Discurso Direto e Indireto
uma análise sistêmico-funcional

Clara A. Vaz

 

Introdução

Passagens em Discurso Direto e Indireto se tornaram recursos amplamente utilizados em jornais e revistas. Seus usos abrangem a reprodução de depoimentos de testemunhas, comentários de figuras famosas ou de jogadores de futebol sobre a partida, pronunciamentos importantes de políticos, citações em textos científicos, dentre outros.

Todavia, as estruturas em Discurso Direto e Indireto têm sido tradicionalmente estudadas de modo a privilegiar o critério sintático, oferecendo, dessa forma, um quadro teórico por demais simplista. Além disso, as gramáticas tradicionais tendem a analisar essas estruturas apenas em textos literários, deixando de abordar seus usos tão difundidos na imprensa, tanto escrita, quanto falada.

A fim de se reverter esse quadro, este trabalho investigará estruturas em Discurso Direto e Indireto em textos midiáticos, da seção das cartas dos leitores da Revista Veja, publicados nos meses de abril e maio de 2005, tendo por base a teoria sistêmico-funcional de Halliday, mais especificamente no que concerne às relações lógico-semânticas de projeção.

Dessa forma, este trabalho pretende realizar uma análise que envolva, além do critério sintático, os critérios semântico e funcional-discursivo para que se possa oferecer, então, um quadro mais abrangente das diferentes funções discursivas e variados usos a que se submetem essas estruturas.

 

A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday

A gramática sistêmico-funcional desenvolvida por M. A. K. Halliday é considerada de base funcional, pois foi desenvolvida de modo a priorizar os usos da língua e o objeto de investigação é o texto. Para Halliday, são exatamente os usos que deram forma ao sistema da língua. A funcionalidade é intrínseca à língua (Halliday & Matthiessen, 2004: 31)

Dessa forma, a língua não seria arbitrária, pois se organiza funcionalmente, de acordo com as necessidades humanas, na interação comunicativa: “a functional grammar is essencailly a ‘natural’ grammar, in the sense that everything in it can be explained, ultimately, by reference to how language is used” (Halliday, 1994: XIII).

Quanto ao caráter sistêmico, Halliday explica que sua teoria envolve significado e escolha. A gramática de uma língua é representada por redes sistêmicas, não por um inventário de estruturas (Halliday & Matthiessen, 2004: 23). As estruturas seriam formas derivadas de escolhas sistêmicas feitas pelo falante: “a language is a resource for making meaning, and meaning resides in systemic patterns of choice” (Halliday & Matthiessen, 2004: 23).

A estrutura é analisada em termos funcionais. Neves (2001: 60), ao discorrer sobre o funcionalismo de Halliday, acrescenta: “as diferentes redes sistêmicas codificam diferentes espécies de significado, ligando-se, pois, às diferentes funções da linguagem”.

Essa rede sistêmica de escolhas corresponde a certas funções básicas da língua. Halliday sugere duas metafunções principais, a ideacional, que se subdivide em experiencial e lógica, e a interpessoal. A terceira, que se combina com as outras duas e lhes confere relevância, é a textual (cf. Halliday 1994, 1970 e Halliday & Matthiessen, 2004). Todas essas metafunções estão refletidas na estrutura da oração (Halliday, 1970: 143) e interagem na construção do texto, conferindo-lhe um caráter multifuncional (Almeida, 2002: 39).

The multiple function of language is reflected in linguistic structure; this is the basis for recognition of the ideational (including logical), interpersonal and textual functions (...) The investigation of these functions enables us to relate the internal patterns of language – its underlying options, and their realization in structure – to the demands that are made on language in the actual situations in which it is used. (Halliday, 1970: 165)

Para Halliday, como a funcionalidade é intrínseca a toda língua, seria redundante falar em funções básicas. Sendo assim, o autor cria os nomes ‘metafunções’.

Essas metafunções revelam propósitos fundamentais do uso da língua. A ideacional proporciona uma teoria da experiência humana através da língua. Por meio dessa função, a língua é capaz de expressar conteúdos e experiências do mundo. Ao servir a essa metafunção, as línguas transformam em estrutura as experiências humanas utilizando-se de suas respectivas lexicogramáticas (cf. Halliday, 1970 e Halliday & Matthiessen, 2004).

a metafunção interpessoal reflete o caráter ativo da língua: “While construing, language is always also enacting: enacting our personal and social relationship with the other people around us” (Halliday & Matthiessen, 2004: 29-30). Essa metafunção é tanto interativa quanto pessoal, daí interpessoal (idem). Por meio dessa função os grupos sociais são delimitados e a identidade é expressada e desenvolvida (Halliday, 1970: 143).

