GÊNERO DE DISCURSO E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO
RELAÇÕES ENTRE TEMA
E SUAS FORMAS DE CIRCULAÇÃO

Isabel Cristina Rodrigues (UERJ)

 

Introdução

Os gêneros de discurso configuram-se, segundo Bakhtin (1992), como formas típicas de enunciados que, pela repetição, tornam-se relativamente estáveis. Editoriais de jornais, conferências universitárias, consultas médicas, pregações religiosas, manuais de instrução são apenas alguns dos muitos exemplos de gêneros que fazem parte do nosso cotidiano. Maingueneau (2002: 74) enumera algumas coerções que um gênero estabelece para que um enunciado possa ser legitimado no interior de um determinado gênero:

§  o status respectivo dos enunciadores e dos coenunciadores;

§  as circunstâncias temporais e os locais da enunciação;

§  o suporte e os modos de difusão;

§  os temas que podem ser introduzidos;

§  a extensão e o modo de organização.

Neste trabalho, vamos apresentar brevemente, com base nas reflexões desses dois autores, como uma revista de caráter técnico-científico – Espaço, publicada pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) – organiza esses elementos, possibilitando, assim, a circulação de determinados sentidos.

 

Espaço falando de si mesma

Apenas para situar a escolha desse periódico, é importante dizer que esta reflexão integra uma pesquisa maior sobre “debates em educação bilíngüe para surdos no Brasil”, sob a perspectiva teórica de uma análise do discurso de base enunciativa. Nessa pesquisa, decidimos optar pelas publicações do Ines como fonte de consulta, em função do papel de destaque dessa instituição na concretização da chamada “educação de surdos” no Brasil e de sua posição de centro de referência na área da surdez.

Espaço, logo de início, provocou-nos especial interesse: seu primeiro número foi publicado no segundo semestre de 1990, coincidindo justamente com o momento em que os debates que nos interessavam ganhavam visibilidade no país. Além disso, comparando-a com outras revistas e anais de seminários também do Ines, encontramos em Espaço uma caracterização bem clara que definia para ela um certo perfil genérico, ponto privilegiado por nós pela natureza de nosso quadro teórico. A pesquisa englobou os primeiros dezesseis números do periódico, correspondendo a uma década de publicação (1990-2001).

Já na primeira edição (jul.-dez./1990), na primeira capa, essa revista se define como o “informativo técnico-científico do Ines”. Na página 3 da referida edição, encontra-se:

Espaço é o informativo técnico-científico de Educação Especial para profissionais da área de deficiência auditiva, com periodicidade semestral.

Tiragem – 2.000 exemplares

As matérias publicadas por Espaço podem ser reproduzidas, desde que citada a fonte e, quando assinadas, indicado o autor.

As opiniões constantes em matérias assinadas não são necessariamente do informativo, sendo de responsabilidade de seus autores.

No editorial, na página 5, encontramos as seguintes informações:

Sem qualquer postura ideológica pré-estabelecida e com o objetivo de implementar a discussão técnica fundamentada, Espaço é mais um veículo para democratização da informação.

Espaço busca preencher a carência de bibliografia específica, na área da deficiência auditiva, divulgando artigos e comunicações de profissionais, possibilitando troca de informações, conhecimento de novas propostas de atendimento e avaliação. Busca ainda a conquista do Espaço científico, da interação e da comunicação.

Na quarta capa, ainda podemos ler:

A revista Espaço, do Instituto Nacional de Educação de Surdos, é publicada semestralmente, contendo artigos de especial interesse na área da deficiência auditiva, abrangendo diversas abordagens e estando aberta às discussões.

Para o recebimento da mesma, os pedidos devem ser encaminhados ao INES/ESPAÇO, no endereço mencionado abaixo.

A catalogação só aparece no número 2 (jan.-jun./1991) e registra as palavras “Surdos – Educação – Periódicos brasileiros”. Também só no número 2 encontra-se o registro ISSN.

Essa autocaracterização do periódico até o número 16 (jul.-dez./2001) sofre pequenas mas importantes alterações. Em relação a questões mais concretas, destacamos que a tiragem se amplia: na edição número 5 (1995/1996), passa para 3.000 exemplares e, a partir do número 10 (jul.-dez/1998), para 5.000. Além disso, a partir do número 16, a circulação passa a ser também internacional.

