A ALTERIDADE NA INTERTEXTUALIDADE
E NA SUBVERSÃO DISCURSIVA AO
CÂNONE BÍBLICO
NO ROMANCE TEXACO, DE PATRICK CHAMOISEAU

Débora Maciel Cabral (UERJ)
Geraldo Pontes Júnior (UERJ)

 

Este artigo tem como objetivo apresentar o atual projeto de pesquisa deiniciação científica intitulado “Visões e práticas da alteridade”(VPA 2003-2006).[1]

Como plano de trabalho, delimitou-se como campo discursivo danálise o romance de literatura francófona Texaco do martinicano Patrick Chamoiseau, à temática da alteridade.O romance Texaco fora premiado com o Goncourt em 1992. Neste presente romance é narrada a história de Marie-Sophie Laborieux, uma líder comunitária de um bairro periférico de Fort de France, na Martinica. Ela, que fora neta de escravos, vivia ali desde os anos 50, na época em que o mangue pertencia a multinacional de petróleo. Com a ocupação deste terreno da multinacional pelos ex-escravos, após a abolição, começa-se um crescimento desordenado.É deseignado ao local, pelo então prefeito da Martinica Aimé Césaire, um urbanista denominado de Cristo pela narradora Marie-Sophie.Este tem como propósito demolir a favela.

Marie-Sophie se revolta e num diálogo travado com Cristo, tenta convencê-lo da importância daquele espaço devido seu caráter memorialista. Ele representa a própria história dos negros ex-escravos e descendentes.Por toda parte respira-se os vestígios das lutas de ocupação pelos habitantes . Texaco é o espaço que acolhe toda aquela população esquecida, que não fora inserida na sociedade branca nem após a abolição. Texaco é sua legitimidade identitária . Pois quando Marie-Sophie relata toda a historicidade de Texaco para convencer o urbanista , a personagem “se arma” com um discurso polêmico que retoma toda ancestralidade daquele povo afirmando a alteridade antilhana a partir do processo pós-colonialista e abolicionista no teritório Francês.

A partir de uma leitura prévia da obra, percebeu-se que Texaco deu conta do tema. Dentre os critérios de análise quanto ao tema, dividiu-se o romance, em três planos formal, estético e ideológico, devido ao formato fragmentado da narrtiva. Estes três planos podem ser resumidos em dois viéses interpretativos :

1- A relação intertextual, que segundo Genette,éum tipo de transtextualidade, a intertextualiade é a transcendência textual do texto.Tudo que se é relacionado manifesta ou se põe em segredo, com outros textos.Isso pode ser melhor visualizado, na análise da primeira referência intertextual, no início do capítulo, sob a forma de um metatexto (tipo de comentário), com a inferência discursiva do Marqueur de Paroles, Oiseau de Cham,(a quem Marie-Sophie conta sua história e de Texaco), sob a forma de um paratexto entre parênteses: “Annonciation (où l’urbaniste qui vient pour raser l’insalubre quartier Texaco tombe dans un cirque créole et affronte la parole d’une femme matador)”.

A imagem trazida, à memória do leitor, principalmente do antilhano, pela palavra Annonciation prenuncia a chegada de alguém ou de uma cena , que no início da narrativa, é revalada a chegeada do urbanista denominado pela personagem Marie-Sophie de Cristo. A palavra evoca da memória coletiva antilhana, um fruto, uma herança da cultura colonizadora imposta à comunidade negra.Remetendo a uma circularidade de vivências “transculturais” , vistas através de manifestações interdiscursivas.

O metatexto dá a imprensão de ser o discurso de alguém de “fora” da narrativa, que prenuncia esta chegada. E o paratexto, que é definido por Genette, como uma prolongação do texto de um autor por ele próprio. Desta forma, o ralato de Marie-Sophie, que além de narrar sua trajetória e a de Taxaco, também fornece espaço a outros personagens, que parecem estar externos ao romance, sob estas formas específicas de discursos.

Assim estas formas discursivas que dialogam com a narrativa são “alteres egos”, deste locutor principal.

