Notas para uma estilística
de idioletos americanos

Luiz Antônio Lindo (USP)

 

Prezados companheiros, trabalhemos em favor da nossa América e, no que for possível, não percamos de vista os problemas de ordem geral, que também esperam nossa contribuição.

(Antenor Nascentes, do discurso proferido no II Congresso Internacional da Associação de Lingüística e Filologia da América Latina, USP, 1969)

 

As palavras ameríndias, de múltiplas origens dialetais autóctones, têm um papel ativo no léxico das línguas ibéricas faladas na América, e isto desde os primeiros encontros de espanhóis e portugueses com os falantes americanos, no século XVI. Caracterizadas na sua maioria por uma alusão à flora e à fauna, como “cacau” e “mandioca”, “tubarão” e “baiacu”, “sabiá” e “urubu”, elas são fundamentais para se compreender a realidade lingüística desta parte do mundo. Para encontrá-las, se não se conhece nenhum dos falares aborígenes ainda hoje praticados, basta saber espanhol ou português e estar disposto a conversar ou ler. São tantas as oportunidades para se apreciar a sua presença no nosso quotidiano que quase não prestamos atenção quando as encontramos. Entretanto, quando passamos a estudá-las com preocupações menos prosaicas do que apenas a de dar conta de sua existência, vemos que elas oferecem dificuldades especiais. A questão básica suscitada pelos americanismos, em nosso modo de ver, é a da sua condição peculiar de vocábulos com origens estranhas às línguas onde passaram a figurar ao lado dos vocábulos patrimoniais. Quando assim encarados, os americanismos recebem o nome de “empréstimos” vocabulares e, como integrantes da língua dominante, convertem-se em objeto da análise semântica ou gramatical tradicional. As tentativas que então se fazem para elucidar a sua natureza levam a privilegiar o estudo dos seus aspectos morfológicos, fonéticos, sintáticos, etc. A questão se esta é uma maneira apropriada de analisar os americanismos, sobretudo se o objetivo é o de discutir os seus traços estilísticos e semânticos mais relevantes, como se pretende aqui é, portanto, o primeiro ponto que devemos esclarecer.

Para as considerações que serão feitas em seguida, é importante dizer que os americanismos devem ser tratados como idioletos, ou seja, como fatos de língua reconhecíveis por uma posse ou uso primacialmente individual. Com isso, é rejeitado o pensamento de que se trata de vocábulos de uma língua específica, quando sob esta acepção se pretende indicar que conhecê-los implica aplicar-lhes os instrumentos da análise gramatical tradicional. Do mesmo modo, rejeita-se a noção de que eles não podem ser corretamente avaliados se não se enxergarem neles os efeitos do primado sócio-político na construção da linguagem, particularmente na esfera da significação. Assim, os americanismos não devem ser vistos como “parte” do espanhol, do português ou de outras línguas semelhantes, como é comum lingüistas e gramáticos se referirem às línguas naturais. Por conseguinte, não se atribui à teoria gramatical nenhuma legitimidade na análise dos americanismos, além da que lhe compete como disciplina descritiva dos fatos lingüísticos, pois, na maioria das vezes, esse gênero de teoria está mais preocupada em expor resultados que confirmem os próprios métodos e objetivos.

Os americanismos são portanto realizações lingüísticas individuais cujas nuanças particulares só podem ser reveladas por um trabalho de interpretação do seu significado e de crítica estética da sua expressividade. Ou seja, em muitos casos, por um trabalho similar ao da interpretação hermenêutica e da ciência da literatura, conquanto com estas não se confunda, como deverá ser evidenciado adiante. Devemos ter em mente que a filologia está especialmente dotada para a investigação das condições de existência do fenômeno lingüístico em geral, por ter na elucidação erudita dos casos concretos a sua principal ferramenta de atuação.

O americanismo constitui um fato individual de linguagem tanto quanto os fatos lingüísticos identificados com o idioleto. Nesse sentido, conhecer como se dá a sua posse pelos falantes que dele fizerem uso é o guia seguro para o seu esclarecimento. Entretanto, por uma referência inescapável às línguas ibéricas nas quais penetraram e onde receberam a denominação pela qual são conhecidos, é preciso registrar a importância do contexto em que se deu a sua “descoberta” pelos falantes das línguas ibéricas. O momento temporalmente definido está situado, como se sabe, no século XVI, conquanto isto não seja relevante para a sua “vida” como idioleto. O fundamental é acentuar que a sua natureza propriamente lingüística se mostra para os falantes, que assim transacionam com eles, nos seus atos de comunicação, nas circunstâncias usuais. Um encontro de pessoas antes alheias à existência umas das outras e que vieram a compartilhar os mesmos meios de expressão, em razão da necessidade de se comunicarem umas com as outras, constitui um dado histórico que merece registro, tanto mais quanto maior for a amplitude desse encontro. Entretanto, explicar a natureza dos americanismos pelo fato de serem compartilhados socialmente e pelas normas que regem o seu emprego seria inadequado, pois é preciso ressalvar que no compartilhamento apenas certos traços semânticos iniciais do processo de entendimento mútuo estão presentes, ficando de fora uma parte essencial presente apenas no momento do ato comunicativo, quando os interlocutores devem chegar a uma interpretação genuína e a uma comunicação bem sucedida independentemente dos dados de que dispunham previamente. Como se vê, não se pode entender a dinâmica dos americanismos léxicos como um mero caso de compartilhamento de vocábulos ou de domínio de regras gramaticais por grupos que se fundem num meio social mais amplo. A prática constante em cada ato comunicacional e a teoria necessária à elucidação do processo comunicativo são na verdade os fatores essenciais para se entender o funcionamento semântico dos americanismos.

