A TRAJETÓRIA ADVÉRBIO > CONJUNÇÃO
SOB A PERSPECTIVA FUNCIONALISTA

Fernanda Costa Demier Rodrigues

 

INTRODUÇÃO

Tendo realizado, no curso de Mestrado, no período de 1999 a 2002 na Universidade Federal Fluminense, uma pesquisa sobre o item agora, Rodrigues (2002) observou que tal termo não pode ser enquadrado apenas na classe dos advérbios temporais como as nossas gramáticas tradicionais o fazem. No trabalho, foi verificado que o item apresenta funções que vão além do seu uso canônico como modificador de verbo, de adjetivo ou de outro advérbio.

Mostrou-se, na dissertação em questão, que o termo pode ter referências de tempo passado e de tempo futuro, além de poder ser utilizado como conector ou operador discursivo. Tais funções foram levantadas tanto na sincronia atual da língua portuguesa quanto em sincronias anteriores. Verificou-se, então, que o item passa por um processo de gramaticalização, no qual adquire funções mais gramaticais, realizando a trajetória advérbio > conjunção.

Objetiva-se, neste trabalho, dar continuidade à pesquisa realizada por Rodrigues (2002) sobre agora, aumentando o grupo dos objetos de estudo a serem analisados e especificando o gênero textual a ser analisado. Serão utilizados textos do tipo argumentativo e, além do agora, os advérbios então, e depois constituirão os objetos de estudo desta pesquisa por terem sido os mais usados pelos informantes do corpus Discurso e Gramática (D&G), o qual é o material de pesquisa mais extenso deste trabalho.

Trata-se, então, de um trabalho que busca contribuir para o avanço dos os estudos lingüísticos acerca dos advérbios temporais, salientando o importante papel que estes itens exercem na morfossintaxe da língua. E, neste contexto, como estudos sobre padrões de ordenação e funcionalidade dos advérbios ainda são assistemáticos e dispersos, acredita-se que a pesquisa ora apresentada possa constituir uma contribuição relevante e inédita. Desta forma, espera-se que as conclusões que vierem aqui a ser assinaladas possam servir de fonte de pesquisa para futuros trabalhos e contribuam para o avanço no estudo da língua portuguesa.

De início, tendo a mesma concepção em relação aos advérbios que Rodrigues (2002) apresentou, escolheram-se itens dessa classe como objeto de estudo desta pesquisa porque eles constituem um grupo de palavras cujo conceito é, de certa forma, problemático, por apresentarem usos bastante variados. Bechara (1972: p.152) corrobora essa informação ao afirmar que “Advérbio é a expressão modificadora que denota uma circunstância (...) é constituído por palavra de natureza nominal ou pronominal e se refere ao verbo, ou ainda a um adjetivo, a um advérbio ou a uma declaração inteira.”.

A maioria dos estudos sobre os advérbios assinala que tais termos apresentam essa flutuação funcional que gera, conseqüentemente, a dificuldade de sua conceituação. É neste aspecto que se concentra um dos pontos centrais desta pesquisa: a trajetória advérbio > conjunção. Não se encontra uma definição consensual da categoria por parte dos estudiosos. Isso se deve à própria natureza híbrida da classe. Neste contexto, suas funções ora se incluem em uma classe gramatical, ora em outra.

A proposta de estudo deste trabalho inspira-se no paradigma funcionalista, o qual prevê que as estruturas da língua realizam, ao longo do tempo, como assinala Heine et alli (1991), a trajetória espaço > tempo > texto. Os itens e estruturas analisados nessa abordagem são vistos como elementos que passam por transformações de sentido e de forma durante o período de tempo que são utilizados, por interferência de fatores de ordem interacional, de freqüência de uso, além de pressões de natureza cognitiva. Dessa forma, os objetos de pesquisa aqui tratados assumem funções diferentes de suas prototípicas, deixando, por vezes, de exercer usos gramaticais e passando a exercer usos mais discursivos.

Dentro da perspectiva funcional de análise lingüística, o processo chamado de gramaticalização exerce papel importante, pois atenta para a transformação de itens lexicais em itens gramaticais ou de itens menos gramaticais em mais gramaticais. Trata-se de uma trajetória sobre a qual recai uma série de influências, tanto discursivas quanto estruturais e cognitivas.

