O duelo dos poderosos
um estudo da metáfora conceitual
no discurso jornalístico

Silvana Siqueira Eduardo (UFF)

 

Introdução

Neste trabalho, pretendemos averiguar a presença e a produtividade da metáfora conceitual DISCUSSÃO é GUERRA no discurso jornalístico referente a matérias relacionadas à crise política por que passou a alta cúpula do governo brasileiro, bem como no discurso das pessoas diretamente envolvidos na situação de crise.

Para análise, selecionamos fragmentos de notícias referentes ao possível esquema de propina paga pelo comando petista a deputados do PP e PL, a fim de que votassem a favor do Governo - todas publicadas entre os dias 17/06/05 e 23/06/05 e no dia 01//07/05 nos seguintes jornais: Jornal do Brasil (JB), O Globo e Extra. Além das notícias, também analisamos fragmentos de uma entrevista dada pelo então deputado Roberto Jefferson ao JB em 19/06/05.

Faz-se importante salientar que a discussão retratada neste trabalho não se dá diretamente entre os envolvidos, mas via mídia. É ela que veicula os “ataques”, “contra-ataques” e “defesas”, levando-os ao conhecimento tanto dos “adversários” – que evitam o confronto direto – como dos leitores.

 

A metáfora conceitual

Corroborando Gurgel & Vereza (1996:166), “a metáfora tem origem na visão aristotélica de figuras de linguagem. A metáfora, como todas as outras figuras, seria um recurso lingüístico com motivação fundamentalmente poética ou retórica”.

Essa era, portanto, a visão tradicional de metáfora, entendida como uma categoria lingüística especial do discurso, como um elemento que fazia parte do texto poético, embelezando-o, ou da retórica, utilizada estrategicamente para desviar o sentido literal de um enunciado e, até mesmo, para “mascarar” uma dada intenção. Por conseguinte, acreditava-se que a metáfora, enquanto figura de linguagem, deveria ser evitada na linguagem comum.

Entretanto, tal visão tem sido questionada, principalmente em função dos estudos de Lakoff & Johnson (2002: 45), ao constatarem que, contrariamente ao que se costumava pensar, a metáfora encontra-se infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação, embora muitas vezes sequer seja notada.

Assim, para os autores supracitados, a metáfora é uma figura do pensamento, possuindo, indiscutivelmente, uma natureza conceitual. Eles entendem que, além de ser um importante instrumento do nosso aparato cognitivo, ela é essencial para a compreensão do nosso mundo, da nossa cultura e de nós mesmos.

As metáforas conceituais podem ser divididas, basicamente, em quatro espécies: as primárias, produzidas por vivências corpóreas, as quais tornam possível pensar-se em abstrações; as orientacionais, produzidas a partir da experiência corpórea do ser humano no que se refere ao movimento e à orientação, sobretudo à físico-espacial, associada à percepção, cujos conceitos são marcados lingüisticamente por palavras como dentro/fora, frente/trás, para cima/para baixo, fundo/raso, central/periférico etc.; as ontológicas, que concebem eventos, atividades, emoções, idéias etc. como entidades e substâncias, uma vez que o homem, para apreender o mundo, necessita lidar com experiências concretas; enfim, as estruturais, que possibilitam usar um conceito detalhadamente estruturado e delineado de maneira clara para estruturar outro conceito.

A metáfora conceitual DISCUSSÃO É GUERRA, objeto do nosso estudo, classifica-se como estrutural. De acordo com tal visão, o conceito de guerra ajudaria a estruturar a maneira de as pessoas perceberem uma discussão, pensarem nela e agirem em face de tal situação.

Sendo assim, antes de passarmos à análise dos excertos retirados do discurso jornalístico, veremos por que é possível que a nossa sociedade entenda a discussão como uma guerra.

Uma causa plausível para isso é o fato de o homem ser um animal, e os animais sempre encontraram na luta uma forma de obter o que desejavam: alimento, território, controle etc.

Por ser um animal racional, o homem institucionalizou o conflito físico, criando a guerra - luta armada entre grupos, nações -, na qual sabe que precisa empregar todos os meios necessários para chegar à vitória.

Todavia, com a racionalização das relações sociais, a força bélica perdeu o seu destaque como o principal instrumento de imposição e de manutenção de interesses. Nos conflitos sem derramamento de sangue, portanto, a arma utilizada é a verbal, que não só dá pistas sobre o pensamento sócio-culturalmente construído de uma comunidade como também ajuda a disseminar, entre os falantes, determinados conceitos. E, como já vimos, o pensamento e a linguagem pertencentes a um grupo social ou a uma comunidade lingüística estão impregnados por metáforas conceituais.

