Estilística Aplicada

Ruy Magalhães de Araujo (UERJ)

 

Por estilo, do grego StuloV, pelo latim stilus, ‘ponteiro’, entendia-se uma haste ou ponteiro de osso e metal que servia de instrumento à escrita dos povos antigos, mormente na Grécia e em Roma. Escreviam-se as mensagens em tábuas de cera e o estilo era aguçado em uma das extremidades (para marcar os caracteres) e achatado na outra (para fazer correções, supressões ou apagar o que se havia escrito). Em sentido figurado, hodiernamente se define o estilo como a maneira ou o caráter especial de os artistas, de um modo geral, assinalarem seus trabalhos. De um modo específico, entendemos que o estilo é o modo particular de exprimirmos o pensamento, através do conjunto de procedimentos que fazem da língua representativa um meio de exteriorização psíquica e de apelo.

A estilística é uma disciplina lingüística que estuda a expressão em seu sentido estrito de EXPRESSIVIDADE da linguagem, isto é, a sua capacidade de emocionar e sugestionar. Distingue-se, portanto, da gramática, que estuda as formas lingüísticas na sua função de estabelecerem a compreensão na comunicação lingüística. A distinção entre a estilística e a gramática está assim em que a primeira considera a linguagem afetiva, ao passo que a segunda analisa a linguagem intelectiva. (Câmara Jr., 1977: 110)

Por conseguinte, não podemos confundir ou embaralhar a estilística com a gramática. Condensando-se as palavras de Charles Bally, o que caracteriza o estilo não é a oposição entre o individual e o coletivo, porém o contraste entre o emocional e o intelectivo. (Bechara, 1999: 415). De fato.

Enquanto a Gramática estuda as formas lingüísticas no seu papel de propiciarem o intercâmbio social da comunidade, cabe à Estilística estudar a expressividade delas, isto é, a sua capacidade de transfundir emoção e sugestionar os nossos semelhantes. (Rocha Lima, 1980: 441)

A estilística pode definir-se como a arte de bem escrever e ainda como o tratado das diferentes formas ou espécies de estilo e dos preceitos que a ela dizem respeito. Também pode definir-se como o setor dos estudos da linguagem que se ocupa com o estilo, tendo a linguagem como fator de que não pode prescindir, ou, por fim, como todo o aparato afetivo e emocional que caracteriza a expressividade do autor.

Tem-se a seguinte dicotomia para classificar a estilística: a chamada estilística da língua, de Charles Bally, e a chamada estilística da fala, apregoada por Karl Vossler, Leo Spitzer, dentre outros, do Idealismo alemão.

A análise literária difere da análise estilística. Aquela é de competência do professor de literatura; esta é da alçada do professor de língua portuguesa e visa, primordialmente, a enfocar aspectos do sistema expressivo e sua eficácia estética no idioma ou nas particularidades idiomáticas de um autor literário ou de um simples falante, interessando-lhe

...tanto a captação de traços estilísticos da língua oral como da escrita, do falante comum e do literato. Com razão disse Vossler que na linguagem de um mendigo vagabundo há gotinhas estilísticas da mesma natureza que todo o mundo expressional de um Shakespeare. (Bechara, 1999: 441).

A crítica tradicional do estilo, comportando suas multifacetadas inquirições literárias, históricas, sociais, políticas, ideológicas, filosóficas etc., não estará, certamente, exposta a insinuações de que a estilística irá tirá-la do seu lugar e muito menos tentando apagar o papel da antiga retórica. Ao contrário, a estilística irá sempre prestigiá-la por conta do alto papel que aquela crítica desempenha. Sendo da competência da crítica tradicional o estudo de proposições antigas, a estilística, por estudar proposições novas, estuda igualmente todos os assuntos.

Os traços estilísticos vêm representar a marca de cada autor, o somatório de tudo o que ele produz em termos de ideal estético, de belo, em seu trabalho, projetando-se em todos os setores da língua. O estilo, próprio ao ser humano, na definição de Buffon, não deve ser entendido como a violação da norma culta do idioma, daí porque existe muita diferença entre traço estilístico e erro gramatical. O traço estilístico pode caracterizar-se por um desvio ocasional da norma gramatical observada em determinada época, o que se justifica, todavia, em razão do seu alto propósito estético. O erro gramatical é o desvio ocasional da norma gramatical observada em determinada momento, porém desprovido do alto propósito estético.

O terreno da estilística é vasto e abrange todos os limites da linguagem, fornecendo a estes valiosos subsídios.

Dessa forma, temos a considerar:

                                  a) Fônica

ESTILÍSTICA          b) Morfológica

                                  c) Sintática

                                  d) Semântica

 

ESTILÍSTICA FÔNICA

Os sons constituem o seu objeto.

Dentro da fonética, numa abrangência prática, poderíamos esquematizar o seguinte:

D - duração: de caráter irrelevante, sem valor significativo, referindo-se à quantidade (breve/longa).

I - intensidade: relaciona-se com a acentuação das palavras, possuindo grande valor expressivo.

T - timbre: aberto e fechado, relaciona-se com o efeito acústico decorrente da ressonância ao pronunciarem-se as vogais.

A - altura: faz a distinção entre orações afirmativas e interrogativas.

Interessa-nos, sobremaneira, o estudo de três acentos: duração, intensidade e altura, os quais, em função da expressividade, aglutinam-se, combinam-se, misturam-se, a fim de evidenciarem determinada palavra dentro de determinado contexto, fazendo com que a mesma fique numa redoma de emoção e afeto. É o chamado acento emocional de insistência. "Tal acento pode consistir no prolongamento da própria sílaba tônica, à qual se comunica, assim, maior duração; ou recair em outra sílaba, valorizada, então, por maior intensidade, maior altura, e, às vezes, também, maior quantidade". (Rocha Lima, 1980: 442).

Para exemplificar a duração (quantidade breve/longa), transcreveremos abaixo dois fragmentos, extraídos, respectivamente, dos livros dos Professores (Rocha Lima, 1980: 442) e (Bechara, 1999: 86).

Certa vez, na inauguração de um edifício público em festa, [ATAXERXES] sentiu no meio da multidão que o olhar do amigo pousava no seu rosto, como que o reconhecendo. Não se conteve e gritou:

Ziiito!... (Aníbal M. Machado).

Se pudéssemos, nós que temos experiência da vida, abrir os olhos dessas mariposinhas tontas... Mas é inútil. Encasqueta-se-lhes na cabeça que o amor, o amoor, o amooor é tudo na vida, e adeus. (Lobato).

