TUDO O QUE VOCÊ DISSER
PODE SER USADO CONTRA VOCÊ;
OU... QUEM CALA CONSENTE

Ilioni Augusta da Costa (UFES)

 

Introdução

Neste trabalho reflete-se sobre a linguagem em uso, tomando como corpus a fala de políticos e de depoente em um inquérito, isto é, situação discursiva institucional, com vistas a analisar em que ponto os participantes cooperam na atividade discursiva e em que ponto eles violam as máximas da conversação postuladas por Grice (1975).

Utiliza-se para análise apenas um trecho do depoimento, publicado no Caderno Ilustrada, Folha de São Paulo, em coluna de Ferreira Gullar, sem que se considere para tanto os comentários desse escritor, que não correspondem ao tipo de texto que se pretende estudar.

No discurso ora analisado, chama a atenção as circunstâncias em que a conversação é produzida e a negação explícita de um dos participantes da interlocução em cooperar, no sentido de que não houvesse progressão e aprofundamento do assunto.

 

Fundamentação teórica

A Pragmática se interessa pelo estudo da língua em uso, considerando o comportamento dos interlocutores num determinado contexto discursivo. Ao contrário do que preconiza Saussure, que os estudos lingüísticos devam se voltar para a língua enquanto sistema abstrato, a Pragmática tem como foco de análise a prática lingüística concreta, leva em conta a fala e sua realização social, “[...] como os falantes organizam o que querem dizer, de acordo com a pessoa com quem vão interagir, o lugar onde estão vivendo e sob que circunstâncias vão estar atuando.” (Lins, 2002).

Conforme Marcuschi (1986) apud Lins (1994), a interação humana ocorre prioristicamente pela conversação, caracterizando-se a linguagem por sua função dialógica, sustentando a interação discursiva o compartilhamento de conhecimento e o domínio de situações sociais.

As situações discursivas são múltiplas e exigem dos participantes posturas que atendam às exigências do momento; por exemplo, em uma aula, o diálogo entre professor e alunos difere de uma conversa cotidiana; assim como a fala dos participantes em um inquérito exige muito mais dos interlocutores do que em uma situação familiar ou casual.

A propósito do uso da língua, Grice (1975) postula que, em situações discursivas, os participantes agem cooperativamente, num esforço mútuo de interação, reconhecendo os objetivos um do outro. Ou seja, seguem uma norma comportamental denominada Princípio da Cooperação, para o qual o autor apresenta as seguintes máximas:

 

Máxima da Quantidade

a) Faça sua contribuição tão informativa quanto requerido;

b) Não faça sua contribuição mais informativa do que é requerido.

 

Máxima da Qualidade

a) Não diga o que você acredita ser falso;

b) Não diga senão aquilo para o que você possa fornecer evidência.

 

Máxima da Relação

a) Seja relevante.

 

Máxima do Modo

a) Evite obscuridade de expressão;

b) Evite ambigüidades;

c) Seja breve;

d) Seja ordenado.

O Princípio da Cooperação de Grice e suas respectivas máximas supõem a vontade dos participantes de uma situação discursiva de alcançarem os objetivos centrais da conversação, entre outros, informar ou receber informação, influenciar ou ser influenciado. No entanto, a observância a essas máximas pode ser violada por um dos participantes do diálogo, o qual se colocará “[...] fora da esfera de atuação tanto das máximas quanto do Princípio da Cooperação; ele pode dizer, indicar ou permitir que se compreenda que ele não quer cooperar na forma exigida pelas máximas. Poderá dizer, por exemplo, Eu não posso mais falar; meus lábios estão selados.”, Grice (1975).

A propósito da interação discursiva, Grice fornece, ainda, noções de implicações pragmáticas, quando dizemos algo que sugere um significado adicional, diferente do que dissemos. Esse significado outro não depende do significado convencional das palavras, mas de um sentido que o falante leva o ouvinte a produzir, ao dizer algo que aparentemente foge à situação e ao tema conversacional. A implicatura supõe a violação a uma das máximas do Princípio da Cooperação.