Acreditamos que a erupção de americanismos na fala dos primeiros colonizadores foi possível à medida que estes foram-se habituando às condições locais e aplicando no seu entendimento e aperfeiçoamento a sabedoria lingüística que lhes possibilitasse utilizar com eficiência aqueles vocábulos nos atos comunicativos. Acredita-se que a dificuldade em dar conta dos pormenores semânticos e estilísticos foi acrescida de novos obstáculos, à medida que as hipóteses lançadas não se viam confirmadas e eram rejeitadas. As distâncias naturais entre os falantes em contato, cada qual com o seu repertório de base, e a variedade das línguas fizeram aumentar os esforços para a interpretação correta. Desse modo, criou-se em relação aos americanismos uma tradição de perplexidade semântica, a qual pode ter influído nas tendências fantasistas para interpretar a realidade americana, notável numa parcela representativa de observadores europeus, particularmente nos que preferem adotar teses sociológicas a praticar a observação histórica[1].

Seria válido dizer que os amerigenismos acabaram incorporados aos idiomas ibéricos dominantes por força de uma estrutura social subjacente a estes idiomas, que lhes teria conferido uma função, tal como se espera que façam as línguas quando se supõe que funcionem como sistema convencional? Na verdade, pode-se forçar as línguas a funcionarem dessa maneira, mas até um certo ponto; por exemplo, quando as forças empenhadas em dar o tom institucional conseguem dominar e impor as suas exigências sobre o resto dos falantes, os quais passam a ser vistos como depositários de atribuições conferidas pela organização implementada pelas autoridades lingüísticas. Nesse caso, pode-se dizer que uma divisão do trabalho no campo lingüístico procura instalar-se, distribuindo tarefas segundo uma ordem emanada de uma hierarquia. É fácil ver como isso de fato está latente em “projetos” que surgem nos meios acadêmicos, nas empresas editoriais, nas ações individuais e coletivas de especialistas da área, etc. Todavia, o êxito que conseguem nunca é completo, e a linguagem, na verdadeira fé que a anima, parece sempre escorregar fugidia de um indivíduo a outro, de uma geração a outra. Isto mostra que essa organização não é totalmente exeqüível. E onde ela falha?

Pensemos de novo nos amerigenismos. No início, eles se impuseram espontaneamente, nas esferas conceituais próprias, nos primeiros contatos dos brancos com os nativos das Grandes Antilhas e mais tarde, de modo semelhante, em todas as outras zonas de interação humana. Logo se apresentaram nas cartas de Colombo e até na Gramática de Nebrija, em 1493. Nenhum dos cronistas ignorou os indigenismos, ao contrário, deram-lhes legitimidade ao empregá-los profusamente na língua literária. Sobretudo os primeiros vocábulos, adquiridos no estabelecimento inaugural, demonstram uma força de permanência e de propagação extraordinária[2]. Por outro lado, vale lembrar que os amerigenismos em geral tendem a se concentrar nas regiões onde surgem, o que representa uma tendência a demarcar as fronteiras dos seus domínios[3]. Como conciliar esse aparente conflito de comportamento à luz da teoria institucional? A propagação costuma ser explicada pela tese do prestígio. O primeiro estabelecimento seria um marco psicológico capaz de determinar o novo espanhol da América, como jóias e insígnias da conquista presentes na visão das personalidades que primeiro puseram os pés no continente. Daí os vocábulos teriam passado às demais línguas de cultura e assim adquirido cidadania internacional. A propagação seria, portanto, uma decorrência do modo como o instituto lingüístico costuma contar positivamente os seus valores culturais, acolhendo o conhecimento que julga enriquecer a linguagem. Mas e a tendência à concentração que se verifica em geral e que propõe à língua oficial a questão da sua negação, ao menos em parte? Talvez se possa argumentar que a divisão do trabalho lingüístico propicie uma função aos “regionalismos”, integrando-os ao quadro geral, de acordo com a sua capacidade de contribuir para a língua. O que está claro é que sempre haverá uma maneira de incluir os fenômenos lingüísticos no esquema conceitual da língua-instituto, pois esta toma um dos aspectos primordiais da linguagem, qual seja o social, como fundamental para explicar aqueles fenômenos, quaisquer que sejam eles. Mas o aspecto social, por mais importante que seja, por mais argumento para a causa da sistematização que pareça oferecer, não dá conta de um fato ainda mais básico da linguagem, que é o da significação.

