TOPONÍMIA E PODER:
A IGREJA E A POLÍTICA NA FORMAÇÃO DA TOPONÍMIA
DOS MUNICÍPIOS DA BAHIA

Ricardo Tupiniquim Ramos
(UNEB / FJC / CiFEFiL)
[1]

 

Neste estudo, pretendemos discutir a relação entre toponímia e poder e mostrar como a homenagem aos detentores do poder secular do Estado ou do poder religioso da Igreja e à própria Igreja, enquanto instituição, através de seus santos, são fontes recorrentes da toponímia dos municípios da Bahia ao longo da história, exercendo, desta forma, uma forte influência na vida e na identidade da população de cada município do Estado.

Este estudo decorre de projeto de pesquisa intitulado Toponímia dos Municípios da Bahia: descrição, história e mudanças, hoje em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal da Bahia, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Suzana Alice Marcelino Cardoso e do qual resultará nossa Tese de Doutoramento em Letras, a ser defendida provavelmente entre dezembro de 2007 e março de 2008, e o Atlas Toponímico dos Municípios da Bahia (doravante, ATMBA) seu segundo volume.

No projeto, como fonte de dados, recorremos, especificamente, a um tipo de fonte primária não muito usual na pesquisa toponomástica, que utiliza, preferencial e geralmente, mapas oficiais de escala 1:50.000. Pelo fato de analisarmos a relação entre toponímia e poder não só na atualidade, mas em sincronias pretéritas[2], optamos por utilizar um conjunto de dados oficiais do Estado da Bahia (BAHIA, 2003), editados em forma de CD-ROM e completados por informações históricas hauridas em fontes secundárias, historiográficas, diversas.

Uma vez colhidos, os dados estão sendo submetidos à categorização toponímica de Dick (1990). Além da categorização, cada dado coletado torna-se objeto de um estudo lexical, em que se observa sua estrutura mórfica e procedência. Enfim, todos esses aspectos são cruzados numa análise ampliada, que encaminha a hipóteses acerca do(s) fenômeno(s) observado(s). Esses procedimentos são aplicados tanto aos dados de natureza sincrônica quanto com os de natureza diacrônica.

Além disso, esses últimos são submetidos a uma análise da natureza das mudanças para explicar o próprio processo de sucessão histórica da nomenclatura dos municípios baianos. Essa análise se baseia não nas mudanças em si, mas também em dados de natureza histórica de cada município, que ajudam a interpretar o fenômeno lingüístico.

Das várias metodologias utilizáveis para a coleta de dados dos municípios, optamos por trabalhar a partir da realidade das regiões econômicas do Estado[3], porque entendemos que os municípios circunscritos a esse tipo de divisão territorial têm um perfil sócio-histórico (e mesmo natural, a depender do caso), comum que poderia lastrear a formação da toponímia.

Uma última opção metodológica, relacionada ainda à anterior, é realizarmos esse estudo na contramão do avanço histórico do processo civilizatório brasileiro, ou seja, do interior (especificamente, do extremo oeste, região de relativamente nova integração ao resto da Bahia) para a Capital, por acreditarmos que esse caminho poderá revelar um olhar diferenciado sobre a própria formação territorial do Estado.

A partir dos dados coletados, foi possível identificar a existência de pelo menos três categorias toponímicas relacionáveis ao fenômeno homenagem aos ocupantes do poder: os antropotopônimos, os axiotopônimos e os hagiotôponimos, respectivamente, topônimos referentes a pessoas, a ocupantes de títulos nobiliárquicos, militares, etc., e a santos do hagiológio romano.

A relação entre toponímia e homenagem ao poder é muito evidente em relação aos antropotopônimos e aos axiotopônimos, nomes em geral sistemáticos, estabelecidos por Lei, normalmente sem consulta prévia à população interessada e a ela impostos pelas autoridades, em substituição a outros nomes. Embora quase sempre prevaleçam, há casos em que a mudança de um topônimo qualquer para outro, em honra a um ocupante do poder não é aceito pela população, levando o legislador a rever sua decisão[4].

Em relação a isso, costuma-se fazer a seguinte crítica: a criação de novos topônimos mediante mecanismos artificiosos, pouco espontâneos não é, provavelmente, a fórmula mais recomendável nem satisfatória. É neste sentido, por exemplo, a seguinte avaliação de Ventura (200[?])