 

O combate

A maior crise já enfrentada pelo governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve início quando, através de uma gravação em uma fita de vídeo, flagrou-se um esquema de corrupção nos Correios que supostamente beneficiava o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).

O presidente do referido partido, o então deputado Roberto Jefferson, sentindo-se acuado com as acusações e ressentido por se perceber sozinho, resolveu denunciar um esquema de mesada no valor de R$ 30 mil - o “mensalão” – que seria oferecida pelo comando petista a deputados do PP e PL em troca de apoio ao governo na Câmara. Ele acusou o então Chefe da Casa Civil, José Dirceu, de ser o mentor de tal esquema, induzindo-o a pedir a destituição do cargo.

Veremos, então, a seguir, como essa realidade foi construída - através das marcas lingüísticas – tanto pelos sujeitos envolvidos nela, ao travarem as discussões que permearam o processo, como pelos jornalistas, ao relatarem os acontecimentos referentes à crise política nos jornais.

O objeto de desejo, disputado com tanta voracidade pelos políticos, inclusive entre os seus pares, levando-os a viver em uma situação de guerra, é, sem dúvida nenhuma, o poder. Vejam-se, portanto, alguns fragmentos de relatos de jornalistas retirados dos jornais analisados:

Depois de 30 meses de embates com dissidentes petistas e a oposição, e sempre disputando poder com o Ministro da Fazenda Antonio Palocci, Dirceu sai para reassumir seu mandato de deputado federal e se defender das denúncias de envolvimento com pagamento de mesadas a deputados aliados. (Extra, 17/06/05)

Ao concluir o seu discurso, Dirceu recebeu abraços de ministros como Antonio Palocci (Fazenda) e até Aldo Rebelo (Coordenação Política), com quem travou uma guerra no governo pelo comando das ações políticas. (O Globo, 17/06/05)

E o desejo de se manter no poder leva ao cometimento de atos ilícitos:

É mais barato para eles alugar deputado, a R$ 30 mil, do que dividir o poder. ...(entrevista de Roberto Jefferson ao JB, 19/06/05)

Ao perceber que o seu poder extinguia-se, o então presidente petebista resolveu reagir, denunciando o “mensalão”. Explicando, em entrevista ao JB, por que decidiu denunciar o esquema de corrupção, ele afirmou:

... depois que eu disse ao presidente Lula da existência do mensalão, no princípio de janeiro, eu percebi que o PTB começou a perder prestígio no governo e se enfraquecer na mídia. (JB, 19/06/2005)

Os principais adversários, tratados como os “gladiadores da política” pelo JB (18/06/05), eram:

(a) o ex- chefe da Casa Civil/deputado José Dirceu – “principal articulador político” do governo, chamado de “comissário”, “Rasputin” e “capitão do time” (O Globo, 17/06/05);

(b) o ex-presidente do PTB, o deputado Roberto Jefferson.

Para poderem se defender e atacar, acabaram optando – ou sendo obrigados a - pela destituição de seus cargos; logo, do comando de que emanava o poder. Vejam-se os excertos:

Dirceu cai[1] após denúncias e vai se defender ‘na planície’. (O Globo, 17/06/05)

Jefferson também deixa o posto. E chora. (O Globo, 18/06/05)

Roberto Jefferson chorou ao deixar o comando do PTB. (O Globo, 18/06/05)

Embora estivesse implicado em um outro esquema de corrupção, o referido deputado - autor dos ataques diretos ao ex-chefe da Casa Civil – buscava construir a imagem de mártir:

O deputado disse que virou “um símbolo de resistência “ à corrupção ... (O Globo, 19/06/05)

Mas o adversário atacado pretendia reagir às acusações:

Sei lutar no planalto e na planície. (O Globo, 17/06/05)

Dirceu (...) avisou que voltará à Câmara disposto a enfrentar a oposição (...) Ele disse que, no legislativo, vai defender o “patrimônio ético do nosso partido que a sociedade conhece”. ( O Globo, 17/06/05)

E contra atacou:

Aqueles que tentam agora nos atingir estavam no banco dos réus, defendendo os que assaltaram nosso país, e não do lado dos que combatiam a corrupção. Foi exatamente quando o Ministério Público e a Polícia Federal entraram fundo nas investigações sobre os Correios e o IRB que eles decidiram nos atacar. (JB, 18/06/05)

Os adversários buscavam descortinar estratégias e preparar outras para atingir o seu intento:

