O estilo nos jornais fluminenses

Maria Paula Seixas da Silva (UNESA).

 

Introdução

Cada escritor tem uma maneira de exprimir-se; eis o que constitui o estilo e não o que vulgarmente se crê: uma forma excepcional de escrever, enfática, cheia de vocábulos difíceis, rebuscada.

O estilo é pois, predicado pessoal. Usando a mesma língua, tratando do mesmo assunto, dois autores escrevem de modo diferente, segundo o seu temperamento. Esta diferença, difícil de explicar, mas relativamente fácil de perceber, é que constitui o estilo. (Nascentes, 1935: 8 e 9).

Neste trabalho, nos propomos a analisar o estilo nos jornais fluminenses através da comparação entre as matérias “Ruas de São Gonçalo transbordam” e “Temporal complica saída para o trabalho” dos jornais O Fluminense e do encarte Niterói do Jornal do Brasil, respectivamente, publicados no dia 18/04/2006.

Para tal, faremos uso da teoria semiótica da escola de Paris (Refiro-me à semiótica francesa, desenvolvida a partir dos estudos de Algirdas Julien Greimas), na análise das questões pertinentes ao nível discursivo, que faz parte, juntamente com os níveis fundamental e narrativo, do percurso gerativo do sentido do texto. Esse percurso, concebido no plano do conteúdo, é responsável pela compreensão semântica total do texto (Barros, 1990: 8). Pretendemos, então, analisar a diagramação, as projeções enunciativas e os procedimentos argumentativos, que são os recursos sintáticos do nível discursivo.

Antes, porém, de iniciarmos essa análise, cremos ser relevante ter em mente que “A semiótica tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz.” (Ibidem, p. 7). Esse é o ponto de partida para nosso trabalho, em que trabalhamos com o conceito de estilo, termo que possui múltiplas definições. Aqui consideraremos estilo como um conjunto de características que um texto possui, suas especificidades, ou seja, são as marcas, no discurso, que produzem o efeito de individualização.

“O estilo é uma determinada artimanha discursiva reiterada, definível num único enunciado totalizador, sendo este enunciado a abstração da seqüência de muitos enunciados” (Discini, 2004: 140); e, segundo a referida autora, o efeito de estilo é visto como um “gesto semiótico” (Ibidem, p. 140). Podemos também dizer que o estilo nos jornais se dá de acordo com seu público para o qual este é destinado, criando, assim, marcas da individualidade estilística dos jornais. Logo, segundo essa autora falar sobre estilo “é falar em partes de totalidade, garantida, cada qual, pela estabilidade de um modo de ser, que supõe um feixe de regularidades e auto-regulações de um modo peculiar de fazer”. (Ibidem, p. 145).

Além de definirmos o que entendemos por estilo, é necessário observar que no jornal temos manifestações de diversas semióticas, por exemplo, os enunciados lingüísticos e as fotografias, que vão constituir o sentido total da matéria jornalística, havendo assim um sincretismo de linguagens.

Entendendo o jornal desse modo, tomemos as palavras de Greimas e Courtés para conceituar sincretismo:

Num sentido mais amplo, serão consideradas como sincréticas as semióticas que – acionam várias linguagens de manifestação; da mesma forma, a comunicação verbal não é somente de tipo lingüístico: inclui igualmente elementos paralingüísticos (como a gestualidade ou a proxêmica), sociolingüísticos, etc. (Greimas, Courtés, s.d.: 426)

Assim sendo, observaremos as relações entre as linguagens na análise dos recursos discursivos.

 

Uma questão de estilo

Considerando a diagramação, topologicamente, temos algumas diferenças entre o jornal O Fluminense e o Jornal do Brasil, em que temos a concomitância da linguagem verbal e da fotográfica. No primeiro, foi dedicada apenas uma página para a matéria ao passo que, no segundo, destinaram-se duas páginas para tal. Em ambos os jornais, são tratados o tema da chuva e suas conseqüências nas cidades de Niterói e São Gonçalo. Notamos uma ênfase na primeira cidade citada, por parte do Jornal do Brasil; ao passo que, o jornal O Fluminense enfocou, prioritariamente, os fatos ocorridos na segunda.

