A CONSTRUÇÃO DO HUMOR NAS CHARGES ANIMADAS: CHARGES QUE ENVOLVEM ENTREVISTAS

Ludimilla Rupf Benincá (UFES)

 

Introdução

Com o avanço da tecnologia, muitos gêneros textuais novos foram criados ou evoluíram de gêneros antigos. Isso ocorreu com a charge animada, veiculada na Internet, que surgiu como uma evolução da charge jornalística. Como conta com recursos adicionais, com os quais o gênero de base não podia contar, como a seqüenciação quadro a quadro e a utilização de conversação, a charge animada possui características e estratégias de construção de humor diferenciadas. Isso demonstra a necessidade de estudá-la como um gênero independente.

Considerando essas peculiaridades, este trabalho tem por objetivo demonstrar como a charge animada constrói humor e promove a crítica social, tendo por base noções da Pragmática, tais como o Princípio da Cooperação proposto por Grice (1975), a Teoria da Relevância, elaborada por Sperber e Wilson (1986) a partir do PC, e a Teoria da Polidez, de Brown e Levinson (1987).

O corpus utilizado para análise constou de charges animadas de Maurício Ricardo, de publicação diária e circulação livre, que têm como suporte a Internet. As charges selecionadas foram publicadas no período de 01 de março a 10 de junho de 2006 e compõem a série Tobby Entrevista, que utiliza uma intertextualidade intergêneros com o gênero entrevista televisiva. Essa estratégia mostra alguns artistas, políticos e até personagens de filmes e desenhos animados caricaturados e entrevistados pelo personagem Tobby.

Especificamente, buscamos mostrar se, para as charges construírem humor e crítica, está presente na fala dos personagens a violação das máximas conversacionais de Grice. Analisamos ainda a relevância presente nas charges – que diferentemente das máximas de Grice, não pode ser seguida ou violada – e, principalmente, se o entrevistador-personagem opera com a polidez.


 

Teorias da Pragmática

Ferdinand Saussure definiu como objeto de estudo da lingüística apenas a língua na dicotomia língua/fala, por esta ser individual, dissociando-a de aspectos histórico-sociais e interacionais. A Pragmática, em oposição a isso, considera as intenções do falante, não estritamente o que as pessoas falam, mas também o que querem dizer quando falam. Nesse sentido, a Pragmática é mais abrangente. Para Joana Plaza Pinto (2001: 48), “os estudos pragmáticos pretendem definir o que é linguagem e analisá-la trazendo para a definição os conceitos de sociedade e de comunicação descartados pela Lingüística saussureana na subtração da fala, ou seja, na subtração das pessoas que falam”. Segundo ela, na análise pragmática, ultrapassa-se o convencional, levando em conta também os elementos criativos no uso lingüístico.

Georgia Green (1996: 01) entende a Pragmática como uma área que estuda os mecanismos que dão suporte à crença, presente na relação falante/ouvinte, e à comunicação, que é “the successful interpretation by adressee of a speaker’s intent in performing a linguistic act”. Ela acredita que a Pragmática não está restrita ao nível lingüístico, envolve também a psicologia cognitiva, a antropologia cultural, a filosofia e também a sociologia e a retórica (idem, p. 02). Stalnaker (1982: 64) também entende a Pragmática de modo mais amplo, definindo essa área como “o estudo dos atos lingüísticos e os contextos nos quais eles são executados”.

A Pragmática não é constituída por apenas uma visão, há várias correntes que a compõem. Vejamos algumas:

 

O princípio da cooperação

Em uma conferência denominada Logics and conversation (1967, 1975), o filósofo H. P. Grice apresenta o Princípio da Cooperação (PC), que seria um acordo tácito entre os membros envolvidos em uma interação lingüística. Para Grice, em nossos diálogos, não falamos coisas desconectadas, pelo contrário, fazemos esforços cooperativos para entendermos e nos fazermos entendidos na conversação, que envolve propósitos comuns entre os participantes. O Princípio da Cooperação consiste no seguinte: “Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado” (Grice, 1982: 86).