As interações discursivas levam em conta, além da cooperatividade entre os interlocutores, atitudes como a de manutenção de uma imagem social construída. Por meio de estratégias de polidez, que variam conforme a situação discursiva, relação de poder, distância social e teor de risco, essa imagem social, face, será mantida ou ameaçada.

Os conceitos sobre a elaboração da face, elaborados por Goffman (1967), e as estratégias de polidez, postuladas por Brown e Levison (1978), explicados a seguir, esclarecem algumas atitudes discursivas adotadas pelos interlocutores em situações conversacionais.

Segundo Goffman (1967), o termo face refere-se à imagem positiva que uma pessoa reivindica para si num ambiente social. Ou seja, é a imagem pública ou senso de si mesma que as pessoas esperam ser reconhecido pelos outros. Ao conceito de face aliam-se os de face positiva, necessidade de ser aceito, de saber que suas necessidades são compartilhadas, e face negativa, desejo de ser independente, de não sofrer imposição de outrem.

Construída essa face pública, as pessoas se portam de modo a mantê-la. Se correm o risco de perder a face, utilizam todos os recursos de que dispõem, na tentativa de salvá-la.

Ao se analisarem enunciados de ameaça à face, nos atos de fala selecionados para este estudo, serão discutidas as estratégias de polidez, postuladas por Brown e Levinson (1978).

Os autores entendem polidez como um conjunto de princípios adotados pelos participantes de uma interação social, que visam especificamente ao salvamento da face de outrem. Desse modo, deve-se tratar o princípio da polidez como indissociável do conceito de face. Assim, denomina-se polidez negativa, o ato de salvamento da face negativa, e polidez positiva o salvamento da face positiva. A preservação da imagem (face) construída ou o ato de salvamento da mesma em uma situação de risco requer que as pessoas ajam como atores em interações discursivas, ou seja, que se comportem como personagens que devem desempenhar bem o seu papel, de modo a não cometer gafes, a passarem ao seu interlocutor a idéia de que têm o domínio da situação.

As estratégias de polidez utilizadas pelo falante variam conforme as relações que se estabelecem na situação discursiva: o distanciamento social dos interlocutores, o risco de ameaça à face do falante ou do ouvinte, e a relação de poder entre ambos.

 

Análise dos dados

Nos últimos meses, no Brasil, uma série de CPI’s foi instalada no Congresso Nacional, tendo como motivação inicial uma fita de vídeo divulgada pelos telejornais, em que aparece um funcionário dos Correios sendo subornado por alguém, pela quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais). A partir desse episódio, o país passa a conviver dioturnamente com notícias e denúncias envolvendo políticos, além de assessores e financiadores de campanha. Essas denúncias variavam de posse ilegal de dinheiro a contas-correntes não declaradas, que sustentariam as campanhas eleitorais dos parlamentares.

Este estudo analisa um fragmento de discurso, realizado numa sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Na ocasião, prestava depoimento o publicitário Duda Mendonça, que compareceu à CPI acompanhado de seu advogado e munido de um salvo-conduto do Supremo Tribunal Federal, concedendo-lhe o direito de não responder às perguntas que o incriminassem. A análise aqui desenvolvida compreende não só a fala do depoente Duda Mendonça, como também as inquirições e comentários do relator, de deputados, de um senador e do presidente da Comissão.

O objetivo dessa CPI era apurar informações sobre um depósito feito na conta corrente do publicitário pelo Partido dos Trabalhadores (PT), para o qual Duda Mendonça prestou serviços no período de campanha eleitoral. O valor do depósito, R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), teria origem num caixa dois do partido.

Parte-se, nesta análise, do entendimento de que a convocação do publicitário para prestar depoimento já seria, por si só, uma ameaça à face do mesmo, tanto que antes de comparecer à CPI, Duda Mendonça se cercou de medidas que o protegessem, como o documento concedendo-lhe o direito de não responder às perguntas que o colocassem em situação de risco.