Em O Fluminense, tem-se a presença de uma única manchete sobre o assunto, na metade inferior da folha, que diz: “Ruas de São Gonçalo transbordam”, com letras espessas e em negrito, que servem para chamar a atenção para a matéria e para enfatizar o conteúdo, com o uso de uma rubrica que traz “Temporal que caiu em todo o Grande Rio afeta principalmente os bairros Boa Vista e Porto da Pedra”, complementando a informação contida na mesma. Abaixo da manchete, há duas colunas à esquerda, com o relato verbal da matéria. À direita, ocupando dois terços restantes do espaço, há quatro quadrantes. No primeiro, à esquerda, temos uma fotografia; no quadrante ao lado, duas pequenas colunas de texto acima da outra foto, sobre a previsão do tempo. Nos dois últimos quadrantes, na parte de baixo, temos apenas relatos verbais, um sobre as condições do mar na cidade do Rio de Janeiro e de Niterói, narrando também a impossibilidade de os pescadores irem para o mar devido à ressaca e outro sobre um corpo achado na praia de São Francisco, região oceânica de Niterói.

No Jornal do Brasil, foram utilizadas duas páginas para a matéria intitulada “Temporal complica saída para o trabalho”, cujas letras são mais finas, porém, maiores, em relação às utilizadas na manchete de O Fluminense.

Na primeira página, além dessa manchete, temos uma rubrica, que indica de qual localidade esta notícia trata, quando assim diz: “CHUVA – Árvore cai na Zona Sul”. Nessa página, há uma fotografia, a maior de todas as utilizadas e a única que é colorida, do lado esquerdo; e, no direito, duas colunas de texto.

Na segunda página, há duas divisões, uma na parte de cima da página, que traz a seguinte manchete “Língua negra corre em frente a hospital”, e uma rubrica que informa que esta parte da matéria refere-se a outro local, vejamos “Congestionamentos foram mais intensos nas ruas do Centro da cidade”; e, outra, na parte de baixo, que tem estes dizeres: “Defesa Civil em alerta”.

Na parte de cima, temos uma fotografia à esquerda e duas colunas verbais; na de baixo, essa diagramação é invertida, pois a foto encontra-se à direita e o verbal, à esquerda. Essa organização encaminha o enunciatário-leitor para uma leitura em forma de “z”, em que as informações se complementam e estão em diálogo.

Essa escolha na distribuição dos enunciados verbais e fotografia produzem, no Jornal do Brasil, uma leitura mais dinâmica, que se dá pelo seu encaminhamento com o uso da fotografia e do texto e depois a inversão das mesmas, marcando uma diferença de estilo em relação a O Fluminense, que conduz a uma leitura mais linear.

Além disso, podemos destacar o tipo de fonte utilizada na manchete do Jornal do Brasil, que se integra à usada no corpo do texto, como traço diferencial em relação à diagramação do jornal O Fluminense. Este faz uso de uma fonte mais grossa na manchete e nas submanchetes, presentes nos quatro quadrantes, que parecem “gritar”. Esses quadrantes encaminham para uma leitura mais estanque dessas partes, ao passo, que no outro jornal analisado há uma menor diferenciação em relação ao relato da notícia. Como efeito de sentido desses procedimentos, pode-se perceber a construção de um modo de ser mais harmonioso e elegante do Jornal do Brasil, também dinâmico (possível pela leitura em z), diferentemente de O Fluminense, no qual as manchetes mais chamativas e distribuição das porções de linguagem verbal e fotografia demonstram um modo de ser descuidado, deselegante, banal.