Para ser cooperativo, o falante, então, deve seguir a quatro regras básicas, chamadas por ele de máximas (quantidade, qualidade, relação e modo). A obediência a essas regras seria a garantia de que o falante está sendo cooperativo. Porém, o falante pode, deliberadamente, violar uma das máximas e ainda assim ser cooperativo, pois ele se utiliza das máximas como um recurso para transmitir algo que está além do que é convencional.

Nesse caso, são geradas implicaturas conversacionais, e o ouvinte terá que fazer as inferências necessárias, ou seja, deverá deduzir, com base em alguns dados, a intenção do falante. Para Grice (apud Silveira e Feltes, 2002: 21), há um hiato entre o que o falante diz e o que o ouvinte compreende. Esse hiato só pode ser preenchido por meio do processo inferencial, pois a decodificação não é suficiente.

Em geral, podemos dizer que as máximas são mais interessantes quando são violadas. Quando isso ocorre, são comunicadas muito mais informações do que o que está dito, exigindo mais esforço do ouvinte. A violação, assim, é muito usada como recurso de construção de humor, conforme veremos mais à frente.

 

A teoria da relevância

Inspirados na teoria de Grice sobre o processo inferencial, San Sperber e Deirdre Wilson propõem a teoria da relevância, em Relevace: comunication and cognition (1986), discordando de alguns postulados do PC. Para eles, no processo comunicativo, não há violação de regras, portanto, para haver sucesso na comunicação, o falante não precisa obedecer a máximas. A compreensão se dá, então, pela busca da relevância, que seria inerente à cognição humana (Silveira e Feltes, 2002: 23). O Princípio da Relevância, formulado por Sperber e Wilson, depois de muitas discussões, é o seguinte: “Todo ato de comunicação ostensiva comunica a presunção de sua própria relevância ótima” (apud Silveira e Feltes, 2002: 38).

Grice (1982) aborda a relevância como uma das máximas, a máxima da relação, como algo que pode ser seguido, desrespeitado ou violado. Como vimos, a crítica de Sperber e Wilson está nesse ponto, principalmente. Segundo eles, o ouvinte coopera com o falante, ou seja, presta atenção no que ele diz, porque acredita que sua fala é relevante, e isso é espontâneo e inconsciente. Nos termos de Silveira e Feltes (2002: 37):

Em outras palavras, [Sperber e Wilson] partem da idéia de que comumente prestamos atenção a estímulos que, em alguma medida, vêm ao encontro de nossos interesses ou que se ajustam às circunstâncias do momento.

A relevância está centrada no equilíbrio entre o esforço de processamento necessário para o entendimento do enunciado e a quantidade de efeitos contextuais conseguidos. Assim, quanto menos esforço e quanto mais efeitos contextuais, maior a relevância. Porém, muitas vezes, pode ocorrer um “maior custo-benefício” se um maior esforço implicar mais informação contextual.

Para uma informação ser relevante, ela precisa combinar suposições que o ouvinte já possui, para formar novas, gerando implicações contextuais, provenientes da junção de suposições velhas e novas (idem, p. 40). A suposição é, segundo Sperber e Wilson (apud Silveira e Feltes, 2002: 28), “um conjunto estruturado de conceitos”. O conjunto de suposições de um falante forma seu ambiente cognitivo, que passa a ser mutuamente cognitivo “se as suposições se tornam mutuamente manifestas” (idem).

É importante ainda tratar os conceitos de implicatura e explicatura na Teoria da Relevância. A implicatura, para Sperber e Wilson, não parte necessariamente do dito, como para Grice, e não pressupõe a obediência ou não de máximas. Desdobra-se em premissas, que são recuperadas pelo conhecimento de mundo, pela memória enciclopédica, necessária “como parte de um cálculo dedutivo para alcançar as conclusões” (idem, p. 29). A explicatura é o conteúdo explícito, “uma combinação de traços codificados lingüisticamente e de traços conceituais inferidos contextualmente” (idem, p. 57). Assim, na Teoria da Relevância, a explicatura é semelhante ao dito de Grice, um conteúdo completo expresso pelo falante.