Com a repetição da vogal tônica, tivemos nos dois fragmentos de modo comprovado o alongamento vocálico, que expressa o estado emotivo do falante e do autor. Tal fato poderá comprovar-se em outras situações, ao enfatizarmos as sílabas de algumas palavras, quando queremos emprestar ao discurso maior carga emocional: a situação é calamitosa; mas é preciso calma. Os fonemas podem, talqualmente, apresentar esse aproveitamento estilístico, mormente as consoantes homorgânicas: lhes peço uma coisa - guerra ao crime! O /p/ de peço, o /g/ de guerra e o /c/ de crime alcançaram, maior força, maior expressividade dos nossos estados d'alma.

A motivação sonora das vogais e consoantes, isto é, o aproveitamento das características espontâneas de seus fonemas, capazes de estabelecer analogias com algumas idéias ou sentimentos, também serve de exemplo: o carro roda; o vento varre; a chuva encharca.

 

As onomatopéias

De acordo com a definição de (Câmara Jr., 1977: 182), "Onomatopéia - Vocábulo que procura reproduzir determinado ruído, constituindo-se com os fonemas da língua, que pelo efeito acústico dão melhor impressão desse ruído". De conformidade com a opinião de (Rocha Lima, 1980: 444), "A atribuição a certos sons lingüísticos de uma capacidade especial para interpretar certos ruídos, ou até estados d'alma, é o que se chama onomatopéia". Palavra cuja pronúncia imita o som natural da coisa significada (sussurro, ciciar, ulular, tique-taque, cocorocó, gluglu, etc) poderá ser a definição mais generalizada de onomatopéia.

Vale lembrar os efeitos onomatopaicos do poema "Os Sinos", de Manuel Bandeira, de onde destacamos os seguintes fragmentos:

Sino de Belém bate bem-bem-bem

...........................................................

Sino da Paixão bate bão-bão-bão.

Guimarães Rosa, magistralmente, usou os efeitos vocálicos das vogais, criando o verbo aeiou-ar. "O mato - vozinha mansa - aeiouava."

Igualmente, pela junção e combinação de alguns fonemas é possível obtermos belos efeitos imitativos e sugestivos de motivação fônica ou musicalidade dos segmentos frasais, embora nos afastemos, num sentido rigoroso, ao campo das onomatopéias. Mesmo assim, vejamos:

* por homofonia (incidência da acentuação tônica na mesma vogal ou assonância):

Tíbios flautins finissimos gritava,
E, as
curvas harpas de ouro acompanhando,
Crotalos
claros de metal cantavam". (Olavo Bilac)

* por aliteração (repetição de fonema ou fonemas no início, meio ou fim de vocábulos próximos e até mesmo distantes, desde que simetricamente dispostos em uma ou mais frases ou em um ou mais versos):

"Mas, muito antes da luz das barras, os passarinhos percebem o sol:

pio, pingo, pilgo, silgo, pinta-alecrim..." (Guimarães Rosa)

* por coliteração (incidência nas consoantes homorgânicas, repetidas várias vezes, no início, meio ou fim de uma ou mais frases ou em um ou mais versos):

"Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam
nos velhos vórtices velozes
Dos
ventos, vivas, vãs, vulcanizadas".(Cruz e Souza)

"Ringe e range, rouquenta, a rígida moenda..."(Da Costa e Silva)

"Com grandes golpes bato à porta e brado"(Antero de Quental)


 

ESTILÍSTICA MORFOLÓGICA

O uso expressivo das formas gramaticais constitui o seu objeto.

Eis alguns exemplos:

* O chamado plural de convite. O verbo vai para o plural e a intenção é conclamar alguém a praticar uma ação ou a realizar tarefa ou trabalhou que não seja de bom agrado:

"Vamos terminar com esse barulho", diz o inspetor de alunos na sala de aula.

* O plural de modéstia. Também o verbo irá para o plural, quando o autor procura falar de si mesmo:

"Nós, ao pronunciarmos estas palavra, estamos com o coração partido".

* O emprego de tempos e modos verbais:

a) o presente pelo futuro, indicando resolução, decisão:

"Amanhã, depois do trabalho vou ter com ela.

b) o imperfeito, como forma de educação, polidez:

"Eu queria que você me ouvisse"

c) o presente pelo pretérito, procurando dar ao diálogo aspecto de inovação e comoção a quem se fala:

"Nisso, o temporal desaba sobre a cidade".

* Uso de sufixos, notoriamente os de gradação:irmãozinho, mãezinha, politicalha, poetastro, etc.

 

ESTILÍSTICA SINTÁTICA

Trabalha com o valor expressivo das construções.

1) Mudança de tratamento:

Ocorre de um período para outro, mostrando estado de alteração emocional ou psíquica entre o falante e o ouvinte ou entre o autor e o leitor. Trata-se da "impregnação afetiva da frase", (Rocha Lima, 1980: 452). É preciso que não se confunda esse estado de alteração, que é um traço estilístico, com erro gramatical, que é a violação da norma culta.

Vejam-se os exemplos de Castro Alves,em O Fantasma e a Canção:

- Mendigo, podes passar!
Meu cajado - foi cetro,
Meus trapos - manto real!
-
Senhor, minha casa é pobre ...
Ide
bater a um solar!

O primeiro tratamento: tu demonstra humildemente o modo acolhedor, quando o fantasma pede abrigo. O segundo tratamento: vós revela a soberba do fantasma, quando, referindo-se ao seu passado, diz que foi rei.

2) Emprego de verbos na primeira pessoa do plural, em lugar da segunda, como seria o usual. Tenha-se o seguinte exemplo de Almeida Garrett, (Rocha Lima, 1980: 453):

" - Sim, eu agora ando bom ... e tu, meu Luís, como vamos de saúde?"

Evidencia-se a diferença entre "tu, meu Luís," e "como vamos", em que o autor expressa a maneira cordial da indagação, notadamente com o tratamento afetivo "meu Luís".

3) Uso de infinitivo pessoal ou flexionado.

Trata-se de um idiotismo ou particularidade da língua portuguesa, cujo emprego se condiciona a vários aspectos normativos.

Eles pensam sermos voluntários”.

4) Emprego da silepse.

Por silepse entendemos a figura de sintaxe pela qual a concordância das palavras se faz de conformidade com o sentido e não segundo as regras da gramática.

"A silepse pode ser de gênero, de número ou de pessoa.