A revista que, no início, compunha-se basicamente por um editorial, alguns artigos e alguns informes, assumiu formato mais padronizado a partir do número 5, quando foi subdividida em seções que praticamente não foram alteradas até o número 16. A edição número 13 (jan.-jun./2000) traz na terceira capa a seguinte caracterização das seções:

Espaço aberto: artigos de relevância teórica pertinentes à área da surdez

Debate: tema previamente escolhido a ser discutido por diversos autores

Atualidades em educação: artigos de relevância teórica pertinentes à área da educação

Entrevista: pessoas surdas falando de sua trajetória pessoal e profissional

Reflexões sobre a prática: relatos de experiências de profissionais sobre sua prática

Produção acadêmica: referência de dissertação de mestrado e teses de doutoramento na área da surdez realizadas em instituições nacionais e/ou internacionais

Resenhas de livros: apresentação de resumo da obra

Material técnico-pedagógico: divulgação de materiais produzidos

Aconteceu: informativo de congressos, seminários, encontros e/ou eventos relevantes

Visitando o acervo do Ines: apresentação de material de relevância histórica constante no acervo do Ines

A revista conta ainda com o editorial e com uma agenda que divulga eventos e outros informes.

Percebe-se que não deve ter sido fácil manter a revista em circulação na primeira metade de sua existência: as edições foram interrompidas, totalmente, durante os anos de 1993 e de 1995 e, parcialmente, durante os anos de 1991, 1992, 1994 e 1996; no primeiro semestre de 1997, publicaram-se duas edições.

Sobre esse fato, consideramos interessante algo que aconteceu antes da primeira grande interrupção, em 1993, e que parece relacionado com esse momento do nascimento da revista: trata-se do conteúdo do editorial da edição número 3 (ago./dez./1992), que aponta para uma necessidade forte de delimitar o objetivo do periódico e seu escopo. Tal definição curiosamente parece o tempo todo remeter para a caracterização do próprio instituto e dos participantes do dia-a-dia desse lugar. A seguir, alguns trechos:

O Ines (...) tem como uma de suas políticas de ação a difusão de técnicas e metodologias na área da educação da deficiência auditiva.

Neste sentido, foi criado o Informativo Técnico-Científico que, muito apropriadamente foi chamado ESPAÇO.

(...)

Convém considerar, no entanto, que esse veículo de comunicação atenderá ao seu objetivo, à proporção que se torne um espaço sempre aberto a profissionais e a todos os envolvidos com a questão da deficiência auditiva, para a apresentação de suas idéias e experiências, como também quando for considerada a sua utilização como instrumento de apoio técnico às atividades de capacitação de pessoal.

Têm sido de relevante significado as manifestações de incentivo (...) para que o Ines tenha condições de produzir o Informativo (...) para informar à população sobre a surdez e sobre os aspectos educacionais, sociais, psicológicos e outros a ela relacionados.

Espera-se, cada vez mais, poder dirigir esta publicação, principalmente, a profissionais daquelas localidades de mais difícil acesso ao saber.

Podemos dizer assim que, desde o início, trata-se de um periódico que define bem seu objetivo de promover um amplo debate de ordem técnico-científica. Sobre o conteúdo, o que se pode dizer, de forma geral, é que, de fato, Espaço tem conseguido reunir um grande número de profissionais/pesquisadores dedicados a diferentes áreas de estudo sobre a surdez, provenientes de instituições variadas.

 

Ouvindo para além das palavras

Os elementos apresentados pela própria revista para se autocaracterizar permitem traçar um certo perfil genérico. Teceremos algumas observações a seguir sobre esses elementos, com base nas coerções de gênero apontadas por Maingueneau.

Espaço logo de início define seus co-enunciadores: profissionais da área da surdez. Considerando como referência o próprio Ines, a maior parte desses profissionais parece ser composta de professores, seguidos por fonoaudiólogos e, numa quantidade bem menor, assistentes sociais, psicólogos e intérpretes de libras. Tentamos obter dados concretos dessa proporção no Ines, mas não conseguimos.