Outro ponto relevante que será assinalado ao longo da pesquisa é a concepção pancrônica de mudança lingüística. Nesta visão, não se utiliza a dicotomia sincronia x diacronia, e sim uma abordagem que observa, segundo Cunha et alli (2003),

não as relações sincrônicas entre seus elementos (da língua) ou as mudanças percebidas nesses elementos e nas suas relações ao longo do tempo, mas as forças cognitivas e comunicativas que atuam no indivíduo no momento concreto de comunicação e que se manifestam de modo universal, já que refletem os poderes e limitações da mente humana para armazenar e transmitir informações. (Cunha et alli, 2003: 27-28)

Um importante embasamento teórico que permeia toda esta pesquisa é o princípio de extensão imagética instantânea elaborado por Votre (2004). Este princípio assinala que, na verdade, não existem novas funções para antigas formas, mas que tais formas já possuem intrinsecamente várias possibilidades de sentido, as quais seriam utilizadas conforme o contexto situacional. Esse princípio será testado ao longo da investigação.

Este trabalho deseja responder, de forma mais ampla, às seguintes perguntas:

1- A gramaticalização dos advérbios temporais constitui um processo atual na língua ou já vem ocorrendo desde sincronias anteriores?

2- Constitui a classe dos advérbios temporais um conjunto híbrido no qual alguns itens funcionam prototipicamente como advérbios e outros como conector?

3- São os advérbios temporais itens que passam por um processo de gramaticalização, efetuando a trajetória advérbio > conjunção?

Nesta pesquisa, almeja-se, então, observar, dentro da classe dos advérbios, o sub-grupo dos advérbios temporais – mais especificamente os advérbios agora, então, e depois –, com a perspectiva de contrapor seus traços básicos ou mais prototípicos, que seriam: [+ circunstanciação verbal], [+ mobilidade], [+ invariabilidade] e [+ referência temporal], com traços menos prototípicos, como [+ circunstanciação clausal], [+ posicionamento fixo], [+ conector] e [+ operador discursivo]. Neste contexto, testar-se-á se as funções mais prototípicas e, também, as menos prototípicas são recorrentes ou não em sincronias distintas.

Conforme Bybee (1982, apud Campbell & Janda , 2000), as unidades lingüísticas mais recorrentes são primeiramente selecionadas pelo falante do que as que têm menos usos. Desta visão provém a escolha inicial dos itens agora, então, e depois como objetos de estudo. Este fato ocorre porque, dentro do grupo dos advérbios temporais, tais termos são os mais freqüentes. Daí, conseqüentemente, os itens com maior possibilidade de constituírem estruturas que estão ou possam vir a estar sendo gramaticalizadas.

Acredita-se que os traços menos prototípicos não são características limitadas a determinados advérbios ou a determinados contextos, mas constituem traços bastante recorrentes no grupo dos advérbios temporais. Desta forma, caso as questões levantadas nesta pesquisa se confirmem, será possível afirmar de forma mais efetiva que a classe dos advérbios temporais apresenta-se em processo de gramaticalização, caminhando do grupo dos advérbios para o grupo das conjunções.

Neste momento, então, partem-se das hipóteses de que:

a- Os advérbios temporais agora, então, e depois apresentam diversos estágios funcionais, chegando, em alguns contextos, a se gramaticalizarem, efetuando a trajetória advérbio > conjunção. Deste modo, poder-se-ia dizer que os itens apresentariam enquanto protótipos a caracterização apresentada no quadro A e assumiriam, com a sua gramaticalização a caracterização assinalada no quadro B:

 

Quadro A: TRAÇOS [+PROTOTÍPICOS]

 

AGORA

ENTÃO

DEPOIS

Circunstanciação verbal

+

+

+

+

Referência temporal presente

+

+

+

_

Referência temporal futura

_

_

_

+

Mobilidade

+

+

+

+

Invariabilidade

+

+

+

+


 

Quadro B: TRAÇOS [-PROTOTÍPICOS]

 