Desde meados do século XIX que a toponímia revestiu no nosso país o papel de instrumento privilegiado de difusão política e de reprodução social, servindo ao mesmo tempo como veículo de afirmação do poder. Paralelamente, constituiu uma maneira legítima de homenagear quantos pugnaram pela continuidade e/ou dignificaram a identidade local ou nacional. De um lado, o caciquismo, o imobilismo e a estratificação sociais, a propaganda a regimes e a políticas. Do outro, os valores universais da solidariedade, da doação e da dignificação do Homem, ao lado do interesse coletivo e dos laços de agregação identitária.

Desses dois aspectos apontados, interessa-nos analisar o primeiro, que não consideramos legitimo, embora venha se tornando, mormente no nosso Estado, uma prática muito comum nos últimos anos, a partir de um caso, que passamos a relatar.

Em 1999, com a morte de Luís Eduardo Magalhães – ex-deputado federal e filho do senador e principal cacique político baiano há quase meio século, Antônio Carlos Magalhães –, uma liderança política do oeste baiano sugeriu à Câmara de Vereadores do município de Barreiras a alteração, por Lei, do nome do seu principal distrito interiorano, de Mimoso do Oeste para Luís Eduardo Magalhães, sugestão prontamente aprovada. Após menos de seis meses, essa liderança propôs à Assembléia Legislativa a emancipação do distrito, o que foi votado e aprovado em março do ano seguinte, 2000, numa onda de homenagens menos ao ex-deputado que a seu pai que inclui a atribuição do nome do finado ao aeroporto da capital baiana, a inúmeras escolas estaduais e a parques metropolitanos, ruas, praças, avenidas, etc. Após a emancipação, Luis Eduardo Magalhães passou a ser o município que mais cresce na Bahia, não só pelo seu dinamismo econômico e populacional, como também pela sua capacidade de atrair investimentos externos e pela prodigalidade de investimentos estaduais aí alocados. A partir desse mau exemplo, lideranças de outros prósperos distritos fora de sede de municípios do oeste baiano aprovaram, nas respectivas Câmaras de Vereadores, a mudança de seus nomes – Boa Vista, Roda Velha e Placas –, respectivamente, para Antônio Carlos Magalhães, Roberto Marinho (conhecido amigo do senador) e ACM Neto e, hoje, tramitam, na Assembléia Legislativa, processos em prol de suas respectivas emancipações.

Não consideramos legítimo esse processo de atribuição toponímica; é, antes, casuístico, demagógico, proselitista, antidemocrático, abusivo e antropológica e sociologicamente absurdo, pois, uma vez atribuído a um lugar, um topônimo passa a integrar a identidade do povo aí residente; passa a haver a associação automática entre o povo e o nome do lugar e, conseqüentemente, a pessoa a que esse nome também se refere. No caso luiseduardense, por exemplo, as pessoas chegam a ser chamadas de “netos de ACM” por habitantes de outros municípios, o que na Bahia, a despeito dos quase quinquagenários pretensos super-poderes do senador, não é mérito para absolutamente ninguém.

Ventura (200[?]) propõe soluções para os problemas acima levantados:

Uma idéia perfeitamente exeqüível seria inaugurar por esse país fora um processo inédito de seleção de topônimos, um processo realmente democrático: ouvir os cidadãos, as suas propostas, as suas opiniões. E deixar de ouvir apenas os membros das Comissões Municipais de Toponímia, cuja atividade muitas vezes se situa entre a passividade e a ignorância, nomeadamente quando autorizam a substituição em centros históricos da toponímia funcional, antiga, por homenagens, quantas vezes contingentes ou duvidosas.

Aliada a esta, outra medida para tornar completamente transparente este processo de ‘canonização civil’ seria adotar procedimentos similares aos da canonização religiosa: instituir nomeadamente um ‘advogado do diabo’ que exigisse provas da relevância da personalidade a homenagear, sem as buscar apenas junto de sabichões que apenas sabem orientar os seus interesses ou junto daqueles que em vida, por esta ou por aquela razão de proximidade, dependem do visado.