 

A teoria da polidez

Todos nós criamos uma imagem pública de nós mesmos de acordo com nossos princípios e de acordo com o que é socialmente aceito. Brown e Levinson (1987) chamam essa imagem de face, conceito criado por Goffman (1980: 76) para designar “o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem ser a linha por ela tomada durante um contato específico”. Para Brown e Levinson, a face pode ser positiva ou negativa. Ela será positiva se envolver a necessidade que as pessoas têm de serem aceitas pela sociedade, e negativa, se estiver relacionada à necessidade das pessoas de não sofrerem imposições.

Para Goffman (idem, p. 78), nas interações sociais, os participantes agem de duas formas para manter essa imagem pública. A ação do falante pode ser defensiva, quando utiliza a linguagem de modo a manter a salvo sua própria face, ou protetora, quando tenta salvar a face dos outros participantes da interação. Esse autor acredita que as pessoas utilizam estratégias para manter sua face positiva resguardada. Uma das estratégias é a de atuação, segundo a qual cada pessoa age como se fosse um ator, representando um personagem que melhor lhe convier.

Essas estratégias funcionam como um meio de neutralizar a possibilidade de ameaça à face, que ocorre sempre que um falante põe e risco a sua face ou a face do outro. Nesse caso, usam-se atenuadores polidos, mecanismos de marcar a polidez, que também pode ser positiva – que consiste em resguardar a face positiva do interlocutor demonstrando que há um objetivo comum entre os participantes da interação – ou negativa, em que o falante não faz imposições ao ouvinte, utilizando alguns mecanismos, como a pergunta em vez de frases imperativas, que deixam a ele a opção de negar ou de não responder.

O uso de uma ou outra estratégia vai depender da situação e da relação entre os participantes (por exemplo, se houver distância social e deferência ao ouvinte, o falante utilizará mais recursos de atenuação). Em geral, utilizam-se as estratégias de polidez positiva quando se quer enfatizar a proximidade entre os participantes da interação, e negativa, para demarcar formalidade, distanciamento, sendo, então, estratégias de deferência.


 

Análise pragmática de charges animadas

Com base nos princípios pragmáticos acima descritos, analisamos cinco charges animadas retiradas do site www.charges.com.br que fazem parte da série “Tobby Entrevista” e utilizam como recurso o gênero entrevista televisiva. As charges correspondem ao período de 01 de março a 10 de junho de 2006, tratando de assuntos variados.

As charges animadas representam um gênero que somente foi possibilitado por avanços na tecnologia; são fruto da chamada cultura eletrônica, visto que são transmitidas através de um veículo relativamente recente, a Internet, e de tecnologias de software ainda mais recentes. Porém, esse não é um gênero totalmente novo, pois se baseia em outros já existentes, como a charge jornalística, que é um recorte de algum fato que pode ser notícia, é um fato que “pode ser inteiramente contado e uma forma gráfica” (Mendonça, 2003: 197). Abaixo podemos ver cenas retiradas da charge animada de 01 de março de 2006, “Tobby entrevista Heloíra Helênica”:

               

Assim como seu gênero de base, as charges animadas, em geral, têm um caráter temporal muito marcado. Muitas vezes, o conteúdo presente nelas diz respeito a fatos atuais, como podemos perceber nas charges da série analisada, o que faz com que o entendimento seja dificultado se não se conhece o contexto de criação. Isso ocorre com o corpus selecionado, já que os personagens entrevistados estavam em evidência na mídia no momento em que a charge foi publicada.

Na primeira charge analisada, o personagem Tobby entrevista a atual candidata à presidência Heloísa Helena. Assim como ocorre em entrevistas televisivas, o entrevistador, antes de iniciar a entrevista, situa o espectador, mostrando aspectos relevantes sobre o entrevistado, como ocorre nessa charge, assim iniciada: “Expulsa do PT, ela acabou se tornando presidenciável por se destacar em sua oposição a governo! Converso hoje com a senadora e indignada Heloíra Helênica!”. Na introdução, o entrevistador já demonstra uma posição a favor ou contra o entrevistado, operando, muitas vezes, com um ato de ameaça à face.