AGORA

ENTÃO

DEPOIS

Circunstanciação clausal

+

+

+

+

Referência temporal passada

+

_

+

_

Referência temporal futura

+

_

+

_

Posicionamento fixo

+

+

+

+

Conector

+

+

+

+

Operador discursivo

+

+

_

_

Para que essas hipóteses possam ser comprovadas, buscou-se observar os itens assinalados como objetos de estudo em sincronias distintas. Tratando-se de uma abordagem pancrônica, enfocaram-se textos do tipo argumentativo, efetuando um paralelo com a mesma tipologia textual em sincronias anteriores como já havia realizado Rodrigues (2002) em relação ao termo agora. Foram, então, identificados e analisados exemplos, a princípio, de três sincronias diferentes: latim, século XVIII (português moderno) e século XX (português contemporâneo). Na sincronia atual, analisaram-se exemplos de textos argumentativos do corpus D&G tanto orais quanto escritos a fim de possibilitar uma maior compatibilidade com os textos de sincronias mais antigas. Nos outros contextos, tentou-se dar preferência à linguagem oral e, em segundo plano, à escrita, haja vista que as modificações na língua tendem a ocorrer primeiro na fala e, posteriormente, no texto escrito. Com este objetivo, em relação ao corpus diacrônico, foram selecionados, em sua maioria, textos que se aproximassem mais da oralidade como peças de teatro.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Gramaticalização

O processo de gramaticalização é visto, dentro da perspectiva funcionalista, de forma diferenciada pelos estudiosos da área. O primeiro autor a apresentar formalmente o conceito de gramaticalização foi Meillet, quando definiu o processo como a “atribuição de um caráter gramatical a uma palavra anteriormente autônoma” (Meillet, 1912). Para o autor, a gramaticalização efetuava essencialmente a trajetória léxico > gramática, contendo esta última uma seqüência interna formada por sintaxe > morfologia. Logo, nesta concepção, que é a visão dominante nos estudos sobre o assunto até hoje, o trajeto seria léxico > sintaxe > morfologia.

Abordaremos gramaticalização aqui como um termo amplo que abrange dois processos investigados pela lingüística funcional, que tratam de variação e mudança lingüística: gramaticalização e discursivização. Por gramaticalização entende-se a passagem de categorias lexicais a categorias gramaticais e de categorias que já exercem funções gramaticais a outras funções neste âmbito ou fortalecedoras das já existentes. Em relação à discursivização, um item ou categoria gramatical retorna ao discurso, abandonando, de certa forma, a forte regularidade e as restrições de uso impostas pela gramática, assumindo caráter mais pragmático e interativo. Tomar-se-á, neste trabalho, o termo gramaticalização em seu conceito mais amplo, abrangendo os dois processos num movimento cíclico, para a apresentação da trajetória dos itens agora, então, já e depois.

A clássica definição de gramaticalização é apresentada por Heine et alii (1991) conceituando-a como um processo em que uma estrutura ou morfema passa de uma forma lexical a uma gramatical ou de uma forma menos gramatical a uma mais gramatical. Este processo se dá via repetição, porque quanto mais a comunidade utiliza determinada estrutura com determinado uso, mais freqüente ele fica e, daí, mais fixo e, possivelmente, mais gramaticalizado torna-se.

 

Princípio de extensão imagética

Tendo como eixo central a gramaticalização de alguns advérbios temporais, o presente trabalho prevê que os itens agora, então, já e depois teriam sua área de atuação,ou seja, seu escopo, aumentado, haja vista que deixariam de fazer referência apenas ao verbo e passariam a se referir a passagens maiores do enunciado. Essa hipótese de aumento de escopo contraria, no entanto, um princípio considerado básico na visão tradicional da gramaticalização: a unidirecionalidade. Esta considera que as estruturas gramaticalizadas têm o seu campo de atuação mais circunscrito, ao passo que o aumento de escopo prevê o contrário.

Tabor e Traugott (1998), nesta perspectiva, então, sugerem que a unidirecionalidade necessita de uma formulação mais explícita e mais testagens, além da possibilidade de ser tratada como uma hipótese, e não como uma característica definidora.

