ANTENOR NASCENTES
TESTEMUNHOS
E CONSIDERAÇÕES ETIMOLÓGICAS

João Bortolanza (UEL)

 

Objetivo desta conferência é trazer do Paraná uns depoimentos, testemunhando a presença de Antenor Nascentes neste Estado, dentro de sua característica de viajeiro por este País em busca da verdadeira face do português do Brasil, dos falares, na perspectiva de quem planejou o Atlas Lingüístico do Brasil. Por outro lado, tecer umas considerações sobre seu pioneirismo etimológico que o tornou “o Nascentes do dicionário etimológico”. O nosso homenageado é bem um modelo para ser revisitado: a força das origens, a etimologia do português, a Άρχή greco-latina que nos faz entender a fundo nossa língua, ao mesmo tempo que seu acontecer hoje com suas variantes diatópicas. Sincronia e diacronia andando juntas, como duas faces que não podem se despregar. Uma reflexão, portanto, sobre a necessidade que temos, nós os letrados, de reverter o quadro de desatenção para com as origens, de descaso para o ensino de Latim e matérias correlatas como a Filologia Românica e Portuguesa.

Seja o X CNLF um marco para a Filologia no Brasil, na esteira de nosso precursor, Antenor Nascentes.

Num primeiro momento, detenho-me sobre os testemunhos trazidos do Paraná, de quando por lá andou Antenor Nascentes: Curitiba, em 1965, e Londrina, em 1967.

Num segundo momento, ouviremos Antenor Nascentes “por ele mesmo”, sobretudo para tecer algumas considerações sobre seu que-fazer etimológico.

 

DEPOIMENTOS

Antenor Nascentes esteve em Londrina em 1967, o que podemos ver documentado nas fotos da época, com os professores Joaquim Carvalho da Silva e Nelso Attilio Ubiali, que ainda hoje são docentes da UEL e de quem trago testemunhos.

FOTO 1: Antenor Nascentes entre Nelso Attilio Ubiali
e Joaquim Carvalho da Silva (Londrina /jun. 1967)

Trago também um depoimento por escrito de uma aluna de Letras daquela época e que é docente da UEL: a professora Vanderci Aguilera cumpriu o grande sonho e plano de Nascentes como autora do Atlas Lingüístico do Paraná, publicado em 1995.

O professor NELSO ATTILIO UBIALI, na época recém-vindo de Maringá, acompanhou-o nos contatos com a população local para constatar os usos, a fala de pessoas vindas de várias regiões que para lá acorriam. É professor de Latim na UEL. Autor de Do Latim ao Português sem Dicionário, livro atualmente esgotado. Participou do minicurso “Língua Portuguesa: Ortografia e Estruturalismo” que foi ministrado no período noturno de 20 a 23 de junho de 1967 na então Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Londrina (UEL).

FOTO 2: Prof. Nelso Attilio Ubiali com o prof. Antenor Nascentes
em Londrina / junho de 1967

Conhecera Nascentes em 1965, quando, de 01 a 15 de fevereiro, freqüentou o Curso de Português e Literatura Brasileira para Professores do Ensino Médio – em Curitiba – UFPR, sendo ministrantes: a) Antenor Nascentes: Curso de Português, Gramática e Filologia, no período matutino, que tratou de problemas referentes à língua portuguesa; b) Cândido Jucá (filho): Literatura Brasileira, período vespertino.

-        Lembra-se de uma anedota contada por ele, para caricaturar o ensino de longas listas de coletivos, que os alunos eram obrigados a saber de memória: um gramático resolveu incluir na sua gramática um coletivo esdrúxulo e, pior ainda, sem a consagração do uso. Intrigados, solicitaram-lhe a que correspondia o referido coletivo, e ele mesmo respondeu que não sabia. Estranhando, insistiram, esperando uma resposta mais convincente: “Mas o Senhor não sabe?” E ele: “Não sei e não quero saber”.

-        Dizia que era o único sul-americano convidado na Europa (Alemanha, parece) para tratar de assuntos de Filologia. Como lia em português com desenvoltura textos escritos em alemão, deixando os ouvintes boquiabertos, explicava que “queria mostrar que um descendente de negro era capaz e que o brasileiro não era o que imaginavam muitos”.