Atualmente, dos 38 antropotopônimos designativos de municípios baianos, 18 são homenagens explícitas ao poder e estão representados em todas as regiões do Estado. Seis deles já existiam em sincronias anteriores (Ruy Barbosa, Seabra, Nilo Peçanha, Wanderley, Dias d’Ávila, Lauro de Freitas); os demais (Antônio Cardoso, Rafael Jambeiro, Sebastião Laranjeira, Miguel Calmon, Cotegipe, Luís Eduardo Magalhães, Cícero Dantas, Teofilândia, Muniz Ferreira, Cândido Sales, Medeiros Neto, João Dourado) são novos. Como se vê, alguns apresentam o nome completo do homenageado; outros, só seu(s) nome(s) de família; um, o prenome, como base de uma composição aglutinativa.

Entre os axiotopônimos, registram-se homenagens a ocupantes de postos do governo civil (Governador Mangabeira, Presidente Dutra, Presidente Jânio Quadros, Presidente Tancredo Neves), a nobres (Conde – referencia ao terceiro conde dos Arcos, proprietário do engenho que originou o município), a lideranças políticas (Coronel João Sá) e a autoridades eclesiásticas (Dom Basílio, Dom Macedo Costa, Cardeal da Silva), aqui incluídas porque, sem dúvida, ao longo da história brasileira, a exemplo, aliás, do que ocorreu mundialmente, a Igreja exerceu enorme força política, por meio de seus agentes.

Contudo, nem sempre foi essa a situação. Ao que nos parece, ao longo dos séculos, os topônimos que homenageiam autoridades políticas, civis e religiosas vêm ganhando espaço, num processo ainda vigente, em relação a um outro tipo de topônimo que também homenageia agentes de um outro tipo de poder, o poder sobrenatural. Estamos, portanto, nos referindo aos hierotopônimos, em geral e, especificamente, aos hagiotopônimos, aqueles em honra aos santos católicos que, de certa forma, também legitimam o poder temporal da Igreja.

Tratemos dos hagiotopônimos designativos de municípios baianos nas quatro sincronias estudadas pelo ATMBA; em seguida, dos antropotopônimos e axiotopônimos que homenageiam o poder político para verificar a procedência da hipótese acima aventada.

A existência de hagiotopônimos é fruto de uma tradição geral européia e, especificamente ibérica, de ‘doar’ ao santo de devoção a nova localidade. Em outras épocas de nossa história, sobretudo no início da colonização, várias localidades surgiram ao redor de capelas, pequenas igrejas, mosteiros ou monumentos de devoção católica e, ao longo do tempo, vieram a originar municípios. Isso demonstra não só o aspecto antropológico da fé de nossos ancestrais, como também o prestígio e o poder da Igreja, poder esse que ultrapassava as esferas religiosas, penetrando nas seculares, como bem atestam inúmeros fatos de nossa história.

Contudo, nos nossos dias, a presença desses nomes necessariamente não indica a existência desse sentimento devocional. Nos dizeres de Donada (200[?]c),

Seria absurdo pretender extrair ‘significados literais’, no momento atual, de uns esquemas e formas de denominação implantados há vários séculos. O fato de que na nomenclatura municipal existiam hagiotopônimos não deve ser entendido tanto como sinal de fervor religioso, mas como reflexo da antiga organização de povoamento em pequenas demarcações eclesiásticas, as freguesias ou paróquias. (...) Considerar que os nomes, com seu significado primitivo, possam trazer remanescentes indesejáveis é um pensamento de todo pueril. O uso de uma denominação implica, progressivamente, o esquecimento ou a perda de seu significado originário.

Em todas as sincronias investigadas pelo Projeto do ATMBA, os hagiotopônimos são maioria. Contudo, uma observação dos dados das diversas sincronias aponta uma permanência com ligeira variação histórica, da quantidade de hagiotopônimos na Bahia.