Levando em conta isto, vamos imaginar como seria uma explicação para o conflito apontado acima. Canoas foram vistas por Colombo, talvez do tombadilho da sua nau. Se assim foi, quando as avistou, ele viu para que serviam e associou-as ao conhecimento que tinha do seu próprio barco: “Son navetas de um madero adonde no llevan vela. Estas son las Canoas”, escreveu ele a respeito. (Primer Viage de Colon, apud A. Jal, Glossaire Nautique, F. Didot, Paris, 1848). O soldado-cronista Bernal Díaz del Castillo capturou o artefato em mais pormenores:

Vimos venir diez canoas muy grandes, que se dicen piraguas, llenas de indios naturales de aquella poblazón, y venían a remo y vela. Son canoas hechas a manera de artesas, y son grandes y de maderos gruesos y cavados de arte que están huecos, y todas son de un madero y hay muchas dellas a que caben [en pie] cuarenta [y cinquenta] indios. (apud M. Alvar, Americanismos en la Historia de Bernal Díaz del Castillo, Ed. de Cultura Hispánica, Madri, 1990, p. 66-67).

Há uma diferença entre a maneira como a canoa é referida em Colombo e em Bernal Díaz. O primeiro está procurando defini-la, por isso lança mão de uma analogia com “navetas”. O segundo parece estar acostumado a usar o vocábulo “canoa” e fornece um sinônimo, “piragua”, em língua indígena, como se “canoa” já fosse familiar. Além disso, tem a preocupação de descrever o objeto antes de tudo. Então, talvez nessa disparidade de forças psicológicas, com o auxílio de um toque do acaso, esteja a resposta que procuramos. Colombo embarcou “canoa” na sua nau de volta à Espanha. Na sua volta à Europa, ela já é registrada por Nebrija. O termo assim se espalha. Se somente Díaz del Castillo tivesse mencionado “canoa”, apesar de ter dado uma descrição mais pormenorizada do artefato, a palavra teria ganhado a amplidão que ganhou?

Vejamos agora na prática como seria uma estilística dos idioletos, sobre a base dos americanismos léxicos. Exemplificando com os mesmos Colombo e Díaz del Castillo, em que “canoa” para um não é exatamente o mesmo que para o outro, na medida em que não há coincidência semântica em todos os pormenores nos trechos citados. Se forem descontadas as sobreposições semânticas em ambos os trechos em torno do idioleto “canoa”, sobrará um espaço sem correspondências mútuas. Ora, é em torno desse espaço residual que se revela efetivamente o estilo de cada um. Assim, aquilo que é comum do ponto de vista semântico serve como campo de domínio para o signo, para o conceito, sendo passível de sistematização, centro do significado conceitual e tema da gramática, mas o que não é comum é individual, quase se pode dizer característico de autoria, ou, se se quiser, nitidamente parte da expressividade do falante. Se se busca conhecer a significação socialmente compartilhável, dirige-se a atenção primeiramente para o signo, para as sobreposições semânticas, mas o que sobra não é da esfera do signo, senão de forma virtual, dado que sobre esta parte ele não exerce a sua força simbólica, pois o que está ali não o invoca. Esse espaço incondicionado da linguagem, em que esta como que fala por si mesma, ao lado do outro, condicionado, não pode ser desprezado, se se quiser entender o que ela é de fato. Portanto, a descoberta da liberdade da linguagem requer que se pense num espaço para a sua atuação: trata-se da expressão individual, ou seja, do estilo.

