OS MODALIZADORES EM –MENTE
NO TEXTO JORNALÍSTICO DE OPINIÃO

Christiana Lourenço Leal

 

Introdução

É cada vez mais pertinente a pesquisa sobre as funções discursivas dos itens gramaticais. Crescendo junto à lingüística textual e à análise do discurso, os estudos sobre modalização correspondem a esse tipo de pesquisa, na medida em que tentam mostrar como o que, tradicionalmente, seria considerado uma classe gramatical, pode ter função apenas discursiva, incidindo seu significado sobre toda uma sentença.  

Nosso trabalho pretende analisar os vocábulos terminados em –mente, tradicionalmente chamados de advérbios, como modalizadores do discurso. Para tal, separamos, em blocos de sentido, cada uso possível de tais elementos.

Nossos corpora são cartas dos leitores retiradas do jornal O Globo entre os dias 14 de setembro e 07 de outubro de 2005.

Pensamos que, em relação às estratégias de comunicação, cabe ao locutor a escolha da língua que utilizará, visto que, dentro do nosso idioma, é possível ser um poliglota. Portanto, é na análise de textos escritos de opinião que procuraremos provar a presença de uma linguagem persuasiva. Sendo assim, mostraremos como os chamados modalizadores podem contribuir para isto.

Nosso objetivo é mostrar que não é apenas com construções do tipo “Em minha opinião...” ou “Eu acho que...” que se pode emitir um ponto de vista sobre determinado assunto. Os modalizadores em –mente, portanto, funcionam como itens de opinião indireta na estratégia discursiva de persuasão.

 

O que é modalidade?

Por ser um assunto ainda recente, começaremos com duas definições de modalidade:  

[A modalidade] diz respeito à expressão lingüística de dois aspectos: (a) as apreciações do locutor sobre o conteúdo proposicional da orações e (b) seus interesses quanto às tarefas da enunciação. (Azeredo, 1993)

Tradicionalmente e no que toca o tratamento gramatical, as modalidades têm estado quase exclusivamente associadas aos modos verbais e aos verbos modais enquanto categorias gramaticais de expressão da atitude do locutor, quer em relação ao conteúdo proposicional ou valor de verdade do seu enunciado, quer em relação ao alocutário a quem o enunciador se destina.

Enquanto prática lingüística em interacção, todo o enunciado apresenta um determinado grau de modalização. Tal modalização consiste essencialmente numa modificação introduzida pelo locutor ao nível da predicação, como resultado das condições postas à sua realização e da relação entre os elementos envolvidos na produção. (Mateus, 1983)

A partir dessas definições, podemos observar que modalizadores são elementos textuais que revelam a opinião e a intenção do autor em relação ao assunto sobre o qual se pronuncia. Sendo assim, a modalização dá um direcionamento argumentativo ao texto, pois os elementos que funcionam como modalizadores não são elementos textuais diretamente ligados a um ou outro termo, mas sim a toda uma sentença.  

Dentre os principais modalizadores, destacam-se termos tradicionalmente classificados como advérbios. Devido à recorrência de suas aparições daremos destaque a tais palavras, mais especialmente àquelas terminadas pelo sufixo –MENTE.

Em uma frase do tipo “Infelizmente, o presidente não compareceu à reunião internacional”, “Infelizmente” seria classificado, tradicionalmente, como um advérbio. Isso porque, do ponto de vista morfológico, esta palavra é invariável e, do ponto de vista sintático, ela se encaixaria em um tipo especial de advérbio que não estaria modificando nem um verbo, nem um adjetivo, nem um outro advérbio, mas toda a sentença. Semanticamente falando, “Infelizmente” estaria revelando a opinião do enunciador quanto à sentença proferida.

Exatamente por ser um tipo especial de advérbio do ponto de vista sintático e por ter maior relevância para o discurso é que os autores em questão defendem a criação da categoria modalizador, que não se restringe somente a alguns tipos de advérbios, mas também a outros elementos que indicam apreciações pessoais ou interesses do locutor ao proferir a sentença.  

Além dos vocábulos em –mente, podem também funcionar como modalizadores: sintagmas preposicionais (Com certeza); alguns verbos (Ele deve ter razão); operadores argumentativos (até, ainda, inclusive); conjunções (Se ela vier...) e até a entonação, no caso do texto falado.