Por fim, a metafunção textual se relaciona com a construção de textos, ligando a língua a características da situação em que é usada (idem). Por meio dessa metafunção, é possível estabelecer relações coesivas entre sentenças num discurso. Pode-se dizer que essa função é instrumental em relação às outras duas:

...both the others – construing experience and enacting interpersonal relations – depend on beig able to build up sequences of discource, organizing the discoursive flow and creating cohesion and continuity as it moves along. (Halliday & Matthiessen, 2004: 30)

Para Halliday, o texto se torna, então, ferramenta essencial de investigação para o lingüista que deseja estudar a língua funcionalmente, ou seja, os seus usos em situações reais de comunicação: “when people speak or write, they produce a text” (Halliday & Matthiessen, 2004: 03).

Para Halliday e Hasan (1976: 02), o texto é uma unidade semântica, uma unidade de significado, não de forma. O texto é, então, relacionado a orações ou sentenças pois é codificado, realizado, por elas. Sendo assim, o texto revela, mais uma vez, as escolhas sistêmicas feitas pelo falante:

...when we analyse a text, we show the functional organization of its structure; and we show what meaningful choices have been made, each one seen in the context of what might have been meant but was not. (Halliday & Matthiessen, 2004: 24)

Além do texto, a teoria sistêmico-funcional de Halliday leva também em consideração os contextos em que esses textos se realizam, pois os textos variam de acordo com a natureza dos contextos em que são usados (Halliday & Matthiessen, 2004: 27).

Within our general topic, we shall be focusing on the special area of what in linguistics is referred to as text; but always with emphasis on the situation, as the context in which texts unfold and in which they are to be interpreted. (Halliday & Hasan, 1989: 05)

Para Halliday, a análise lingüística deve ser capaz de distinguir se um texto é eficaz ou não em seus propósitos comunicativos. Essa seria uma grande contribuição da Lingüística no que concerne à avaliação de textos (Halliday, 1994: XV). Esse nível de análise se daria com o estudo do texto inserido em seus contextos de uso.

We use language to make sense of our experience, and to carry out our interactions with other people. This means that the grammar has to interface with what goes on outside language: with the happenings and conditions of the world, and with the social process we engage in. (Halliday & Matthiessen, 2004: 24)

 

O Sistema Lógico-Semântico de Projeção

A projeção é, juntamente com a expansão, um dos processos que liga orações[1] para formar orações complexas. A projeção é definida como uma relação lógico-semântica em que uma oração funciona não como uma representação de uma experiência não lingüística, mas como uma representação de uma experiência lingüística (Halliday & Matthiessen, 2004: 441).

Na relação lógico-semântica de expansão, a segunda oração expande a primeira por elaboração, extensão ou aumento[2]. na projeção, a segunda oração é projetada por meio da primeira, a qual a coloca como locução ou idéia.

Expansion relates phenomena as being of the same order as experience, while projection relates phenomena to phenomena of higher order of experience (semiotic phenomena – what people say and think). (Halliday & Matthiessen, 2004: 377)

Dessa forma, a projeção faz parte da metafunção ideacional organizada no modo lógico, contrastando com os aumentos circunstanciais da oração organizados no modo experiencial, e com as seqüências coesivas da metafunção textual (Halliday & Matthiessen, 2004: 370).

Os muitos usos discursivos atribuídos à projeção incluem: fontes de reportagens e notícias, representação de pontos de vista no discurso científico, construção de diálogos em narrativas, representação de questionamentos na conversação (Halliday & Hansan, 2004: 443).

A projeção se realiza por meio de orações verbais, ou orações de ‘dizer’, e mentais, ou orações de ‘sentir[3]. As orações mentais estão relacionadas a experiências vividas no mundo e à consciência humana (Halliday & Matthiessen, 2004: 197).

Para Halliday e Matthiessen (2004: 253), ‘dizer’ deve ser interpretado em um sentido lato: “...’saying’ has to be interpreted in a rather broad sense; it covers any kind of symbolic exchange of meaning”.

A teoria sistêmico-funcional hallidiana distingue três diferentes sistemas para a diferenciação de tipos de projeção: o nível de projeção (idéia X locução[4]), o modo de projeção (relato hipotático X citação paratática) e a função discursiva (Halliday & Matthiessen, 2004: 443).

