concerne à elipse de preposições constituintes de sintagmas-complementos e/ou adjuntos. No nosso caso, buscaremos explicitar que as elipses preposicionais são mais freqüentes em adjuntos e que esta ausência é muito particular da expressividade oral. Além da aplicação dos princípios discriminados, embebemo-nos da concepção de iconicidade, processo oposto à Gramaticalização. Segundo aos ensinamentos de Dubois (1985) (Idem,  ibidem.), os termos gramaticais são motivados por uma relação icônica entre forma/ expressão e conteúdo. Uma exposição menos radical desse conceito, a que escolhemos como mola propulsora neste estudo, considera que o princípio da iconicidade prevê um continuum de motivação sim, mas que também deixa espaço para construções opacas, aparentemente arbitrárias, em termos de associação “forma X conteúdo”, “expressão X comunicação”.


 

Suporte teórico 02: os trilhos do pensamento gramatical.

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a Lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis (PESSOA, 1988)

 

Os versos de Fernando Pessoa, que nos servem de epígrafe a este subitem, embora aparentemente desconexos às nossas pretensões, expõem justamente uma pergunta que habita as mentes de alunos e professores diante das tarefas de análise sintática: O que significa “ser pleno”, realizado ou completo? O que é considerado pleno por uns poder ser insuficiente para outros. O que significa dizer, de fato, que um verbo não apresenta complemento porque tem “sentido completo”? O que é completo? O sentido faz-se em relação a que? Em que situação? Por que contextos como Estudou a matéria e Estudou ontem desfazem o conflito “completo” X “incompleto” como se os dois se confundissem, não apresentado mais nenhum parâmetro para muitas análises? A verdade é que se se torna muito difícil enrijecer um conceito abstrato para tentar explicar ocorrências lingüísticas.

As questões próprias ao confronto CV X ADV podem ser reconhecidas a partir do contato com a vertente francesa e a inglesa de análise sintática, como nos ensina Azeredo (2000: 77): “A oposição desses conceitos mediante os termos complemento e adjunto não é, todavia, prática muito antiga. Complementos se identificam, no sistema francês de análise, as mesmas funções que, no sistema inglês, se designam como adjuntos.” Tais insuficiências teóricas nos remontam aos apontamentos das gramáticas do século XIX, anteriores a N.G.B, a exemplo da Grammatica Philosophica, de Jerônimo Soares Barbosa. De acordo com o autor deste trabalho, os termos relacionados ao verbo eram nomeados complementos. Não havia distinção que hoje se encontra na orientação de ensino de sintaxe do Português. Barbosa apenas faz distinção dos grupos terminativo e objetivo dos restritivo e circunstancial:

Os dois seguintes, porém, que são complemento restritivo e circunstancial não são determinados nem regidos por parte alguma da oração, mas adicionados a elas por quem fala ou escreve, para lhes modificar e mudar a significação, já restringindo-a, já explicando-a e ampliando-a. (BARBOSA, 188: 278).

Barbosa, portanto, apresenta apenas uma delimitação nos grupo dos complementos, segundo o quesito semântico de opcional e não-opcional. Seguindo o trajeto por meio dos autores aqui trabalhados, Eduardo Carlos Pereira já oferece uma sistematização mais acurada em que declara serem os adjuntos palavras que se conectam às outras para modificar-lhes os sentidos, já expondo uma proximidade à orientação dos adjuntos como modificadores verbais:

O termo adjunto é de moderna importação, porém vai-se generalizando o seu uso; vem do particípio irregular do verbo adjungir = jungir a. Traz a idéia de palavra que se prende a outra, como os adjetivos e advérbios para modificar-lhes o sentido. É mais aplicado às funções atributivas e adverbiais. (PEREIRA, 1940: 187. 54ª ed.)