-        Ao tratar das variações lingüísticas, traçou um retrato das falas regionais, dizendo que seu sonho era ver o atlas lingüístico do Brasil. Que gostaria que um paranaense fizesse o levantamento da fala do Estado, pelo menos.

-        Tratou da reforma da acentuação gráfica simplificada, dizendo que era um desperdício de tempo, uma complicação absurda na cabeça dos estudantes, como é o caso dos diferenciais paroxítonos. Se a desculpa era os estrangeiros aprenderem português, bem que eles poderiam consultar o dicionário, a gramática, a exemplo do que fazem, por exemplo, os italianos. Demonstrou em números quanto trabalho a mais teriam os datilógrafos, a perda de tempo, o gasto de tinta na edição de livros só para dar conta da reforma.

-        “Chamou-me a atenção a forma como se organizava, dizendo que não usava fichário, mas papel recortado para não fazer tanto volume, e contou como fez sua pesquisa para o dicionário etimológico” (as 40.000 fichas, com recortes em tiras de papel).

-        Dizia que, uma pessoa para progredir teria que respeitar horários rigorosamente. Ele, por exemplo, durante os horários de estudo não atendia ninguém, nem atendia telefone.

-        Quando falavam que alguém o tinha criticado, algum jornal que publicara algo contra ele, não queria saber, não ligava para os críticos, dizia que “não se devia perder tempo com isso”.

-        Quando foi convidado para participar de uma conferência do Ministro da Educação, que fora reitor da UFPR, contava que prestava atenção na sua pronúncia e não naquilo que falava.

Já, em 1967, após o minicurso,

...como eu era procedente de Maringá, fui convidado a visitar Maringá juntamente com o prof. Sebastião Cherubim. Como organizador do encontro, dirigiu a ‘caravana’ o prof. Joaquim Carvalho da Silva. No caminho, aprendemos muita coisa com o ilustre visitante, ‘bom de papo’ como era. Ao passar por uma cidadezinha entre Jandaia do Sul e Apucarana, disse que seu sonho era morar num lugar pequeno e simples como aquele.

Na visita à prefeitura de Maringá, o prefeito, falando das escolas, declarou que a criança de lá, desde o início dos seus estudos, ouvia falar sobre os valores de Maringá. Eu, que havia lecionado na cidade por duas vezes, me lembrei de que talvez o fato tenha como resultado o que todos conheciam: a rivalidade deles com Londrina (até hoje existente).

 

B) O Professor JOAQUIM CARVALHO DA SILVA é Coordenador e Redator do livro 50 Anos de Letras – que está para ser publicado com Anais dos 50 anos de Letras da UEL.

Em mensagem eletrônica de 18.08.06, diz textualmente:

O professor Antenor Nascentes esteve aqui em Londrina nos dias 20, 21, 22 e 23 de junho de 1967, tendo, na ocasião, ministrado um curso de 30 horas, na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Londrina, pela tarde e à noite, sobre Ortografia e Estruturalismo. Tinha ele então 81 anos.

Londrina nasceu como uma cidade promissora, em 1934, e “já em 1950 contava com 75 mil habitantes. Era, portanto, já um grande centro regional, quando Nascentes aqui esteve em 1967. Ficou 8 dias, fazia questão de estar com os alunos, observava sua fala, questionava muito: quando notava algo diferente, anotava”.

Deu entrevista na rádio e na tv.

“Veio de ônibus, não aceitando passagem de avião, apesar de seus 81 anos de idade, porque estava muito interessado em estar com as pessoas, observar sua fala – pesquisar sobre a língua no Brasil”.

Joaquim Carvalho da Silva conta com prazer que o acompanhou por vários dias, ouvindo dele muitos testemunhos de vida. Destaco alguns:

-        “falou muito da vida dele: encarou como um desafio tudo o que fez”;

-        “muito comentou sobre como era discriminado por ser descendente de negro”;

-        “declarou que se sentiu honrado com o convite da Academia em 1922-23 para fazer o Dicionário, na época já era professor do Colégio D. Pedro II”;

-        “contou que, depois de três tentativas para o grupo trabalhar no projeto, preferiu trabalhar sozinho, abandonando o grupo constituído para a elaboração do dicionário” – o que o próprio Antenor relata na Introdução ao Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.