Afastado temporariamente da presidência do PTB, o deputado Roberto Jefferson reúne o arsenal para a batalha em Brasília. O adversário, José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, treina a platéia petista, em São Paulo, para a arena da CPI dos Correios. Por enquanto, os oponentes apenas esgrimam argumentos e aperfeiçoam os adjetivos para a luta[2]. O embate marcado para a comissão de inquérito a partir da semana que vem, tem juiz petista. (JB, 18/06/05)

(José Dirceu)

Em clima de comício, ministro demissionário discursa e conclama partidários a lutar em defesa da legenda. (JB, 18/06/05)

Preparando-se para o duelo que sabe que enfrentará no Congresso, discursou por vinte minutos na abertura do encontro da tendência Campo Majoritário. (JB, 18/06/05)

(Roberto Jefferson)

Fora do comando do PTB, deputado treina artilharia contra o PT. (JB, 18/06/05)

O mensalão é uma estratégia maquiavélica pensada pelo Dirceu, o José Genuíno e o Delúbio (Soares) ...(entrevista de Roberto Jefferson ao JB, 19/06/05)

A intimidação também fez parte desse jogo antagônico:

Deputado tenta intimidar os parlamentares da comissão com acusação generalizada. (O Globo, 01/07/05)

Entretanto, contrariamente ao que era de se esperar, os adversários não se encontravam apenas do lado dos que faziam oposição ao governo, segundo Delcídio Amaral, petista, presidente da CPI dos Correios:

“O maior adversário do PT somos nós mesmos. Espero que a lucidez do presidente neutralize esse elemento nocivo à vida do governo” ( O Globo, 18/06/05)

Petista presidente da CPI reclama de fogo amigo do PT (O Globo, 18/06/05)

Uma nova aliada do governo se pôs na linha de frente do combate: a nova chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, que compartilhara com José Dirceu um passado na guerrilha:

Chamada de “camarada das armas”, Dilma diz que terá função política (O Globo, 22/06/05)

A nova chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, demarcou seu território e imprimiu sua forma de comandar já no discurso de posse. (O Globo, 22/06/05)

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva também não se calou, colocando-se, então, na pele de um combatente:

(...) ninguém tem mais autoridade e ética para combater a corrupção. (Extra, 22/06/05)

A munição utilizada nessa batalha foi a linguagem verbal: as denúncias eram vistas como bombas e armas de fogo – assim como os depoimentos - e as discussões como embate, duelo:

Em entrevista ao JB, o presidente licenciado do PTB mostra ter mais munição contra ex-chefe da Casa Civil. (JB, 19/06/05)

As denúncias do deputado Roberto Jefferson, o homem-bomba, detonaram José Dirceu, o xerife do governo Lula. (Extra, 17/06/2005)

Lula, eu só errei numa coisa: deveria ter saído no ano passado, quando estouraram as denúncias contra Waldomiro Diniz ... (Carta de José Dirceu ao Presidente Lula – Extra 17/06/05)

Quando eu vi a matéria eu falei: “o Miro vai explodir o assunto e daqui a pouco vai me chamar de testemunha”. (Extra, 19/06/05)

Num depoimento tumultuado na CPI dos Correios, Marinho centrou fogo no secretário geral... (Extra, 23/06/2005)

Dirceu e Jefferson ensaiam o embate. (JB, 18/06/05)

Jefferson prevê que seu próximo embate será na quarta-feira ... (O Globo, 19/06/05)

Apesar de “abrir fogo” contra o PT, o deputado Roberto Jefferson considerava o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva protegido do “bombardeio”:

Vejo o presidente Lula voando 50 mil pés de altitude, na estratosfera. Toda a artilharia antiaérea chega a 30 mil pés. Por enquanto nenhum tiro pegou ou ameaçou o avião. (entrevista de Roberto Jefferson ao JB, 19/06/05)

Em um conflito bélico, uma das maneiras de se atacar um alvo e destruir o inimigo é a utilização do fogo. Nos excertos a seguir, a linguagem verbal funciona como instrumento capaz de “incendiar” os ânimos[3], provocando tumulto e transformando o plenário da Câmara dos Deputados em campo de guerra:

Dirceu retorna e incendeia a planície. (JB, 23/06/05)

Ao descer da tribuna, explodiu a confusão em plenário. (JB, 23/06/05)

(...) o plenário pegou fogo durante o discurso de Dirceu. (O Globo, 23/06/05)

E as discussões acabaram “degenerando” em violência física:

O primeiro dia do ex-ministro da Casa Civil (...) foi marcado por grande tumulto no plenário na Câmara, com agressões verbais, bate-boca, gritos, provocações, sopapos e empurrões entre parlamentares governistas e da oposição. (O Globo, 23/06/05)

Apesar do caos instalado, evitava-se o confronto direto (“o duelo”):

Ex-chefe da Casa Civil diz que evitará confronto porque não há acusação sem provas. (O Globo, 22/06/05)

O ex-guerrilheiro José Dirceu (PT-SP) (...) chega hoje à Câmara dos deputados sem disposição para pegar em armas e duelar com Roberto Jefferson (PTB-RJ) . (O Globo, 22/06/05)

(a respeito do deputado José Dirceu)

Sua intenção era inaugurar uma imagem de parlamentar light, prometendo não fazer debate político e evitando o confronto com o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que o acusa de ser o chefe do suposto esquema de corrupção nas estatais. (O Globo, 23/06/05)

Finalmente, além dos excertos já citados – os referentes ao discurso dos adversários bem como ao do próprio jornal – transcrevemos, a seguir, outros que comprovam a existência e a produtividade da metáfora conceitual DISCUSSÃO É GUERRA, haja vista que os sujeitos envolvidos na situação de crise precisavam fazer uso da linguagem verbal para se posicionar, defendendo, mobilizando, combatendo, lutando, atacando, acusando; enfim, objetivavam fazer com que o discurso do outro fosse desacreditado, ao mesmo tempo em que tentavam consolidar o seu próprio:

(...)Dirceu disse que voltará ao Congresso como” deputado e militante” para se defender e para defender o governo. (O Globo, 17/06/05)

Vou mobilizar o PT e dar combate àqueles que querem interromper o processo político democrático e querem desestabilizar o governo do presidente Lula. (O Globo,17/06/05)

Luto hoje pela minha honra pessoal... (Roberto Jefferson, em entrevista ao JB, 19/06/05)

Se o menino-propaganda do PT, que é o José Dirceu, foi atacado por mim, até num instinto de defesa, eles vão me cassar. (Roberto Jefferson, em entrevista ao JB, 19/06/05)

O deputado Alberto Goldman (PSDB-PR) foi mais incisivo. Acusou Dirceu de querer fazer um discurso como se fosse algo que não é: Presidente da República. E abriu fogo[4] ... (JB, 23/06/05)

Além disso, também constatamos que UMA SITUAÇÃO DE CRISE assemelha-se a UMA SITUAÇÃO DE GUERRA, como se observa nos relatos dos jornalistas responsáveis pelas matérias - eles que se pretendem objetivos e impessoais na veiculação da VERDADE:

Presidente corta na carne: o superministro José Dirceu pede demissão e vai para a Câmara defender o governo e o PT. (Extra, 17/06/05)

Muda a divisão de forças do Planalto (JB, 17/06/05)

(...) Dirceu já perdera formalmente a coordenação política para o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB, até Jefferson fulminá-lo com o mensalão. (O Globo, 17/06/05)

A guerra entre as tendências internas do PT ultrapassou as discussões ideológicas tradicionais e passou ao campo prático e de governabilidade do país. (JB, 18/06/05)

Presidente da CPI ataca o PT e dá ultimato a Lula (O Globo, 18/06/05)

A vaga do ministério pode ser negociada com aliados. (Extra, 18/06/05)

Ex –ministro retoma articulação partidária e ajusta ataque. (JB, 18/06/05)

Mesmo aparentando extremo cansaço, o presidente licenciado do PTB não dá trégua na guerra em que entrou contra o PT. E logo abre fogo com sua famosa metralhadora giratória. (JB, 19/06/05)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva partiu ontem para o ataque ao reagir às denúncias de corrupção. (Extra, 22/06/05)

Dirceu entra em campo para defender PT. (JB, 18/06/05)

Ao se dirigir ao púlpito saudou a platéia com o punho erguido, num gesto de resistência. (O Globo, 22/06/05)

Discurso de ex-ministro transforma o plenário em campo de guerra. (JB, 23/06/05)

Numa estratégia similar à adotada pelo ex-presidente do PTB Roberto Jefferson... (Extra, 23/06/05)

Jefferson amplia a linha de tiro. (JB, 01/07/05)

O deputado Roberto Jefferson tem muita bala na agulha. No depoimento à CPI dos Correios assestou a mira em direção ao Banco do Brasil. (JB, 01/07/05)

A metralhadora giratória do parlamentar também teve como alvo o PT. (JB, 01/07/05)