O autor utilizou, nessa charge, a violação da máxima da quantidade como um recurso de construção, para demonstrar a prolixidade da entrevistada. Tobby inicia a entrevista perguntando a Heloísa Helena, caricaturada, sua opinião sobre o caso do mensalão, utilizando a expressão idiomática “acabar em pizza”. Na resposta, percebemos que a entrevistada explora essa expressão não só em seu sentido conotativo, em que é utilizada geralmente quando uma situação termina sem ter sido resolvida, como também no sentido denotativo, interpretando pizza como uma “comida elitizada disponível só a quem tem acesso a bens de consumo sofisticados, como a mozarela, o azeite, o salame do tipo peperoni...”.

Então, a violação dessa máxima, nesse caso, foi utilizada como estratégia de construção de humor e crítica. Para Attardo (1993: 543), que trata as máximas conversacionais nas piadas, os textos humorísticos possuem uma natureza comunicativa paradoxal, já que, mesmo violando (ou desrespeitando) as máximas, conseguem transmitir informação, sendo uma troca interpessoal bem-sucedida. Isso ocorre, segundo ele, porque os textos humorísticos possuem seu próprio princípio da cooperação.

A próxima pergunta de Tobby diz respeito aos meios que a candidata pretende utilizar para convencer os cidadãos de classe média a votar nela. Em sua fala, a personagem que representa Heloísa Helena tenta convencer Tobby mostrando que ele é apenas “um inocente útil a serviço da classe dominante, atuando nessa mídia elitista que é a Internet!”. Utiliza ainda como argumento uma pergunta direcionada ao entrevistador:

Quem está por trás do interesse do seu programa? Charges.com.br, uma empresa que mistura temas políticos sérios com bobagens televisivas só pra garantir uma massa de audiência que lhe permita aferir lucro junto ao UOL, que é uma grande corporação de mídia com capital aberto!

A fala da entrevistada é tão relevante para o entrevistador – já que produz muitos efeitos contextuais, ativando na memória do personagem a situação vivida por ele que ele é atingido por esse discurso e acaba se tornando tão prolixo em relação aos assuntos sociais quanto a entrevistada, chegando a condenar a roupa usada por ela: “Jeans e camiseta básica são o uniforme imposto pelo grande império do norte à juventude acéfala manipulada!”.

Diferentemente do que ocorre em outras entrevistas, como veremos a seguir, o entrevistador é polido, protegendo a face positiva da entrevistada, devido à relevância encontrada por ele nos argumentos dela. Podemos dizer também que nesse ponto, percebemos a colocação do chargista, que se mostra aparentemente favorável à pessoa que a personagem entrevistada representa.

Algumas charges da série apresentam continuidade, o que não é muito comum nesse gênero. Isso ocorre com as charges de 11, 18, 25 de março e 04, 19 de abril de 2006, seqüência iniciada com uma entrevista a Chuck Norris, na qual se faz referência a um conjunto de frases sobre esse ator que circulam na Internet, e termina na charge analisada a seguir, de 19 de abril de 2006, em que Tobby entrevista o coelho da Páscoa.

Nessa charge, o entrevistador começa se desculpando por tudo o que tenha feito, porque não se lembrava de nada. Para essa informação ser relevante, é necessário que o espectador veja a charge anterior para saber que Tobby está com amnésia devido a um encontro com J e K, personagens do filme MIB – Homens de Preto. E para entender a relação entre esses personagens e a falta de memória de Tobby, o espectador precisa fazer as inferências, buscando as premissas em sua memória enciclopédica, em seu conhecimento de mundo; precisa ter visto o filme e se lembrar dele. Esse esforço de processamento é recompensado pela quantidade de informação contextual.