-        Contou em detalhes como começou o dicionário, como preencheu 2 cadernos, como colava tiras para acrescer novas informações... o que também consta na referida introdução.

-        “Quando saiu a 1a. e única edição do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, com prefácio de Meyer-Lübke, passou a ser admirado e elogiado – sentiu que tinha vencido um grande desafio”.

-        “Era severo com os alunos. Na Universidade do Brasil fizeram greve para tirá-lo: exigiu banca para debate público e foi aprovado”.

-        “Proibiu fazer a 2a. edição do dicionário: questionado sobre isso, não quis responder”.

-        “Várias vezes se referiu às muitas críticas que sofreu, como bom filólogo”.

-        “Contou que com a venda do dicionário viajou por quase toda a Europa (entre os países, a Noruega o impressionou)”.

Após o minicurso, percorreu a região de Cornélio Procópio a Maringá, para verificar in loco os usos e costumes, a “fraseologia”, a pronúncia, os falares regionais, na pesquisa sobre a língua no Brasil.

Em Cornélio Procópio, ficou 4 ou 5 dias, ciceroneado por ex-alunos, com quem mantinha contato. Fazendo parte do Norte velho, é uma cidade mais estruturada e, portanto, com uma linguagem mais definida.

Maringá (1947), que ele já conhecia de fama, tinha então apenas 19 anos, fora criada para ser centro de colonização da região, para concorrer com Curitiba, para lá acorriam, sobretudo, paulistas e mineiros, era uma cidade que prometia, tinha muito movimento. Interessava-lhe essa linguagem mais misturada e ficou por lá 4 dias. Lá lecionara o professor Nelso Attilio Ubiali. Tinha também muitos conhecidos, entre eles o Prefeito da cidade.

Estava principalmente interessado em visitar Açaí, perto de Londrina, para conhecer de perto a colônia japonesa: aí há um templo de Buda, além dum centro japonês.

 

C) No livro 50 Anos de Letras, será incluída a “SAUDAÇÃO AO PROFESSOR ANTENOR NASCENTES – [junho] 1967, proferida pelo Prof. Elmar Joenck, que vale ser lembrada:

No famoso Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, o Autor... Antenor Nascentes, foi buscar no paranaense Rosani Farani Mansur Guérios uma interpretação, pouco etimológica, mas bem atual para a significação de ANTENOR e que seria a seguinte: “HOMEM DE VANGUARDA”, Grego: Anténore; Latim: Antenore; Português: Antenor; Brasileiro: Nascentes...

Nascentes, nascentes vanguardeiro, ANTENOR... Nos estudos das fontes, das nascentes do nosso idioma, até os Guimarães Rosas mais arrojados nos sistemas, normas e discursos... de hoje, sois o nosso Antenor Nascentes.

E hoje, mais uma vez convocado pelo Paraná, pelo Norte-roteiro, das terras arroteadas, mandastes o recado:

“Eu venho, eu vou, Londrina do Café a Capital Mundial, se Deus quiser, ali estou”. Falou no presente, significando futuro. Veio mesmo, aqui está o jovem, o velhinho simpático, conhecendo a moça. Dois amores a essa Clã e a seus destinos – contai-nos depois, prezado mestre! Eu sei, o senhor não quer ouvir discursos... acadêmicos. Mas, professor, os Acadêmicos querem ouvir o seu discurso (dele!...), conversinha brasileira, ao pé do fogo lingüístico, no meio dos cafezais. E não se esqueça de levar daqui, para a rua Ernesto de Souza, no Andaraí, o café da nossa amizade, o café para Dona Salomé, e seu Antenor...

