O LÉXICO DA LINGUAGEM FORENSE
DO PERÍODO COLONIAL BRASILEIRO
REFERENTE AOS CARGOS E FUNÇÕES

Expedito Eloísio Ximenes (UECE)

 

Introdução

Não podemos pensar no funcionamento da administração pública do período colonial brasileiro como nos dias de hoje. Naquele período não havia distinção entre os cargos e os responsáveis pela administração pública podiam desempenhar qualquer função, como afirma Prado Júnior (1999).

Este trabalho visa elaborar uma nomenclatura constituída de termos referentes aos cargos e às funções exercidos pelos sujeitos que participam da administração pública do período colonial citados em Ximenes (2006), nos Autos de Querella do século XIX, do Ceará. São arrolados os diferentes tipos de juízes, escrivães e outros funcionários públicos mencionados nos ditos Autos para termos uma idéia mais precisa das funções exercidas por esses cidadãos.

 

Metodologia

Para elaboração desse trabalho utilizamos os passos metodológicos seguintes: Partimos da leitura dos documentos, levantamento dos termos, organização e definição obedecendo a critérios terminográficos, previamente estabelecidos para esse tipo de pesquisa. Os verbetes estão organizados em ordem alfabética apresentando a seguinte microestrutura: termo + informações gramaticais + definição + contexto + remissiva +/- nota enciclopédica.

De acordo com Farias (2003), “o termo, como unidade terminológica, não pode ser percebido isoladamente, ao contrário, ele sempre fará parte de um conjunto de significados relacionados a um mesmo domínio especializado.” O termo é apresentado em sua forma lematizada, geralmente, substantivo no masculino singular. As informações gramaticais dão conta da classe gramatical, à qual o termo pertence, acrescidas do gênero e número da entrada.

As variantes gráficas das denominações são casos em que o termo ou um elemento da lexia complexa apresenta formas alternativas de grafia atestadas no corpus e apresentadas contextualmente também.

As definições apresentam o termo genérico e os traços que particularizam o termo definido. A preocupação central será na conservação, sempre que possível, da mesma estrutura. A linguagem a ser usada será objetiva e escorreita para que o consulente perceba com clareza o sentido do termo procurado.

O paradigma pragmático traz o contexto ou contextos, nos quais os termos-entrada aparecem. Aqueles foram arrolados a partir de Ximenes (2006), que apresenta a coletânea de Autos investigados, devidamente transcritos em edição semi-diplomática. Seguindo o contexto, encontramos a fonte de onde foi/ foram extraído(s) o(s) contexto(s).

As remissivas integram a microestrutura do verbete e para identificá-lo utilizamos a notação V precedendo o termo sinonímico mais recorrente, em cujo verbete encontramos a definição. A sinonímia é marcada pela notação Sin. e antecede os termos participantes da rede de relações de sentido, seja por hiponínia, co-hiponímia ou hiperonínia.

As notas apresentam informações de caráter enciclopédico a respeito do termo-entrada, como, por exemplo, a etimologia ou outros esclarecimentos de caráter histórico sobre o uso da palavra em seu contexto histórico e social.

Para elaboração dos conceitos tomaremos como base a bibliografia sobre a história colonial, principalmente os autores Prado Jr. (1999), Salgado (1985), Garcia (1956), Avelar (1976) e o Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva (1963), que trazem informações sobre a estrutura administrativa do judiciário bem como os funcionários e sua respectivas funções.


 

Algumas Anotações Históricas

A noção que conhecemos de administração com as atribuições dos três poderes separados é uma invenção moderna. Na época colonial tudo funcionava em torno da vontade do soberano.

A administração político-administrativa do período era estabelecida pelas Ordenações do Reino, principalmente, as Ordenações Filipinas de 1603,[1] que determinam toda a estrutura, composição e função dos cargos públicos. Esse modelo administrativo foi transplantado de Portugal para todas as suas colônias.

A composição administrativa das primeiras vilas do Brasil era constituída pelo Senado da Câmara, cuja presidência era exercida por um de juiz de fora, no caso das vilas mais desenvolvidas, ou um cidadão leigo, juiz ordinário, que seriam dois alternando as funções em cada mês. Três vereadores, um tesoureiro e um procurador completavam o corpo administrativo. (Cf. Prado Júnior, 1999).