Ferreira et alli (2001) tratam também do assunto, referindo-se à existência de um conjunto de elementos mais ou menos previsíveis que seriam responsáveis pelo fato de termos lingüísticos poderem assumir valores distintos em contextos de usos diferentes. Assim, ao lado da gramaticalização, e sua trajetória unidirecional de mudança, em que a ocorrência de um valor implica a ocorrência anterior de outro, os autores formulam um novo princípio, chamado extensão imagética instantânea, para dar conta de usos que não se enquadram na trajetória unidirecional da gramaticalização. Conforme esse novo princípio, os valores de um termo não seriam provenientes uns dos outros, mas sim de algum modo já previstos uns nos outros:

Votre (...) propõe uma revisão da hipótese da unidirecionalidade na mudança semântica e sintática nos processos de gramaticalização. Segundo essa visão, o fato de se descobrirem, em estágios anteriores da língua, os mesmos usos encontrados hoje, desafia a hipótese de que, ao longo do tempo, os sentidos vão se abtratizando e as construções sintáticas se tornando mais integradas. A partir de tal concepção, propõe o princípio de extensão imagética, segundo o qual a faculdade da metáfora opera de modo instantâneo, disponibilizando as possibilidades e potencialidades na mente das pessoas que interagem na comunidade discursiva, ancoradas no contexto situacional de cada interação. (Ferreira et alli, 2001, p.137)

 

ANÁLISE DE DADOS

Agora

O termo agora, como já foi visto por Rodrigues (2002), está em pleno processo de gramaticalização, possuindo traços [-prototípicos] que o encaixam tanto em usos que ampliam seu traço tradicional [+referência temporal presente] para referenciação a momentos passados ou futuros, quanto traços como [+posicionamento fixo] e [+circunstanciação clausal] que o aproximam de funções similares ao grupo dos conectores e operadores discursivos.

(1) Mas no meu modo de ver o câncer do Brasil são esses políticos que iludem e roubam. (...) É por isso que eles adoram recessão, pois para os pobres é ruim e para eles é ótimo pois o país é capitalista claro que eu não tenho nada contra o capitalismo, e sei de seu funcionamento. A última foi agora os deputados aprovaram uma verba de Cr$ 250.000.000,00 para tratamento dentário, como se o salário deles já não fosse suficiente! (escrito/RO/Ensino Superior/D&G Rio de Janeiro)

(2) ...esse colégio em relação ao outro... o outro era melhor no... no ensino... assim... né? porque aqui... se um professor faltar... que é escola municipal... né? o aluno vai embora... agora lá não... lá... a diretora faz de tudo... até se for o caso... até ela mesma dá aula... mas não deixa o aluno voltar pra casa... essa é a única diferença... né? (oral/RO/8ªsérie/D&G Rio de Janeiro)

No exemplo ( 1 ), o informante descreve as ações dos políticos brasileiros e utiliza o termo agora equivalendo a há pouco tempo, quando afirma: “A última foi agora os deputados aprovaram uma verba de Cr$ 250.000.000,00 para tratamento dentário

No enunciado ( 2 ), o entrevistado fala sobre os colégios onde estudou fazendo uma comparação entre a última escola onde era discente e a atual em relação à atitude da direção no que diz respeito à falta de professores. Neste caso, há uma oposição entre o fato de, na escola atual, os alunos serem liberados quando o professor se ausenta ao passo que na anterior existiam outras atividades propostas nesta situação para que os alunos não fossem embora: “aqui... se um professor faltar... que é escola municipal... né? o aluno vai embora... agora lá não... lá... a diretora faz de tudo... até se for o caso... até ela mesma dá aula... mas não deixa o aluno voltar pra casa...”. Agora contrapõe estes dois momentos funcionando como [+conector] e, com isso, apresenta os traços [+posicionamento fixo], [+circunstan-ciação clausal] e tem o traço [+referência temporal presente] opacizado.

 

Então

O item então, canonicamente advérbio temporal, como já foi visto por Pezatti (2001), está gramaticalizando-se como conjunção. Seu uso como conector e operador discursivo no corpus desta pesquisa são bem mais freqüentes do que seu uso como advérbio temporal.

(3) ... eu acho que o único professor daquele colégio que eu daria nota dez é o professor de matemática... que ele é super legal... e o colégio... a nota assim... que eu dou... quatro e meio... porque está horrível... mas o ensino de lá não é forte mas também não é fraco... é bom... né? então... enquanto tiver um ensino bom do jeito que tá... tá tudo certo... dá pra estudar... (RO/oral/8a série do Ensino Fundamental/D&G Niterói)

(4) Amália: Está tudo perdido! Se elle falou com meu pae... apósto que já... Nunca vi: é que não póde, mente por habito e sem saber o que faz.