Cada revista traz em média dez artigos assinados, com temas variados, e há uma boa alternância de autores – professores, fonoaudiólogos, acadêmicos ou não – a cada edição. Tendo em vista a periodicidade semestral, o número de exemplares publicados e o alcance da circulação, aliados ao fato de a área de estudo ser ainda restrita, parece-nos, a princípio, que Espaço tem condições bastante razoáveis de atender seu objetivo de promover um debate técnico-científico junto aos profissionais da área da surdez.

Não encontramos maiores detalhes sobre sua circulação. Sabemos que a abrangência é ampla, e a circulação, gratuita. A revista atende a pedidos de remessa, mas quem faz normalmente esses pedidos, ou como o Ines faz o periódico chegar, por exemplo, a lugares que o desconhecem, são dados que também não conseguimos obter. Como se trata de um instituto de educação federal, supomos que sua circulação ocorra sobretudo em espaços escolares em todo o país, tendo como leitor principal professores de surdos.

O conselho editorial não assume para si a responsabilidade das idéias divulgadas nas matérias assinadas, no entanto, classifica seu conteúdo como “de especial interesse na área”. Parece-nos assim que os artigos tenham por objetivo trazer “vozes” com algum tipo de destaque na comunidade em questão para se pronunciarem sobre os assuntos tratados.

O periódico, desde a edição nº 5, é organizado em seções, que parecem dar “espaço” a temas mais polêmicos ou em maior evidência num dado momento. Seja como for, os artigos, de modo geral, parecem revestidos, empiricamente, de um certo caráter de autoridade, o que só confirma a expectativa em relação a um gênero que se define como de ordem técnico-científica. O periódico possibilita que alguns profissionais – pesquisadores e estudiosos diversos – dirijam-se a outros profissionais – em sua maioria professores – no sentido de socializar informações consideradas relevantes e de alimentar discussões na área da surdez.

Em termos enunciativos, poderíamos dizer que o periódico é, de alguma forma, a “voz” do Ines, no que tange a assuntos de ordem técnico-científica. Afinal, é essa voz quem permite que outras “vozes” venham ocupar um “espaço” discursivamente privilegiado de interlocução, mesmo eximindo-se da responsabilidade das “idéias” propostas por essas vozes. Assumindo ou não responsabilidade por elas, a voz “organizadora” da revista autoriza-as a participar do debate ali instaurado, o que lhes deve conferir ao menos o status de “algo sobre o que se deve pensar” naquele momento específico.

Outro fato importante é que essas vozes vêm de lugares distintos do instituto – universidades, espaços escolares variados, até estrangeiros, clínicas fonoaudiológicas. São diferentes lugares enunciativos chamados à discussão. E os co-enunciadores que adentram esse “espaço”, independentemente de concordarem ou não com as vozes ali autorizadas a “falar”, também, de alguma forma, sabem que há ali presente uma voz maior organizadora da interlocução entre os co-enunciadores: a do centro de referência nacional na área da surdez.

Como periódico “técnico-científico”, Espaço se situa dentro do que Bakhtin caracterizou como gêneros secundários, aqueles que se relacionam com a comunicação cultural mais complexa. Eles afastam-se da comunicação verbal mais espontânea e imediata associada aos gêneros primários, mas, apesar disso, segundo esse autor, constituem-se absorvendo e transmutando estes.[1]

Com referência a essa questão do tipo de gênero, cabe destacar que, se denominarmos os artigos de Espaço como pertencentes, de modo geral, a um gênero de ordem “científica”, ainda assim, teríamos que especificar qual o caráter que envolveria aqui essa palavra. Segundo Coracini (1991: 27):

(...) pode-se afirmar que o objetivo da ciência tem sido não “descobrir”, mas construir o conhecimento humano com base na sistematização, na organização dos fatos que se entrelaçam e se relacionam. Captar essas relações é tarefa do cientista que, inserido num determinado contexto histórico-social, partilha com outros cientistas a crença num paradigma, em normas prescritivas que lhe possibilitam “ver” desta ou daquela maneira os fatos, os seres, os fenômenos naturais.

Sob essa perspectiva, a autora refere-se a gêneros científicos primários como aqueles que engendram um discurso intencionando aparentar extrema objetividade, tentando uma aproximação mais imediata com o referente, uma vez que pretendem relatar uma experiência científica, caso dos artigos da área das ciências biológicas. Outros textos que se relacionassem com o referente num grau inferior poderiam compor gêneros científicos secundários.