Observa-se no depoimento do publicitário a explícita recusa em manter uma cooperação conversacional, tendo em vista que maior parte de suas falas foram “Lamento, mas não vou responder”.

A análise será feita, conforme apresentadas as falas das pessoas que participaram da sessão na CPI.

(1) Relator: Senhor Duda Mendonça, V.S. declarou em depoimento anterior que recebeu R$ 10 milhões do PT. Confirma essa declaração?

(2) Duda: Lamento, mas não vou responder.

Percebe-se que o relator primeiro informa uma declaração prestada pelo publicitário num momento anterior, não dando margens à suposição de que o mesmo não tivesse dito tal coisa e, a seguir, pergunta-lhe apenas se ele a confirma ou não. A construção de sua fala responde a todas as máximas postuladas por Grice, a da quantidade, pela objetividade da formulação; a da qualidade, visto não existir dúvida acerca da verdade do que foi dito; a do modo, considerando a clareza e objetividade do comentário e da pergunta; e a da relevância, o conteúdo do que foi dito é a chave para a continuação do interrogatório.

A resposta do publicitário, por sua vez, declara que ele não está disposto a cooperar com as investigações. Duda expressa sua vontade de colocar-se fora da conversação, ao afirmar que não irá responder ao questionamento.

(3) Relator: Esse dinheiro seria o pagamento de parte dos serviços que o senhor prestou ao PT durante campanha presidencial de 2002. Confirma?

Diferentemente de (1), o relator em (3) utiliza um modalizador, seria, verbo no futuro do pretérito, indicando que, se havia certeza quanto ao depósito do dinheiro, isso não se aplica à origem do mesmo. O uso desse modalizador, pode ser visto como um recurso de polidez de que o relator lançou mão, a fim de dar ao publicitário a chance de confirmar ou não uma hipótese. O questionamento (3) ignora a resposta dada pelo depoente em (2), pois reafirma a veracidade de que o depósito fora feito. Duda Mendonça, por sua vez, reitera sua vontade de não cooperar, dando ao inquiridor a mesma resposta que dera à pergunta anterior.

(4) Duda: Lamento, mas não vou responder.

Se o publicitário respondesse a essa pergunta, negando ou confirmando que o depósito fora feito pelo PT, ele estaria quebrando a própria face, já que anteriormente não reconheceu nem negou que tivesse recebido algum dinheiro. Qualquer que fosse sua resposta em (4), com exceção da que dera, ele estaria sendo contraditório.

Tanto em (1) quanto em (3), o relator ameaça a face do depoente. Em (1), ele não questiona se Duda recebera ou não o dinheiro, mas reporta-se ao fato de o publicitário já ter declarado que o depósito fora feito; e em (3) apresenta uma hipótese sobre a origem do dinheiro, suposição provavelmente baseada no conhecimento partilhado publicamente de que Duda trabalhara para o PT em campanha publicitária eleitoral.

Seguem mais três perguntas do relator, às quais o depoente recorre à mesma resposta:

(5) Relator: É verdade que sua filha tentou transferir para o Brasil parte do dinheiro que o senhor tem na conta Dusseldorf?

(6) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(7) Relator: Conhece a senhora Zilmar Fernandes?

(8) Duda: Lamento, mas não vou responder.

Nesse momento, um deputado, dirigindo-se ao presidente da Comissão, mostra-se indignado com a postura do depoente. Em resposta, o presidente informa que Duda está protegido por uma liminar e, em seguida, solicita ao relator que dê continuidade à sessão.

(9) Relator: Senhor Duda Mendonça, o senhor é casado? Pode dizer o nome de sua esposa?

(10) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(11) Relator: Quantos filhos o senhor tem?

(12) Duda: Lamento, mas não vou responder.