Desta relação intertextual, a narrativa cria uma metáfora sobre esta chegada do personagem Cristo, através da técnica da apropriação. Segundo Affonso Romano de Sant´anna, a apropriação é uam técnica que se proprõe devorar o significado alheio à criação de seu próprio. Não deixa de ser uma forma de subversão e de descralização à obra do outro.Com efeito, a narrativa é tecida da relação intertextual e de apropriação do romance Texaco com episódios bíblicos, dentre eles, destáca-se a profecia de Zacarias (cap 8-9), que narra o período de restauração de Jerusalém e da chegada de Cristo, aguardado pelos judeus com outros textos, intervenções do Marqueur de Paroles e de textos forjados por ele, como os diários de Marie-Sophie e do urbanista.

2 – A subversão discursiva ao Cânone pelo romance, que segundo Maingueneau, ela é um fênomeno oriundo da heterogeneidade discursiva, em que um locutor assume o discurso e a autoridade de um outro, com o objetivo de legitimar seu discurso e estabelecer uma relação hierárquica em relação e esse discurso assumido.Em um deslocamento do olhar de si para com o urbanista, a personagem principal Marie-Sophie o vê como um Cristo destruidor.No entanto a narrtiva de seus relatos a constrói como heroína, ou seja, o “próprio” Cristo. A prova disto é quando morre, no final do romance, ressucita em Texaco.

Com efeito, desta ação subversiva emiti-se uma ideologia da afirmação histórica, identitária e literária antilhanas.Em que a narrativa apócrifa legitima-se a margem do Cânone .

A apropriação semântica da chegada do Cristo bíblico para o romance, revela que o autor constrói sua personagem a partir da figura simbólica do Cristo.Ele representa o mito messiânico que fará transformações e cumprirá as profecias do Antigo Testamento e as do Novo. O autor Chamoiseau revela

Je réorganisai la foisonnante parole de L´Informatrice, autour de l´idée messianique d´un Christ; cette idée respectait bien la diréction de cette communauté face à cet urbaniste qui sut la décoder.Puis, j´écrivais de mon mieux ce Taxaco mythologique. (Chamoiseau, 1992: 497)

Desta forma, esta relação entre Cânon e romance teria como função, primeiramente, a construção de um mito ou de um imaginário que pudesse edifiacar uma consciência imaginária antilhana e que esta representasse a memória e o sujeito antilhano.

A função do mito é puramente cultural e primordialmente presente em toda a essência imaginária coletiva. No romance, esta gênese de Texaco metaforizada pela chegada de um Cristo ou tendo sua conquista alcançada através da figura do Cristo de Marie-Sophie, pode ser vista como um processo de pré-conhecimento. Conseqüêntemente, Chamoiseau procura desenvolver no romance, um projeto ideológico que é o conhecimento histórico que parta do abstrato (metáfora messiânica) até o concreto ( a construção de Texaco).Assim, o romance dá conta do resgate de uma concepção da alteriade antilhana, quando parte da trajetória de vida de Marie-Sophie e de seus ancestrais (particular) para o resultado de uma reflexão mais concreta que é o conceito do sujeito antilhano ( geral). Para Pontes Jr :

A alteriadede tem diferentes dimensões na (sobr)escrita de Patrick Chamoiseau, em Texaco,(...) tangecia as escritas ficcionais de até então na ainda breve tradiçaõ antilhana, onde a nova referência geracional juntamente com outros escritores.Do esforço de formalizar, em concepção literária, sua concepção de vida, seu olhar para a vida, ser testemunho da história da Martinica, especula com originalidade a temática da margem .Assim como prova dessa “originalidade a temática da margem”, Chamoiseau recorre a apropriação dos Modelos Culurais e Oriental e Ocidental, os memos que auxiliaram na cosntrução dos Cânones Literários.. (Pontes Jr.: 2006)