Estilo e língua não estão, pois, dissociados, de modo que só por meio de uma razão externa se possam encontrar os elos da sua união. A relação entre ambos tem um correspondente na relação entre significado e linguagem. A convergência que domina a relação no interior de cada um desses pares de conceitos está atestada pelo exame do funcionamento dos idioletos. Na medida em que os estilos de Colombo e de Díaz del Castillo se manifestem com independência recíproca através da expressividade própria a cada um e que ao mesmo tempo se possa decidir quanto à semelhança do que estão procurando dizer, abre-se o caminho para articular estilo e significado em torno do eixo da linguagem. Desde que ocorra a igualdade semântica, a par da divergência expressiva, tem-se em torno do conteúdo compartilhado uma garantia de convergência semântica, do mesmo modo que em torno da expressividade individual a garantia da diversidade de estilos. Se tanto o valor semântico como o estilístico divergissem entre dois falantes, num determinado caso, faltariam as bases para compor o par significado-expressão de maneira consistente, e não se poderia atestar a relação lógico-estética articulada em torno do mesmo composto lingüístico. A divergência que a noção de estilo comporta estaria sendo traduzida também pela disparidade semântica. Então, uma condição externa à relação lógico-estética justificaria que uma razão igualmente externa ao âmbito da análise propriamente lingüística interviesse para rearticular o vetor do estilo, identificando-o, por exemplo, com a literatura. Ao mesmo tempo, o âmbito lingüístico continuaria sendo do domínio da análise semântica. Assim, a partir da sobreposição semântica de idioletos torna-se natural a articulação do estilo ao composto lingüístico. Quando se fazem enunciações com significados distintos, o idioleto mostra-se na sua plena força, como a expressão individual do significado. É claro que essa enunciação é também expressividade. Mas se ocorre uma sobreposição semântica em torno dos idioletos, o que produz as possíveis discrepâncias faz pensar no estilo individual. Trata-se de um passo natural, assim nos parece, reconhecer a diferença quanto aos estilos, na medida em que se tome como sede da comunicação lingüística o idioleto. Da mesma forma, não nos parece possível contornar a necessidade de algum tipo de análise estilística em matéria de linguagem, ainda que se lhe associe uma análise semântica. Acreditamos que uma estilística da língua nesses termos tem mais eficácia que a que subordina a esteticidade da língua a uma razão extralingüística. Como o próprio conceito de idioleto o exige, a ratio gramatical vê atenuada a sua força consensualista, e a estilística passa a ser um componente interno da reflexão sobre a língua. Menos exercício prescritivo sobre o objeto lingüístico não revela porém um propósito programático, o qual no entanto a estilística gramatical tradicional não via como evitar, forçada como estava a seguir a gramática. Assim, como disciplina particularista, penetrava na língua, concebida sob a égide da normatização gramatical, como uma disciplina ligada à literatura, devido aos elos naturais que se descobriam entre a noção de estilo e de escrita estetizante. Quando caminhava a reboque da gramática, não podia deixar de ser sinônimo de linguagem rebuscada ou maneira de escrever elegante[4].

Quando observados no seu conjunto, os americanismos léxicos compõem um cosmorama de suma variedade de formas e de matizes semânticos, cuja dinâmica não pára de atuar na criação da linguagem americana em todas as suas regiões[5]. Na sua incorporação às línguas ibéricas, todos eles mostram a marca de sua origem respectiva, e esta marca é tão forte que não se pode dizer que eles são plenamente incorporados, no sentido de terem os seus traços distintivos anulados. Daí a impropriedade de estudá-los como vocábulos de uma determinada língua. Desde que são utilizados eles valem por si mesmos, e não como partes de alguma língua. Mas é do ponto de vista da forma que eles chamam a atenção primeiramente, pois parecem um tanto bizarros, tal como os objetos artesanais que se conhecem dos “índios”. Pode-se dizer que a mesma arte que produz uns, produz os outros, de modo que a sua emolduração é suficiente para revelar o seu pathos e a sua idiossincrasia.

Uma maneira razoável de estudar os traços mais representativos dos americanismos é, portanto, observá-los do ponto de vista da forma exterior. No século XVI, quando se deu a sua entrada maciça no repertório lexical ibérico, eles adquiriram uma estampa que se pode dizer perfeita, como se fossem obra artesanal, lembrando os trabalhos manuais de rendaria ou bordadura. Palavras dotadas de orlas rematadas, os amerigenismos introduzidos nos linguajares e textos do período dão a sensação dum agrado que se quer fazer, a outrem ou a nós mesmos. São uma mostra de afeto e acenam com uma reverência quase religiosa. Já tivemos oportunidade de tratar da questão do afeto na formação dos americanismos léxicos[6], mas desta vez vamos voltar a ela com outra intenção. Vamos tentar mostrar que a perfeição formal dos americanismos representa também um fenômeno ligado à expressão do que é inaugural, talvez mesmo do primitivo em matéria de estética lingüística, no sentido de algo próximo da origem e, portanto, ainda não submetido a um número elevado de modificações.

Eis alguns exemplos tomados de Gabriel Soares de Sousa (Tratado Descritivo do Brasil) para ilustrar este ponto: beiju, beribeba, boiubu, buri; caju, cará, Caramuru, carimã, catinga, comendá, Cotejipe, cuiepiá; jaborandi, jaracatiá, jerimu, jeticuçu, Juquirijape; ubirarema, ubirataia, uraçu, uratinga, urucurana.

Exemplos tirados de Plínio Ayrosa (Termos Tupis no Português do Brasil): guiurá, guirapoca; manaíba, mandioca, maranã; pará, paranã, parati, perereca, peteca, pinda, Piratininga.

Exemplos tirados de M. A. Morínigo (Las Voces Guaraníes del Diccionario Académico): sarandí, sariama; tacuara, tacuru, tapera, tapioca, tataré.