As perguntas feitas pelo relator, em (9) e (11) parecem violar o princípio da relevância, por não haver relação qualquer, a priori, entre o estado civil do depoente, o nome de sua esposa e o número de filhos que este tem. A menos que, de alguma forma, se pudesse apontar qualquer envolvimento entre o depósito bancário na conta do publicitário e algum de seus filhos e ou de sua esposa (se ele os tem), esses questionamentos não alterariam em nada o processo. Embora pareçam alheias ao tema tratado, Duda Mendonça teria julgado que essas perguntas também o incriminariam e preferiu não respondê-las, postura que, agora, já não reflete uma tentativa de proteção à própria face, mas de obstrução dos trabalhos da CPI.

Diante da reação de indignação do relator, por sua recusa a responder a perguntas tão ‘inofensivas’, o publicitário, após cochichar com seu advogado, declara:

(13) Duda: Essa é a orientação que recebi de meus advogados. Da outra vez, não obedeci à orientação deles e me ferrei.

De todo o fragmento analisado, essa é a primeira vez em que o depoente não declara simplesmente “Lamento, mas não vou responder”. Ao responder de outro modo em (13), Duda Mendonça insere-se na situação discursiva e, ao mesmo tempo, informa mais do que diz. Pode-se identificar em sua fala a existência de algumas implicaturas, tais como: Duda prestou depoimento anteriormente e foi cooperativo; Duda disse a verdade em seu depoimento anterior; Duda pagou a culpa, ‘se ferrou’, por ter dado a seus inquiridores as informações por eles solicitadas, e ainda, Duda teme dizer a verdade e se ‘desmascarar’, assumir alguma culpa por algo. Em outras palavras, Duda teme ter a face quebrada.

Encerrado o interrogatório do relator, o presidente passa a palavra a um deputado, Ambrósio, que pergunta ao depoente:

(14) Deputado: Senhor Duda Mendonça, em seu primeiro depoimento, o senhor mentiu a esta comissão quando disse que tinha apenas uma conta no exterior. Admite que tem mais de uma conta no exterior?

(15) Duda: Lamento, mas não vou responder.

Em (14), assim como visto em (1) e (3), o modo como a pergunta é formulada deixa explícita a tentativa de ameaça de face do depoente. Primeiro, o deputado afirma inconteste que Duda mentira anteriormente para, só então, questionar-lhe sobre a existência de mais de uma conta em bancos no exterior, não lhe dando praticamente nenhuma chance de defesa. Quanto ao uso da polidez conversasional, está claro que não houve qualquer tentativa por parte do deputado em tentar suavizar a acusação que faz ao publicitário ao chamá-lo de mentiroso, acusação aceita por Duda Mendonça que, não se dispondo a se defender, estaria assumindo a ‘culpa’. E é assim que o próprio deputado entende sua resposta, o que pode ser constatado pela pergunta que faz, em seguida, ao depoente.

(16) Deputado: Senhor Duda, V.S. não acha que, negando-se a responder a toda e qualquer pergunta, está dando uma demonstração de culpa?

(17) Duda: Lamento, mas não vou responder.

Se considerarmos que em latim o uso do nonne em perguntas presume uma resposta positiva, o deputado, ao questionar se o depoente “... não acha que...”, sugere que Duda esteja assumindo a responsabilidade por aquilo de que é acusado. Por outro lado, a própria estratégia dos parlamentares de fazer o publicitário repetir ‘...não vou responder’ é utilizada como meio de fazê-lo dizer algo, pois sua recusa em responder às perguntas implica querer dizer repetidamente: essa pergunta me incrimina.

Diante do comentário do deputado Ambrósio sobre a inviabilidade de tomada do depoimento de um depoente que nada diz, o presidente da Comissão dá continuidade à sessão; dirige-se ao publicitário, e tem-se os seguintes atos discursivos:

(18) Presidente: Senhor depoente, podia pelo menos responder a perguntas que não o comprometam. É impossível que todas o incriminem.

(19) Duda: Como não sou advogado, não posso avaliar se a pergunta me compromete ou não.

(20) Presidente: Mas o senhor não é débil mental, ou é?

(21) Duda: Lamento, mas não vou responder.