Tendo analisado a apresentação diagramática das matérias jornalísticas, que são o primeiro indício das diferenças estilísticas entre os jornais, encaminharemos nosso estudo aos recursos sintáticos do nível discurso. Observaremos, primeiramente, as projeções enunciativas, que são as marcas lingüísticas de pessoa, tempo e espaço inscritos no discurso, ou seja, são resultado de procedimentos que podem ser denominados de actorialização, temporalização e espacialização. Esse procedimento de debreagem pode ser enunciativo (instalando um eu / aqui / agora), produzindo um efeito de subjetividade; ou enuncivo (ele / algures / então), criando um efeito de objetividade. Este segundo tipo de debreagem é o mais utilizado pelo jornal de mídia impressa, como aborda Regina Gomes em sua tese, ao dizer que o texto jornalístico “... privilegia a debreagem enunciva, necessária para produzir o efeito de sentido de neutralidade, essencial para fazer crer na verdade do discurso.” (Gomes, 2004: 52). Esse procedimento pode ser visto nos seguintes exemplos, em que as marcas de pessoa e espaço enuncivos encontram-se destacadas:

Nas ruas os pedestres também sofrem com as poças d’água e a chuva incessante. (Jornal do Brasil).

No Rio, vários pescadores evitaram ir para o mar, devido à ressaca. Os fortes ventos, aliados às grandes ondas, foram empecilhos para os pescadores. (O Fluminense).

Observamos, no entanto, que nem sempre o jornal de mídia impressa faz uso única e exclusivamente da debreagem enunciva. Apesar de o efeito de objetividade ser o mais empregado, a fim de simular não haver qualquer tipo de comprometimento do enunciador em relação à notícia veiculada, procurando assim ser imparcial, reafirmamos que nenhum texto em si o é, visto que há sempre a ação do actante da enunciação, pois segundo José Luiz Fiorin:

... o jornalismo com seu ideal de objetividade, de neutralidade e de imparcialidade constrói textos sem as marcas da enunciação. Lembramos que não existem textos objetivos, pois eles são sempre fruto da subjetividade e da visão de mundo de um enunciador. O que há são textos que produzem um efeito de objetividade. (Fiorin, 2004: 179).

A presença de marcas da enunciação no texto jornalístico pode ser comprovada a partir destes excertos retirados dos dois jornais em questão:

Moradora do Centro, Gabriela Amâncio, de 25 anos, que trabalha na área de recursos humanos, diz que há falta de prevenção para chuvas fortes como a de ontem. (Jornal do Brasil).

A forte chuva que caiu na manhã de ontem deixou várias ruas de São Gonçalo intransitáveis. (O Fluminense).

O emprego do presente do indicativo, no primeiro trecho, e o emprego do advérbio ontem, nas duas passagens, só podem ser interpretados levando-se em conta o tempo da enunciação, ou seja, o momento da produção dos enunciados.

Esses efeitos de subjetividade e de objetividade também podem ser apreendidos a partir do modo como as fotografias são enfocadas, pois quando é próximo, obtém-se o efeito de subjetividade, como é o caso do Jornal do Brasil, que utilizou duas fotos enfocadas de perto; e quando é distante, cria-se um efeito de objetividade, como as imagens fotográficas utilizados pelo jornal O Fluminense.

No enfoque mais próximo, não temos um panorama geral da cena enunciativa, como, por exemplo, no Jornal do Brasil com a foto colorida e a maior de todas colocada na primeira página, que mostra a dificuldade dos pedestres em atravessar a rua alagada. E, em O Fluminense, com a foto do primeiro quadrante, apresentando um homem que também enfrenta dificuldade em andar pela via alagada.

Há, ainda, as fotos enfocadas de longe, que oferece uma visão geral do espaço, por exemplo, a última foto do Jornal do Brasil, que mostra um panorama da cidade e do engarrafamento proveniente da chuva na cidade de Niterói. E, no jornal O Fluminense, a fotografia usada no quadrante sobre a previsão do tempo, em que aparece um relógio de rua que marca além da hora, a temperatura ambiente.

Os procedimentos argumentativos também fazem parte da sintaxe discursiva e são os fazeres persuasivos do enunciador, cuja finalidade é desencadear um fazer cognitivo (fazer-crer), que é o convencer; e um fazer pragmático (fazer-fazer), que é o persuadir, considerando o fazer interpretativo do enunciatário. Ou seja, na relação entre enunciador e enunciatário, instâncias produtora e receptora do texto, respectivamente, o sujeito jornalista tem em vista, portanto, “levar o leitor a crer naquilo que o texto diz e a fazer aquilo que ele propõe.” (Fiorin, 2002: 173).