Exemplos tirados de Francisco Xavier Clavijero (Reglas de la Lengua Mexicana con un Vocabulario): ehèca, elcini, ellotica, elpantli, eticamati; hualzohua, huapalli, huehuetzca, huei.

Exemplos tirados de Manuel Alvar (Americanismos en la Historia de Bernal Díaz del Castillo): iguana; naboría, nagua; ocote.

Exemplos de Jesús Lara (Diccionario Qheshwa-Castellano, Castellano-Qheshwa): aycha, aymara, ayllinku; chajnana, chapara, Chimu.

Exemplos como os acima podem ser multiplicados à vontade. Há um paralelo na história das mesmas línguas ibéricas em relação aos seus arabismos. Confrontemos os exemplos de americanismos com os de arabismos relacionados por José Pedro Machado (Influência Arábica no Vocabulário Português): beduíno, Beja, Beirute; enxoval, escabeche; mafoma, magarefe, maluco, múmia.

No entanto, nem as línguas indígenas da América, nem o árabe são avessos a terminações “duras”, isto é, não soantes.

O árabe, por exemplo, admite todo tipo de terminação oclusiva (Gaudefroy-Demombynes; e R. Blachère, 1952: 18 ss).

O quéchua também admite terminações com a oclusiva [k] (Cf. Guzmán, 2002).

O tupi-guarani, nas lições de Anchieta, embora tenda a adotar medidas de suavização da dicção e tenha cuidados para com a terminação em oclusiva, em alguns casos, não deixa de fazê-lo com regularidade[7].

Especificamente na América do Sul, o tronco Macro-Jê, as famílias Karib, Aruák e as de menor presença a estas relacionadas igualmente conhecem finais em oclusivas. As famílias Tukano, Maku, Yanomami também o conhecem. O mesmo pode-se dizer das chamadas línguas indígenas isoladas, sem parentesco com as demais citadas (Cf.. Rodrigues, 1986, cap. 4 a 9).

O náuatle, que apresenta caracteristicamente a terminação singular tl, se inclui também na lista das línguas que acomodam as oclusivas finais (Cf. Clavijero, 1974).

É bem verdade que no indo-europeu hipotético era possível a terminação em oclusivas surdas, coisa que deixou de acontecer no grego, mas continuou no latim, porém atenuada para dental sonora, quando fosse o caso (Cf. Meillet; Vendryes, 1924, § 210 (para o grego) e § 214 e 226 (para o latim). C. Pisani, 1948: 68 ss.). Nas línguas românicas, o horror vacui que a terminação consonantal provocava nos falantes do latim (não compartilhado pelos do latim popular ou vulgar, essa espécie de maris motus linguageiro) se intensificou no maior grau no italiano, seguido de perto pelo espanhol e pelo português (Cf. Lausberg, 1963, § 526-573).

Mas como deveríamos tratar consistentemente esse problema das terminações oclusivas (por exemplo) dentro desses “sistemas”? A solução a que se chega adotando o primado da língua convencional sobre o idioleto é de fato satisfatória neste caso? Deveríamos continuar a falar como A. Meillet que a morfologia de uma língua obedece a uma tradição una, dentro da qual as divergências devem ser acomodadas[8]?

Vejamos os fatos. Há duas maneiras de se pensar num paradigma para as terminações dos vocábulos nas línguas ibéricas e a partir dele considerar o que ocorre em relação aos indigenismos. A primeira é adotar como base o modelo indo-europeu, com a sua liberdade para terminar as palavras com elementos consonânticos. A segunda é partir do patamar românico, recusando esse tipo de terminação como estranho ao espírito das línguas neolatinas. Se adotamos como válida a primeira alternativa, a recusa em adotar o costume geral das línguas indígenas de concluir as palavras com oclusivas surdas não teria uma razão de ser, pelos termos implícitos na tese. Pode-se dizer que os estudiosos veristas de línguas autóctones, ao seguirem o disposto nestas últimas, coincidem nisto com a diretiva indo-européia, independentemente de terem ou não consciência das supostas regras do indo-europeu. Para eles, é natural grafar a língua autóctone com as cargas oclusivas que se fizerem necessárias para preservar a integridade do vocábulo. Neste caso, tudo não passa de uma questão de perspectiva e de fidelidade à letra indígena. Por outro lado, se adotamos como válida a segunda alternativa, ainda dando primazia à noção de sistema lingüístico, tendo em vista a intenção de preservar a língua de chegada, é natural fazer as devidas correções e escoimar o ductus vocabular de toda impureza. Isso já foi feito em várias ocasiões e continua sendo feito por “guardiães” da língua, entre os quais todos de alguma maneira nos incluímos. Quando se tem esse parti pris, a terminação consonântica surda acaba sendo vista como um fenômeno antinatural, para o qual se deveria buscar uma “cura”. Um indício de que se está pronto a adotar procedimentos terapêuticos é o uso de recursos que permitam resolver o “problema”, servindo nesta circunstância o conhecido da “paragoge” saneadora.