Ocorre a silepse de gênero:

a) quando, com pronomes de tratamento, o adjetivo concorda com a pessoa a que esses pronomes se referem:

'V. Exª., temido e respeitado, tome-se, por quem é, conta daqueles desvalidos'. (Herculano: Cartas, II, pág. 46, ed. s/d.)

b) quando, com substantivos próprios de cidades, rios, montes, a concordância se opera com o apelativo da classe a que pertencem tais substantivos:

'A Campos formosa' (isto é, a cidade de Campos).

'O Amazonas corre majestoso para o oceano' (isto é, o rio).

Ocorre a silepse de número:

a) quando o sujeito é um coletivo e o verbo concorda com os elementos desse verbo isoladamente:

- 'Essa gente não terá vindo?

- Parece que não. saíram um bom pedaço'. (Machado de Assis. Relíquias de Casa Velha, pág. 169, ed. Garnier, s/d.

b) quando o sujeito é o pronome nós, empregado por eu, e se prefere fazer a concordância com o termo subentendido:

'Chegado, porém, à conclusão deste livro, por-lhe-emos remate com uma reflexão'. (Herculano. História de Portugal, II, pág. 408). 'A nós, que fomos instituídos intérprete do direito natural e divino'. (Rui. O Papa e o Concílio, pág. 203).

Ocorre silepse de pessoa quando a concordância se opera não com a pessoa expressa, mas com a que está oculta:

'Dizem que os cariocas somos pouco dados aos jardins públicos'. (Machado de Assis, op. cit., pág. 140).

'Senhor, os que somos de terra deixamos repousar os navegantes'. (Garrett: Fr.Luís de Sousa, pág. 221 e Almeida Torres, 1959: 226).

5) Uso do anacoluto.

Trata-se de uma desconexão sintática, no meio do enunciado, por via de regra após uma pausa sensível, resultante do desvio do plano de construção frasal. "É a quebra da construção lógica da oração". (Bechara, 1995: 95). "Anacoluto ou anacolutia é a interrupção da contextura de uma frase, de modo que uma palavra ou expressão fica como que solta, sem função sintática definida". (Almeida Torres, 1959: 226). (...) "é uma das belezas mais ornamentais da língua. De geração espontânea na linguagem do povo, como o provam os adágios e rifões, os escritores e poetas mais autorizados acharam-lhe tal graça, tal efusão, que o transportaram de flor popular e anônima, a flor de gala e louçania" Carlos Góis, citado por (Almeida Torres, 1959: 227). "Quase sempre, o que determina o anacoluto é a colocação, no rosto do período, do elemento de maior relevo psicológico. Nele se concentra por tal forma o nosso interesse, que não prestamos atenção à regularidade sintática e o deixamos a valer por si, sem ligação com os demais membros da frase". (Rocha Lima, 1980: 454). "O anacoluto, fato bastante comum na língua oral, deve ser usado, na expressão escrita, com sobriedade e consciência". (Cegalla, 1989: 521). “Consiste na quebra da estrutura regular da frase. Um termo, que inicia a frase, não tem seguimento lógico, ficando sem análise: O bom profissional não lhe faltam empregos”. (Ribeiro, 2002: 333).

"A pessoa que não sabe viver em sociedade, contra ela se opõe a lei"

"A construção gramatical seria: Contra a pessoa que não sabe viver em sociedade se opõe a lei". (Bechara, 1999: 595).

"Bom! Bom! eu parece-me que ainda não ofendi ninguém!" (J. Régio), SM, 105, citado por, (Cunha e Cintra, 1985: 613).

"(...) foi o pronome eu, que anunciava como sujeito do verbo seguinte, o elemento que ficou sem função. Com a imprevista estrutura assumida pela frase, a primeira pessoa, por ele representada, passou a objeto indireto (me). (Id., ib.)

6) Colocação dos pronomes oblíquos átonos (ou topologia pronominal).

Em função da expressividade, muito se tem lançado mão da liberdade de colocação dos pronomes oblíquos átonos, mormente quando se inicia frase. Me um abraço, em verdade, fica muito mais impregnado de afetividade do que Dá-me um abraço, que, neste exemplo, põe por terra qualquer elo aproximativo ou de amizade, traduzindo, isto sim, imposição, ordem,mando. Na mesóclise e na ênclise, igualmente, notam-se traços estilísticos marcantes.

7) Emprego do estilo indireto livre.

Outra faceta, é o emprego do estilo indireto livre.

Vejam-se os seguintes exemplos:

a) estilo direto:

"O sacerdote,com o coração a sangrar, disse: Positivamente, este país não é amigo de Deus".

b) estilo indireto:

"O sacerdote, com o coração a sangrar, disse que positivamente aquele país não era amigo de Deus".

c) estilo indireto livre:

"O sacerdote estava com o coração a sangrar. Positivamente, aquele país não era amigo de Deus". (Rocha Lima, 1980: 458).

8) Uso da elipse:

Elipse é a omissão de termos facilmente subentendidos.

"Os homens pararam, o medo no coração". (Jorge Amado). (Os homens pararam, com o medo no coração)

“Nota-se que a primeira construção é mais concisa e elegante. Desvia-se da norma estritamente gramatical para atingir um fim expressivo ou estilístico." (Cegalla, 1989: 518).

Pode ocorrer:

Com a omissão de pronomes sujeitos, de verbos, de elementos conectivos (preposições e conjunções):

Marina estava grávida. Preferiu não dizer. (ela)

O livro merece lido. (verbo ser)

O trabalho era pesado, os empregados, poucos. (eram)

Espero tenhas prudência. (que)

Os estabelecimentos saqueados, nenhum sinal de vigilantes. (e)

A elipse pode ser total ou parcial de uma oração:

Eu conhecera aquele rosto, porém não sabia onde. (não sabia onde o conhecera)

Nas chamadas frases nominais, também se dá elipse:

"Bom rapaz, o verdureiro, cheio de atenções para com os fregueses." (Carlos Drummond de Andrade). (Bom rapaz era o verdureiro, vivia cheio de atenções para com os fregueses)

9) Pleonasmo é o uso de termos redundantes e tem por finalidade reforçar ou enfatizar a expressão.

"Tenha pena de sua filha, perdoe-lhe pelo divino amor de Deus". (Camilo Castelo Branco).

Vi com os olhos cheios de lágrimas.

A mim me parece óbvio...

A ti te dedico esta foto.

10) Polissíndeto é a repetição de conjunção coordenativa, geralmente a aditiva "e"; dá sempre idéia de repetição:

"Trejeita, e canta, e ri nervosamente". (Antônio Tomás)

"No aconchego

Do claustro, na ciência e no sossego,

Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!" (Olavo Bilac).