“Acho a gíria muito expressiva, de modo que não a condeno. Naturalmente, há ocasiões em que ela não deve ser empregada. Aí, é outro caso”. O senhor que disse isso na revista “Manchete”, o senhor que conhece a Europa inteira, desde o norte da Noruega até a ilha de Creta, na Grécia: o senhor que fez 11 viagens à Europa, que conhece o mundo inteirinho... o senhor me desculpe se assim lhe falo mais “giriescamente” trocando e destratando os pronomes. Fui escalado pelo Morengueira, sambista famoso pelas suas invenções verbais e pela irreverência, tipo acabado do bom malandro carioca, seu interlocutor nos “Diálogos Impossíveis” da mencionada revista. É o caso de querer ser expressivo, vivo... O senhor que é fã do Garrincha e não detesta os “cabeludos” bons, o senhor acha que “a Arte não tem pátria. Se a música é boa e bonita, não tem importância ser estrangeira.” Pois é... se a conversa for boa, não tem importância ser estrangeira...

Prezados colegas e ouvintes, o Mestre que hoje nos honra com a sua presença, só vê televisão quando apresenta um fato importante, e no momento essencial, porque um defeito da retina direita não permite demorar-se mais.

FOFOCA, FOFOCA. “Aquele efe-efe, repetido assim, sugere o que é uma fofoca. Fofoca, fofocar, fofoqueiro, têm uma expressividade extraordinária, e talvez seja uma gíria que fique”. Quem o diz é sempre ele (...), no já citado “Diálogo Impossível”, quando perguntado sobre qual é a palavra mais bonita da gíria que já encontrou? – FO-FO-CA!!!

Professor, colega que nos leva uma vantagem encanecida de 50 e mais anos de vivências e estudos – a minha conversa, já viu, não é para o senhor. É aqui para nós, prezados Colegas, Alunos-mestres e Mestres-alunos.

Senhoras, senhoritas, senhores... O senhor não...

Temos entre nós uma das mais expressivas figuras, a pessoa influente e veneranda da Filologia Portuguesa dos nossos dias, o fá da linguagem oral, do falar afetivo e humano da língua viva, o fã da linguagem oral, do falar afetivo e humano da língua viva, da gíria brasileira. Isso desde que ele, em 1927, publicou na coleção “Enciclopédia Didática Brasileira” os seus 5 volumes intitulados “O Idioma Nacional”, cujos estudos fonéticos já competiam e coincidiam, naquele tempo, com as mais avançadas pesquisas de estudiosos estrangeiros. Introdutor na Escola Secundária brasileira da língua materna em seus aspectos orais, foi dos que batalharam pela padronização duma pronúncia oficial (ou oficiosa...), sem condenarem-se, no entanto, os coloridos dialetais e mesmo caipiras, deste imenso Brasil. Haja vista suas obras “a Gíria Brasileira”, “O Linguajar Carioca” e esta, aliás, este “Tesouro da Fraseologia Brasileira”./ (O Orador mostrando o volume).

Os estudos da Gramática Histórica, empreendidos pela pessoa de quem hoje nos honra com sua presença e (logo mais...) com suas palavras – foram estudos baseados em sólidas e científicas teorias fonéticas. Daí os termos que estudar não em termos rústicos, nem góticos, mas críticos, fonéticos, em suma, “donáticos” [sic].

Com seu já citado Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, (gostaríamos que o Mestre nos informasse, depois, sobre a próxima edição!) o Professor Antenor Nascentes se projetou internacionalmente, tendo sido o primeiro filólogo brasileiro a ser conhecido e citado no cenário internacional da “ciência” ou estudo científico-histórico e comparado da língua, numa concepção diacrônica da Lingüística Histórica interna, incluindo Gramática, Etimologia, Semântica, etc, estudo ainda auxiliado pela Literatura e Estilística através de documentos escritos, para que se atinja a civilização do povo que FALA a língua”, no caso, a NÃO última nem menos bela flor do Lácio...

Este Dicionário Etimológico, em dois volumes (orador os mostra)” é uma obra em que predominam a probidade e a segurança de informações, obtidas por uma cuidadosa e criteriosa consulta às fontes de que podia dispor. Para professor de língua portuguesa tem sido um utilíssimo instrumento de trabalho, mesmo nos casos em que as informações já foram ultrapassadas por pesquisas posteriores no âmbito da etimologia românica”.