Rafael Lapesa estudou o caso clássico da apócope na língua espanhola, o qual serve de ilustração para o problema que estamos tratando. Eis como ele começa o seu ensaio sobre ela:

Al leer un texto español de los siglos XII o XIII, el hispanohablante actual se siente sorprendido, entre otras cosas, por la abundancia de palabras que terminan en consonantes y grupos consonánticos no tolerados más tarde como finales: por ejemplo, prinçep, quiçab, naf, dix, noch, mill, Diac, cort, present, end, romanz. El lingüista está familiarizado con finales de este tipo, y sabe que la desaparición de ellos marca una divisoria capital en la historia de nuestro idioma (Lapesa, 1985.).

Esse fenômeno se generalizou nos séculos XII e XIII, como mostram os textos tabelionescos e literários da época, e cessou no século XIV. Lapesa cita as várias opiniões de especialistas que tentaram explicar as suas causas, sublinhando a que pende para a da influência provençal sobre o castelhano, o que de fato aconteceu, devido à larga imitação daquele idioma havida na Península. Ele próprio se inclina para uma explicação de natureza histórica, porque “el lenguaje emana de la vida total del hombre: por tanto, se nos impone la tarea de desvelar, tras cada símbolo lingüístico del pasado, los móviles y preocupaciones a que en su tiempo respondió” (Idem, p. 169). No arco do tempo, segundo ele, o processo consiste em seguir a norma no começo, com a preservação ou inclusão paragógica da vogal final, nos séculos X e XI; em seguida, vem a fase da violação das normas, com o relaxamento mesmo nos casos de terminação em oclusiva surda, por influência do árabe andaluz, particularmente entre os moçárabes mais próximos do estrangeiro; além disso, a infração prossegue influenciada pela convivência íntima do castelhano com os franceses e seu idioma. “Las diversas corrientes lingüísticas y demográficas que actuaban en Castilla durante el siglo XII y principios del XIII parecían conjuradas contra la subsistencia de la vocal final e y, en menor escala, de la o,”, escreve Lapesa. (Idem, p. 180) Somente quando a influência política francesa diminui, no século XIII, tem início a marcha da reparação, intensificada no tempo de Alfonso X (1252-1284), quando

Las formas con e final se sobreponían netamente a las apocopadas en Ávila, Toledo, Plasencia y Burgos; y las superaban también, aunque sin tanto exceso, en Andalucía, en Murcía – a pesar de los muchos reconquistadores catalanes – y hasta en la Rioja, tan fuertemente inclinada a la apócope en los decenios anteriores. El dominio de la apócope se reducía a las regiones situadas al norte de Burgos. (Idem, p. 190)

Foi pois no tempo do rei sábio que se restabeleceu a “ordem” nas extremidades do ductus de palavra espanhol. Ao ler Lapesa, nota-se claramente que o restabelecimento das terminações com vogal foi feito de caso pensado, como uma providência tomada por intelectuais preocupados em preservar a língua. Não dependeu de se seguirem as lições de inspiração indo-européia, mas também não se pode afirmar com certeza que se seguiram as do “sistema” românico. Na verdade, a adoção do romanismo em matéria de terminação, conforme o ângulo de visada, significa uma infração ao “sistema” tradicional. Daí ser difícil afirmar que subsistem razões científicas, tais como as que são às vezes defendidas por partidários da visão sistêmica da língua, para a adoção da regra da vogal final. Em outras palavras, pode-se concluir que a intervenção dos mestres alfonsinos obedeceu a critérios gerais que respondiam tanto a uma expectativa ideológica quanto estética. Possivelmente, mais estética que outra coisa, pois o resultado a ser apresentado estaria à vista de todos e não ofenderia a prática comum, estando pois em condições de satisfazer o gosto dos indivíduos, do mais ao menos qualificado no emprego da língua. Alfonso X decide a questão por essa via, como lembra Lapesa, “al escoger como tipo de lenguaje literario el ‘castellano drecho’, sin apócope extrema, en vez del gusto extranjerizante que había privado hasta entonces” (Idem, p. 197).