"Mão gentil, mas cruel, mas traiçoeira". (Alberto de Oliveira).

11) Assíndeto é a ausência de conjunção entre elementos coordenativos; dá sempre idéia de omissão:

"Luciana, inquieta, subia à janela da cozinha, sondava os arredores, bradava com desespero, até que ouvia duas notas estridentes, localizava o fugitivo, saía de casa como um redemoinho, empurrava as portas, estabanada:

"- Quero o meu peritiquito." (Graciliano Ramos).

12) Reticência é a omissão intencional da idéia, fazendo com que o silêncio seja mais expressivo que a palavra. É a retórica do silêncio, poder-se-ia dizer:

"Nós dois ... e, entre nós dois, implacável e forte,

A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte ... " (Olavo Bilac).

13) Inversão é a troca, a alteração, da ordem dos termos oracionais, com a intenção de fazê-los destacar, colocando-os no início da frase:

"Por que brigavam no meu interior esses entes de sonho não sei". (Graciliano Ramos).

14) Zeugma é a supressão de vocábulo anteriormente expresso, porém subentendido com outra flexão:

"Nem ele entende a nós, nem nós a ele". (Camões).

(Na segunda oração, o verbo entender está oculto pela forma entendemos)

15) Hipálage é a atribuição que se dá a alguma palavra daquilo que pertence a outra palavra:

Aves cheirosas, flores ressonantes." (Gregório de Matos).

(O poeta atribuiu às aves o que pertence às flores e às flores, o que pertence às aves)

16) Hipérbato é a inversão da ordem natural das palavras na oração, ou a da ordem das orações no período.

"Aberta em par estava a porta." (Almeida Garrett).

"Das idades através". (Castro Alves).

17) Anástrofe é a inversão da ordem natural do pensamento, contudo sem haver a quebra da correlação existente entre as palavras:

As Gálias conquistou César.

18) Tmese é o emprego do futuro do presente e do futuro do pretérito com a intercalação de um ou mais pronomes oblíquos:

"Seguir-se-me-á uma morte bem assombrada" (Padre Antônio Vieira).

19) Sínquise é a inversão violenta da ordem natural das palavras, disso resultando tornar-se a frase obscura:

"A grita se alevanta ao Céu, da gente". (Camões, Os Lusíadas, II, p. 91). (A grita da gente se alevanta ao Céu)

20) Anáfora é a repetição de uma ou mais palavras no início de duas ou mais frases, de membros da mesma frase, ou de dois ou mais versos:

"Quase tu mataste, /Quase te mataste, /Quase te mataram!" (Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, p. 244).

21) Epístrofe é a repetição da mesma palavra ou das mesmas palavras ao final de cada um dos membros de frases.

"Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia - Assim! De um sol assim!" (Olavo Bilac, Poesias, p. 170).

22) Símploce é a repetição da mesma palavra ou das mesmas palavras no começo e fim de frases:

"Tudo se encadeia, tudo se prolonga, tudo se continua no mundo ..." (Olavo Bilac).

23) Concatenação consiste em iniciar-se cada um dos membros de frase pela última palavra da frase anterior:

"O mau humor produz a impaciência; da impaciência nasce a cólera; da cólera, a violência; e a violência conduz ao crime". (Rocha Lima, 1980: 474).

24) Conversão é a repetição simétrica, com os termos invertidos.

"Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E
triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada.
E a
alma de sonhos povoada eu tinha ..." (Olavo Bilac).

25) Enálage (também chamada de transposição) é a substituição do gênero, número, caso, pessoa, tempo, modo ou voz de uma palavra por outro gênero, número, caso, pessoa, tempo, modo ou voz, e se caracteriza pelo fato de dar a um termo uma aplicação diversa da que lhe é peculiar. Ex. Hoje vou,(vou amanhã, vou se puder) ao teatro. (=Irei ao teatro se puder). Temos o presente pelo futuro. Simplesmente, é o emprego de um tempo verbal por outro.

"Se deres mais um passo, morres (=morrerás)". (Ribeiro, 2002: 338).

 

ESTILÍSTICA SEMÂNTICA

Sondando a denotação (função representativa da linguagem) e a conotação (função de exteriorização psíquica ou apelo), podemos dizer que tais funções se fazem presentes para estabelecer a significação intelectiva das palavras, o que vem a ser, em última análise, o escopo da estilística semântica.

De fato. A denotação espelha a palavra em seu sentido próprio, primeiro, não-metafórico, tal qual se registra nos dicionários, e que remete o leitor a um objeto referencial, denotativo do mundo extralingüístico, objeto esse que pode ser real ou imaginário. A conotação, ao contrário, sugere ou evoca, por associação de idéias, numa inter-relação afetiva ou emocional, figurativamente outro objeto de caráter conotativo.

Assim, os dicionários registram de início a definição principal das palavras (que é sempre denotativa) e a seguir nos fornecem a outra definição, que é conotativa. Observe-se como exemplo a palavra ÁGUIA. Os dicionários apresentam-lhe de imediato o seu significado denotativo: "(Do lat. Aquila.) S. f. Denominação restrita às aves de rapina da ordem dos falconiformes, notáveis pelo seu tamanho e vigor, inexistentes no Brasil e em toda a América do Sul.// P. ext. Insígnia ou símbolo representado pela figura estilizada deste animal. Logo a seguir, segue-se a definição de caráter conotativo: "Fig. Pessoa de grande talento e perspicácia. //Por antonomásia, designação de pessoa notável, com indicação da terra em que nasceu e do lugar onde se tornou famoso. Ex. Ruy Barbosa, águia de Haia; Napoleão, águia de Austerlitz. Outros exemplos poderão ser indicados, haja vista a palavra madrasta. Sob a óptica denotativa,significa: "(Do lat. Vulg. Matrasta.) S. f. Mulher casada, em relação aos filhos que o marido teve de núpcias anteriores.// Fig. Mãe ou mulher inclemente, descaridosa, má, ruim. Registram-na, ainda, como adjetivo: vida madrasta. É óbvio que nem todas as madrastas merecem essa conotação negativa, existindo algumas que desempenham o papel de verdadeiras mães.

É através da conotação que encontramos a série sinonímica das palavras. Por série sinonímica entendemos grupos de palavras que têm uma significação geral comum, mas se distinguem por leves idéias particulares e se empregam em situações diferentes. Comparem-se, por exemplo, as palavras cara, rosto, face, fisionomia. Todas significam a parte superior da cabeça. Todavia, não usaríamos indistintamente umas pelas outras. Sentimos logo que cara é palavra vulgar, um tanto grosseira; rosto pertence a uma linguagem mais delicada; face nos soa como termo culto, mais próprio da literatura; fisionomia emprega-se quando se quer aludir aos sentimentos que transparecem no rosto de uma pessoa. (Rocha Lima, 1980: 448-449).