O nível de projeção define se a projeção é uma representação do conteúdo de uma oração mental, ou seja, o que é pensado, ou se é uma representação do conteúdo de uma oração verbal, ou seja, o que é dito. A primeira projeção é denominada ‘idéia’ e a segundalocução’. Isso quer dizer que a projeção envolve os dois níveis do plano do conteúdo da língua: projeção de significados, ‘idéia’, e projeção de enunciados[5], ‘locução’. Halliday exemplifica essa distinção gramatical com a convenção das Histórias em Quadrinhos: idéias são representadas emnuvens” e locuções embalões” (Halliday & Matthiessen, 2004: 443).

O modo de projeção define se a projeção é uma citação, ou seja, se a oração é projetada parataticamente[6], ou se é um relato, ou seja, se é projetada hipotaticamente. Essa distinção é correspondente aos tradicionais Discurso Direto, para citação paratática, e Discurso Indireto, para relato hipotático. Todavia, para Halliday, a distinção deve ser feita levando-se em consideração não apenas a forma, como é feita nas Gramáticas Tradicionais, mas também o ‘pensamento’, ‘pensamento direto’ e ‘indireto’ (Halliday & Matthiessen, 2004: 443).

Por fim, a função discursiva define se o conteúdo do que é projetado é uma asserção ou uma proposta. Quanto a essa função, o modo de projeção em citação paratática permite uma grande variedade de formas a serem projetadas. Pode-se citar desde asserções e propostas a exclamações e saudações. o modo em relato hipotático limita-se a asserções e propostas apenas.

A citação, correspondente ao tradicional DD, é considerada a forma mais simples de projeção. A oração que projeta é um processo verbal, de ‘dizer’, e a oração projetada representa o que é dito (Halliday & Matthiessen, 2004: 445). O tipo de combinação de orações é a parataxe, pois as duas orações possuem o mesmo status. Pode-se notar esse fato a partir da observação da oração projetada, que retém todas as características do que foi dito, incluindo o modo, vocativos, conjunções etc., demonstrando seu caráter independente (Halliday & Matthiessen, 2004: 446).

What is the nature of the projected clause? The projected clause here stands for a ‘wording’: that is, the phenomenon it represents is a lexicogrammatical one. (Halliday & Matthiessen, 2004: 447)

Halliday e Matthiessen (2004: 448) listam uma enorme variedade de verbos usados na oração que projeta, ou seja, verbos para introduzir citações. O verbo de sentido mais geral é o ‘dizer’. Todavia, há dentre eles verbos específicos para atuar no discurso, comoanunciar’, ‘apontar’, ‘observar’, verbos para questionar, comoperguntar’, ‘pedir’, ‘mandar’, verbos com funções adicionais circunstanciais, comoresponder’, ‘protestar’, ‘interromper’, ‘insistir’, ‘gritar’ e verbos que sugerem atitudes ou emoções, comorespirar aliviado’.

Por fim, vale destacar a questão da pontuação da projeção em citação paratática ou DD. Halliday (1989) e Halliday e Matthiessen (2004) apontam para o fato de que na escrita, a oração projetada é marcada prosodicamente por pontuação, que pode ser representada por aspas duplas ou simples. A diferença entre os dois modos de pontuação marcaria, em princípio, no sistema da língua inglesa, a projeção de significado, para aspas simples, e a projeção de enunciados, para aspas duplas. Segundo Halliday e Matthiessen (2004: 452), em relação a aspas duplas:

We are unconsciously aware that when something has the status of a wording it lies not at one but at two removes from experience; it has undergone two steps in the realization process.

Por outro lado, o relato, correspondente ao tradicional DI, é considerado um processo mental em modo hipotático (Halliday & Matthiessen, 2004: 448). Seus usos incluem a representação dos pensamentos do locutor ou do interlocutor no diálogo, a representação da consciência de um personagem, a representação do pensamento de experts e pontos de vista de autores renomados no discurso científico e a representação de crenças e opiniões no discurso jornalístico.

A diferença fundamental entre a citação e o relato está no fato de que no segundo, a oração que projeta contém um verbo de processo mental, enquanto na citação, o processo é verbal. Além disso, no relato, a oração projetada representa um significado, não um enunciado, como na citação. No relato é representada uma idéia, enquanto na citação o que se encontra é uma locução (Halliday & Matthiessen, 2004: 449).

Something that is projected as meaning is still a phenomenon of language (...); but it is presented at a different level – semantic, not lexicogrammatical. When something is projected as a meaning it has already been ‘processed’ by the linguistic system – it is a phenomenon of experience that has been construed as a meaning; but processed only once, not twice as in the case of a wording, where a phenomenon of experience is construed first as a meaning and then in turn as a wording. (Halliday & Matthiessen, 2004: 451)

Para Halliday e Matthiessen (2004: 452), a projeção de significado é dependente do processo mental explicitado na oração que projeta, por isso a forma padrão de combinação é a hipotaxe. Portanto, a oração projetada é dependente da oração mental que a projeta.