Joaquina: Então agora o que se podia... o que era de meste, era fazer que o senhor Braz Ferreira o não conhecesse. Por fim de contas, a nós que nos importa que elle minta, comtanto que seu pae o não perceba?

O exemplo ( 3 ) traz então sendo utilizado com o traço [+conector] com um propósito conclusivo. Observa-se que, nesta passagem, após o informante mencionar que o colégio onde estuda tem um bom nível: “mas o ensino de lá não é forte mas também não é fraco... é bom... né?”, ele conclui que o colégio vai continuar sendo eficiente se permanecer com o mesmo ensino: “então... enquanto tiver um ensino bom do jeito que tá... tá tudo certo... dá pra estudar...”. Nota-se que o item apresenta o traço [+posicionamento fixo], haja vista que sua mobilidade alteraria sua função na frase e, além disso, sua referência amplia-se da vinculação verbal para a vinculação a todo enunciado, [ +circunstanciação clausal].

O enunciado ( 4 ), da sincronia do século XVIII, exemplifica um uso bem gramaticalizado de então. Sua função mais discursiva é bem nítida, pois já existe na frase o item agora sendo usado como advérbio temporal. Cabe a então, no caso, estabelecer um elo coesivo entre a fala anterior e a seguinte: “Amália: Está tudo perdido! Se elle falou com meu pae... apósto que já... Nunca vi: é que não póde, mente por habito e sem saber o que faz. / Joaquina: Então agora o que se podia... o que era de meste, era fazer que o senhor Braz Ferreira o não conhecesse.”

 

é o item, dentro do grupo analisado, em estágio menos avançado dentro da trajetória da gramaticalização. Seu uso está fortemente relacionado com o traço [+referência temporal] que, tradicionalmente, vincula-se ao momento presente. Evidencia-se, no entanto, que tal função pode ocorrer em relação ao momento futuro ou ao passado também. Seu uso mais discursivo, como conector e operador discursivo, por outro lado, não foi muito freqüente no corpus analisado até o momento.

(5) Os jovens de antigamente não tinham tanta liberdade como os de hoje, principalmente as garotas que só podiam sair com a mãe, tia, pai em que tinham hora marcada pra chegar, e só podiam namorar em casa, pra casamento e rapazes que os pais queriam e tinha que haver amor entre o casal pra poder namorar e casar.

os jovens de hoje vão aonde querem, onde encontram namoradas (os) com quem ficam, e a cada semana que passa ficam com uma pessoa diferente, onde não há nenhum sentimento entre essas pessoas, e posteriormente quando quizerem ficar com alguém fixo não conseguem pois não consegue gostar de um (a) só, onde há muitos divórcios nos dias atuais, onde isso contribui para o fim do relacionamento. (RO/escrito/3a Série do Ensino Médio/ D&G Juiz de Fora)

(6) “Procópio: vocês começam logo de manhã cedo? É uma philarmonica esta rua. E o outro, o vizinho sapateiro, inda não deu o seu descante do costume? Por modo que lhe vejo a porta fechada...

Lazaro: Havia de ser grande pirua a que elle tomou hontem, que são estas horas e inda as Trovas do Bandarra se não ouvem.

Em ( 5 ), apresenta um contraste, traço [+ conector], pois é descrito como os jovens de antigamente viviam e, por meio de , é introduzida a descrição do lado oposto, os jovens de hoje: “ os jovens de hoje vão aonde querem, onde encontram namoradas (os) com quem ficam, e a cada semana que passa ficam com uma pessoa diferente”. Os traços [+ circunstanciação clausal] e [+ posicionamento fixo] estão, como se pode observar, muito fortes neste exemplo.