Na denotação, faz-se a distinção dos sinônimos pelo seu sentido mais amplo ou menos amplo: educador, mestre, professor; recompensa, gratificação, gorjeta.

Na conotação, pelo seu efeito estético, que pode ser:

i. emprego usual ou técnico: vertigem/lipotimia; fastio / anorexia;

ii. emprego corrente ou literário: criado/fâmulo; beijo/ósculo;

iii. emprego nobre ou plebeu: vísceras/tripas; barriga/pança; bucho/estômago, narinas/ventas.

Na polissemia (propriedade de uma palavra ter múltiplas significações), a sinonímia está vinculada ao contexto. Dá-se polissemia em palavras onde existe uma única forma (significante), contendo vários signifidados ou campos semânticos diferentes.

Tomemos o verbo ABRIR em suas várias acepções:

(Do lat. Aperire.) V.t.d. Mover (porta, janela, etc., fechada ou cerrada); descerrar: 'Bonifácio abriu as janelas todas da frente e desceu à chácara. (Machado de Assis), Outras Relíquias, p. 29); // Separar, afastar as partes juntas ou contíguas de: abrir os olhos; abri a boca; 'o tabelião desabotoou o paletó, tirou a carteira, abriu-a, e mostrou-lhe duas notas de cinco mil-réis'. (Machado de Assis, Papéis Avulsos, p. 204.) // Separar, afastar, apartar: O navio abria as águas do mar. // Estender, distender: abrir os braços. // fender, furar,mediante incisão, corte, golpe, etc. // Fazer incisão em; cortar, rasgar: o médico abriu o abscesso. // Desabotoar: Abriu a camisa para refrescar-se. // Fazer desabotoar, ou desabrolhar: 'Neste limiar de indiferença, / não posso abrir a tênue rosa / domais espiritual suspiro' (Cecília Meireles, Obra Poética, p. 248.) // Descerrar (livro, revista), geralmente para ler ou consultar. // Acender (a luz elétrica). // Ligar: abrir a chave da luz. // Retirar o invólucro, ou a tampa, ou o selo de: abrir um pacote; abrir uma garrafa. // Fazer funcionar, pôr em uso: abrir uma torneira. // Acender (a luz elétrica). // Ligar: abrir a chave da luz. // Começar, principiar, encetar: abriu um choro convulsivo. // Dar por começado ou aberto: Abriu a sessão solene com um breve discurso. // Montar (estabelecimento, loja, etc). // Gravar, burilar, esculpir, entalhar. // Registrar, lavrar. // Estabelecer (crédito). // Bras. Ceder a interrogatório, confessando (crime) ou denunciando (alguém). // E. Ling. Dar pronúncia aberta, longa a (uma vogal). // Bras. Afastar (o cavalo) da trilha. // Na sinalização de trânsito, fazer passar (o sinal vermelho, que indica impedimento) a verde, que indica trânsito livre: O guarda abriu o sinal e os veículos avançaram. // Art. Graf. O mesmo que entrelinhar. // Art. Graf. O mesmo que interespacejar. Art. Graf. O mesmo que arejar. Art. Graf. O mesmo que Aumentar os claros entre as letras, palavras, ou linhas na composição. (Antôn. nesta acepção: apertar. Cin. Fot. Telev. Obter maior amplitude de enquadramento do assunto, mediante afastamento da câmara, ou por uso de zum. (Antôn. Nesta acepção: fechar. // Inform. Carregar (arquivo ou programa), preparando-o para uso. // Inform. Criar ou expandir 'janela' de aplicativo, tornando-a ativa. // Inform. Numa rede de computadores, iniciar uma conexão de um computador com outro. Mar. Romper pelas costuras: O impacto da vaga abriu a embarcação. Bras. Gír. Terminar (relacionamento), romper. // Inform. Acessar ou criar um arquivo para ler, alterar ou acrescentar dados. V. t. e i. O mesmo que descerrar. // Estender, estirar: '-Ela abria os braços.E eu ficava. (Olavo Bilac, Poesias, p. 168. // Estabelecer, conceder crédito. // Mar. Variar a marcação, afastando-se da direção da proa da embarcação. // Obter, ganhar: 'Senna abriu vantagem sobre Piquet.'. // Tornar acessível; franquear. 'D.João VI abriu os portos às nações amigas.' // Favorecer, proporcionar. V.t. i. Descerrar a porta; franquear a entrada: 'Mandou abrir aos que batiam.' // Fazer confidências, desabafar-se;abrir-se: 'Abriu, afinal, com o velho companheiro. // T. c. Dar acesso, comunicação; dizer. 'A janela abre para o jardim. // Ter descerradas as portas de entrada, para atender ao público: 'As casas comerciais abrem às 9 horas.' // Mar. Afastar-se, distanciar-se: ' O navio abriu do cais'. // Rondar o vento no sentido da popa da embarcação: 'O vento abriu para o través, para a alheta, etc. // T. c e i. Abrir; 'FHC abre 7 pontos sobre Lula' (Folha de São Paulo, 12.8.1994). V. int. Abrir a porta; franquear a entrada: 'Bateram à minha porta, / Fui abrir, não vi ninguém.(Manuel Bandeira, Estrala da Vida Inteira, p. 197). // Desabrochar, desabotoar; abrir-se: 'Que linda noite! Os cravos vão a abrir ...' (Antônio Nobre, , p. 172) // Melhorar, serenar as condições metereológicas, o tempo. // Mar. Diminuir a bruma, o nevoeiro. // Bras. Afastar-se, distanciar-se. // Bras. Angol. O mesmo que fugir; 'Os que tinham famílias nas matas, não passou uma semana, abriram'.' (Papeleta, A Geração da Utopia, p. 156). // Bras. Ceder a interrogatório, confessando crime ou denunciando alguém. // Brás. Pop. Mudar de idéia; ceder; abrir mão. // Surgir ou aparecer de súbito: ''O relâmpago abria, ilumina-me instantaneamente a razão e depois passava'. (Cordeiro de Andrade, Anjo Negro, p. 107). // V. p. Rasgar-se; fender-se: 'Com o terremoto as paredes do templo se abriram'. // Pôr-se em condições de uso, estendendo-se, desdobrando-se: 'O pára-quedas se abriu por inteiro como uma pequena abóbada volante'. (Orígenes Lessa, Omelete em Bombaim, p. 143) // Bras. Ir-se embora; sair, partir, viajar. // Bras. Gír. Viver sorrindo; sorrir. (Novo Aurélio. O Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999: 16, 17)

Vejamos a palavra REBANHO:

S. m. Porção de gado lanígero. // P. Ext. O total de qualquer espécie que constitui gado para corte. // Porção de animais, como carneiros, cabras, etc., guardados por pastor. // Grande quantidade de quadrúpedes que vivem em hordas, ordinariamente em estado selvagem. // Fig. Conjunto de fiéis, em relação ao seu pastor, papa, bispo ou pároco. Nesta acepção, o mesmo que redil. // Fig. Grupo de pessoas que se deixam levar sem manifestar opinião ou vontade própria.