Assim sendo, segundo Diana Barros, uma teoria da argumentação faz parte das teorias pragmáticas, que é, resumidamente falando, a interação entre o enunciador e o enunciatário, e para ser encarada como tal deve levar em conta alguns “aspectos do discurso relacionados à intenção do enunciador, aos efeitos a que este visa, ao produzir seu discurso, e à manipulação que pretende exercer sobre seu enunciatário” (Barros, 1988: 107). Nesse âmbito, gostaríamos de destacar que, para os mecanismos argumentativos sejam eficazes, é imprescindível que haja uma relação fiduciária entre o argumentador e o seu “público” (Ibidem, p. 107).

Um dos recursos argumentativos que podem ser empregados é a implicitação de conteúdos, por meio de pressupostos e subentendidos.

Antes de partirmos para análise, faz-se necessário distinguir três conceitos: o posto, a cargo do enunciador, é aquilo que pode não ser aceito pelo enunciatário; o pressuposto é um conteúdo implícito, construído como uma verdade indiscutível, impondo a adesão do enunciatário, visto que não é passível de questionamento e o subentendido, conteúdo implícito inferido pelo enunciatário, apesar de a interpretação ser guiada pelo enunciador. Nesse caso, se o enunciatário discordar ou até mesmo irritar-se com o implícito, o enunciador pode valer-se da desculpa de que não foi isso que disse, e que foi o seu ouvinte que não compreendeu, ou melhor, não interpretou corretamente o que foi dito.

Esse procedimento é empregado nas duas reportagens jornalísticas estudadas. Na matéria do Jornal do Brasil, se faz uso dos conteúdos pressupostos e dos postos, na segunda página dessa reportagem, quando na parte de cima da página, trata dos alagamentos causados no centro de Niterói. É possível notar o pressuposto a partir da rubrica: “Congestionamentos foram mais intensos nas ruas do Centro da cidade”. O conteúdo pressuposto aparece marcado lingüisticamente pelo emprego do vocábulo mais, indicando que havia alagamento também em outras ruas, e este pressuposto é instituído de modo que não possa ser negado pelo enunciatário. O subentendido decorrente do enunciado é que a cidade não está preparada para as chuvas fortes.

Em O Fluminense, mais especificamente, na rubrica temos “Temporal que caiu em todo o Grande Rio afeta principalmente os bairros Boa Vista e Porto da Pedra”, em que o vocábulo principalmente possui o conteúdo posto de que a chuva se deu de maneira mais intensa nesses bairros e o pressuposto que é que a chuva também afetou outros bairros. Pode-se depreender também, dessa rubrica, o subentendido de que esses dois bairros não estão preparados, no que tange a infra-estrutura, para suportar um grande volume de chuva.

Os conteúdos implícitos aparecem nos dois jornais, mas estilisticamente é mais forte no Jornal do Brasil, especialmente no que tange aos subentendidos, em que se ressalta, por exemplo, o conhecimento dos problemas possíveis decorrentes da chuva por parte das autoridades competentes e a não tomada de providência pelos mesmos. Diferentemente, o jornal O Fluminense, abordando o mesmo aspecto, apesar de apresentar também uma censura implícita aos órgãos públicos implicados, ameniza-a ao mostrar que a prefeitura de São Gonçalo já está tomando as providências há dois meses e com data para a finalização da obra.

No Jornal do Brasil, os subentendidos são construídos, então, na linguagem verbal, pela correlação estabelecida entre os destaques distribuídos na página e passagens no corpo da notícia. Analisemo-los: no Jornal do Brasil, o destaque “Ligações pluviais clandestinas provocam sobrecarga na rede de esgoto” salienta a causa pela qual houve o alagamento; e, no corpo do texto, no mesmo jornal, nos dois últimos parágrafos, há o posicionamento da autoridade pública competente em esclarecer o porquê de essa situação ter se agravado e ter havido os alagamentos:

Segundo o chefe operacional da concessionária Águas de Niterói, Dante Luvisotto, o vazamento foi provocado por sobrecarga na rede de esgoto.