Tendo, pois, colocado a Filologia Portuguesa, no quadro geral das línguas neolatinas, dentro de uma perspectiva nova, imensa, incalculável mesmo, tem sido a influência e a contribuição direta e indireta do professor Antenor Nascentes na perene e nem sempre inútil polêmica dos puristas convencionais, às vezes míopes, e, freqüentemente, contrários aos laços emocionais entre a língua e a vida, preconizados por Bally.

Bally... bali... bali... Ovelha que, mal nascendo, mal nascendo vou... Antenor, NASCENTES! “Cesse tudo quanto o incipiente professorzinho adianta; que outro maior e bem mais abalizado se alevanta!”

 

D) Professora VANDERCI DE ANDRADE AGUILERA

Na vinda do prof. Nascentes, era aluna do curso de Letras. Realizou o grande sonho dele, o Atlas Lingüístico do Paraná, concluído em 1994, como tese de doutoramento, sendo publicado em 1995. É docente da UEL.

Depoimento:

“O que representa Antenor Nascentes para a Dialetologia e para a Geolingüística no Brasil?”

Todo dialetólogo do Brasil, no mínimo, responderia: Nascentes é um dos pilares dos estudos dialetais no país. Em primeiro lugar, porque a sua preocupação com os falares brasileiros não começou em 1958, quando publicou o Bases para a elaboração do atlas do Brasil, mas desde muito cedo, já aos 36 anos, quando publicou O linguajar carioca, incluiu uma proposta de divisão dialetal inédita que, decorridos mais de oitenta anos, aí está como parâmetro para outras propostas. Trata-se da primeira e única no assunto, elaborada a partir de seus estudos in loco, suas constantes viagens, como ele próprio afirmara, do Oiapoque ao Chuí, ouvindo atentamente a fala popular, registrando, discutindo, propondo e reelaborando a sua tese.

Em segundo lugar, juntamente com Silva Neto, foi quem melhor explicitou os procedimentos metodológicos rumo às pesquisas dialetais, pregando a necessidade de um atlas nacional, com uma coordenação centralizada para que a coleta e os resultados fossem homogêneos. Diante da impossibilidade de a comunidade científica, na época, executar tarefa de tal abrangência, orientou para a execução de atlas regionais, mas que estivessem todos fundamentados nos mesmos princípios metodológicos.

Assim, sob as diretrizes estabelecidas no opúsculo de 1958 e complementadas no segundo volume do Bases para a elaboração do atlas do Brasil, começam a nascer os atlas lingüísticos: primeiramente na Bahia, em 1963; depois Minas Gerais, em 1977; em seguida Paraíba, em 1984; Sergipe, em 1987; e, finalmente, fechando o século XX, no Paraná, em 1994.

Mas os geolingüistas que vinham, há muitos anos, alimentando a idéia de um atlas nacional, não poderiam deixar que se fechasse o século, sem concretizar tal proposta. Assim, a Universidade Federal da Bahia, em 1996, reúne pesquisadores de todo o país e, com a Carta de Salvador, lança o projeto do Atlas Lingüístico do Brasil, dando início à realização do sonho de Nascentes e de Silva Neto, embora com um atraso de quase quarenta anos.

Voltando aos atlas estaduais, começa o século XXI com o Atlas da Região Sul, seguido do Atlas Sonoro do Pará e o Atlas do Amazonas, além do segundo volume de Sergipe, além de tantos outros em andamento, sob a forma de dissertações, teses e projetos de pesquisa institucionais, como o Atlas do Maranhão, do Mato Grosso do Sul, do Espírito Santo, de Rondônia, do Rio Grande do Norte, do segundo volume do Paraná, das várias regiões do Rio de Janeiro. Entre esses de maior abrangência, surgem outros que abarcam pequenas regiões, ou municípios: Londrina, Ortigueira e Adrianópolis, no Paraná; Florianópolis, em Santa Catarina; cidades do litoral paulista, a Ilha de Marajó, num ritmo sempre crescente, talvez até como jamais Nascentes imaginasse.

Todos esses, sem exceção, e para isto basta verificar as referências bibliográficas de cada um, têm como sustentação maior os pressupostos de Nascentes, seja na elaboração do Questionário, no traçado do perfil dos informantes, na definição da rede de pontos.