A palavra MANGA:

[Do lat. Manica, 'manga de túnica'.] S. f. Parte do vestuário onde se enfia o braço. // Filtro afunilado para líquidos. // Qualquer peça de forma tubular que reveste outra peça. // O mesmo que tromba-d'água. // Parte do eixo dum veículo que se encontra dentro da caixa de graxa e recebe todo o peso do carro. [Do lat. *manica<manus, 'exército', hoste.] S. f. Hoste de tropas. // Grupo, ajuntamento, bando, turma. [Do mal. manga.] S. f. O fruto da mangueira. // O mesmo que mangueira, isto é, tubo de lona, borracha, plástico, etc., para condução de água ou de ar. [Do esp. plat. Manga.] S. F. Bras. Am. Parede de cerca que vai da beira até as asas dos currais-de-peixe, perpendicularmente ao rio. // Bras. Ma. Espécie de corredor com paredes de varas, que conduz a um rio ou a um igarapé e serve para guiar os bois que vão ser embarcados. Bras. CE a BA e MG a GO. Pastagem cercada onde se guarda o gado. // Bras. BA. Na rede de pescar denominada calão, a parte que fica nas extremidades, onde se puxam as cordas. // Bras. RS. Cercas divergentes, a partir da porta do curral, que servem para facilitar a entrada, no curral, do gado. // Bras. RS. Linha formada por pessoas a ou a cavalo para obrigar o animal a passar por determinado ponto, ou faze-lo entrar para a mangueira.

As palavras GRAVE, PENA, CABO, PONTO, LINHA, etc. igualmente servem de modelos para lhes determinarmos os campos semânticos respectivos.

Outro tópico importante, é o que diz respeito aos antônimos. Por eles, entendemos as palavras que possuem significação completamente oposta. "Ora são termos de radicais distintos, ora possuem o mesmo radical, caracterizando-se um deles por um prefixo de valor negativo:

abrir-fechar     feliz-infeliz

claro-escuro    lealdade-deslealdade

resistir-ceder   normal-anormal". (Rocha Lima, 1980: 540).

Os homônimos também figuram como de grande importância. Trata-se de palavras que apresentam a mesma pronúncia, tendo por vezes a mesma grafia, porém com o significado diferente: são (sadio); são (verbo ser); são (santo).

O sentido dos homônimos pode ser estabelecido pelo contexto em que os mesmos estejam inseridos. O aspecto gráfico e fonético é fator determinante dos homônimos, daí serem classificados em:

Homófonos heterofônicos (possuem a mesma escrita mas se diferenciam no timbre ou na intensidade das vogais):

pêlo (subst.)        pélo (verbo)            pelo (prep.contr. de per + lo)

pára (verbo)       para (prep.)

este (pronom.)    este (subst. (ponto cardeal)

apóio (verbo)      apoio (subst.)

providência (subst.)            providencia (verbo)

jogo (subst.)        jogo (verbo)

Homófonos heterográficos (possuem a mesma pronúncia porém se diferenciam na escrita, isto é, através do grafema ou letra diferente que encerra o respectivo conteúdo semântico):

acender (pôr fogo)                              ascender (subir, elevar-se)

cela (aposento de religiosos; cadeia)   sela (arreio de cavalgaduras)

censo (alistamento geral)    senso (juízo)

censual (relativo ao censo) sensual (relativo aos sentidos)

concerto (harmonia de sons ou vozes)                concerro (ato de reparar)

cessão (doação)   sessão (reunião)       seccão (divisão)

estrato (tipo de nuvem)       extrato (fragmento, coisa retirada de outra)

expiar (sofrer, padecer)       espiar (olhar, observar)

coser (costurar)                   cozer (cozinhar)

esterno (osso do tórax)       externo (exterior)    hesterno (referente ao dia de ontem)

intercessão (ato ou efeito de interceder)             Interseccão (corte)

lasso (cansado, frouxo)       laço (laçada)

vês (verbo)                          vez (ocasião, oportunidade)

tacha (prego)                      taxa (imposto)

Os parônimos, ou seja, palavras de sentido diferente, mas parecidas na escrita e na pronúncia, ou em apenas uma delas, também possuem grande importância:

arriar (abaixar)               arrear (pôr arreios)

comprimento (extensão)     cumprimento (saudação; obediência a normas)

deferir (conceder)           diferir (adiar, retardar, procrastinar)

descrição (ato ou efeito de descrever) discrição ( discreto)

emimente (alto, excelente, sublime)    iminente (prestes a acontecer)

descriminar (inocentar, descaracterizar crime)   discriminar (separar; distinguir, diferençar)

estância (lugar onde se está ou se permanece por algum tempo; estação de águas; fazenda)                               instância (jurisdição, foro)

enfestar (dobrar pelo meio na sua largura)           infestar (devastar)

lactante (que produz leite)   lactente (que ainda mama)

paço (palácio)                    passo (passada, marcha)

tráfego (trânsito)                                tráfico (comércio ou transação ilegal)

venoso (referente às veias vinoso (referente ao vinho)

vultoso (volumoso)             vultuoso (inchado por congestão na face)

É pertinente lembrarmos o expressivo papel desempenhado pelas FIGURAS DE LINGUAGEM, de que passaremos a tratar. Também são conhecidas como FIGURAS DE ESTILO.

Assim, vejamos:

* Figuras de palavras ou tropos:

a) Metáfora

b) Metonímia

 

METÁFORA

É o desvio ou a transferência de uma palavra para outro campo semântico, (que não é o seu) por força de uma comparação implícita. A relação de similaridade, dentro dos limites da associação de idéias, constitui o seu ponto básico de apoio.

Observemos:

Tenho a boca seca. Marina tem a língua ferida. Carlos perdeu um dente. Seus olhos brilhavam de curiosidade.