Halliday e Matthiessen (2004: 450) fazem também um inventário dos verbos de processo mental que introduzem relato hipotático. Dentre eles, o mais geral é o ‘pensar’, no sentido de expressar opinião, além de ‘acreditar’, ‘achar’, ‘lembrar’, ‘saber’, ‘ocorrer’ e ‘duvidar’. No relato hipotático, quando a oração projetada está em forma de asserção, ela é precedida de ‘que’ (that).

Halliday e Matthiessen (2004: 453) também admitem a possibilidades de se reportar um enunciado, representando-o como um significado Essa é a forma tradicional do DI das Gramáticas Tradicionais, que propõem muitas regras de transposição de DD para DI. Da mesma forma, é também possível representar um processo mental, ou seja, um pensamento, em forma de citação (Halliday & Matthiessen, 2004: 456). Para os mesmos autores, quando há uma representação hipotática de um processo verbal, de ‘dizer’, o princípio que o determina é o fato de que o que é reportado não é necessariamente o que foi realmente dito. Contudo, Halliday e Matthiessen (2004: 454) acrescentam:

This is not to suggest, of course, that when a speaker uses the paratactic, ‘direct’ form he is always repeating the exact words; far from it. But the idealized function of the paratactic structure is to represent the wording; whereas with hypotaxis the idealized function is to represent the sense, or gist.

Por fim, é importante ressaltar que na citação paratática, a perspectiva central da oração projetada é aquela marcada pela pessoa que pronunciou aquelas palavras. no relato hipotático, a perspectiva central da oração projetada é a do locutor (Halliday & Matthiessen, 2004: 452-3). Daí todas as regras de transposição, de tempo, circunstância e pessoa, das Gramáticas Tradicionais.


 

Análise dos Dados

Foram analisados sete textos da seção das cartas dos leitores da Revista Veja, publicados nos meses de abril e maio de 2005. Ao todo foram encontradas doze ocorrências em forma de DD, ou citação paratática, e uma ocorrência em forma de DI, ou relato hipotático.

Esses textos configuram-se como comentários, escritos por jornalistas ou editores da Revista Veja, a cartas enviadas de leitores que apontam erros cometidos pela revista.

Por ser um texto midiático, de função informativa e persuasiva, é encontrado um maior número de estruturas em citação paratática ou DD, pois há a forte tendência para representar as “verdadeiras” palavras dos interlocutores, de modo a demonstrar credibilidade em seu discurso.

Tabela I: estruturas em citação paratática (DD)
e relato hipotático (DI) encontradas.

Estruturas em citação paratática (DD): 12 ocorrêcias

Exemplo

Depois de ler a matéria "O alvo errado do plebiscito" (Contexto, 20 de abril), o leitor Ricardo Henrique Cavagna, advogado em José Bonifácio (SP), escreveu: "Há menções ao termo plebiscito referindo-se à consulta popular sobre a possibilidade da proibição da comercialização de armas de fogo e munições em todo o território nacional. Na verdade, o termo técnico correto é referendo". Revista Veja, 4/ 5/ 2005

Estruturas em relato hipotático (DI): 1 ocorrência

Exemplo

Ananias Pereira de Souza, de Montes Claros, Minas Gerais, e outros dez leitores advertem que esse famoso problema matemático está concluído. Revista Veja, 27/ 4/ 2005

O único exemplo em relato hipotático ou DI encontrado ocorre por meio de um processo verbal, ou seja, a oração é projetada a partir de uma oraçãoverbal’, com o verboadvertir’, o mesmo que chamar a atenção ou observar, encontrados na lista de verbos de ‘dizer’ de Halliday & Matthiessen (2004: 4448).

Acredita-se que o relato hipotático foi a forma escolhida pelo autor do texto pelas seguintes razões: a) a projeção é atribuída a três interlocutores, ou seja, seria difícil representar as efetivas palavras que cada um teria escrito; b) o autor do texto resumiu em uma oração a idéia, e não as exatas palavras ou locução do que foi dito pelos três interlocutores, daí a sua classificação como relato hipotático; c) o autor escolheu um verbo de ‘dizer para conferir “veracidade”, ou seja, credibilidade ao discurso, seu efeito persuasivo seria menor se o verbo escolhido fosse um verbo de ‘sentir oupensar’.

Quanto às formas em citação paratática, três orações complexas apresentaram formas precedidas pela conjunção integranteque’ (cf. Tabela II), como nas formas em relato hipotático. Porém, as orações projetadas representam o enunciado proferido pelos interlocutores, fato este ratificado pela utilização de aspas para marcar o que foi dito.

