NOSSO PAI E NOSSO AVÔ, ANTENOR

Ubirajara Nascentes Alves

 

Ilustríssimos:

Boa noite a todos que estão prestigiando este evento.

Assim como já foi dito pela minha Mãe, reitero a honra pela nossa participação (da Família Nascentes) no 10º CONGRESSO NACIONAL DE LINGÜÍSTICA E FILOLOGIA.

Quando fomos convidados pelo Prof. José Pereira da Silva, nos foi solicitada a preparação de algumas palavras que pudessem retratar de uma forma resumida como era na “intimidade” o “NOSSO PAI E NOSSO AVÔ, ANTENOR”, fácil... e difícil... Fácil, pelo prazer em relembrar momentos de tanto carinho. Difícil por ter que conter a emoção por esta homenagem e pela enorme saudade do Avô.

A Família se organizou, recolheu passagens que, de alguma forma, foram marcantes, outras foram retiradas de uma entrevista dele para Pedro Bloch (Revista Manchete nº 632, 30/05/64) e coube a mim a “responsabilidade” de passá-las para vocês. Então vamos lá!

Filho de Dácio e Paulina de Veras Nascentes, nascido no dia 17 de junho de 1886 (carioca da Rua do Catete), casou-se com Salomé Adelaide (tiveram 5 filhos, 10 netos vários bisnetos), morador do Andaraí (Rua Ernesto de Souza, 62 apto. 301). Segundo Pedro Bloch, “os maiores filólogos do mundo, Millardet, Fauché, Américo Castro e tantos outros, antes de visitarem o Pão de Açúcar, correm para a casa modesta do Andaraí.”

O Avô era um homem tolerante, extremamente metódico, não guardava rancor nem sentimentos negativos, gostava de brincar com os netos, como ele mesmo dizia. “Profundamente religioso”, tinha um enorme senso de humor, muito organizado no processo de arquivamento (guardava sua 1ª cartilha, seu 1º caderno “de 1891”, o 1º livro comprado com seu próprio dinheiro “Histórias da Carochinha”, o diploma da escola pública e curiosamente dois tijolos – depois eu conto esta história...), tocava violino e adorava viajar (o Nascentes turista, como a ele se referiu o Prof. Raimundo Barbadinho).

Lia o “Correio da Manhã” desde o primeiro número. Quando viajava, pedia para a Avó guardar os jornais, para serem lidos na sua volta. Recortava as “tirinhas” dos quadrinhos e enviava para os netos lá do Mato Grosso (relembra o neto Araquém).

Gostava de ouvir o programa de rádio “A Voz do Brasil”. Como em um ritual, sempre de olhos fechados e, se possível, com as luzes apagadas.

Todos os dias, tomava coalhada e comia mamão com as sementes (eu ficava perplexo!). Adorava saborear, lentamente e de olhos fechados, melado com farinha e dizia que era como se ele estivesse jantando em Roma ou Paris.

Um dia um neto (não fui Eu não!) retirou de seus arquivos uma carta importantíssima, de um filólogo mundialmente famoso, para transformá-la em uma pipa... Ele, quando soube, limitou-se a soltar uma grande gargalhada.

Dentre uma das maiores emoções de sua vida, guardava a do dia em que depois de um mês de olhos vendados, em virtude de uma operação para corrigir um descolamento de retina, lhe tiraram a venda e ele pode ver novamente. Esta operação foi feita pelo Dr. Abreu Fialho, na sala de visitas lá do apto. 301, “adaptada para a cirurgia”.

Gostava do que era “moderno”, até do avião a jato..., apesar de um acidente aéreo (com vítimas fatais) que sofreu em 1937. De volta de uma de suas viagens internacionais, seu avião caiu no mar, perto de Trinidad e Tobago, saindo da aeronave começou a nadar sem ver nada (tinha perdido seus óculos). Vejam como é a vida. Na ida ele tinha sonhado em passar 10 dias em Trinidad. “Seria tão bom”! – pensou consigo mesmo! – Pois o acidente lhe proporcionou as férias desejadas.

Por falar em suas viagens, bom mesmo era quando ele voltava... Eram festas memoráveis, com toda a família reunida na sala do 301, as narrativas dos acontecimentos marcantes pelo Avô ou pelo Tio Olavo (as vezes ia junto), a distribuição dos presentes trazidos (lembro-me do quimono japonês...). Nunca faltava o caviar, sempre servido com torradas e manteiga..., como esquecer?

Vejam como ele anunciou o nascimento da caçula Therezinha para sua filha Aída (nome dado, certamente, pelo seu culto especial por Verdi). Minha Tia Aída estava brincando quando o Avô se aproximou dela e perguntou: “Você quer uma boneca que fala, anda e vai brincar com você?” E a resposta foi “Quero!”. (isso hoje seria uma sensação, imaginem há “alguns” anos atrás...)

Ele tinha o hábito de trazer balas para minha Mãe. Chegava em casa, sentava na poltrona que existia na sala de jantar, colocava-a no colo e falava assim: “Estão aqui suas balinhas, para minha filhinha obediente, mas que não gosta de estudar”. (estou envergonhado de ter que fazer esta revelação). Nesta mesma poltrona, ele me colocava no colo e me chamava de “Dacinho” pela semelhança de meu rosto com Dácio de Veras Nascentes, seu Pai.