Assim, na primeira sincronia analisada, 1827, entre os municípios de então, havia um total 14 de hagiotopônimos, sobre os quais vale ressaltar que:

1) algumas se referem a mais de um santo (Nossa Senhora da Assunção de São Boaventura do Poxim de Canavieiras, Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro);

2) algumas possuem bases que apontam para topônimos de origem indígena já integrados ao português brasileiro, que, à época, cremos já não fossem transparentes para a maioria da população, constituindo, portanto, fósseis lingüísticos (poxim, cairu, macaúba, jacobina);

3) a base portuguesa mais recorrente (portanto, o santo mais homenageado), é Nossa Senhora, o que se repete em todas as outras sincronias.

A tabela 1 traz a distribuição desses topônimos, considerando as atuais Regiões Econômicas do Estado[5]:

Tabela 1: Distribuição regional dos hagiotopônimos
referentes a municípios baianos em 1827

Região Econômica

quantidade

%

Oeste

1

7,7

Médio São Francisco

1

7,7

Piemonte da Chapada

1

7,7

Recôncavo Sul

3

23,07

Chapada Diamantina

2

15,38

Litoral Sul

3

23,07

Extremo Sul

2

15,38

Na segunda sincronia analisada, 1890, entre os municípios de então, havia também um total 14 de hagiotopônimos, cinco dos quais já presentes na sincronia anterior e inalterados (Nossa Senhora das Brotas de Macaúbas, Nossa Senhora do Rosário de Cairu, Salvador, São Jorge dos Ilhéus, São Bernardo de Alcobaça, São José de Porto Alegre), um anterior e reduzido (Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro > Santo Amaro) e sete dos quais, inteiramente novos (Nossa Senhora do Alívio do Brejo Grande, Santa Ana do Camisão, Santa Cruz, Santo Antônio de Jesus, São Felipe, São Félix do Paraguaçu, São Vicente Ferrer d’Areia)[6].

A tabela 2 traz a distribuição desses topônimos, considerando as atuais Regiões Econômicas do Estado[7]:

 

Tabela 2: Distribuição regional dos hagiotopônimos
referentes a municípios baianos em 1890

Região Econômica

quantidade

%

Oeste

1

7,7

Médio São Francisco

1

7,7

Piemonte da Chapada

1

7,7

Recôncavo Sul

3

23,07

Chapada Diamantina

2

15,38

Litoral Sul

3

23,07

Extremo Sul

2

15,38

Na terceira sincronia analisada, 1940, entre os municípios de então, havia também um total 6 de hagiotopônimos, distribuídos apenas na atual RE de Irecê (Santo Inácio) e no Recôncavo Baiano, a mais antiga zona de colonização do Estado, correspondente a duas das atuais REs do Estado: a RMS e o Recôncavo Sul. Quanto à formação, apenas um deles é forma simples (Salvador) e os demais, formas justapostas de base portuguesa (Santo Amaro, Santo Inácio, São Felipe, São Félix).

Em relação à sincronia anterior, observa-se que:

1) sete mudaram de categoria pela perda da referência ao santo (Nossa Senhora das Brotas de Macaúbas > Macaúbas; Nossa Senhora do Rosário de Cairu > Cairu; São Jorge dos Ilhéus > Ilhéus; São Bernardo de Alcobaça > Alcobaça; Nossa Senhora do Alívio do Brejo Grande > Brejo Grande; Santa Ana do Camisão > Ipirá; São Vicente Ferrer d’Areia > Areia);

2) dois conservaram a denominação, mas perderam a condição de município (São José de Porto Alegre e Santa Cruz);

3) três conservaram a denominação e o estatuto municipal (Salvador, Santo Amaro e São Felipe);

4) dois tiveram o nome simplificado (Santo Antônio de Jesus > Santo Antônio; São Félix do Paraguaçu > São Félix);

5) houve o surgimento de uma nova forma (Santo Inácio).

Na atual sincronia (2000), há um total de 32 hagiotopônimos, distribuídos em todas as regiões do Estado, exceto na Chapada Diamantina, na Serra Geral e no Sub-médio São Francisco. O gráfico 1 traz-lhes a distribuição por Região Econômica.

Em relação à sincronia anterior, verifica-se:

1) o desaparecimento de um topônimo (Santo Inácio);

2) a conservação de quatro (Salvador, Santo Amaro, São Felipe e São Félix);

3) a ampliação de um (Santo Antônio > Santo Antônio de Jesus) que, por sinal, retomou sua antiga forma datada em 1890;

4) o surgimento de 28 novas formas, todas justapostas de bases portuguesas[8], entre as quais se encontram fósseis lingüísticos de procedência Tupi (Coribe e Jacuípe) ou Kariri (Passé).