Finalmente, após a análise dos excertos, depreendemos marcas textuais que constituem desdobramentos da metáfora estrutural GUERRA. Há, portanto, as que se referem:

a)      ao combate armado: guerra, embate, luta, duelo, confronto, defesa, ataque;

b)      ao planejamento para se alcançar um objetivo maior: estratégia;

c)      ao objetivo do ataque: alvo;

d)      a artefatos de guerra: artilharia antiaérea, munição, bala, metralhadora giratória;

e)      ao suporte logístico: arsenal;

f)       à ação que emana de uma autoridade: comando;

g)      à ação bélica: tiro, fogo amigo;

h)      aos sujeitos envolvidos no conflito: homem-bomba[5], refém, adversário, camarada das armas, gladiadores, articulador, capitão, oponentes, exército[6];

i)     ao local do conflito: arena, campo de guerra, linha de tiro;

j)     ao ato motivador: grito de guerra;

l)        às conseqüências de uma guerra: trégua, queda.

m)     ao ato de combater: lutar, esgrimar, duelar, travar guerra;

n)      à ação primária de uma guerra: pegar em armas;

o)      às ações táticas: mobilizar, conclamar, intimidar, incendiar, ameaçar, enfraquecer, enfrentar, disputar, comandar, deixar o posto, explodir, estourar, defender; abrir fogo, centrar fogo, dar combate, treinar artilharia, assestar mira;

p)      à conseqüência de um ataque: pegar fogo.


 

Conclusão

Após a análise dos excertos, pudemos constatar que a metáfora conceitual de guerra é bastante produtiva tanto em uma situação de crise política, como no discurso jornalístico que recria tal realidade.

Fizeram uso de palavras e expressões bélicas, em suas discussões, os sujeitos diretamente envolvidos na crise política que afetou a alta cúpula do governo, bem como os jornalistas, na reconstrução do real, ao relatarem os acontecimentos que permearam toda a situação.

Ainda, constatamos que, embora a imprensa seja vista como aquela cuja função é deflagrar “a verdade do fato”, acreditando que o público tenha o direito de saber o que realmente aconteceu, buscando recorrer, com essa finalidade, às técnicas de imparcialidade e objetividade, o discurso jornalístico não pode ser tão isento como costuma querer fazer crer. A impossibilidade de isenção deve-se à noção de que a verdade fundamenta-se na compreensão, que, por sua vez, depende do sistema conceitual ordinário humano – e este, segundo defendem Lakoff & Johnson (2002: 293), é, em grande parte, metafórico por natureza.

 

Referências bibliográficas

Gomes, Mayra Rodrigues. Jornalismo e ciências da linguagem. São Paulo: Hacker/Edusp, 2000.

Gurgel, Maria Cristina Lírio & Vereza, Solange. O dragão da inflação contra o santo guerreiro: um estudo da metáfora conceitual. Intercâmbio. vol. 5, 1996 (165-178).

Lakoff, George & Johnson, Mark. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: EDUC, 2002.

Lima, Paula Lenz Costa. Metáfora e linguagem. In: Feltes, H.P.M (org.) Produção dos sentidos. Caxias do Sul, Porto Alegre e São Paulo: Educs, Nova Prova/ Annablume, 2003. (p.155-180).

Monnerat, Rosane Mauro. A publicidade pelo avesso: propaganda e publicidade, ideologias e mitos e a expressão da idéia – o processo de criação da palavra publicitária. Niterói, EdUFF, 2003.

Moretzsohn, Sylvia. Jornalismo em “tempo real”: o fetiche da velocidade. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

Vilela, Mário. Ter metáfora à flor da pele (ou outra forma de ‘ter nervos’). In: Feltes, H.P.M (org.). Produção dos sentidos. Caxias do Sul, Porto Alegre, São Paulo: Educs, Nova Prova/ Annablume, 2003. (p. 181-200).


 


 

[1] Metáfora orientacional.

[2] Nesse trecho, fica clara qual é a arma principal a ser utilizada pelos oponentes: a palavra

[3] Obviamente, esta metáfora também possui uma base física, já que quando as pessoas se exaltam, o sangue parece esquentar dentro de si. Por isso também pode-se afirmar que é uma metáfora primária.

[4] “Abriu fogo”: metáfora relativa à guerra; não foi destacada por pertencer ao discurso do jornalista responsável pela notícia.

[5] “Homem-bomba”: além de ser um dos sujeitos envolvidos (um suicida), também é uma espécie de artefato que carrega uma munição (bomba).

[6] Entendido como “tropa armada”.