Outra história curiosa aconteceu em um dia, quando meus tios Olavo e Célio eram pequenos e o Avô dando uma ajuda nos deveres de casa deles e de  seus amigos mais próximos perguntou no meio das explicações. “Quantos dentes têm um ser humano?“ Hélio (um dos amigos) respondeu: “220 dentes”, nesse momento ele bradou “nem tubarão!”. Hélio formou-se em medicina (cardiologista).

Um dia sonhou em construir sua casa, acolhedora e modesta. Sua Mãe riu muito dos sonhos do filho imaginoso. (“Casa! Como?”) Uma carroça que passava pela rua deixou cair dois tijolos. Ela mandou que um menino fosse apanhá-los, e ainda achando graça, entregou-os ao seu filho dizendo: “Olhe, dois tijolos para a sua casa.” Ele guardou e, quando construiu sua residência, utilizou os dois tijolos, marcando-os com alcatrão. Depois, a casa foi demolida, os dois tijolos preservados e utilizados no lar definitivo que conseguiu edificar mais tarde.

E neste lar, um prédio de três andares da Rua Ernesto de Sousa, no Andaraí, que tinha seus três apartamentos ocupados pela família. Minha prima Daisy, que morava abaixo do apto dele, vivia subindo e descendo as escadas para o apto deles (que era no 3º andar) e o Avô dizia para ela descer pelo lado “fino” da escada porque pelo lado “grosso” ela cairia. Só de “teimosia” ela descia pelo lado “grosso” e não caia (isso era o máximo!). Ele tinha o hábito de subir esta mesma escada (sabia de cor quantos degraus tinha) e andar pela casa com as luzes apagadas ou com os olhos fechados. Prática adotada pelo medo de ficar cego, em função dos problemas em sua visão.

Quando um dos netos falava uma palavra errada ele dizia, só para implicar... “enrou ou não enrou?” (... e o Luís não entendia nada?!). Ou quando algum neto lhe perguntava o significado de uma palavra diferente ou desconhecida ele dizia: “Vá procurar no dicionário.” E isso era o que se fazia.

O Avô dizia para Ronaldo (filho de Aída) que quando ele conheceu a Avó Salomé, ela era linda e tinha a pele do rosto como a de um pêssego, coberta por uma penugem suave e macia. Que romântico!  Realmente, “Memeca”, como ele carinhosamente a chamava era lindíssima (descendente dos fundadores de Petrópolis). Era uma cozinheira “de mão cheia”. Como deixar de falar de suas tortas de maçã e do mate gelado!?...

Salomé Adelaide Nascentes: Vó, um beijão para a senhora!...

E o inesquecível “vou contar os ovos das galinhas”. Dito sempre que queria “sair de cena”. A origem é a história de uma velhinha que quando se via em uma situação delicada, não querendo ser envolvida dizia que iria ao galinheiro, no fundo do quintal, para “contar os ovos das galinhas”. Desta forma, quando lhe contávamos algo vergonhoso ou caso ele presenciasse algo que não quisesse se envolver, imediatamente usava deste recurso.

A Família de Therezinha morava em Mato Grosso. Quando os netos de lá (Araquém, Ubiratã e Iberê – Eu ainda não era nascido) vinham para o Rio de Janeiro “tomavam de assalto” o território até então ocupado pelos filhos de Aída, os netos daqui (Luís Edmundo, Oswaldo e Ronaldo – eles eram realmente mais fraquinhos...). Causando sempre muita confusão... e o Avô dizia: ”Chegaram as oncinhas de Mato Grosso”.

Sempre que vínhamos para o Rio de Janeiro ficávamos na casa deles. A mesa do escritório do Avô era um mundo de novidades: o mata-borrão, o tinteiro de cristal que tinha uma águia segurando um relógio em seu bico, os lápis com longas pontas e extensões metálicas. Meu irmão mexia em tudo! Aí ele chamava a Avó e pedia: “Memeca, tira o Iberê daqui”. Conclusão, a máquina de costura dela era o próximo brinquedo da lista...

Podemos citar alguns de seus grandes amigos, sem querer cometer injustiça com aqueles que não o forem: Manuel Bandeira (que uma vez escreveu uma verso para minha Avó, em um guardanapo, após um jantar a ele oferecido lá no 301), Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Serafim da Silva Neto, Evanildo Bechara, Antônio Houaiss, Artur Moses, Sousa da Silveira, Raimundo Barbadinho (designado para, no Colégio Pedro ll, organizar e dirigir a Sala Antenor Nascentes), Celso Cunha, Ernesto Faria, Clóvis Monteiro (foi Ministro da Educação e era padrinho de sua filha Therezinha), Pedro Bloch, Leodegário (Presidente da Academia Brasileira de Filologia) aqui ao meu lado e tantos outros.

Muito ainda poderia ser dito, mas acreditamos que este material já traduz um pouco da “intimidade” do “NOSSO PAI E NOSSO AVÔ, ANTENOR”.

Finalizo este pronunciamento reproduzindo uma citação de seu amigo Pedro Bloch sobre certo tipo de pessoa que, certamente, já exerceu alguma influência ou teve participação especial em nossas vidas e por este tipo de pessoa devemos ter carinho e admiração.

Abre aspas: “E, diante de sua figura ilustre, não tive a menor dúvida de que uma das mais belas palavras de todos os idiomas é aquela que traduz o que o senhor, modelo de gente, representa para todos nós: PROFESSOR fecha aspas.

Nossa eterna gratidão aos Professores!

Muito obrigado!