A essa altura do depoimento, percebe-se que está cancelada qualquer possibilidade de se manter a conversação em um nível mais polido e informativo. Em (18) pode-se perceber, ainda, a tentativa de manutenção da polidez, quando o presidente sugere que o depoente responda pelo menos às perguntas que não o comprometam. Mais uma vez identifica-se o uso de um modalizador, verbo no pretérito perfeito, podia, cujo uso abranda a imposição que subjaz ao pedido. Mas mesmo com o uso do modalizador, o comentário que se segue “É impossível que todas o incriminem.” revela a que conclusão o presidente chegou com base nas respostas do depoente: se ele não podia responder a nenhuma pergunta é porque todas o comprometiam.

Em (19), Duda Mendonça tenta esquivar-se com uma resposta, no mínimo inconsistente, seria até ingênua, não fosse a imagem social que o publicitário tem como a de um profissional experiente, conhecido nacional e internacionalmente como alguém capaz de eleger quaisquer políticos, mesmo os mais inexpressivos.

No questionamento do presidente ao publicitário, em (20), foge-se completamente ao objetivo do depoimento, e iniciam-se falas dirigidas a Duda Mendonça, as mais rudes possível. Na realidade, em (20), não há mais a expectativa de uma resposta, seja de confirmação ou de negação. Ainda assim, o presidente orienta a pergunta para o publicitário, oferecendo a ele uma chance de defesa. Visto que, primeiro afirma que Duda não é débil mental para, em seguida, fazer supor que tem dúvidas quanto a isso, solicitando ao depoente que confirme ou negue sua hipótese.

Após algumas outras falas de deputados, do presidente e do próprio Duda Mendonça, chega-se ao seguinte desfecho:

(22) Deputado: Senhor Duda Mendonça, o senhor, que gosta tanto de briga de galo, parece que hoje está fugindo da rinha. Como é mesmo que se chama o galo que foge da rinha?

(23) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(24) Deputado: E um copo d’água? Aceita um copo d’água?

(25) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(26) Deputado: Então aceita um cafezinho?

(27) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(28) Deputado: Ia perguntar se o senhor gosta de pizza, mas já sei que não vai responder.

Segundo Grice (1975), numa conversação, cada participante reconhece um propósito comum na interação discursiva e orienta o diálogo num esforço mútuo de cooperação. Como se pode observar no fragmento analisado, especialmente em (22), (24), (26) e (28), são violadas as quatro máximas ou regras conversacionais postuladas pelo estudioso. Nem as perguntas (22), (24) e (26), feitas pelo deputado, nem seu comentário final parecem orientar para o assunto que motivou aquela sessão da CPI. Desse modo, no que diz respeito à máxima da quantidade, as falas não apresentam nenhum grau de informatividade; na realidade, soam irrelevantes, obscuras e ambíguas, contrariando, assim, também às máximas da relação e do modo. No entanto, em seus estudos, Grice prevê a inobservância intencional dessas categorias. E é por esse prisma que (22), (24), (26) e (28) devem ser analisadas.

Em (22), ao afirmar que Duda está se comportando como um galo que foge da rinha, o deputado deixa implícito que o publicitário sente medo de fazer qualquer declaração; além disso, a referência ao gosto por brigas de galo reporta a uma ocasião recente em que Duda Mendonça fora detido pela polícia militar por estar participando de um evento desses, legalmente proibido no Brasil.

Em (24) e (26), as perguntas dirigidas ao depoente, se ele aceita um copo d’água ou um cafezinho, como não mantêm nenhuma relação com a situação conversacional, nem com o rumo que a mesma tomou, ao mesmo tempo em que ironizam o posicionamento do publicitário, forçam-no a repetir a mesma resposta que dera em quase todas as inquirições anteriores.

Quando, por fim, o deputado dirige-se ao depoente, em (28), e diz que iria perguntar-lhe se gosta de pizza, mas que já sabia que ele não iria responder, está claro que o inquiridor não teria por que querer saber a preferência gastronômica do depoente. Mas, ao afirmar isso, comunica muito mais do que diz. A implicatura se encontra no tipo de prato referido: pizza, nesse contexto, perde seu significado convencional e ganha nova conotação. Esse sentido outro só pode ser identificado se o interlocutor souber em que circunstâncias o termo deixou de ter significado literal. A expressão tem sido corriqueiramente utilizada, principalmente em referência a questões políticas, como um sinal de desconfiança do enunciador quanto ao desfecho de alguma discussão ou investigação.