Nesta perspectiva, o romance postula uma escrita sobre a legitimação da antilhanidade, princípio este, já praticado por Édouard Gissant [2]nas suas obras, entre elas Le quatrième siècle, em que o personagem principal e também um dos narradores do romance, conta a saga de duas famílias inimigas descendentes de dois escravos africanos, a partir de uma gênese mítica -histórica, como os moldes dos Cânons Ocidentais. Esta saga é contada também por um personagen septagenário como Marie-Sophie, papa Longoué que cultiva, em sua mémória, as histórias e a História de seus antepassados e dos outros habitantes da Martinica, oriunda de uma tradição oral que concretiza a referencialidade dessa comunidade que se encontra desalocada do espaço escrito: “Il y a eu em Occident, em même temps et parallèlemnt, une marche vers la transcedance de l´ecriture par rapport aux oralités premières, et une aspiration à l´être.” (Glissant, 1998: 112)

Esta forma estrutural de uma narrativa polifônica, fragmentada também constui-se como uma narrativa opaca de difícil distinção de vozes, carecterística muito presente nos romances antilhanos e principalmente, em Glissant , mestre de Chamoiseau, a quem dedica Texaco. De uma pespectiva autobiográfica, este emaranhado discursivo, configura-se a uma dimensão alterbiográfica, em que os duplos se constituem numa unica imagem de um sujeito antilhano, que é culturalmente tão diverso quanto a diversidade discursiva , em que a narrativa se estrutura.

Voltando ao discurso do paritexto( assim como outros que existem no romance), ele não somente prenuncia a chegada do personagem Cristo, antes da narrativa, como também reafirma a idéia do Marqueur de Paroles , Oiseau de Cham, anagrama de Chamoiseau e Marie-Sophie que ora falam e suas vozes e ontras, serem partes de um “eu” coletivo que representa a divesidade identitária de Texaco e assim da idéia que se deva ter deste sujeito antilhano que a representa. Assim , Pontes Jr. vê o “sujeito duplo”, na narrativa:

O duplo de Marie-Sophie que lhe diz “ toi, tu dis, moi, je dis” de mosntrando a posição do narrador, faz pensar então na ficcionalidade dos diários da personagem. E o que seu duplo diz tornar-se o prisma de Marie- Sophie, fio da história particular e do conjunto mestiço, que faz com que, no âmbito dos sentidos dos fatos históricos, para além de um tempo linear para todos, coexista uma temporalidade caótica entre a colonização, descolonização, vivência pós-colonial e destinos individuais. (Pontes Jr : 2006)

Desta forma, o trabalho de análise intertextual entre Cânon e romance ao tema proposto, propô-se como uma prática comparativa de discurso, desenvolvida por Adam e Heidemann, que concerne em dois princípios básicos de cunho heurístico primeiro : os textos a comparar são de naturezas diferentes. Deve-se considerar a singulariadade e a especificidade de cada ato enunciativo, e de cada emissão discursiva. Segundo.o objetivo principal desta análise compartiva não é universalizar línguas e textos mas diferenciar as diversas manifestações discursivas e seus reflexos na constituição do sujeito antilhano descendente de uma cultura diversa.

No trabalho de análise compartiva do discurso, os autores Adam e Heidmann fizeram aproximações discursivas entre textos literários e folclóricos, perceberam que essas semelhanças se estruturaram nuam constituição própria ,simbólica de cada texto,de cada narrativa .

Sendo assim, o pressuposto principal de análise, a comparação intertextual para que ambos objetos comparados sejam reconhecidos num mesmo plano, e tendo suas qualidades literárias avaliadas relacionando-as texto com texto, e assim reconhecendo se a relação intertextual limita-se à uma demonstraçãode filiação ou de dependência. Desta forma, como objetivo inicial deste plano de trabalho verificou-se, através da relação intertextual discursiva de apropriação e subversão do Cânone Bíblico como plano de elaboração ficcional do romance propõe-se em criar uma estética da literatura antilhana, já iniciada por Césaire, Glissant e agora também em Chamoiseau.

Uma literatura engajada em que se constituíndo também o fará existir a comunidade à margem da História Oficial que por detrás da mesma, alimenta-se de sua força. Faz emergir, das versões não oficiais ou de uma literatura forjada de outros textos por seu próprio autor, a antilhanidade - alteridade da Martinica .E da margem obsucura ,em que se encontra, emancipa sua comunidade, sua Literatura e sua História.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Prociência -UERJ do Professor -Doutor Geraldo Ramos Pontes Júnior

[2]              Escritor também antilhano, refeência de Patrick Chamoiseau