Sobre o Questionário a ser adotado propõe mais de dois mil conceitos a serem investigados nos vários campos semânticos. Quanto aos informantes, reitera as recomendações da dialetologia européia, sobretudo a francesa. A rede de pontos, sugerida no início da segunda metade do século XX, quando as regiões Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil ainda estavam pouco povoadas, e nosso país era essencialmente rural, sempre serviu de norte a todos os estudos geolingüísticos que se desenvolveram nos últimos 40 anos.

Para citar apenas três exemplos: (i) a rede de pontos do Atlas Lingüístico do Paraná, de minha autoria, contemplou os vinte e quatro municípios recomendados por Nascentes, aos quais acrescentei mais 41, uma vez que o povoamento desse estado apresentava outra configuração relativamente à época da publicação das Bases (1958 e 1961) e o início da pesquisa paranaense (1987); (ii) o Atlas Lingüístico do Maranhão – ALiMA – acatou 10 dos 19 pontos de Nascentes; e (iii) o ALiB, dos 250 pontos estabelecidos, muitos são sugestões de Nascentes.

Esses são alguns dos motivos pelos quais posso afirmar, com segurança, que na figura e no trabalho de Nascentes está o foco irradiador do sucesso da Geolingüística no Brasil.

 

CONSIDERAÇÕES ETIMOLÓGICAS

Nada melhor que ouvir o próprio Antenor Nascentes, “por ele mesmo”.

A) Primeiramente, na sua Introdução do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (Nascentes, 1932), “Porque fiz este dicionário”, começa contando a história desse dicionário, dizendo que fazia tempo que o Dicionário Manual Etimológico de Adolfo Coelho (de 1890) se tornou raro

...com todos os seus defeitos e lacunas ainda a melhor obra de conjunto sobre a etimologia dos vocábulos portugueses.

Fazia sentir-se a necessidade de uma obra deste gênero, a qual estivesse em dia com as últimas aquisições da ciência.

[...] Em 1920 resolvi então reunir um grupo de colegas a fim de se fazer uma revisão do Dicionário de Adolfo Coelho, acrescentando os vocábulos esquecidos por este lexicólogo e os neologismos.

As divergências, as questiúnculas, tão comuns aos temperamentos de gente de civilização latina, impediram o tentâmen. [...] Enfim, foi tal a desharmonia que nunca mais lhes falei no assunto e decidi empreender sozinho [...] a ingente tarefa de fazer um dicionário etimológico.

Tarefa ingente, na verdade!

Nunca pensei que fosse tão árdua. Quantas vezes desanimei, quantas vezes tive de estimular minha vontade, meu amor próprio! Trabalho intelectual enorme, mas que menos me cansou do que o trabalho material. E depois de todo este esforço, ter a certeza de qualquer criticóide da undécima hora é capaz de após uma leitura de vinte minutos tentar desfazer uma obra de vinte anos!

Haverá quem diga que o trabalho não é original, que é mera obra de compilação, de cópia, do que enfim quiserem. [...] (p. IX)

Pode-se ver, pela bibliografia apresentada após a introdução, que consultou muitas obras para poder dar conta desta “tarefa ingente, tão árdua”, não por acaso obra de 20 anos. No Tomo II, em que traz os nomes próprios, publicado em 1952, a bibliografia ocupa quase 15 páginas.

Em seguida vem um subtítulo “Como fiz o dicionário” em que começa contando como, em 1911, não podendo comprar o Dicionário de Adolfo Coelho,

Resolvi fazer um pequeno dicionário etimológico para meu uso próprio.

Tomei do Dicionário da Língua Portuguesa de Levindo de Castro Lafayette e passei para DOIS CADERNINHOS as palavras primitivas. Em seguida, escrevi ao lado as etimologias que conhecia e com o tempo ia preenchendo as lacunas.

Dentro em pouco verifiquei a dificuldade de fazer aditamentos e passei o conteúdo dos cadernos para TIRAS DE PAPEL, escritas de um lado só. Era mais prático, pois assim poderia no verso fazer os acréscimos.

Este trabalho se achava pronto quase em 1920, quando tentei organizar o grupo a que já me referi. Acabei-o a 11 de fevereiro de 1924

O sistema apresentava ainda defeitos, de modo que passei para FICHAS o conteúdo das tiras.