Como exemplo da sincronia do século XVIII, temos o enunciado ( 6 ). Neste, o termo está ainda mais gramaticalizado, pois introduz a fala da personagem Procópio que dá início à segunda cena do primeiro ato da peça: “ vocês começam logo de manhã cedo?”. Trata-se de um uso como [+ operador discursivo]. Os traços [+ posicionamento fixo], [+ circunstanciação clausal] estão muito fortes, ao passo que traços prototípicos como [+ referência temporal], [+ mobilidade] e [+ circunstanciação verbal] estão enfrquecidos.

 

Depois

Depois se apresenta, no corpus analisado até o presente, com um nível de gramaticalização bem avançado, pois seu uso com o traço [+conector] com o propósito de seqüencializar fatos no enunciado é muito freqüente no material pesquisado. No entanto, observa-se que seu traço prototípico [+referência temporal futura], mesmo com a gramaticalização do item, permanece bastante nítido.

(7) “eu acho a minha professora boa... a escola é muito boa... eu gosto::... de todo mundo da escola... o problema quando a gente forma... bate o sinal... aí...os meninos ficam me empurrando... pra lá e pra cá... e todas as meninas caem em cima da outra... aí depois a tia chega e manda a gente... subir... a gente sobe... na escada... aí ficam brigando... porque chegou aqui primeiro... aí não sei o quê... aí... depois a tia fica esperando... aí ela diz assim “se vocês ficarem... assim... eu não vou subir...” aí... ela/ aí todo mundo começa a gritar no corredor... aí... ela diz “todo mundo está tendo aula...” aí depois/ todo mundo fica lá dentro... a gente entra na sala... aí a tia manda a gente pegar a caderneta... a gente escreve... quatro::... quatro ( ) aí... às vezes a gente escreve muito... aí a tia às vezes quando tem muito tempo... ela passa dever pra gente fazer... passa dever de casa... e depois pede pra gente jogar quando tem muito tempo... às vezes a gente vai pra biblioteca... (RO/oral/CA infantil/D&G Rio de Janeiro)

(8) Joaquina: Então agora o que se podia... o que era de meste, era fazer que o senhor Braz Ferreira o não conhecesse. Por fim de contas, a nós que nos importa que elle minta, comtanto que seu pae o não perceba.

José Felix : Ella tem razão, a Joaquina. E é mais facil isso. Se a senhora Dona D. Amalia se confia em mim, e me auctoriza...

Amália: Oh meu Deus! Se vocês encobrem aquelle defeito a meu pae, fico-lhes n'uma obrigação... Depois em nós casando, eu o emendarei. Que se não fosse isso...

Em ( 7 ), depois funciona como [+conector], pois estabelece um elo continuativo entre as passagens fornecidas pelo informante acerca de sua opinião sobre a escola. Neste caso, ele relata acontecimentos subseqüentes que ocorreram em seu dia escolar: “os meninos ficam me empurrando... pra lá e pra cá... e todas as meninas caem em cima da outra... aí depois a tia chega e manda a gente... subir... a gente sobe (...)aí... depois a tia fica esperando... aí ela diz assim “se vocês ficarem... assim... eu não vou subir...” (...) aí depois/ todo mundo fica lá dentro... a gente entra na sala... aí a tia manda a gente pegar a caderneta... a gente escreve (...) ela passa dever pra gente fazer... passa dever de casa... e depois pede pra gente jogar quando tem muito tempo...”. O exemplo apresenta os traços [-prototípicos] [+posicionamento fixo] e [+circunstanciação clausal], porém seu traço [+prototípico] [+referência temporal futura] é ainda bastante forte.

Para exemplificar a sincronia do século XVIII, selecionou-se o enunciado ( 8 ). Neste caso, apesar do traço prototípico [+ referência temporal futura] ainda estar bem presente, pode-se observar que tal passagem apresenta uma função mais discursiva de depois. O item assinala, neste contexto, uma passagem conclusiva ao enunciado anterior, quando a personagem Amália, preocupada com a possível descoberta de seu pai acerca do hábito de mentir de seu noivo, conclui que após o casamento tentará solucionar o problema: “Se vocês encobrem aquelle defeito a meu pae, fico-lhes n'uma obrigação... Depois em nós casando, eu o emendarei”. Neste caso, a função do item é [+ conector].

 

BIBLIOGRAFIA

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MEILLET, A. Lévolution des formes gramaticales. In: Linguistique historique et linguistique générale, Paris: Champion, 1912. p. 130-148.

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