Como nosso corpus se constitui de textos escritos, porém muito próximos da linguagem falada e com intenção claramente argumentativa, vamos encontrar nele vários tipos de modalizadores diferentes. Para efeito deste trabalho, operaremos apenas com os vocábulos terminados em –mente.

Antes, porém, faz-se necessária uma breve explanação do processo de formação de tais vocábulos, o que será fator muitas vezes decisivo no processo de interpretação do fenômeno.

 

A formação dos vocábulos em -mente

Numa pesquisa em diversas gramáticas sobre o item advérbio, sempre encontramos um tópico que versava sobre os advérbios em –mente e sua formação. Achamos necessário tratar dessa questão aqui, não só por sua presença nas Gramáticas Tradicionais, mas também por acreditar que muito do valor de modalizador desses elementos encontra-se no processo de formação deles.

Em geral, os vocábulos em –mente são formados pelo acréscimo do sufixo –mente a uma base adjetiva, flexionada no feminino quando houver essa possibilidade. Logo, se quisermos formar um advérbio em –mente a partir do adjetivo imenso, flexiona-se tal adjetivo para o feminino (imensa) e acrescenta-se imediatamente o sufixo: imensamente. Por outro lado, a partir do adjetivo constante forma-se constantemente de forma direta, já que este adjetivo não é flexionável.

A importância do entendimento dessa transformação de palavras deve-se ao fato de que o conteúdo expresso pelo vocábulo em –mente está basicamente contido na semântica do adjetivo. Logo, extremamente mostra certa intensidade, porque extremo já é um adjetivo que indica certa intensidade; lamentavelmente indica opinião negativa, justamente porque lamentável é um adjetivo de valor negativo.

E, em nossa opinião, é impossível dissociar adjetivo de advérbio nesses casos, já que o advérbio em –mente é visto diversas vezes como um modalizador pelo fato de servir como qualificador de algo, da mesma forma que o adjetivo qualifica substantivos.

É importante ressaltar, ainda, que, na maioria das gramáticas, há uma observação sobre o aparecimento desses vocábulos em seqüência, quando se deve acrescentar o sufixo apenas no último da série, mantendo os outros como verdadeiros adjetivos no feminino.  

Em nossa pesquisa, encontramos dois desses casos, sendo que o primeiro deles apareceu por duas vezes: “única e exclusivamente” e “indevida e impunemente”. Na verdade, acreditamos que, ao menos a primeira delas, seja uma construção cristalizada, até mesmo por sua aparição em diversos outros textos do Português.  

 

Análise dos exemplos retirados do corpus

São diversos os estudos sobre modalizadores. Há os que já os subclassifiquem e há aqueles autores que os tratem de uma forma geral. Neste presente trabalho, tentaremos propor uma subclassificação para os exemplos recolhidos no que diz respeito à intencionalidade da modalização.  

Nosso material de análise diz respeito às cartas dos leitores do jornal O Globo dos dias 14 de setembro de 2005 a 07 de outubro de 2005. Foram detectadas 150 aparições de vocábulos em –mente, das quais selecionaremos apenas as que possuem valor modalizador, tendo em vista que há, sim, palavras em –mente que assumem valor estritamente adverbial em circunstâncias de modo, intensidade ou até mesmo tempo.  

Os vocábulos em –mente que apareceram no corpus foram diversos, portanto, cabe ressaltar apenas os casos mais numerosos. Não que nosso estudo se restringirá apenas a eles, mas achamos cansativa uma lista de dados tão extensa.  

Além dos dados mais numerosos (principalmente, infelizmente, praticamente), há um número enorme de vocábulos que apareceram uma única vez, mas que possuem enorme relevância para nosso estudo, como, por exemplo, urgentemente, decididamente, definitivamente, verdadeiramente, sinceramente, imensamente, dentre outros.

Não listaremos todos, tendo em vista que nossa análise privilegiou o agrupamento de todos os exemplos em intenções diversas dos falantes. Logo, mais importante do que as palavras em –mente que apareceram em nossa pesquisa é a intenção do enunciador ao utilizar cada uma delas.

Contudo, há, também, vocábulos que encerram diversas idéias, dentre as quais pode não estar a de modalizadores. Portanto, vejamos em que grupos os distribuiremos, para que, por fim, possamos comentar o que faz com que classifiquemos um vocábulo em –mente como modalizador ou não.

 

Vocábulos em –mente que indicam tempo, momento ou duração

Como já foi dito, apesar da larga utilização dos vocábulos em –mente no discurso, não necessariamente eles funcionam como marcadores discursivos da opinião do enunciador. Alguns deles comportam-se, na verdade, como verdadeiros advérbios, indicando determinadas circunstâncias.