Para melhor estudo, grupei os vocábulos por origem e, para juntá-los em ordem alfabética, recorri aos préstimos de um grupo de alunos meus a quem nestas linhas deixo a expressão do meu agradecimento. [...]As fichas montaram a 40.000.

[...] ultimei o estudo delas e comecei a desenvolvê-las para impressão [e em 17 de dezembro de 1931, entregou-as à editora].

[...] As 40.000 fichas deram 2.556 TIRAS DE PAPEL ALMAÇO.

Pediu sugestões, diz ele, entre outros, a Mário Barreto, Manuel Bandeira, Sousa da Silveira, Clóvis Monteiro, Ernesto Faria e José Oiticica.

Segue-se outro subtítulo, “A etimologia”. Nesse, vale a pena observar que estão traçadas as árduas etapas de quem quer ocupar-se com estudos etimológicos, devendo o filólogo evitar, como diz, “aproximações arbitrárias, analogias superficiais e combinações aventuradas”:

Desde a mais alta Antigüidade o homem foi sempre tentado pelo que Grimm chamou “o demônio da etimologia. [Estaria hoje voltando esse demônio tentador?!]

Se há coisa que em todos os tempos tenha aguçado a curiosidade humana, diz J.J.Nunes, em suas Digressões Lexicológicas, pg. 79, é a etimologia. Hoje, como ontem, cultos e ignorantes, principalmente os que pela sua originalidade de forma, mais ferem a atenção; todos pretendem, por assim dizer, adivinhar o sentido que na sua origem tiveram.

Antes de atingir o grau de precisão que hoje manifesta a etimologia, conforme observa Brachet, atravessou um longo período de infância, de apalpadelas e de esforços incertos, durante o qual aproximações arbitrárias, analogias superficiais e combinações aventuradas constituíam pouco mais ou menos todo o seu cabedal.

Dificilmente, continua o mesmo autor, se pode fazer idéia do arbitrário que presidiu a esta pesquisa etimológica, enquanto ela consistiu simplesmente em aproximar ao acaso palavras por sua semelhança e sem outra prova senão a conformidade aparente.

Fala Nascentes do Crátilo de Platão, do De lingua latina de Varrão e do Institutio oratoria de Quintiliano. E acrescenta:

As pesquisas faziam-se aproximando palavras que apresentavam semelhanças e ministrando-se as mais fantasiosas explicações de ordem semântica.

Tal era ainda o processo empregado por Ménage no século XVII.

Não admira, pois, que a etimologia tivesse caído no ridículo.

É célebre o epigrama do cavalheiro de Aceilly sobre a origem de Alfana:

Alfana vient d’equus sans doute,
Mais il faut convenir aussi
Qu’à venir de là jusqu’ici,
Il a bien changé sur la route.

A etimologia de cadaver como proveniente das primeiras sílabas das palavras caro (carne), data (dada) e vermibus (aos vermes) não é menos digna de risota.

Por isso que dizia Voltaire que a etimologia era uma ciência em que as vogais nada valiam e as consoantes muito pouca coisa.

Foi só com o advento da lingüística no século XIX que a etimologia passou a ter base científica.

O método histórico-comparativo, estudando os vocábulos na língua mãe e nas línguas irmãs, examinando-lhes as transformações de sentido, conseguiu estabelecer em sólidas bases as verdadeiras origens.

Reconheceu-se, porém, que as TENDÊNCIAS FONÉTICAS nem sempre se exerceram com toda a regularidade; a ANALOGIA, a ETIMOLOGIA POPULAR e outras CAUSAS DE ORIGEM PSICOLÓGICA entravavam freqüentemente a ação delas, o que levou o etimólogo A. Thomas a dizer que às vezes sentia ímpetos de raiva contra as devastações da analogia. [grifos meus]

[...] Varrão definiu a etimologia em poucas palavras: Cur et unde sint verba Graeci vocant etymologian.

Conhecer uma palavra, diz Court de Gébelin em seu Monde Primitif, é conhecer as causas que fizeram atribuir o sentido de que se reveste, a língua donde é originária, a família a que pertence, as alterações que experimentou. [...]