Rocha Lima, em orientação pós-N.G.B, ao apresentar também inclinação ao critério semântico, reafirma a idéia acessória de adjunto e caracteriza o complemento o termo integrante que “forma com o verbo uma expressão semântica, de tal sorte que a sua supressão torna o predicado incompreensível, por omisso ou incompleto.” Lima também nos apresenta uma bipartição entre os complementos preposicionados, distinguindo-os entre complemento relativo e objeto indireto, afirmando que a separação se faz necessária porque somente o primeiro se opõe semanticamente ao complemento verbal não-preposicionado, o objeto direto; enquanto o segundo apenas é caracterizado pela introdução de preposições A ou PARA, cujo núcleo a que estas se ligam indicam o ser beneficiário ou prejudicado pela ação verbal. Porém, Mario Perini (1989), já apresenta uma incompatibilidade com tal associação semântica, a partir dos exemplos “gosto de música” e “aprecio música”, em que afirma: “Se essas são categorias definidas em termos do significado, deveria ser óbvio que um objeto indireto nunca poderia ter o mesmo significado que um objeto direto (pois isso faria desse objeto indireto, automaticamente um objeto direto).” (1989: 129).

Celso Cunha, por exemplo, citado em Azeredo (AZEREDO, 2000: 80) estipula a indicação de acessórios a termos que Rocha Lima nomeia “integrante”, conforme o exemplo: “estive com Pedro”; adjunto para Cunha e complemento circunstancial para LIMA.

Todas essas divergências semânticas alternam-se com imprecisões formais do tipo “falar de”, “falar sobre”, “ajudar alguém”, “ajudar a alguém” e outras. Nesse emaranhado de confusões semânticas e formais, professores e alunos perdem o fio da meada e se enrolam, ficando sem mobilidade para resolverem tais questões. Diante dessas falhas, procuramos adotar como norte para a análise de nosso corpus as diretrizes de Azeredo (2004), Bechara (1999) e Koch (1989).

Acerca das ensinamentos de Azeredo (AZEREDO, 2000: 81), pautamo-nos nas seguintes postulações:

(A) Alguns complementos são preexistentes ao processo verbal. Neste sentido, os sintagmas preposicionados podem ser admitidos pelos verbos, mas não radicalmente “exigidos”.

(B) A relação semântica que se estabelece está vinculada à preposição e ao sintagma nominal que ela introduz, mas não diretamente entre preposição e verbo. Assim, podemos verificar que o sentido das preposições é motivado por situações discursivas, de uso criativo dos falantes.

As considerações acima, aqui trabalhadas, serão úteis ao princípio da ativação em que discutiremos os complementos como elementos muito previsíveis, de baixa tensão discursiva, de baixa mobilidade de topicalização e, portanto, mais gramatical.

No que diz respeito às orientações de Bechara, valemo-nos das considerações acerca de termos argumentais e não-argumentais. Segundo estas noções, os termos argumentais seriam equivalentes aos complementos e os não-argumentais, aos adjuntos. O aspecto positivo deve-se ao fato de não se generalizar as características de argumentos exclusivamente a termos indispensáveis. Tal caracterização mostra um cuidado referente aos aspectos sintático-semânticos:

Além da capacidade de ser eliminado da oração, o termo não-argumental, pela sua coesão fraca e independência sintático-semântica em relação à oração, goza de maior liberdade de colocação na oração marcado pela pausa adequada, assinalado quase sempre por sinais de pontuação. (BECHARA, 1999: 412)

Assim, seguindo tais ensinamentos, podemos associar esta lição ao princípio da reativação, em que as preposições introdutoras de adjuntos, conferem maior mobilidade, maior informação periférica. Além deste, podemos associar também as idéias de termos não-argumentais ao princípio da desativação, já que as informações por elas encabeçadas são menos centrais e tendem a usar mais formas, o que nos leva a pensar também na ocorrência zero desses nexos preposicionais em ADV. Desejamos com essa associação, sobretudo, verificar o que ocorre quando temos casos de elisão da preposição em sintagmas adverbiais.

Por fim, valemo-nos das considerações de Ingedore Koch, servindo-nos as denominações SPC – sintagmas preposicionados-complementos e SPA – sintagmas preposicionados adjuntos, com as seguintes delimitações que nos interessa:

O SPA interno ao SV funciona como modificador ou intensificador do processo verbal: andar depressa, falar bem, trabalhar muito, enquanto o SPA externo apresenta-se como modificador circunstancial da oração como um todo, ou, então, como modificador atitudinal da frase, este último ligado diretamente à enunciação. (KOCH, 1989: 21)

Embora Koch atribua como principal diferença entre SPCs e SPAs a “natureza semântica dos verbos”, valemo-nos aqui da contribuição de SPAs oracionais, que nos remetem a outra discussão de nossa análise, no que diz respeito à análise das preposições introdutórias de SPA, na possibilidade de função conectiva. Para tal, serve-nos o princípio da reativação procurando avaliar as diferentes funções exercidas por uma forma já gramaticalizada com outras.