É a partir de tais circunstâncias que subdividiremos, inicialmente, os vocábulos pesquisados.

A segunda aparição mais incidente em nossa pesquisa foi a do vocábulo “diariamente”, o que comprova a grande ocorrência de vocábulos em –mente ainda de valor adverbial. São inúmeros os exemplos, como: “O que não é lindo é ter que enfrentar diariamente mega-congestionamentos” (O Globo, 02/10/05) Ou ainda “Há mais ou menos 1 mês venho acompanhando diariamente o desrespeito às placas de trânsito” (O Globo, 23/09/05)

Não pudemos constatar nenhuma aparição de “diariamente” que possuísse valor exclusivamente modalizador. Em geral indicam duração e modificam o verbo. É evidente que o fato de os leitores utilizarem o “diariamente” em suas argumentações não é aleatório, uma vez que já demonstra o caráter de denúncia. No entanto, não se pode retirar seu valor majoritariamente temporal.

Outros vocábulos também marcam tempo nos exemplos escolhidos: “Dá nisso nomearem políticos para a mais alta corte do país, em vez de serem nomeados juristas, como muito antigamente” (O Globo, 16/09/05).

Neste caso, a presença do intensificador “muito” pode até ser considerada modalizadora. Todavia, como nosso estudo restringe-se aos vocábulos em –mente é inegável que “antigamente” transmite apenas idéia de tempo.

Há, ainda os casos em que essa relação temporal é utilizada de forma irônica. A idéia de tempo e a modificação do verbo não podem ser refutadas. No entanto, é fato que a escolha vocabular de “eternamente” no exemplo abaixo tem forte tom modalizador: “Cassação é apenas um alvará de soltura para gozarem eternamente os prazeres da vida com o dinheiro público furtado” (O Globo, 16/09/05).

Citemos apenas mais um exemplo desse grupo em que o próprio adjetivo formador do vocábulo em –mente (histórico → historicamente) já traz intenção temporal: “...é sabido que, historicamente, o referendo é um mecanismo usado por regimes avessos a práticas democráticas”

Como podemos observar, desde já, nenhuma escolha vocabular feita pelo falante é aleatória. O que queremos, aqui é apenas dimensionar quando tal escolha é exclusivamente modalizadora e quando ainda traz fortes resquícios das circunstâncias adverbiais.

 

Vocábulos em –mente que indicam a intensidade
com que algo acontece (os modalizadores persuasivos)

Especialmente, aqui, observa-se que há um tom modalizador associado à intensidade que tais vocábulos transmitem. Os autores das cartas de onde retiramos nossos exemplos, claramente, utilizam-nos para intensificar um comportamento de revolta.

No entanto, não se pode esquecer da circunstância de intensidade que tais vocábulos encerram. Entendemos que, como ficará exposto nos exemplos abaixo, os vocábulos destacados intensificam um adjetivo que já apresenta a revolta comum às cartas com que trabalhamos.

“Vivo em alto astral, mas fiquei imensamente deprimido ao saber da chacina da família Yonekura, em São Paulo” (O Globo, 14/09/05)  

Ter ficado deprimido diante do crime já demonstra a opinião do enunciador. O “imensamente” intensifica o adjetivo “deprimido” de modo a modificá-lo.

“Num país pobre como o nosso, sem transporte público decente e altamente dependente de gasolina e diesel, é um absurdo a gasolina custar mais de 1 real” (O Globo, 02/10/05)

Podendo ser trocado pelo clássico “extremamente”, o vocábulo “altamente” apenas intensifica o adjetivo “dependente”, que se refere ao nosso país, ressaltando o paradoxo que é termos gasolina a um preço tão alto.

O próximo e último exemplo desta série mostra um caso inverso: a intensificação negativa. Ou seja, ao invés de aumentar a característica que o adjetivo atribui, ele a diminui.

Mas tal diminuição não é aleatória. Há muito de ironia no fato de mostrar que apenas um pouco de preocupação governamental já mudaria algo, de onde se deduz que esta preocupação é nula: “Se tivéssemos um governo minimamente preocupado com o social, haveria uma imediata redução dos impostos” (O Globo, 14/09/05)

Podemos, ainda, considerar tais intensificadores como sendo modalizadores persuasivos, ou seja, aqueles que realçam algo que já é de conhecimento geral de modo a convencer o interlocutor da veracidade do que está sendo dito.