Essa diretriz medieval de política e estética em matéria de língua, com objetivos artístico-nacionalistas, continuou viva quando, no século XVI, começam a entrar no espanhol e no português os americanismos léxicos de tão variadas origens. Basta olhar para os inúmeros exemplos espalhados pelos textos dos cronistas para ver a solução “alfonsina” ressuscitada e agindo nas palavras novas. Uma ou outra língua deu um trabalho extra, como o náuatle, cujos vocábulos às vezes foneticamente extravagantes para o gosto novirromânico mereceram, no entanto, ao menos de alguns de seus primeiros conhecedores, uma transcrição relativamente fiel. Tal como se vê em Hernán Cortés, quando escreveu Cuahunauac (em sua segunda Carta de Relación), e em Frei Alonso de Molina: Quauhnauac (no Vocabulario en Lengua Castellana y Mexicana), para se referirem a Cuauhnáuac (de cuáhuitl “árvore” e náhuac “junto, cercado ou rodeado”), fonte do topônimo Cuernavaca, que em contraste foi grafado em estranho espanhol e péssimo mexicano (Cf. “Lope Blanch, 1995-1996: 231.). Um pormenor curioso nesta língua, a segunda no número e na importância dos vocábulos ameríndios fornecidos ao espanhol, diz respeito à seqüência tl, lateral africada surda muito característica e já representada nos documentos cortesianos e na Arte Para Aprender la Lengua Mexicana, do Frei Andrés de Olmos, publicada em 1547 (Cf. Lope Blanch, op. cit., p. 233). O pronto registro de aztequismos grafados com o ubíquo tl por autores do período mostrou-se eficaz, pois as mesmas medidas que adotaram foram seguidas daí para a frente. Cortés tem três maneiras de escrevê-lo: –tl-, -t- e -l-. Diego de Ordaz (nas Cartas) simplifica apenas em -t-. Surpreendentemente, como mostra Lope Blanch, não há equívoco nessa oscilação, pois a própria língua náuatle a autoriza, já que no seu seio se registra variação dialetal em torno do fonema.

Há outros casos difíceis enfrentados pelos espanhóis que procuravam assimilar a fonologia mexicana, como a sonorização do -k- antes da soante -n- e o tratamento do -k final, transcrito ora –que, ora –c (os conhecidos topônimos em –c ou –que). Na verdade, as disparidades fonológicas, quando requerem uma solução, sempre exigem uma grande cuidado na descrição e um grande esforço na explicação, conquanto sejam resolvidas de maneira espontânea e mesmo intuitiva pelos falantes no ato comunicacional. Essa orientação pode mudar, porém, quando o problema é tratado na escrivaninha do gramático ou literato. Maurice Grammont observou a propósito, em relação à terminação em consoante, que a expertise é a principal causa da manutenção de protuberâncias na língua.

Le français, afirma ele, n’aime pas à charger la fin des mots d’éléments consonantiques. En principe les consonnes finales ne se prononcent pas dans les mots vraiment populaires et très usitès; plus un mot est savant ou rare, plus il y a de chances pour que ses consonnes finales qui ne se prononçaient pas anciennement se prononcent aujourd’hui, sous l’influence de l’orthographe et de son enseignement à outrance (Grammont, 1951: 93).

Essa visão preceptiva dos especialistas revela que se trata de um movimento voluntário tomado fora do âmbito propriamente lingüístico. Na medida em que a língua tem algum tipo de existência social, as hesitações em torno do significado ou da melhor forma a empregar em respeito à tradição requerem a intervenção de um especialista. Quando este se aproxima, para exercer a sua função, como está claro, já encontra um estado de coisas organizado, sobre o qual pode exercer uma influência circunscrita, uma vez que não chega a contar entre as causas. Isso está exemplificado no caso dos americanismos léxicos, que em vários momentos da sua adoção requereram a participação de especialistas. Entretanto, estes não eram, num primeiro momento, originários do meio social da língua adotante, mas, como se pode imaginar, uma vez as questões colocadas, por exemplo, sobre qual fosse a referência exata de certas palavras indígenas obscuras, a solução era comum e até aconselhável que viesse dos próprios índios. Deste modo, as línguas européias só puderam se aperfeiçoar em matéria de semântica faunística, florística e humana na América graças às lições tomadas dos habitantes da terra. Senão, como um pe. Anchieta poderia ter escrito a sua Gramática? Dificuldades em decidir qual seria o referente exato de certos termos e até a sua etimologia sempre chamaram a atenção de estudiosos, como de Ureña (1938), que narrou os percalços que tiveram de enfrentar os lexicógrafos amadores e profissionais em torno da definição das aparentemente singelas batata e batata-doce, além de outras espécies da terra.

Mas para lá do aspecto semântico, o fato que a não obrigatoriedade da existência de especialistas ensina, quando se trata de enfocar a estética da língua, ou seja, a criação e manutenção de vocábulos aptos à comunicação que sejam ao mesmo tempo vívidos, é que as formas não obedecem de maneira essencial nem a um conjunto de regras fonológicas e morfológicas previamente estabelecido, nem a uma tradição fixa. Conquanto o funcionamento da língua como meio de comunicação possa ser entendido em parte como dependente de um conjunto de regras sintáticas e semânticas, sem o qual não pode haver o compartilhamento da linguagem, são os elementos aparentemente desconexos da língua, os resíduos, as interferências de toda sorte que de fato revelam a dinâmica da linguagem. O latim vulgar, o que quer que ele tenha sido, teve sobre o literário esta vantagem: manifestava cada vez mais a vida das línguas, enquanto o outro se tornava um corpo embalsamado, o protótipo da língua-sistema, ainda que impregnado de perfumes. Não inteiramente morto, portanto, sobretudo para os que sabem encontrar os seus eternos encantos. A esse propósito, os americanismos léxicos são ingredientes novos que deram e dão vida nova à fala e à literatura praticada na América e numa parte do mundo. A sua maneira de aguçar a nossa sensibilidade é surpreendendo-a em sua contínua atividade. E um traço notável neles é o de fazer aumentar a nossa percepção de que as línguas de certo modo são estranhas a si mesmas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANCHIETA, José de. Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil. Ed. fac-similada. Salvador, 1980.