— A rede é dimensionada para receber esgotamento sanitário. Com ligações clandestinas de água pluvial, a rede transborda — explicou Dante, afirmando que, com o fim da chuva, um caminhão-vácuo seria usado para desobstruir a rede local.

Ao contrapor o destaque com a passagem do relato jornalístico, pode-se inferir uma censura do jornalista em relação à falta de ação preventiva do poder público quanto às causas dos alagamentos, que já eram de seu conhecimento. Essa recriminação da negligência do poder público, estando subentendida, pode sempre ser negada pelo enunciador, que, no entanto, orienta o enunciatário a essa conclusão.

Nessa mesma passagem, outro dado relevante a ser destacado é a expressão verbal seria usado utilizada pelo narrador, ao comentar a declaração do gerente operacional da concessionária Águas de Niterói, Dante Luvisotto, em discurso indireto. Considerando o momento de referência o presente (o tempo do relato da fala do interlocutor), seria esperado o futuro do presente (será usado). O uso do futuro do pretérito no seu lugar tem como efeito de sentido a instauração da dúvida em relação à ação prometida pelo gerente (tomada de providências para a desobstrução da rede).

Seguindo a mesma direção argumentativa, o enunciador põe em dúvida a declaração do comte. da Defesa Civil, que declarou: “Todo o aparato municipal, como a Clin, fica à disposição da Defesa Civil”, na parte inferior da página, sob a seguinte submanchete: “Defesa Civil em alerta”.

Quanto à argumentação, Fiorin e Savioli, destacam quatro itens que um texto deve possuir para que este seja persuasivo e convincente. O primeiro, refere-se à unidade do tema tratado, devendo-se abordar um único tema, “uma só matéria”, “um só objeto”, fato verdadeiro nas duas reportagens analisadas, que têm o foco na chuva e as conseqüências por ela desencadeadas.

O segundo item, diz respeito à “comprovação das teses defendidas com citações de outros textos autorizados” (Fiorin, Savioli, 2002: 174), pois isso faz com que o texto ganhe valor de verdade, também conhecido por argumento de autoridade. Essa ferramenta aparece em ambos os jornais, Jornal do Brasil e O Fluminense, que introduzem as declarações de autoridades do poder público.

Em terceiro lugar, temos o apontamento das causas e dos efeitos que o tema produz, coerente e logicamente encadeados. Em ambos os jornais analisados, observamos que a causa é o descaso das autoridades, e o efeito é o alagamento e o sofrimento da população decorrente desse alagamento, sendo este, um fator decorrente da não-atuação dos órgãos públicos.

Aliado a isso, temos o emprego de exemplos, que vão corroborar para o efeito de veridicção do texto, e isso se dá pela práxis das declarações dos entrevistados, ao mesmo tempo testemunhas e vítimas dos eventos, fato que ocorre nos dois jornais em questão e as próprias fotografias, que servem como provas concretas.

Por último, porém, não menos relevante, os autores destacam a refutação dos argumentos contrários, em que:

Um texto, para ser convincente, não pode fazer de conta que não existam opiniões opostas àquela que se defendem no seu interior. Ao contrário, deve expor com clareza as objeções conhecidas e refutá-las com argumentos sólidos. (Idem, p. 174).

Essa refutação dos argumentos contrários não pode ocorrer explicitamente nos jornais, por se tratar de um texto jornalístico, que possui uma única versão, a considerada verdadeira, para os fatos apresentados. Assim, no Jornal do Brasil no O Fluminense a assunção de um ponto de vista é feito mais brandamente, através das oposições da fala dos entrevistados e dos subentendidos, como foi explicado anteriormente.

O Jornal do Brasil põe em dúvida a própria intenção de se tomar providência por parte das autoridades entrevistadas. Para isso, faz mais uso de declarações de testemunhas, transcritas pelo discurso direto, conservando o caráter emotivo de suas intervenções, ao passo que o jornal O Fluminense emprega mais freqüentemente o discurso indireto e menos declarações, em comparação com o Jornal do Brasil.