Entende-se que nos casos de citação paratática em que houve a utilização da conjunção integrante ‘que’, persiste esse modo de projeção nas três orações complexas, pois as orações projetadas continuam a possuir o mesmo status que a principal, além de sua independência, demonstrando modo, tempo e circunstâncias próprias e, o mais importante, o ponto de vista de quem proferiu o enunciado, e não do locutor ou autor do texto.

Há ainda o caso do exemploUngaretti Junior lembrou ainda que "o último plebiscito a que o povo brasileiro foi convocado...”” que é muito interessante, pois se trata de uma citação introduzida por processo mental (‘lembrou’). Entretanto, o nível de projeção permanece o de citação, pois a oração projetada representa uma locução, e não uma idéia.

 

Tabela II

EXEMPLO DE CITAÇÃO PARATÁTICA PRECEDIDA PORQUE

Ungaretti Junior lembrou ainda que "o último plebiscito a que o povo brasileiro foi convocado serviu para decidir sobre parlamentarismo ou presidencialismo e entre monarquia e república, em 1993". Revista Veja, 4/ 5/ 2005

Encabeçando a lista dos verbos mais encontrados na oração que projeta uma citação paratática (cf. Tabela III) está o verboescrever’, com quatro ocorrências. Isso advém da natureza dos textos e seus contextos de produção. O verbo mais geral de ‘dizer que projeta citação paratática da lista de Halliday e Matthiessen (2004: 448) é o ‘dizer’ propriamente dito. Todavia, os autores se reportam a citações de enunciados proferidos oralmente pelos interlocutores. No caso dos textos aqui estudados, os autores representam as palavras escritas pelos leitores nas cartas enviadas à revista. Os jornalistas e editores, autores dos textos, acabam por conferir à citação o caráter de representação do discurso escrito e não oral.

É natural, portanto, que o verbo mais geral, nesses contextos de projeção, seja o ‘escrever’, e não o ‘dizer’. ‘Informou’ vem em segundo lugar, com 2 ocorrências, seguido por ‘citou’, ‘explicou’, ‘esclareceu’ e ‘resumiu’, todos com uma ocorrência. Nesses outros casos, à exceção de ‘escreveu’, o caráter de representação de um discurso escrito não é marcado. Ademais, todos esses verbos representam processos verbais.

Quanto à citação paratática projetada porter’ (uma dúvida), percebe-se que não se trata de uma asserção e sim de uma pergunta ou proposta. A lista de Halliday e Matthiessen (2004: 448) prevê muitos verbos que projetam propostas, comosugerir’, ‘oferecer’, ‘concordar’, ‘ordenar’, ‘pedir’, ‘dizer’, ‘chamar a atenção’ etc. “Ter uma dúvida” é o mesmo quepedir para que alguma coisa seja dita em resposta à dúvida.

 

Tabela III

Verbos introdutores de DD encontrados

Nº de ocorrências

Escreveu

4

Informou

2

Citou

1

Explicou

1

Esclareceu

1

Resumiu

1

Ter (uma dúvida)

1

Lembrou

1

TOTAL

12

 


 

Conclusão

A análise sistêmico-funcional de formas em DD e DI demonstrou a importância de um estudo que leve em consideração os efetivos usos e funções discursivas dessas estruturas. Isso é possível ao se considerar textos produzidos em contextos reais de interação comunicativa, como os contextos midiáticos.

Somente o texto, inserido em seus contextos de uso, é capaz de proporcionar ao lingüista um estudo mais abrangente dos usos da língua e, dessa forma, revelar os padrões de escolha sistêmica e os usos de que dispõe o falante.

Of course, structure is an essencial part of the description; but it is interpreted as the outward form taken by systemic choices, not as the defining characteristic of language. Language is a resource for making meaning, and meaning resides in systemic patterns of choice. (Halliday & Matthiesse, 2004: 23)

 

Referências Bibliográficas

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[1] Utilizarei para este trabalho as traduçõesoração para o que Halliday chama de ‘clause’ e ‘oração complexa para o que Halliday chama de ‘clause complex’.

[2]aumento’ foi utilizado como tradução de ‘enhancing.

[3]orações verbais’ correspondem ao que Halliday chama de ‘verbal clauses’ e orações mentais a ‘mental clauses’.

[4]locução’ é a tradução do que para Halliday é denominado ‘locution’.

[5]enunciado’ corresponde ao que Halliday denomina ‘wording’.

[6] Para as combinações de orações em hipotaxe e parataxe ver Matthiessen e Thompson, 1988.