Em todas as vilas vigorava a mesma estrutura não importa o tamanho ou importância econômica que ela tivesse. As vilas eram independentes em relação às outras, porém submissas ao Capitão-mor ou governador, e principalmente, ao governo de Portugal.

No Ceará, com a fundação das primeiras vilas mantendo essa estrutura, aparecem todos os cargos e funções que são ocupados pelos cidadãos, conforme, os regimentos estabelecidos pelas Ordenações do Reino.

A princípio a jurisdição de nossa Capitania ficou subordinada a de Pernambuco, só ocorrendo sua independência em 1799, por meio de uma Carta Régia de 17 de janeiro do mesmo ano, emitida por Dona Maria Segunda. Data dessa carta a formação do governo independente do Ceará. Os cargos administrativos, as nomeações de cargos e os oficiais militares passaram a ser da responsabilidade dos governadores do Ceará.

Antes mesmo da independência da Capitania do Ceará, em 1799, passou a integrar a Ouvidoria da Paraíba em 1711, através da Carta Régia de 09 de janeiro.

Em 31 de outubro de 1721, D. João V aprovou uma Resolução criando uma Ouvidoria própria no Ceará, pois, as necessidades da Justiças nesta Capitania não eram atendidas a contento. A Carta Régia criando de fato a Ouvidoria foi assinada em 08 de janeiro de 1723. A princípio a Ouvidoria teve sede na Vila de Aquiraz.

Em 1810 o Governo Real criou um Juizado de Fora na Vila de Fortaleza, através do Alvará de 24 de junho de 1810. Sendo seu titular o Bacharel Jozé da Cruz Ferreira. Devido à dificuldade de administrar a justiça na Capitania, por causa da distância das vilas e o aumento populacional, foi necessário dividir a Comarca do Ceará, criando-se, assim, a Comarca do Crato pelo Alvará do Governo Central, de 27 de junho de 1816.

Ficaram pertencendo à Comarca do Ceará Grande às Vilas de Arronches, Messejana que depois perderam a categoria de vila e atualmente são os bairros da Parangaba e Messejana respectivamente. Soure, atual cidade de Caucaia e Aquiraz. Além do julgado de Sobral, as vilas de Granja, Vila Nova d’El Rei e Vila Viçosa, atuais cidade de Guaraciaba do Norte e Viçosa do Ceará. Ainda pertencia à Comarca de Fortaleza o julgado de Aracati e a Vila de São Bernardo das Russas.

Em 1833 foram criados alguns julgados e dividas em seis as duas comarcas existentes. A Comarca de Fortaleza ficou restrita aos termos da Sede das Vilas de Aquiraz, Baturité, Vila da Imperatriz, atualmente, Itapipoca e o Julgado de Canindé. A sede da Comarca ficou com duas varas: uma do Cível, outra do Crime. Assim, sucessivamente foi se estruturando a administração judicial do Ceará.

Esse contexto apresentado compreende o período em que os Autos de Querela são escritos. Percebemos quanto à justiça era escassa em termos de pessoal e como era distante das Vilas e de seus termos. Nos documentos, observamos as longas viagens dos juízes corregedores para ouvirem as denúncias e administrarem a lei.

Em alguns livros de autos é possível fazermos um longo passeio por todas as regiões da Capitania, pois havia uma única comarca até 1816, quando foi criada a do Crato. Não é de se admirar o quanto a violência era acentuada nas vilas e nos seus termos, ou seja, no seu interior, nos pequenos vilarejos e sítios. Os autos registrados talvez não dêem conta daqueles que ficaram sem o conhecimento da autoridade. Isto mostra a escassez de aplicação da justiça e o descaso da autoridade em atender às necessidades dos colonos.

Os Autos de Querella foram registrados nesse período político administrativo trazendo a nomenclatura referente aos funcionários público e suas funções, dos quais alguns foram selecionados para elaboração desse pequeno glossário.