Todas as palavras destacadas foram empregadas em seu sentido denotativo. Porém, se dissermos: Boca da noite. Língua de trapo. Dente de alho. Olhos de lince, estaremos empregando essas mesmas palavras conotativamente, ou, com mais exatidão, por meio da metáfora. (...) ela transporta o nome de um objeto a outro, graças a um caráter qualquer comum a ambos: a folha da árvore dá o seu nome à folha de papel, em razão da pequena espessura de uma e outra. Do mesmo modo: o fio de um discurso; onda de imigrantes; coração empedernido; cabeça de revolução; sorriso amarelo.

Nem sempre é fácil determinar-lhe o ponto de partida; muitas vezes, o processo de desenvolvimento da metáfora compreende dois momentos: um, em que ela é ainda sensível, por isso que o nome, ao designar o segundo objeto, desperta a imagem do primeiro; o outro, quando, por esvaecimento da primeira imagem, o nome designa o segundo objeto e a este se torna adequado.

Por isso, Konrad contrapõe a metáfora 'estética' à metáfora 'lingüística' - ensinando que aquela mergulha raízes na intenção deliberada de criar efeito emotivo, enquanto na última, tornada hábito da língua, não se sente nenhum vestígio de inovação criadora pessoal; Amado Alonso, comungando a mesma opinião, denomina 'fóssil' a esta metáfora, conhecida (conforme a nomenclatura herdada da retórica greco-latina) como - catacrese.

Metáfora necessária, estereotipada, resulta a catacrese da ausência de termo próprio para designar determinada coisa (pernas da mesa, cabeça de alfinete, etc), o que conduz, às vezes, ao estabelecimento de relações de semelhanças algo abusivas e forçadas, como se , exemplo, em - embarcar num trem, o avião aterrissou em alto mar, enterrar uma farpa no dedo, espalhar dinheiro, azulejos verdes.

Ao contrário, a metáfora viva, sempre renovada, nasce de um impulso estilístico - e, por isso, é explorada pelos escritores como processo básico de criação literária, especialmente na poesia. 'Somente a metáfora' diz Marcel Proust - 'pode dar uma espécie de eternidade ao estilo. (Rocha Lima, 1980: 462).

Não se deve confundir a metáfora com a comparação ou símile. Nesta, os dois vocábulos encontram-se mencionados e ligados por elos comparativos: como, tal, qual, assim como etc.)

"Assim como a madeira cria o bicho, mas o bicho destrói a madeira, assim do pecado nascem as lágrimas, mas as lágrimas destroem o pecado." Manuel Bernardes.

"Como uma cascavel que se enroscava,

A cidade dos lázaros dormia ... " (Augusto dos Anjos).

"Tinhas o coração ermo e fechado,

Como a floresta secular, sombria ... " (Olavo Bilac).

"Rui Barbosa defendeu os direitos dos fracos qual uma águia". (Comparação)

"Rui Barbosa é a águia de Haia". (Metáfora)

A metáfora abarca outras modalidades: a personificação, a hipérbole, o símbolo, a sinestesia.

A personificação, também denominada de animização ou animismo ou também ainda prosopopéia, consiste em atribuirmos aos seres inanimados ou irracionais qualidades, ações e sentimentos peculiares aos seres humanos.

"Rio caminho que anda";

"... o sol, no poente, abre tapeçarias..." (Cruz e Souza).

"Vi a ciência desertar do Egito..." (Castro Alves).

A hipérbole, é a figura do exagero. É calcada no sentimento da paixão e expressa uma impressão de glória ou mesquinhez, de acordo com o estado emocional do falante ou do escritor.

"Morro de saudades",

" Seus olhos estavam inundados de lágrimas";

"A geada é um eterno pesadelo". (Monteiro Lobato).

O símbolo é o tipo de metáfora com que os seres e as coisas concretas passam a ser representados por uma forma convencional, abstrata.

"A cruz é a representação da cristã";

"A balança é a justiça";

"A coruja traduz sabedoria".

"O verde é a minha esperança".

A sinestesia representa a fusão ou a interpenetração de sensações visuais, auditivas, olfativas, tácteis, gustativas, a fim representarem, no plano da expressão, o estado subjetivo do autor. É quando a impressão de um sentido é percebida como sensação de outro.

"A cor cantava-me nos olhos..." (Cruz e Souza).

( se misturam a sensação visual de cor e a sensação auditiva de cantar)" (Rocha Lima, 1980: 465).

"Avista-se o grito das araras". (João Guimarães Rosa).

"Som que tem cor, fulgor, sabor, perfume". (Hermes Fontes).

"O rio roxo é triste, ó rio morto,

rio do esquecimento!" (Cruz e Souza).

"Os sonhos brancos que não são da terra". (Cruz e Souza).

 

METONÍMIA

Este tropo se estriba numa relação de contigüidade ou aproximação, apresentando idéias evocadas por outra com que mantêm certa interdependência. A sinédoque, dentro das modernas teorias estilísticas, foi assimilada pela metonímia, mostrando, todavia, algumas diferenciações sutis, mormente de ordem quantitativa.

1º) O efeito pela causa:

ganhar a vida. (= os meios de vida).

viver do seu trabalho. (= do produto do trabalho).

os aviões de guerra despejavam a morte (= bombas mortíferas)

2º) O autor pela obra:

Ler Graciliano Ramos (= as obras de Graciliano Ramos)

Ler Camões. ( = as obras de Luís de Camões).

Consultar o Aurélio. (= o dicionário).

Comprar um Picasso (= adquirir uma obra de Pablo Picasso)

Na exposição, havia um Miguel Ângelo muito disputado. (= uma escultura de Miguel Ângelo).

3º) O continente pelo conteúdo:

A cidade inteira ficou surpresa com a notícia. (= os habitantes da cidade).

Todo o mundo memora o dia do trabalho. (= todas as pessoas).

Comeu uma caixa de doces. (= os doces contidos na caixa).

4º) O instrumento pela pessoa que o utiliza:

Pedro é um bom garfo. (= possui muito apetite).

As penas mais atuantes da crítica falaram bem do livro. (= os escritores).

5º) O sinal pela coisa significada:

Em 1889, o trono estava prestes a cair. (= o império).

Que as armas cedam à toga. (= que os militares respeitem o Direito).

6º) O lugar pelos habitantes ou produtos do lugar:

O Eixo atacou os aliados. (= A Alemanha, a Itália e o Japão, na 2ª Guerra Mundial).

O porto é recomendado pelos médicos. (= o vinho fabricado na cidade do Porto).