É fácil observar a diferença entre: “A sugestão de Gaspari de que seus atos não são ilegais é totalmente errada” (O Globo, 15/09/05) e “A sugestão de Gaspari de que seus atos não são ilegais é errada”.

Ou ainda entre: “Considero extremamente injusto o modo como o deputado Roberto Jefferson foi cassado” (O Globo, 16/09/05) e “Considero injusto o modo como o deputado Roberto Jefferson foi cassado”

É evidente que a presença dos intensificadores “totalmente” e “extremamente” é bastante significativa em relação à sua ausência. Os enunciadores já consideram como verdades que a sugestão fosse errada e que a cassação, injusta. Isso, inclusive, já demonstra suas opiniões.

No entanto, para fazer com que estas opiniões adquiram um valor de verdade incontestável, eles fazem uso dos vocábulos em –mente para intensificar suas colocações, de modo a convencer mais fortemente seu leitor.

“Isso é absolutamente improcedente” (O Globo, 17/09/05)

“Lula está obviamente tentando influenciar a consciência e os votos de alguns parlamentares” (O Globo, 27/09/05)

Não é apenas “improcedente”, mas sim “absolutamente improcedente”. Ou, de forma um pouco diferente, Lula não está supostamente tentando influenciar, mas sim o está fazendo obviamente.

Daí se pode tirar a idéia de que modalizadores funcionem como estratégia de argumentação e persuasão.

 

Vocábulos em –mente que indicam o modo como algo acontece

Esses são os advérbios mais clássicos. Os advérbios de modo, há muito, vinham abrangendo praticamente todo vocábulo que terminasse em –mente.

Porém, devido a inúmeros estudos, sabe-se, hoje, que há outras possibilidades semânticas para tais vocábulos, o que não exclui, necessariamente, a circunstância de modo.

Como veremos nos exemplos desse grupo, não é a idéia de modo que pode modalizar, mas sim o conteúdo semântico do adjetivo formador:

“As pessoas têm direito de se reunir livremente” (O Globo, 14/09/05)  

“O que tanto se temia ocorre inelutavelmente” (O Globo, 27/09/05)

“Os ex-alunos manifestaram-se satisfatoriamente com a construção da nova unidade” (O Globo, 29/09/05)

“Este é o ponto de partida da verticalização das construções nessas áreas apropriadas indevida e impunemente” (O Globo, 05/10/05)

“Não é solução deixar as pessoas se amontoarem desordenadamente, sem lei” (O Globo, 05/10/05)

Como se pode notar, os 5 exemplos supracitados demonstram que há advérbios em –mente indicadores exclusivos da circunstância de modo. Eles modificam, claramente, o verbo da sentença, representando o modo como a ação verbal se dá.

Por outro lado, há vocábulos em –mente que indicam modo, mas que acumulam outras funções como se pode ver em: “Alguém precisa dizer ao presidente Lula e ao ministro Palocci que, ao aceitarem esses pagamentos, eles cometeram um grave crime, portanto devem ser rigorosamente punidos” (O Globo, 15/09/05)

Neste caso, o vocábulo “rigorosamente” modifica o adjetivo “punidos”. É evidente que indica o modo como eles devem ser punidos. Entretanto, é fácil perceber que ele ainda acumula mais duas funções: a de intensificador do adjetivo e a de demonstrador de opinião, uma vez que dizer “devem ser punidos” é totalmente diferente de dizer “devem ser rigorosamente punidos”.

 

Vocábulos em –mente
que expressam claramente a opinião do enunciador

“Para manter tantas políticas a 1 real tem que tirar dinheiro de algum lugar e, infelizmente, o casal de (des)governadores prefere perpetuar a pobreza e a ignorância...” (O Globo, 15/09/05)

“Começou, felizmente, o início da limpeza da Câmara com a cassação de Roberto Jefferson” (O Globo, 16/09/05)

Lamentavelmente, o povo é mais uma vez alijado do debate” (O Globo, 27/09/05)

Cabe ressaltar que, nesses casos, o vocábulo em –mente não é modificador direto nem de um verbo, nem de um adjetivo e nem de outro advérbio. Na verdade, ele se refere a toda a sentença, emitindo uma opinião satisfatória ou insatisfatória sobre a mesma. São os tradicionalmente considerados “advérbios de sentença” ou “advérbios de oração”.