 

O GLOSSÁRIO

alcaide[2] s.m. autoridade que governa uma praça, um castelo, uma fortaleza ou uma província. Contexto: (... )tes temunha primeira xxx | Cazado Alcaide desta villa (...) (L.39; A.10; l.56; p 64).

capitão mor[3] s.m. autoridade que governa uma capitania como governador dela, tendo alçada civil e criminal. Contexto: (...) cap- | tivo do Capitaõ Mor Joze Alves Feito | za com Auctoriadde de seus Senho- | res (...) (L.33; A.13; l.15; p. 130).

corregedor da comarca[4] s.m. autoridade magistrada que tem a função de fiscalizar todos os juizados de sua jurisdição ordenando todas as medidas necessárias para o bom andamento da justiça. Contexto: (...) Illustrissimo Senhor Dezembargador, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca = Diz xxx doCapitão xxx que faz abem deSua Justiça (...). (L.33; A.1; l.79-80; p.86)

escrivão da câmara s.m. escrivão responsável pela atribuição de escrever os atos ou livros, servindo de secretário da Câmara Municipal. Contexto: (...) edou minha fé passar naverda | de Eu Antonio Lopes Benevides Es | crivaõ da Camara que por empedimen-| to (...) L.1097; A.6; l.109-110; p.219)

escrivão da vintena s.m. escrivão da ventena v.g. escrivão que servia ao juiz de vintena. Contexto: (...) vir a Vila para fazer oexame e vestoria [corroído 3 linhas] hum Oficial deJustiça que he o Escrivão da Ventena da Serra Uruburetama (...) (L.33; A.3; l.63-64; p.302)

escrivaõ do alcaide s.m. escrivão que servia ao Alcaide. Contexto: (...) Jo | aõ Ferreira daSilva Escrivaõ do Alcaide desta Villa da | Fortaleza do Cabra Francisco Thomas, prezo na cadeia des | ta mesma (...) (L.39; A.10; l.17; p.63)

escrivão do crime do ordinário s.m. escrivão do ordinário v.g escrivão que serve ao juiz ordinário de uma determinada vila. Contexto 1: (...) oEscriuaõ | docrime doOrdinario daVila nouad’ ElRei lhede por certidaõ oTheor... (L.33, A.4, l.77; p. 98). Contexto 2: (...) que faz abem deSua justiça que o Escrivão do Ordinário desta Villa (...) (L.33; A.1; l.81-82; p.86).

escrivão do juiz de paz s.m. escrivaõ do juizo de paz v.g. escrivaõ do juizo de páz v.g. escrivão que servia ao juiz de paz ou fora. Contexto: (...) Eu Antonio | Lopes Bernardes Escrivaõ do | Juizo de Páz o escrevi = Castro, e | Menezes, Joaquim da Silva | Santiago (...) (L.1097. A.12, l.80; 244).

Escrivão[5] s.m. escrivaõ v.g. escrivam v.g. oficial público que junto a uma autoridade judicial ou tribunal, tem a função de registrar todos os atos de um processo ou determinados pela autoridade a quem serve. Contexto 1: (...) em que com ellê dito querellante aSignou e eu (...) Escrivaõ que o Escrevi. (...)( L.39; A.1;l.56;p.47). Contexto 2: (...) que eu xxx tabeliam publico e Escrivam do Crime, emais anexos nesta ||4r 4Abreu Nestadita villa de Fortaleza (...).(L.64; A.1; l.61-66; p.153)

juiz de fora pela lei s.m. ver juiz de fora. juis de fora da lei v.g. Contexto: (...) que mandou fazer o Juis de | Fora pela Lei oCapitaõ Joaquim An- || 37r <37 Brito> Joaquim Antunes de Oliveira(...) (lL.1097, A.6, l.90; p. 219).

juiz de fora[6] s.m. juis de fora v.g. juiz nomeado pelo rei ou outra autoridade executiva, vindo de fora da localidade a que serviria como administrador da justiça e/ou presidente da câmara da vila. Contexto: (...) em Cazas demo- | radado Doutor Juis de fora Jo- | zeda Crus Ferreira (...) (L.64, A.7, l.19; p.164).