É preciso salientar que tanto objetividade quanto subjetividade constroem-se discursivamente. E, segundo a autora, o discurso científico, a despeito das aparências, é altamente subjetivo – entendendo-se por isso a presença de marcas de um sujeito que enuncia – e se constitui de forma persuasiva, mesmo aquele que procura manter com o seu objeto uma relação quase imanente.

Compreendendo a atividade científica como jogo institucionalizado, compreendem-se melhor suas características, o seu aspecto persuasivo, o seu desejo de permanência – resistindo, como é próprio de toda instituição, ao novo desestruturante – e, ao mesmo tempo, apesar da resistência, as mudanças que nela ocorrem determinadas por cada momento histórico-social. (Ib.: 40)

Em relação ao termo “técnico” – que, na verdade, é anterior a “científico” na caracterização da revista –, o dicionário Aurélio (1988: 1656) apresenta a seguinte definição: “peculiar a uma determinada arte, ofício, profissão ou ciência (...) indivíduo que aplica uma determinada técnica: especialista, perito, experto (...)”. Podemos refletir sobre o sentido dessa designação, de forma geral, como remetendo para uma área que requer especialização, que precisa dirigir seu fazer com base em conhecimentos científicos.

Assim, a revista Espaço, definindo-se como um informativo de caráter técnico-científico, trazendo enunciadores revestidos de autoridade nesse caráter e delimitando como co-enunciador profissionais da área da surdez, engendra uma prática de linguagem específica que vem se atualizando desde o início dos anos 90 do século XX. Tal prática parece apontar para um universo de sentidos com objetivos importantes. Destacamos entre eles:

§   valorizar um conjunto de conhecimentos, produzidos pela área ou não, mas considerados relevantes para seus profissionais;

§   construir um campo de atividade profissional referendado por um saber técnico e científico;

§   elevar o status do próprio campo de atuação profissional ou de pesquisa;

§   ratificar o próprio instituto como centro nacional de referência.

Não podemos, pelos limites de nossa pesquisa, dizer como tais objetivos podem estar sendo alcançados ou não, o que necessitaria de uma investigação mais próxima de co-enunciadores do periódico e de lugares onde estes atuam. De qualquer modo, se uma determinada prática de linguagem se instaura, é porque há grupos que a sustentam de forma dialógica.

Retomando a classificação de Bakhtin, os gêneros secundários tentam, de alguma maneira, recompor características dos gêneros primários, que estabelecem relação mais imediata entre os interlocutores, com a realidade dos enunciados que estes elaboram. Cada gênero sempre leva em conta, portanto, uma imagem que se tem dos interlocutores, a quem se responde ou de quem se espera uma resposta, mesmo que seja a pura aceitação do que se diz.

No nosso caso, temos noção de quem seja o interlocutor: profissionais da área da surdez. Mas o que podemos deduzir disso, tendo em vista a prática de linguagem proposta pelo periódico? Possivelmente, que eles trariam uma demanda/interesse por conhecimentos técnico-científicos, e que, entre outros recursos, eles buscariam atendê-la por meio do que o Instituto Nacional de Educação de Surdos diz sobre o assunto. Ou, ainda, que esses profissionais talvez até não tenham tal demanda, mas que é função do instituto suscitá-la, pela posição de referência que ocupa, e oferecê-la.

Notamos, pelo menos no período pesquisado (1990-2001), uma motivação particular entre os co-enunciadores de Espaço durante praticamente uma década: a de discutir a educação de surdos sob a ótica do bilingüismo. Em dezesseis edições da revista, foram publicados oito artigos que faziam referência em seu título a esse tema, sendo que outros quatro faziam referência à problemática do bilingüismo, mas associado a questões que não a educação de surdos. E há ainda os títulos que se referem ao tema de forma não explicitada no título, ou que o tangenciam por abordar assuntos conexos, como o ensino de segunda língua, por exemplo.