7º) O abstrato pelo concreto:

Burlar a vigilância. (= os vigilantes).

A juventude precisa de bons estímulos. (= os jovens).

8º) O concreto pelo abstrato:

O Brasil necessita de cérebros. (= inteligências).

Ela possui um bom coração. (= bondade, bons sentimentos).

9º) A parte pelo todo:

Trabalhou como um mouro para alimentar oito bocas. (= pessoas).

Agora já tens um teto (= casa)

Joana completará quinze primaveras (= anos).

10º) O todo pela parte:

Moro na cidade (= num lugar, numa parte da cidade).

11º) O singular pelo plural:

Na Guerra dos Farrapos o gaúcho lutou com bravura (= os gaúchos).

O índio merece melhor tratamento (= os índios).

12º) O gênero pela espécie:

Os irracionais (= os animais).

Os mortais (= os homens).

13º) A espécie pelo gênero:

"Não temendo de Áfrico e Noto a força" (Camões, apud Garcia, 1975: 87), ou seja, a força dos ventos, representada por Áfrico e Noto.

14º) A espécie ou a classe pelo indivíduo:

"Andai como filhos " recomenda-nos o Apóstolo (para dizer São Paulo). São Paulo (indivíduo) foi um dos apóstolos (espécie). (Cegalla, 1989: 515).

15º) O indivíduo pela espécie ou classe:

Trata-se de um grande esculápio. (= com referência a Esculápio, notável médico da Antiguidade Clássica).

Na ausência do marido, Isabel foi uma Penélope. (= Penélope, esposa fiel e paciente de Ulisses).

16º) A matéria pelo objeto ou pelo artefato:

tangem os bronzes (= os sinos).

Ganhei um níquel (= moeda).

O aço rasgou-lhe a face (= a navalha, a faca).

A antonomásia é uma variedade da metonímia. Consiste em substituir um nome próprio (pessoas e lugares) por qualquer atributo notório ou fato a que estejam relacionados.

o Poeta dos Escravos (= Castro Alves).

o Patriarca da Independência (= José Bonifácio).

o Cavaleiro da Triste Figura (= Dom Quixote).

a Águia de Haia (= Rui Barbosa).

o Tiradentes (= Joaquim José da Silva Xavier).

o Salvador, o Redentor, o Nazareno (= Cristo).

o Herói de Tróia (= Aquiles).

A perífrase é outro recurso estilístico. Serve para nomear os seres por causa de seus atributos ou de qualquer acontecimento que os celebrizou. A perífrase, todavia, é aproveitada pela estilística quando possui valor expressivo.

Os escravos arrancavam o ouro branco das imensas fazendas coloniais. (= algodão)

O rei dos animais não é encontrado no Brasil. (= o leão).

A cidade maravilhosa tem o maior carnaval do mundo. (= o Rio de Janeiro).

 

* Figuras de pensamento

1) Antítese

É o emprego de palavra ou pensamento em contraposição a outros de significação oposta.

"A areia, alva, está agora preta, de pés que a pisam". (Jorge Amado).

"Estes edificam, aqueles destroem; estes sobem pelos degraus da honra, aqueles outros descem". (Padre Manuel Bernardes).

2) Paradoxo

É a junção de idéias opostas ou contraditórias num pensamento, o que nos impele a enunciar uma verdade com aparência de mentira.

A natureza das paixões e das emoções está cheia de paradoxos. Tudo é oposição, tudo é dissonância. Vejamos, para ilustrar alguns fragmentos dessa página brilhante do Padre Antônio Vieira:

"(...) Se os olhos vêem com amor, o corvo é branco; se com ódio, o cisne é negro; se com amor o demônio é formoso; se com ódio, o anjo é feio; se com amor, o pigmeu é gigante; se com ódio, o gigante é pigmeu". Sermão da quinta-feira, citado por (Garcia, 1975: 71-72)).

3) Clímax

É a figura pela qual o escritor procurar juntar, numa seqüência ascendente, recursos de expressão sempre mais empolgantes, até atingir o ponto culminante de sua elocução. Denomina-se anticlímax o contrário, isto é, a seqüência descendente.

"Tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um Não". (Padre Antônio Vieira).

""Eu era pobre. Era um subalterno. Era nada". (Monteiro Lobato).

4) Antífrase

É a figura pela qual se expressa uma idéia por outra idéia contrária, por via de regra com uma conotação irônica.

"Que grande aumento de salário..." (Referindo-se a um percentual muito baixo).

5) Eufemismo

Consiste em suavizar o conteúdo de uma idéia molesta, odiosa ou triste, substituindo-o por outra idéia menos desagradável.

"Ainda é incipiente a política dos especiais. (portadores da síndrome de Down).

"Joana deu à luz uma linda menina". (pariu).

"Depois de muito sofrimento, nosso irmão descansou". (morreu).

6) Litote

É uma modalidade de eufemismo e consiste em emitir-se uma idéia afirmativa, porém negando-a.

"Ela não ". (Ela é cega).

"Desejo entrar.

-Pois não. (Pode entrar).

7) Alusão

Consiste em fazer-se referência a um fato ou a uma personagem conhecida, quer de ordem histórica, quer mitológica, quer social, quer política, etc.

“Orando uma vez Demóstenes em Atenas sobre matérias de importância, e advertido de que o auditório estava pouco atento, introduziu com destreza o conto ou a fábula de um caminhante que alquilara (alugara) um jumento e, para se defender no descampado da força da calma (calor), se assentara à sombra dele, e o almocreve (condutor ou proprietário de bestas de carga para aluguel) o demandara por maior paga, alegando que lhe alugara a besta mas não a sombra dela”. (Padre Manuel Bernardes, Nova Floresta, citado por (Garcia, 1975: 196).

O Conde era um Don Juan. (=mulherengo).

8) Apóstrofe

Representa a interrupção feita pelo escritor ou orador, a fim de dirigir-se a pessoas ou coisas presentes ou ausentes, quer sejam reais, quer sejam imaginárias.

"Abre-se a imensidade dos mares, e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo.

Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltosas..." José de Alencar.

9) Ironia

Consiste em expressarmos o contrário do que pensamos. Sempre existe uma conotação sarcástica.

Pintaste uma belíssima tela. (Para não dizermos borrões)

10) Retificação

Consiste em retificar uma idéia anterior.

"Tirou, ou antes, foi-lhe tirado o lenço da mão". (Machado de Assis).

11) Reticência

Consiste na interrupção do pensamento, tornando-o meio velado.

"De todas, porém, a que me cativou logo foi uma... uma... não sei se digo". (Machado de Assis).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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