Clavijero, F. Xavier. Reglas de la Lengua Mexicana con un Vocabulario. México, 1974.

Gaudefroy-Demombynes, M.; Blachère, R. Grammaire de l’Arabe Classique. Paris, 152.

GERBI. A. La Disputa del Nuevo Mundo, Historia de una Polémica 1750-1900. 2ª ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1993.

Grammont, M. Traité Pratique de Prononciation Française. Paris, 1951.

Hills, E. C.; Semeleder, F.; Carroll Marden, C.; Revilla, M. G.; Nykl, A. R.; Lentzner, K.; Gagini, C.; Cuervo, R. J.. El Español en Méjico, los Estados Unidos y la América Central. Com anotações e estudos de P. Henríquez Ureña. Buenos Aires: Fac. de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires, 1938.

LAPESA, Rafael. La apócope de la vocal en castellano antiguo. Intento de explicación histórica. In: –––.Estudios de Historia Lingüística Española. Madri, 1985.

Lausberg, H. Lingüística Românica. Lisboa, 1963.

Lope Blanch, Juan M. La toponimia amerindia en el habla de Hernán Cortés. Boletín de Filología, XXXV, 1995-1996, p. 231.

Meillet, A.; Vendryes, J. Traité de Grammaire Comparée des Langues Classiques. Paris, 1924

Pisani, V. Grammatica Latina Storica e Comparativa. Turim, 1948.

Quispe Guzmán, E. Elementos de Gramática Quechua. Potosí, 2002.

Rodrigues, Aryon Dall’Igna. Línguas brasileiras para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo, 1986.

UREÑA, Pedro Henríquez. El español en Santo Domingo. Buenos Aires: Fac. de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires, 1940.

––––––. Observaciones sobre el español en América. Revista de Filología Española, 8, 1921.

––––––. Para la historia de los Indigenismos. Buenos Aires, 1938.

ZAMORA, Juan Clemente. Amerindian loanwords in general and local varieties of American Spanish. Word, 33, nº 1-2, 1982.


 


 

[1] Essa tendência fantasista se acentuou com o tempo, após os primeiros contatos, como mostra A. Gerbi, ao tratar das visões heterogêneas da América por europeus (Gerbi,1993).

[2] Os vocábulos taínos como canoa e cacique lideram, pela capacidade de difusão geográfica e cultural, as contribuições ao espanhol americano, seguidos dos náuatles e quéchuas. Ver, por exemplo, Zamora (1982).

[3] O fato levou Pedro Henríquez Ureña (1921 e 1940) a propor uma classificação das principais áreas do espanhol americano com base no respectivo substrato.

[4] Em Noções de Estilística e de Literatura Antenor Nascentes apresenta uma súmula de lições nesse espírito, inspirada na retórica escolar clássica.

[5] Para se ter uma idéia dessa diversidade, consulte-se a obra de Hills et alii (1938).

[6] V., de minha autoria, “Sensibilidade e valor na criação do léxico americano” e “A Gestalt brasiliana de Antonil”.

[7] Cf. Anchieta (1980: 1-2). Algumas observações do pe. Anchieta dignas de nota: “Esta língua do Brasil não há f, l, s, z, rr dobrado nem muta cum liquida, ut cra, pra, etc.(...) Não há uma consoante continuada com outra na mesma dição: exceto, mb, nd, ng, ut Aimombôr, Aimondô, Aimeêng. (...) Acrescentando-se alguma partícula depois da última consoante, em que se acaba o verbo, o qual se faz no futuro do indicativo, no optativo, nos pretéritos imperfeitos do conjuntivo; há alguma diferença na pronunciação, e o uso de diversas partes do Brasil será o melhor mestre. Porque desde os Potiguares do Paraíba até os Tamoios do Rio de Janeiro pronunciam inteiros os verbos acabados em consoante, ut Apâb, Acêm, Apên, Aiûr. E assim adicionadas as partículas dos tempos sobreditos interpõem i áspero, ut in futuro “ne Apâbine, Acêmine, Apênine, Aiùrine. E ainda que pareçam pronunciar Apábne, etc., é pela delicadeza que tocam o i e ainda no mesmo presente o exprimem às vezes, ut Apábi.”

[8] “Mais il y a tradition une pour le système morphologique.” V. “La notion de langue mixte”, in La Méthode Comparative en Linguistique Historique, Paris, p. 83.