juiz de vintena[7] s.m. juis da ventena v.g. Juiz responsável pela administração das pequenas localidades mais afastadas com população entre vinte e cinqüenta habitantes e que não constituiam um município. Contexto: (...) eComarca | do Siará grande aonde foi vindo o Juis daventena da | Serra da Uruburitama do dito termo xxx Co | migo EsCrivaõ para effeito (...) (L.39; A.18; l.59; p. 81).

juiz do ordinário s.m. ver juiz ordinário. juizo do ordinário v.g. Contexto: (...) Auto da Vestoria | que se procedera por mandado deste | Juizo do Ordinario no Corpo da dita | sua filha(...) (L.33, A.12, l.65, p.127).

juiz ordinário[8] s.m. juis ordenario v.g. juiz ordenario v.g. juiz eleito anualmente pelo povo e câmeras das vilas que exercia a presidência dessas. Esse tinha domicílio e estabelecimento na localidade onde atuava. Contexto 1: (...) Juis ordenario o alferes (...) aonde eu escrivão do seo cargo, ao diante nominado fui vindo (...) (L.39; A.1; l.08; p.46). Contexto 2: (...) onde Seaxaua aposentado o Juiz Ordenario oCapitaõ xxx (...) (L.33;A.1;l.100; p.86).

juiz vinteneiro s.m. juis venteneiro v.g. juiz da vintena v.g. Contexto 1: (...) foi dito aprezenssa | dastestemunhas que otinhaõ feito epor aSim Sepassou | emverdade eparaConstar mandou odito juis venteneiro || 29r <29 Pereira> fazer este aucto etermo onde SeaSignou eEû Ignacio dePaiva | Silva oescrevi = (L.39, A.18, l.69, p. 81). Contexto 2: O Juis daventena Gonsallo Jozé Pessoa (.L.39, A. 18, l. 76, p. 82).

meirinho geral[9] s. m. autoridade do antigo Direito Judiciário que exercia o poder de oficial de justiça, tendo competência para prender em flagrante sem ordem ou autoridade do juiz, podia também citar, promover penhora, executar ou cumprir quaisquer mandados de judiciais. Contexto: (...) a | prezente nesta Vila do Sobral | aos dezeceis de Maio demil oito | centos eonze = oMeirinho Geral | estava assignado (...) (L.33, A.13,l.87; p. 132).

ouvidor geral[10] s.m. Autoridade instituída juntamente com o Governo Geral em 1548, para auxiliá-lo na administração do Brasil. Contexto: (...) Illustissimo Senhor Dezembargador, <Ouvidor Geral> eCorregedor da Comarca = Diz xxx doCapitão xxx que faz abem deSua Justiça (...). (L.33; A.1; l.79; p.86).

sargento mor[11]. s.m. autoridade superior das Ordenanças escolhido pelo governador da capitania. Contexto: (...) euEs | crivaõ deSeo cargo adiante nomiado | eSendo taõ bem prezente oSargento | mor (...) (L.33, A.2, l.10; p.89).

tabelião do público judicial e notas[12] s.m. tabelião encarregado de escrever em todos os processos, lavrar autos, tirar inquirições, fazer inventários de ausentes, ou de pessoas que falecessem sem herdeiros, ou de pessoas incapazes, onde não houvesse escrivão de órfãos, escrever autos de execução, tomar posse de bens, penhores, arrematações. Contexto: (...) Lourenço | da Silua eMelo Tabeliaõ publico do | Judicial, eNotas; Escrivaõ doCrime | Ciuel da Comarca, Orfaons, eAl | motacaria daVila noua d’ ElRei Capitania do Siará grande... (l.33; A.4; l.81-86-88; p. 99).

 

Considerações Finais

Buscamos elaborar um esboço do léxico referente aos cargos e funções da administração pública colonial brasileira citado nos Autos de Querella. Muitos outros funcionários compunham a complexa engrenagem do sistema colonial não citados aqui. Elegemos apenas alguns devido ao espaço exíguo e as informações escassas sobre eles na bibliografia consultada, pois a diversidade de funções acumuladas a um mesmo funcionário dificulta a definição mais preciso de um termo. Outra dificuldade para estabelecermos maiores informações é devido a pouca importância dada a alguns cargos menores, como por exemplo, escrivão do alcaide, não há referência a ele nos livros ou dicionários do período colonial, dificultando, assim, definirmos qual o verdadeiro papel que eles tinham na administração pública.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVELAR, Hélio de Alcântara. História Administrativa e Econômica do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: FENAME. 1976.