Neste ponto, os argumentos contrários são levados, grosso modo, por meio das declarações das autoridades responsáveis e envolvidas em dar explicações sobre o porquê houve os alagamentos, como por exemplo, no O Fluminense, que dedicou o último parágrafo da reportagem principal para colocar o depoimento de autoridades, nesse caso, um representante da Prefeitura de São Gonçalo, em que podemos notar que o problema é muito antigo, mas a mesma está tomando iniciativa há dois meses para combater os alagamentos e com prazo para a conclusão e conseqüentemente, sanar o problema, como podemos notar:

De acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Gonçalo, nos dois bairros é feito um trabalho de limpeza constante dos bueiros e córregos, além de obras para a construção de galerias pluviais das áreas mais baixas. As obras foram iniciadas há dois meses, e devem ser concluídas até junho na rua Agamenon, de acesso à BR-101, altura do Boa Vista e Joaquim de Oliveira, no Boa Vista. (O Fluminense)

No Jornal do Brasil, há também a presença da fala das autoridades, como já analisamos anteriormente, defendendo sua atuação na minimização dos estragos feitos pela chuva. A refutação desses argumentos, nessa mídia impressa, ocorre pelo recurso ao implícito, como vimos, levando o enunciatário-leitor a não acreditar na efetiva ação contra os alagamentos, por parte do poder público municipal de Niterói. Temos, desse modo, uma divergência de estilo entre os dois jornais fluminenses analisados.

Um outro mecanismo argumentativo importante a ser destacado é a ancoragem, que se trata de um procedimento semântico do discurso que serve para dar veridicção aos depoimentos dos actantes do enunciado que são recolhidos pelos atores da enunciação e colocados na reportagem. Ao informar o nome, a idade, onde mora, a profissão etc, apresenta dados necessários à concretização de atores, espaço e tempo, contribuindo para a construção da “... ilusão de realidade necessária para a fabricação de efeitos de verdade.” (Barros, 1988: 110 e 111).

Essa ancoragem aparece tanto no Jornal do Brasil quanto em O Fluminense, como pode ser visto nos exemplos:

Já a professora Oswaldinéa Silva, de 45 anos, reclama dos estragos da chuva em seu bairro, Pendotiba, apesar do valor desembolsado no pagamento do Imposto Predial Territorial Urbano.

— Sempre que chove, desce água como se fosse uma cachoeira. Quando chove muito, fica impraticável vir para a Zona Sul — aponta ela. (Jornal do Brasil)

O vidraceiro Isaías Sales, de 36 anos, trabalha há mais de dez anos na Joaquim de Oliveira e perdeu a conta de quantas vezes já viu a via tomada pela água.

“Isso é uma constante. Choveu, fica cheio. Cansei de ver gente perder tudo o que tem por causa das águas”, disse o vidraceiro, que contou que a cada chuva vários carros ficam presos no ‘rio’. (O Fluminense)

 

Conclusão

Por fim, podemos concluir acerca deste estudo que o estilo dos jornais fluminenses analisados, Jornal do Brasil e O Fluminense, difere em alguns pontos. Um deles é o modo como o visual (verbal e fotográfico) é empregado, o que encaminha o enunciatário-leitor a modos diferentes de leitura e constroem subjetividades distintas, em cada jornal, tanto para o enunciador quanto para o enunciatário inscritos no texto, ora mais elegante, participativo e crítico, ora mais corriqueiro e passivo. O emprego dos recursos argumentativos também difere, encaminhando para a produção desses mesmos efeitos na constituição dos sujeitos acima mostrados, fazendo com que o posicionamento ideológico em cada jornal tenha maior ou menor condescendência à ineficiência dos órgãos públicos, no caso da reportagem analisada.

 

Referências Bibliográficas

NASCENTES, Antenor. O idioma nacional: noções de estilística e de literatura. 2ª ed. Rio de Janeiro: Leuzinger, 1935.

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. 1ª ed. São Paulo: Atual, 1988.

––––––. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 1990.

DISCINI, Norma. O estilo nos textos. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2004.

GOMES, Regina Souza. Integração e sincretismo: relações entre linguagem verbal e fotográfica no jornal. 2004. 220 f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.

GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, [s/d.].

FIORIN, José Luiz. Introdução à lingüística II. São Paulo: Contexto, 2004.

––––––; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 2002.