Essa motivação situa-se adequadamente dentro do contexto histórico da educação de surdos, quando Espaço começa a circular, caracterizado pelo início do movimento em favor do reconhecimento da língua de sinais como meio legítimo de expressão e de sua aceitação dentro dos espaços escolares juntamente com a língua portuguesa. Podemos dizer que o tema da educação bilíngüe interessa ao gênero tal como ele se constitui e, ao fazer o tema circular, o periódico atua em dois eixos:

§   o de estabelecer vínculo com outros enunciados advindos de gêneros diversos, que se atualizam em locais e momentos também diversos e que se referem ao mesmo tema;

§   o de criar um diálogo no interior do próprio periódico sobre o assunto.

Esse elo com outros enunciados é próprio da dimensão das produções de linguagem, segundo Bakhtin, é o que funda o dialogismo. E o dialogismo, por sua vez, explicita a heterogeneidade nos discursos, ao trazer outras vozes para o interior de cada discurso.

 

Considerações finais

Ao analisarmos como algumas coerções que agem sobre os enunciados se articularam no interior da revista Espaço do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), pretendemos oferecer uma reflexão sobre a construção dos gêneros, segundo uma perspectiva bakhtiniana. Nossa intenção não foi empreender uma classificação de gênero, mas, fundamentalmente, discutir a linguagem numa perspectiva discursiva, como um fenômeno socialmente constituído, e é nesses termos que a noção de gênero nos importa.

O enunciado para Bakhtin (ib., p. 279) é composto pelo conteúdo temático, pelo estilo e pela construção composicional, que são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação e se fundem “indissoluvelmente no todo do enunciado”, que, por sua vez, vem integrar um determinado gênero. Em geral, é o conteúdo temático que mobiliza a atenção num enunciado. Porém, relembrando o princípio do dialogismo, por vezes é o teor do enunciado do outro que vem determinar a composição do nosso enunciado:

... com muita freqüência, a expressividade do nosso enunciado é determinada – às vezes nem tanto – não só pelo teor do objeto do nosso enunciado, mas também pelos enunciados do outro sobre o mesmo tema aos quais respondemos, com os quais polemizamos; são estes últimos que determinam igualmente a insistência sobre certos pontos, a reiteração, a escolha de expressões mais contundentes (ou, pelo contrário, menos contundentes), o tom provocante (ou, pelo contrário, conciliatório), etc. A expressividade de um enunciado nunca pode ser compreendida e explicada até o fim se for levado em conta somente o teor do objeto do sentido. A expressividade de um enunciado é sempre, em menor ou maior grau, uma resposta, em outras palavras: manifesta não só sua própria relação com o objeto do enunciado, mas também a relação do locutor com os enunciados do outro.

Ao fazer circular enunciados que respondem a determinadas coerções, construindo um perfil de gênero, Espaço tenta definir ao mesmo tempo uma forma de circulação de sentidos: procura-se delimitar os sentidos com que um determinado tema – no caso, a educação de surdos – vai ser lido, compreendido.

 

Referências bibliográficas

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Cortez, 1992.

CAVALCANTI, Marilda C. Estudos sobre educação bilíngüe e escolarização em contextos de minorias lingüísticas no Brasil. In: Delta, Abralin, 1999.

CORACINI, Maria José. Um fazer persuasivo: o discurso subjetivo da ciência. Pontes: Educ, 1991.

HOLLANDA. Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

MAINGUENEAU, D. Novas tendências da análise do discurso. 2ª ed. Campinas: Pontes, 1993.

––––––. Termos-chave da análise do discurso. 2ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 2000.

ROCHA, Décio. “Dispositivos de inscrição do outro no discurso.” Comunicação apresentada no 1º Círculo de Estudos da Linguagem – CELing. Rio de Janeiro: IL/Uerj, 2001 (mimeo).

SKLIAR, Carlos (org.). Atualidade da educação bilíngüe para surdos. Vols. 1 e 2. Porto Alegre: Mediação, 1999.


 


 

[1] Gêneros primários são aqueles constituídos a partir da comunicação verbal espontânea, como réplicas do diálogo cotidiano, narrativas de costume, diários íntimos, documentos, cartas. Já os gêneros secundários relacionam-se com a comunicação cultural mais complexa, constituída sobretudo com o uso da escrita, como o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico. Segundo Bakhtin, durante o processo de sua formação, os gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários de todas as espécies. Estes, ao se tornarem componentes dos gêneros secundários, adquirem uma característica particular: perdem sua relação imediata com a realidade dos enunciados alheios.