FARIAS, Emília M. Peixoto. Glossário de termos da moda. Fortaleza: UFC/Sebrae/Ce, 2003

GARCIA, Rodolfo. Ensaio sobre a história política e administrativa do Brasil (1500-1810). Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.

PRADO Jr. Caio. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia. São Paulo: Brasiliense. 1999.

SALGADO, Graça. Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1985.

XIMENES. Expedito Eloísio. Autos de querella e denúncia...: Edição de documentos judiciais do século XIX no Ceará para estudos filológicos. Fortaleza: LCR. 2006.


 


 

[1] As Ordenações Filipinas foram criadas em substituição às precedentes, Afonsinas e Manuelinas, por Felipe I de Portugal (II da Espanha), em Alvará de 5 de junho de 1595, pela necessidade de revigorar o poder real. Foram postas em vigor por lei de 11 de janeiro de 1603, de Felipe II de Portugal (III da Espanha). Estas Ordenações vigoraram no Brasil, até 1830, com a promulgação do Código Criminal e do Processo Civil (de 1832). Todos os cargos com suas funções estão nos Livros das Ordenações. O Livro I contém o regimento dos Magistrados e Oficiais da justiça, definindo as respectivas atribuições. O Livro II define as relações entre o Estado e a Igreja, trata de direitos e bens da Coroa, privilégio do Fisco, da Igreja, dos Donatários e proprietários. O Livro III cuida do processo, civil e criminal. O Livro IV do direito das pessoas e das coisas – código civil. O Livro V trata da matéria penal e militar, conforme Avelar (1976).

[2] A palavra  alcaide é de origem árabe e significa o que conduz, o chefe, o guia, o governador de praça, o  chefe comandante.  Atualmente designa prefeito em espanhol. No período colonial os alcaides eram funcionários que guardavam as cidades de dia e de noite. O alcaide era acompanhado por um tabelião ou escrivão de alcaidaria para registrar o que ele fizesse ou as coisas que encontrasse. O alcaide poderia fazer prisões em flagrante delito ou flagrante malefício. Á fora o flagra, só poderia prender com mandado por escrito do juiz. Na ausência do juiz na localidade, poderia efetuar prisões em algum conflito, mediante o requerimento por pessoa ou lhe era mostrada querela com sumário obrigatório. Após o toque de recolher, poderiam prender pessoas que estivessem ou não com armas proibidas. Os homens auxiliares do alcaide juntavam-se em casa deste ao toque da Ave-Maria, e também o escrivão, e combinavam os meios de vigiar a cidade. Quando prendiam alguém eram obrigados a dizer ao carcereiro o motivo da prisão, para que soubesse  a quem podia requerer o livramento.

[3] As capitanias brasileiras eram classificadas em principais e subalternas. O administrador das capitanias principais era chamado de capitão-general e governador, das subalternas, capitão-mor ou simplesmente governador. A Capitania do Ceará foi subalterna à de Pernambuco até 1799, quando passou a ser independente.

[4] A ação do corregedor se faz sobre os próprios juizes, sobre os escrivães e dos demais  serventuários da justiça. Na verdade ele é um provedor, que segundo atribuições de seu cargo, não somente fiscaliza como corrige. A referência aqui, é feita ao corregedor da comarca do Ceará.