Esse tão significativo número de municípios baianos nomeados por hagiotopônimos entre 1940 e 2000 parece contradizer a afirmativa anterior de que, ao longo do tempo, haveria uma pequena variação do número de hagiotopônimos na Bahia. Contudo, conseguimos explicar essa aparente contradição se observarmos que, ao longo do período apontado, e principalmente entre 1960 e 1962[9], deu-se a emancipação de antigos povoados e distritos rurais, surgidos e/ou crescidos em torno de capelas, templos, mosteiros, lugares de devoção que conservaram os nomes de seus oragos.

As classes de topônimos em que o fenômeno em foco melhor se manifesta são aquelas referentes a pessoas, os antropotopônimos – topônimos que fazem referência direta aos nomes próprios personativos –, e os axiotopônimos – antropotopônimos introduzidos por títulos nobiliárquicos, profissionais.

Em 1827 e 1890, registra-se na Bahia a existência de apenas dois municípios, por sinal, localizados na mesma região (Nordeste do Estado), cujos nomes prestam homenagem explícita ao poder:

1) Conde – axiotopônimo constante em todas as sincronias estudadas;

2) Pombal – antropotopônimo posteriormente alterado para Purificação dos Campos e, em seguida, para Ribeira do Pombal, em vigor.

Em 1940, dos 17 antropotopônimos denominativos de municípios baianos, oito se referiam a ocupantes do poder (Nilo Peçanha, Ruy Barbosa, João Pessoa, Seabra, Wanderley, Cícero Dantas, Lauro de Freitas, Dias d’Ávila) e atingiam seis regiões do Estado (o Oeste, o Nordeste, a RMS, o Recôncavo Sul, a Chapada Diamantina e o Litoral Sul), o que já demonstra uma ampliação do fenômeno estudado, em relação às sincronias anteriores.

Em 2000, a situação desses nomes já foi devidamente descrita.

Sistematizando a trajetória dos nomes explicitamente referentes ao poder político e os nomes referentes ao poder sobrenatural dos santos do hagiológio romano, ao longo das quatro sincronias, chegamos à seguinte tabela:

Tabela 3:
Trajetória dos topônimos referentes ao poder político e ao poder sobrenatural
na nomeação de municípios baianos, ao longo de quatro sincronias

 

sincronias estudadas

sincronias estudadas

forma de poder

taxes toponímicas

1827

1890

1940

2000

poder político

antropotopônimos
e axiotopônimos

2

2

9

27

poder
sobrenatural

hagiotopônimos

14

14

6

32

A partir desses dados lingüísticos e de informações de natureza histórica já apresentados, podemos concluir que, ao longo das duas primeiras sincronias estudadas, não houve mudança na situação das homenagens ao poder político e ao poder sobrenatural na atribuição dos nomes de municípios na Bahia. Na terceira sincronia, houve uma alteração significativa, no sentido de um crescimento das referências ao poder político e de um decréscimo das referências ao poder sobrenatural, situação essa invertida na última sincronia, embora haja dados que mostram a permanência do avanço das homenagens ao poder secular, como o mau exemplo luiseduardense, já relatado.


 

Referências

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ISQUERDO, Aparecida Negri. A toponímia como signo de representação de uma realidade. Fronteiras: revista de História da UFMS, 1(2):27-46. Campo Grande: UFMS, jul./dez. 1997.

MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, século XIX: uma província do império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

MULTIMAPAS. Mapa do Estado da Bahia: político, rodoviário, escolar. São Paulo: Multimapas, 2001.

RAMOS, Ricardo Tupiniquim. Toponímia dos municípios da Bahia: descrição, história e mudanças – dados parciais. Salvador: UFBA – Texto do Exame de Qualificação de Tese de Doutoramento, 2006. [digitado].

SILVA, Luís Cláudio Requião da. A montagem do território brasileiro e a relação entre as instâncias político-administrativas. Coleção de idéias, 2(2):32-41. Santo Antônio de Jesus: UNEB, jan/jun, 2004.

TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 10a ed. Salvador: EDUFBA/EDUSP, 2003.

VENTURA, Ruy. Por uma toponímia realmente democrática. Disponível em: www.geocities.yahoo.com.br/rsuttana/ruyvent2.htm. Acesso: 27/04/2005.

www.pfldabahia.org.br/municipios.asp. Acesso: 22/08/2006.


 

[1] Licenciado em Letras Vernáculas com Inglês pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), Mestre e Doutorando em Letras pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Professor-Assistente de Língua Portuguesa da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Diretor-Acadêmico da Faculdade João Calvino (FJC), Sócio do Circulo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos (CiFEFiL).

[2] A escolha dos marcos temporais da pesquisa não foi aleatória, pois representam momentos especiais da história do país e/ou da Bahia: 1827 é o ano de organização da primeira divisão administrativa da Província da Bahia após a independência; 1890 é o ano da primeira redefinição dessa divisão da fase republicana; 1940, auge da era Vargas, é um momento de instituição de critérios nacionais para a criação de novos municípios; 2000, último ano do século XX, marca um período de criação de poucos novos municípios. Além disso, outro motivo para a escolha é o fato de estarem levantados (cf. BAHIA 2003) os nomes dos municípios baianos dessas épocas, o que facilita a de coleta de dados.

[3] Hoje, a Bahia é dividida em 15 regiões econômicas (Oeste, Médio São Francisco, Irecê, Piemonte da Chapada, Sub-Médio S. Francisco, Nordeste, Litoral Norte, Região Metropolitana de Salvador (RMS), Paraguaçu, Chapada Diamantina, Serra Geral, Sudoeste, Recôncavo Sul, Litoral Sul, Extremo Sul), criadas a partir de elementos comuns do perfil econômico de municípios geograficamente próximos. Sua finalidade é fundamentar o planejamento estratégico de ações de fomento às atividades produtivas.

[4] Assim, por exemplo, em 1961, com a morte do ex-governador, Antônio Balbino, através de uma lei, a Assembléia Legislativa baiana alterou o nome de seu município natal de Barreiras para Governador Antônio Balbino; contudo, embora tenha sido um bom governador e, mesmo antes, um excelente prefeito para a sua cidade, a população que o adorava repudiou a arrogante atitude do legislador estadual que, não querendo desagradar os cidadãos, revogaram a lei.

[5] Em algumas das regiões anteriormente citadas (Sub-médio São Francisco, Irecê, Nordeste, Litoral Norte, RMS, Paraguaçu, Serra Geral, Sudoeste), não houve registro de hagiotopônimos em 1827.

[6] Sete das formas presentes na sincronia anterior mudaram de categoria, pela perda da(s) referência(s) ao(s) santo(s) católico(s): Nossa Senhora da Assunção de São Boaventura do Poxim de Canavieiras > Canavieiras; Nossa Senhora de Nazaré da Pedra Branca > Pedra Branca; Nossa Senhora de Santana do Campo Largo > Campo Largo; Nossa Senhora do Livramento e Minas do Rio de Contas > Rio de Contas; Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira > Cachoeira; Santo Antônio de Jacobina > Jacobina; São Francisco das Chagas da Barra do Rio Grande > Barra do Rio Grande.

[7] Em algumas das regiões anteriormente citadas (Sub-médio São Francisco, Irecê, Nordeste, Litoral Norte, RMS, Paraguaçu, Serra Geral, Sudoeste), não houve registro de hagiotopônimos em 1827.

[8] São elas: Bom Jesus da Lapa, Madre de Deus, Santa Bárbara, Santa Brígida, Santa Cruz Cabrália, Santa Cruz da Vitória, Santa Inês, Santa Luzia, Santa Maria da Vitória, Santa Rita de Cássia, Santa Terezinha, Santaluz, Santana, Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus, Santo Estevão, São Desidério, São Domingos, São Felipe, São Félix, São Félix do Coribe, São Francisco do Conde, São Gabriel, São Gonçalo dos Campos, São José da Vitória, São José do Jacuípe, São Miguel das Matas, São Sebastião do Passe, Senhor do Bonfim.

[9] Durante esse triênio, foram criadas cerca de 180 das atuais 417 municipalidades baianas.