Logo, perguntar se o publicitário gosta de pizza, naquele ambiente discursivo, dadas as circunstâncias que permearam o depoimento, implica dizer que ‘parece que Duda não deseja que as investigações sejam concluídas de modo que se punam os culpados por possíveis irregularidades no governo’.

No fragmento analisado, as estratégias de polidez orientadas por Brown e Levinson, cujo objetivo é a preservação ou o salvamento de face numa conversação, cedem lugar a outro recurso lingüístico, como a ironia, cujo fim é o desmascaramento, pelo constrangimento, do depoente. E o recurso utilizado por Duda Mendonça para salvar a própria face, de responder a ‘todas’ as perguntas com um “Lamento, mas não vou responder” acaba tendo efeito contrário, como se ele repetidas vezes dissesse ‘essa pergunta me incrimina, o que eu disser poderá ser usado contra mim’.

 

Referências BIBLIOGRÁFICAS

BROWN e LEVINSON. Politeness: Some universal in language usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

GOFFMAN, Erving. A elaboração da Face: uma análise dos elementos rituais na interação social. Francisco Alves, 1980.

GRICE, Paul H. Lógica e conversação. In: DASCAL, Marcelo (org.). Fundamentos Metodológicos da Lingüística. Pragmática. Campinas, 1982. v. 4.  

LINS, Maria da Penha Pereira. Anticonversa na televisão brasileira: uma análise do programa Manhattan Connection. Contexto Revista do Departamento de Línguas e Letras – UFES. Vitória, ano VIII, v. 7, p. 109-135, 2000.

––––––. Mas, afinal, o que é mesmo Pragmática?. Revista Fala Palavra. nº 2. Aracruz: Facha, 2002.

 

ANEXOS

(1) Relator: Senhor Duda Mendonça, V.S. declarou em depoimento anterior que recebeu R$10 milhões do PT. Confirma essa declaração?

(2) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(3) Relator: Esse dinheiro seria o pagamento de parte dos serviços que o senhor prestou ao PT durante campanha presidencial de 2002. Confirma?

(4) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(5) Relator: É verdade que sua filha tentou transferir para o Brasil parte do dinheiro que o senhor tem na conta Dusseldorf?

(6) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(7) Relator: Conhece a senhora Zilmar Fernandes?

(8) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(9) Um deputado: Senhor presidente, uma questão de ordem... O senhor Duda Mendonça não pode negar-se dessa maneira a responder a todas as perguntas do relator!

(10) Presidente: Lamento, mas ele está protegido por uma liminar do Supremo... Prossiga, senhor relator.

(11) Relator: Senhor Duda Mendonça, o senhor é casado? Pode dizer o nome de sua esposa?

(12) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(13) Relator: Quantos filhos o senhor tem?

(14) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(15) Relator: Senhor Duda, que o senhor se negue a responder a perguntas que possam incriminá-lo, está no seu direito, mas negar-se a dizer o nome de sua esposa, me parece demais.

(16) Duda (depois de cochichar com o seu advogado): Essa é a orientação que recebi de meus advogados. Da outra vez, não obedeci à orientação deles e me ferrei.

(17) Relator: O senhor se ferrou como?

(18)Duda: Lamento, mas não vou responder.

(19) Relator: Senhor presidente, dou por encerrado o meu inútil interrogatório.

(20) Presidente: Com a palavra o deputado Ambrósio.

(21) Deputado: Senhor Duda Mendonça, em seu primeiro depoimento, o senhor mentiu a esta comissão quando disse que tinha apenas uma conta no exterior. Admite que tem mais de uma conta no exterior?

(22) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(23) Deputado: Senhor Duda, V.S. não acha que, negando-se a responder a toda e qualquer pergunta, está dando uma demonstração de culpa?