[5] No período colonial havia vários tipos de escrivão que ocupavam todas as instância da administração pública, como escrivão de ouvidoria, escrivão de correição, escrivão do alcaide etc. Nos Autos de Querela sobressaem vários desses escrivães que estavam presentes em todas as atividades administrativas registrando  os fatos narrados nas queixas pelos querelantes ou os exames de corpo de delito realizados por um cirurgião. Graças a ação desses funcionários podemos ter acesso aos textos, pois eram os pouco com domínio da escrita naquele momento histórico, já que a maioria da população era analfabeta. Muitos deles eram portugueses ou descendentes próximos, como também eram de famílias ilustres do Ceará, envolvidos na política e protegidos pelos administradores, conforme o que podemos constatar em relação a dois escrivães que são arrolados nos Autos. Há, nos Livros de Provisão Capitania do Ceará, as nomeações dos escrivães em que eles pagam uma determinada quantia pelos serviços de um ano, como uma espécie de leilão, quem pagar mais fica com o cargo, donde atuam naquele período e ganham pelos serviços prestados, renovam o contrato quando termina o ano, chegando a renovarem por 10 anos seguidos. No final dos autos há a contabilidade de onde se destaca o que foi pago para o escrivão.

[6] O juiz de fora ou de fora à parte como era também denominado, era geralmente letrado, ou nutrido no direito romano, legislação patrocinada pelos príncipes. Ao contrário do ordinário que aplicava o direito costumeiro. O juiz de fora era delegado e nomeado por triênios. A vara era a insígnia que traziam os juízes e oficiais seculares, em sinal de jurisdição para que fossem conhecidos e não sofressem resistência as suas ordens.  A vara branca competia ao juiz letrado e a vermelha aos leigos. Por esta razão o termo vara ainda é utilizado para designar distintivo da autoridade judicial.

[7] O juiz de vintena, vinteneiro ou pedâneo era escolhido dentre os moradores do lugar pela Câmera municipal mais próxima. O nome vintena corresponde a vigésima parte do menor número de indivíduos sujeitos à sua jurisdição.

Vintena designa o lugar ou povoado de vinte vizinhos ou de vinte casais,o juiz vinteneiro ou de vintena era provido na jurisdição de uma aldeia ou povoado que tem vinte casais.

[8] O número dos juízes em todas as vilas e cidades não excedia a dois, e raras vezes, um só era eleito. Estes juízes administravam a justiça aos povos, tendo em vista o direito costumeiro que não podia ser do agrado do poder real nem dos juristas romanos.

Também era chamado juiz da terra em distinção ao juiz de fora, que não era eleito e vinha de outras partes, nomeado pelo poder executivo, imperador ou rei. Os juizes ordinários não eram formados, podendo ser qualquer cidadão leigo e aplicavam o direito costumeiro.

[9] Não podiam alegar resistência dos presos, se não tivessem efetuado a prisão munidos das varas as quais lhes competiam carregar. Fora dos casos de flagrantes, era-lhes vedado efetuar prisões, sem ordem da autoridade competente. Efetuada a prisão o meirinho comunicava ao ouvidor, que lhe ordenava chamasse o escrivão para lavrar o respectivo auto.

[10] O ouvidor geral que veio para o Brasil com Tomé de Sousa,  primeiro Governador geral, foi o Dr. Pero Borges que trazia o cargo de ouvidor geral da colônia. Esse estaria sempre  na capitania com o governador, salvo havendo ordem em contrário do mesmo governador, ou se bem o serviço o exigisse, pois então poderia sair fora dela. O ouvidor geral desempenhava, além das funções próprias, as de corregedor de comarca.

[11] As forças armadas na Colônia constituíam-se de três setores: da tropa de linha, das milícias e das ordenanças. A tropa de linha era representada pela tropa regular e profissional. Era a única paga.

As milícias são tropas auxiliares recrutadas por serviço obrigatório e não remunerado. Eram comandados por oficiais escolhidos na população civil para exercer o serviço também não remunerado

As ordenanças ou 3ª linha eram formadas  por todo o resto da população masculina entre 18 e 60 anos. Era uma força local, não podendo se afastar da localidade em que residiam. Todo cidadão dentro dos limites fixados era automaticamente engajado nas ordenanças. A sua atividade consistia em exercícios periódicos e convocações e acorrer quando chamados para serviços locais.

[12] Havia no período colonial um acúmulo de funções em que um funcionário desempenhava vários papéis, diferentemente do que  rege as Ordenações, ou pelo menos, difere das atribuições dadas a cada um desses funcionários.