Tobby viola deliberadamente a máxima do modo, já que se utiliza de ambigüidades como meio de produzir sentido, como ocorre em “Você acha que eu acredito em coelhinho da páscoa?”. Nesse caso, a ambigüidade produzida pelo entrevistador é diretamente mostrada pelo entrevistado, que responde: “Entendi, não acredita em mim... Duplo sentido...”.

Nas falas do coelho da Páscoa, aparentemente viola-se a máxima da relação, pois elas não respondem efetivamente às perguntas. Por exemplo, o entrevistador pergunta: “No sentido religioso, Páscoa tem a ver com renovação, novas esperanças... O que os ovos de chocolate têm a ver com renovação?”. O coelho, então, responde: “Tudo, Tobby. Chocolate tem prazo de validade, eu tenho que renovar todo ano!”. Mas o que ocorre, na verdade, é que na interação dos personagens não foram geradas implicaturas contextuais, já que o ambiente cognitivo, conjunto de suposições, não é mútuo, pois ao coelho interessam apenas os aspectos econômicos em relação ao ovo de chocolate.

Quando demonstra isso, o coelho ameaça sua própria face positiva, visto que põe em xeque sua imagem. Além disso, o entrevistador provoca atos de ameaça à face positiva do entrevistado, como em: “Ei, a inocência foi perdida, mas não baixa o nível do meu programa, tá bom?”, ou negativa, quando tenta impor uma música que não agrada ao coelho.

Os atos de ameaça à face estão mais presentes nas charges a seguir, nas quais o entrevistado desbanca de forma explícita a imagem dos convidados. Na charge de 06 de maio de 2006, em entrevista a um personagem que representa Dan Brown (caricaturado e chamado de “Dan Breu”), Tobby questiona tanto a utilização de imagens bíblicas e fé pelo autor para fazer sucesso, como ocorre na pergunta: “Você não acha errado explorar a história de Jesus para faturar milhões?”, quanto a originalidade da história (“Essa idéia de que Jesus se casou com Maria Madalena tinha aparecido em outro livro e o pessoal te acusou de plágio. Você plagiou mesmo?”). Nesse caso, o próprio entrevistado, tentando salvar sua face, fala do seu próximo livro. Ao descrevê-lo, percebemos a semelhança com uma história também polêmica e bem-sucedida: Harry Potter. Novamente encontramos a presença do chargista.

Verificamos também o processo inverso: o entrevistado ameaçando a face do entrevistador. Tobby inicia com uma piada de mau gosto e chula sobre Leonardo da Vinci. O entrevistado, então, responde com um ato de ameaça à face do entrevistador (“Tobby, se é esse o nível da entrevista, vou embora!...”).

Em “Tobby entrevista Caprina Chato” (27 de maio de 2006), personagem que representa a ex-big brother Sabrina Sato, os atos de ameaça à face positiva da entrevistada permeiam toda a entrevista, como vemos no trecho seguinte:

Entrevistada:
Tobby! Por que você exigiu que eu viesse de sutiã e calcinha?

Entrevistador:
Porque é obrigação do entrevistador extrair o melhor do seu convidado!

Entrevistada:
Não tô entendendo, Meu!

Entrevistador:
Então... Por isso!

Ao fazer isso, o entrevistador conta com a memória enciclopédica do espectador, que é levado a imaginar a entrevistada como uma pessoa desprovida de inteligência, cujo único atrativo é o belo corpo.

Como estratégia de construção dessa nova face da entrevistada, o chargista utiliza muitas vezes a violação da máxima da relação nas repostas da personagem, para demonstrar que a pergunta não atinge nela sua relevância máxima, e, portanto, ela não entende. As respostas, assim, não respondem efetivamente às perguntas, como ocorre no trecho:

Entrevistador:
Bate-bola jogo rápido. Um projeto?

Entrevistada:
Palácio da Alvorada, do Oscar Minhamaia! Achou que eu não ia saber, né, Cabeção?!

Entrevistador:
Uma viagem?


 

Entrevistada:
De avião!

Entrevistador:
Um filme?