(24) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(25) Deputado: Senhor presidente, não vejo razão para se continuar com este depoimento já que o depoente não depõe.

(26) Presidente: O depoimento terá que continuar, quer ele responda ou não (A Duda) Senhor depoente, podia pelo menos responder a perguntas que não o comprometam. É impossível que todas o incriminem.

(27) Duda: Como não sou advogado, não posso avaliar se a pergunta me compromete ou não.

(28) Presidente: Mas o senhor não é débil mental, ou é?

(29) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(30) Presidente: Com a palavra o deputado Jacinto.

(31) Deputado: Senhor Duda, o Senhor está cometendo crime de obstrução da Justiça. Pode responder por isso mais tarde.

(32)Duda: Estou protegido pelo Supremo Tribunal Federal.

(33) Deputado: Senhor presidente, temos de reconhecer que essas decisões do Supremo concedendo aos depoentes o direito de não responder às perguntas anulam a ação do Congresso para esclarecer a verdade. A que ponto chegamos!

(34) Senadora: Aqui no Congresso, como no Supremo, existem pessoas desonestas e de mau caráter. Acato as decisões do Supremo, mas nem sempre as respeito, já que muitas delas não merecem ser respeitadas.

(35) Presidente: Com a palavra o deputado Buriti.

(36) Deputado: Senhor Duda Mendonça, o senhor, que gosta tanto de briga de galo, parece que hoje está fugindo da rinha. Como é mesmo que se chama o galo que foge da rinha?

(37) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(38) Deputado: E um copo d’água? Aceita um copo d’água?

(39) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(40) Deputado: Então aceita um cafezinho?

(41) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(42) Deputado: Ia perguntar se o senhor gosta de pizza, mas já sei que não vai responder.

 

(1) Relator: Senhor Duda Mendonça, V.S. declarou em depoimento anterior que recebeu R$10 milhões do PT. Confirma essa declaração?

(2) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(3) Relator: Esse dinheiro seria o pagamento de parte dos serviços que o senhor prestou ao PT durante campanha presidencial de 2002. Confirma?

(4) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(5) Relator: É verdade que sua filha tentou transferir para o Brasil parte do dinheiro que o senhor tem na conta Dusseldorf?

(6) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(7) Relator: Conhece a senhora Zilmar Fernandes?

(8) Duda: Lamento, mas não vou responder

.(09) Relator: Senhor Duda Mendonça, o senhor é casado? Pode dizer o nome de sua esposa?

(10) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(11) Relator: Quantos filhos o senhor tem?

(12) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(13) Duda (depois de cochichar com o seu advogado): Essa é a orientação que recebi de meus advogados. Da outra vez, não obedeci à orientação deles e me ferrei.

(14) Deputado: Senhor Duda Mendonça, em seu primeiro depoimento, o senhor mentiu a esta comissão quando disse que tinha apenas uma conta no exterior. Admite que tem mais de uma conta no exterior?

(15) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(16) Deputado: Senhor Duda, V.S. não acha que, negando-se a responder a toda e qualquer pergunta, está dando uma demonstração de culpa?

(17) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(18) Presidente: O depoimento terá que continuar, quer ele responda ou não (A Duda) Senhor depoente, podia pelo menos responder a perguntas que não o comprometam. É impossível que todas o incriminem.

(19) Duda: Como não sou advogado, não posso avaliar se a pergunta me compromete ou não.

(20) Presidente: Mas o senhor não é débil mental, ou é?

(21) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(22) Deputado: Senhor Duda Mendonça, o senhor, que gosta tanto de briga de galo, parece que hoje está fugindo da rinha. Como é mesmo que se chama o galo que foge da rinha?

(23) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(24) Deputado: E um copo d’água? Aceita um copo d’água?

(25) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(26) Deputado: Então aceita um cafezinho?

(27) Duda: Lamento, mas não vou responder.

(28) Deputado: Ia perguntar se o senhor gosta de pizza, mas já sei que não vai responder.