 

Breve análise

O estudo dos processos de gramaticalização e iconicidade em associação às orientações gramaticais de Azeredo, Bechara e Koch foi realizado por meio da pesquisa dos depoimentos de jovens carentes, do subúrbio carioca. Tal material fez-se necessário para esta ocasião, visto que desejávamos colher informações oriundas de situações interativas espontâneas, que para que pudéssemos verificar os níveis de flexibilidade, informatividade de complementos e adjuntos, além de prováveis elipses e/ ou anáforas de suas preposições – estes fenômenos mais recorrentes na modalidade oral da língua. Mesmo em uma fase inicial, a investigação nos conduz aos seguintes resultados:

a)   Complementos são argumentos verbais, já que atendem aos princípios da ativação gramatical – estruturas mais rígidas, gramaticais e, portanto, mais previsíveis. Assim, devemos considerar os SPCs termos que preexistem ao processo verbal, pois tendem a ocupar a posição V---O. Atentemos para os seguintes trechos, extraído da conversação entre os jovens:

·         Entrevistadora: Me conta uma história interessante aí.

 (Nil): Nós fomos num baile lá em Belford Roxo; aquele dia eu tava (I) com muita sorte... Eu estava (II) com a minha ex-mina lá, pô, daqui a pouco ela foi embora, aí nisso que ela foi embora, eu fui procura o Rodrigo, ele estava (III) com meu boné. De repente, eu vi o Rodrigo (IV) com o olho pequenininho. aí tinha um galalau enorme, um criolão enorme lá, metro e noventa, aquele negão sério, enorme, o apelido dele era Pezão. Aí eu fui conversar (V) com o Pezão . Veio os moleque: de vinte moleques de Marechal só veio dois ou três, quatro... cinco? Cinco moleque. Porque eles não iam muito (VI) com a nossa cara, porque o nosso bonde era conhecido de pegar muitas mina no baile e a gente odiava briga. Pô, foi maneiro, porque foi uma coisa inédita, nunca tinha acontecido. Oh, e o mais interessante, porque neguinho falava negócio de lado A, lado B, porque o que aconteceu foi no mesmo lado que a gente curtia, lado A; que o cara confundiu o Diguinho (VII) com alemão, foi caô, só pra roubar mermo o boné dele.

Nos empregos de (I) a (V), presenciamos típicos complementos verbais, já que há a necessidade de se expor o estado do sujeito para uma construçãop positiva de sua imagem – retrato fiel de quem não está propenso a participar de brigas. Nesse sentido, os sintagmas “com o Pezão”, “com a nossa cara” e “com o alemão” expressam a inciativa de impedir o conflito, a qual se molda praticamente em vão por conta da antipatia rival e das estratégias para roubar o boné de Rodrigo.

.Curiosa é a expressão popular “ir com a cara”, próxima de “simpatizar”: a criatividade da língua oral-coloquial nos permite identificar o sintagma “com a nossa cara” como argumento verbal, pela relação de previsibilidade, de preenchimento condizente ao contexto e pela posição fixa à esquerda do verbo – que também neste contexto aprece com emprego diferente de “movimento” (gramaticalizado) e “auxiliar” (em processo de gramaticalização). Este novo emprego de ir, nos atesta mais uma vez a importância do falante como mediador da relação “gramática/ discurso” para a explicação de empregos e fenômenos lingüísticos. As preposições introdutórias dos argumentos, no trilho de nossas reflexões, caracterizam-se, então, como fossilizadas, opacas, desgastadas pelo habitual emprego gramatical, quando o contexto em que se encontra o verbo o admite.

b) Adjuntos obedecem seqüencialmente aos princípios da ativação..... reativação..... desativação, por ocorrência da metonímia. Admitimos a elisão pela fraca coesão; a topicalização pela tendência dos SPAs exporem as informações de cunho menos previsível ao contexto comunicacional e o alto grau de iconicidade, adquirido no processo de desativação de itens gramaticais para cumprirem novas funções, impulsionadas pelas pressões da interação, pela força do discurso.