Funciona, também, como transmissor evidente de opinião, o vocábulo “principalmente”, que é o de mais incidência em nossa pesquisa. Numa hierarquia de valores, o enunciador ressalta um, que, em sua opinião, é o mais relevante. Para tal, faz uso do vocábulo em questão:

“Talvez minha resposta seja a mesma de milhões de eleitores que acreditam ser o PT um partido ético, democrático e, principalmente, diferente dos outros” (O Globo, 14/09/05)

“Vamos retirá-los nas próximas eleições, principalmente os que estão renunciando” (O Globo, 23/09/05)

“Tudo isso graças, principalmente, aos nossos políticos demagogos” (O Globo, 29/09/05)

Mas é claro que, em 14 aparições, há casos em que o vocábulo “principalmente” não é emissor de opinião e, portanto, não é um modalizador:

“Não há policiamento, tornando a travessia um perigo para os transeuntes, principalmente os idosos” (O Globo, 17/09/05)

“... assaltam a qualquer hora, principalmente nas proximidades das ruas Magalhães Couto e Adriano” (O Globo, 23/09/05)

 

Vocábulos em –mente que retiram, de certa forma,
a responsabilidade do enunciador sobre o que é dito

Assim como funcionam na argumentação de uma forma mais indireta que “Eu acho...” ou “Na minha opinião...” para marcar a opinião do enunciador, os modalizadores também servem como uma forma de impessoalizar uma informação, retirando do autor a responsabilidade por determinada afirmação.

“Não é difícil imaginar que provavelmente esse dinheiro já retornou às suas origens” (O Globo, 21/09/05)

“Refiro-me a uma pretensa parcela de eleitores que, provavelmente por ignorância, votará nele nas próximas eleições” (O Globo, 22/09/05)

O uso de “provavelmente” nesses casos retira a força das afirmações feitas a fim de que o enunciador, de certa forma, se neutralize.

A mesma estratégia acontece também através de outros vocábulos em –mente, no mesmo processo de aliviar a responsabilidade do enunciador sobre a veracidade absoluta das acusações que faz.

“O roubo do dinheiro de dentro da PF, além de expor situações óbvias de sucateamento da instituição, despreparo e possivelmente corrupção...” (O Globo, 21/09/05)

Esperamos que tenha ficado claro que nossa proposta foi a de uma subclassificação dos vocábulos em -mente encontrados em nossa pesquisa, baseando-nos, inicialmente, no fato de eles serem modalizadores ou não.

É impossível esquecer que todo discurso está repleto de intencionalidades, portanto, o estudo dos modalizadores em –mente é apenas uma pequena parte de todo um estudo do que se convencionou chamar “análise do discurso”

 

Conclusão

Primeiramente, a idéia dessa pesquisa era a de realizar um estudo quantitativo e qualitativo do aparecimento e da colocação de grupos adverbiais no discurso dos textos de opinião.

Observando uma maior incidência dos advérbios de tempo, modo e intensidade, acabamos enveredando o trabalho para uma outra direção: a da modalização. Tal mudança se deu, principalmente, pelo aparecimento enorme de advérbios terminados em –mente. No entanto, nem todos eram modais (como as gramáticas costumam prescrever), nem tampouco modalizadores.

Por outro lado, outros grupos adverbiais, ainda que não terminados em –mente, exerciam a função de modalizadores, ou seja, de “demonstradores indiretos de opinião”. Como exemplos, pudemos observar orações adverbiais, advérbios de tempo e até de lugar, além dos adjuntos adverbiais de intensidade e modo.

Para efeito deste trabalho, utilizaram-se apenas os modalizadores em –mente, de forma a restringir nosso estudo a um tipo de modalização, inclusive, a mais recorrente. Porém é evidente que este tema é inesgotável, visto que a modalização é uma estratégia do discurso e o discurso é subjetivo. Logo, cada enunciador faz uso das estratégias que melhor o convierem.

O conhecimento da modalização acaba tornando os interlocutores mais conscientes diante de um texto, podendo perceber as estratégias de conhecimento do enunciador.

Esperamos, portanto, ter ficado claro o importante papel dos modalizadores no que tange à verificação das reais intenções de um autor ao escrever seu texto, inclusive porque uma vez que tal fato fica evidente, nós, interlocutores, temos a oportunidade de entender num texto o que é verdade incontestável e o que é estratégia de argumentação do enunciador.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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