Entrevistada:
Eu usava só asa quatrocentos, mas agora minha câmera é digital!

Como a charge costuma ser atual, há uma entrevista, de 10 de junho de 2006, em referência à Copa do Mundo, em que o entrevistado é Gorô, o leão mascote da Copa. O entrevistador não é polido desde a apresentação do entrevistado: “Mal começou sua carreira e ele se mostrou um fracasso comercial... Quebrou a empresa que investiu nele e fez o dono ir pra cadeia! Converso hoje com o maior urubu pé frio que a Copa já conheceu!”.

O mascote é perguntado como pretende reverter o quadro de fracasso e responde dizendo que leão é um animal que “tem uma ótima imagem nos países”. Ao ser argüido sobre a imagem do leão no Brasil, Tobby, então, relaciona leão ao imposto de renda, mostrando que sua imagem no Brasil não é positiva. Para isso ser relevante e ser inferido pelo espectador, ele precisa ter em seu ambiente cognitivo suposições que o permitam fazer essa relação metafórica.

 

Conclusão

Pudemos perceber, através da análise feita anteriormente, que nas charges animadas da série “Tobby entrevista”, o personagem entrevistador geralmente opera com o princípio da polidez, mostrando-se polido apenas com alguns entrevistados, e ameaçando a face de outros. O espectador encontra relevância nessa ameaça à face, na medida em que é através dela, juntamente com a violação das máximas conversacionais de Grice, que se processam o humor e a crítica.

 

Referências BIBLIOGRÁFICAS

ATTARDO, Salvatore. Violation of conversational maxims and cooperation: The case of jokes. Journal of pragmatics. n. 19, 1993.

GOFFMAN, Erving. A elaboração da face – uma análise dos elementos rituais na interação social. In: FIGUEIRA, Sérvulo Augusto (org.). Psicanálise e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.

GREEN, Georgia. What is Pragmatics and why do I need to know, anyway? In: –––. Pragmatics and natural language understanding. 2ª ed. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1996.

GRICE, H. Paul. Lógica e conversação. Trad: João Wanderley Geraldi. In: Fundamentos Metodológicos da Lingüística. Marcelo DASCAL (org.). Vol. IV. Campinas: Unicamp, 1982.

LINS, Maria da Penha Pereira. Anticonversas na televisão brasileira: um análise do programa Manhattan Connection. Revista Contexto. n° 07.

––––––. Mas, afinal, o que é mesmo Pragmática? Fala palavra. n° 2. out 2002. Aracruz: Facha, 2002.

MENDONÇA, Márcia Rodrigues de Souza. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. Gêneros textuais e ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

PINTO, Joana Plaza. Pragmática. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Cristina (orgs). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. Vol. II. São Paulo: Cortez, 2001.

RICARDO, Maurício. Arquivo de charges. Disponível em:

http://charges.uol.com.br/arquivo.php. Acesso em 15 jun 2006.

SAITO, Cláudia Lopes N.; NASCIMENTO, Elvira Lopes. Preservação da face e estratégias de polidez: um jogo de sedução nas interações face a face. Diritto & diritti – Rivista giuridica elettronica pubblicata su Internet. Disponível em:

http://www.diritto.it/archivio/1/20656.pdf. Acesso: 08 jun 06.

SILVEIRA, Jane Rita Caetano da; FELTES, Heloísa Pedroso de Moraes. Pragmática e cognição: a textualidade pela relevância. 3ª ed. Caxias do Sul: Educs; Porto Alegre: EDPUCRS, 2002.

STALNAKER, Robert C. Pragmática. In: DASCAL, Marcelo (org). In: Fundamentos metodológicos da lingüística. Marcelo DASCAL (org.). Vol. IV. Campinas: Unicamp, 1982.

VIANA, Branca. Teoria da Relevância e Interpretação Simultânea. Revista sintra online. Ano 1, n. 1, 2005. Disponível em:

http://www.sintra.org.br/site/index.php?pag=sisglobex&idtexto=19&codcat=13. Acesso: 06 jun 06.