Vejamos as próximas ocorrências:

(A)   Daqui a pouco ela foi embora.

(B)   Aí, nisso que ela foi embora, eu fui procurar o Rodrigo.

(C)   Aquele dia eu tava com muita sorte.

Sabemos que os SPAs são caracterizados como termos não-argumentais, consoante Bechara (1999). Tal nomenclatura se aplica devido à forte mobilidade desses sintagmas e a fraca coesão entre a preposição de introdução e o sintagma nominal a que ela está conectada. Além disso, os SPAs2, modificadores oracionais, incidem não só sobre o verbo, mas também sobre toda a estrutura oracional. Observando a proposição (A), recorremos a uma orientação de Martellota:

Tomamos o verbo da cláusula como ponto de referência, de forma que o que se encontra à esquerda desse ponto é considerado tópico ou relevante e o que se encontra à sua direita é interpretado como não-tópico. (...) Entendemos que tal interdependência se dá no texto por um processo metonímico de gramaticalização, onde se vêem relações do tipo “todo-parte”, ”conteúdo-continente”, “causa-efeito”. (Martellota: 1998)

No trecho acima, o autor adverte que as estruturas-tópico ocorrem por processo de contigüidade não-gramatical, característica de produções discursivas. No caso de nossa análise, topicalizamos em princípio “daqui a pouco”numa relação metonímica de “causa-efeito”, em que ação de “ir embora” resultou o fato da procura e somente por isso esta aconteceu. Por isso a causa foi iniciada como chave fundamental da exposição do fato posterior. Assim, verificamos que a ordenação vocabular é motivada por ocorrências do discurso e nos permite concluir que as ordens SPREP[1] + V são mais freqüentes com SPAs e a ordem V + SPREP com complementos. Em relação ao termo “nisso”, notamos uma espécie de “desgramaticalização”, já que ele funciona muito mais como um marcador de discurso, para destacar a progressão do assunto. O SPA incorpora traços dos conectivos coordenativos, por ligarem orações recuperando o conteúdo exposto anteriormente, funcionando como anáforas sintáticas. Em alguns contextos, por exemplo, podemos encontrar o SPA “diante disso” com o valor semântico de “por ocasião de (isso)” mas não como “em frente de (isso)”. Esse tipo de uso lingüístico é de transparência total já que no discurso os falantes cunham novos conteúdos, com formas já disponíveis, provocando a transferência metonímica “forma---conteúdo” ou a ressemantização.

Observemos que há uma ocorrência Ø de preposição: a ausência do nexo preposicional comprova ainda mais o caráter da fraca coesão dos SPAs em orações. O SPA1 é regido por processo de ativação de tópico e em seguida pelo de desativação, ou desistência de uso de estruturas, devido às pressões de uso. Podemos perceber, portanto, que as preposições de SPAs apresentam uma tendência à elisão, sem prejuízo do conteúdo semântico. O mesmo não ocorreria com um SPC.

 

Conclusão

Esta análise nos serviu de comprovação de que muitos fenômenos gramaticias, sobretudo, os sintáticos, podem ser esclarecidos por um viés lingüístico que, na maioria das vezes, consegue “dar conta” de fenômenos de ocorrência extra-verbum. O Funcionalismo, com a teoria da gramaticalização, enquadra-se nesse prisma, já que defende a língua como local de uso X (dês) uso X (re) uso de empregos pelos falantes. Tangenciando os fatores pragmáticos, pensamos na seguinte reflexão: a lingüística pode caminhar junto à gramática na “batalha conversacional”. Tal afirmação pode ser embasada na idéia de que “os termos gramaticais, através do contato humano com o mundo físico-social passam pela experiência fundante e chegam ao domínio textual por intermédio dos atos de fala.” (MARTELOTTA, 1989). Assim podemos concluir que, na tessitura discursiva, não existe gramática sem discurso e este não se externaliza sem aquela.

 

Referências bibliográficas

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PERINI, Mário. Lições de análise sintática. Rio de Janeiro: Lucerna, 1989.


 


 

[1] Sintagma preposicionado

 

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