[...] A etimologia dá a cada palavra, diz ainda Court de Gébelin, uma energia espantosa, pois que a torna viva pintura da coisa que designa. Não é senão a ignorância em que estamos, da origem de uma palavra, que faz com que não percebamos relação alguma entre ela e o objeto e ela nos pareça, por conseqüência, fria, indiferente, exercendo só a nossa memória. Levando-nos à origem das palavras e colocando-nos no estado primitivo em que se achavam os criadores delas, a etimologia torna-se uma descrição viva das coisas designadas por estas palavras. Vê-se que umas foram feitas para outras e que melhor não se poderia escolher. Nosso espírito apanha estas correlações, a razão as aprova e sem dificuldade retemos palavras que eram um peso acabrunhador quando nos ocupávamos maquinalmente com elas.

La science qui a pour objet d’étudier le vocabularaire s’appelle l’étymologie, diz Vendryes, Le Langage, 206. Elle consiste à prendre un à un tous les mots du dictionnaire et à fournir en quelque sort leur état civil en indiquant d’où ils viennent, quand et comme ils ont été formés et par quelles vicissitudes ils ont passé.[...]

Reporta-se às regras práticas de Ribeiro de Vasconcelos, em sua Gramática Histórica, que serve de guia para quem quiser dedicar-se a estudos etimológicos:

1.     – Procurar nos antigos documentos da língua a palavra cuja origem se indaga, buscando a forma e a significação mais antigas com que aparece;

2.     – Aceita a hipótese de uma origem latina, submete-se o étimo às leis fonéticas, a ver se elas explicam a transição para o português;

3.     – É indispensável comparar o vocábulo português com as correspondentes das outras línguas românicas, vendo a sua evolução e diferenciação, se forem formas provenientes do mesmo vocábulo latino;

4.     – No caso de conveniência de forma entre a palavra portuguesa e a latina, como contraprova é preciso ver se também há conveniência de significação; havendo divergência, indagar-se-á se é explicável a passagem de uma a outra significação; não sendo possível explicar, rejeitar-se-á a hipótese;

5.     – Assentada a hipótese de origem estrangeira, não basta encontrar vocábulo semelhante na forma e na significação ; é indispensável explicar historicamente como e quando pôde vir para cá ;

6.     – Apurado este ponto, é ainda necessário sujeitar a palavras às transformações fonéticas próprias da nossa língua. [ grifos meus]

Em seguida fala da constituição do léxico português, destacando estatisticamente o percentual de elementos latinos (80%) e gregos (16%) a partir do

...dicionário de Cândido de Figueiredo – tirando os arcaísmos, os provincianismos, os vocábulos exóticos que só têm curso no Brasil (10.000), na África, na Ásia e na Oceania, os 140.000 se reduzirão a 100.000:

1. Elementos de línguas européias ........... 2083

2. Elementos de línguas asiáticas ............... 949

3. Elementos de línguas africanas................. 47

4. Elementos de línguas americanas............ 102

5. Elementos de línguas oceânicas ............... 37

6. Elementos do grego antigo.................. 16079

7. Elementos latinos............................... 80703

B) Outro “Antenor por ele mesmo” pode ser lido com muito proveito no artigo que publicou no Correio da Manhã de 20/nov/1935, com o título de “Instituto de Filologia”, porquanto hoje como então vivemos a precariedade dessa área:

Em boa hora nos vem a notícia da fundação, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, de um Instituto de Filologia, graças aos esforços do dr. Rebelo Gonçalves, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, atualmente contratado para ensinar filologia portuguesa em nosso país. [...]

Pois o Instituto de Filologia vem satisfazer essas necessidades em relação aos estudiosos de línguas e literaturas.

Acolherá em seu seio os candidatos ao doutoramento, os quais antes de defender as suas teses farão lá um longo e proveitoso estágio, sob direção competente e não mais, como hoje, se prepararão sozinhos, sem uma douta e experiente orientação.

Receberá também os diplomados que quiserem continuar seus estudos no meio onde formaram o espírito.

[...] Para a consecução de seus fins o Instituto vai ser aparelhado de todos os meios convenientes.

Assim organizar-se-á uma biblioteca [...] Terá também um arquivo em que se guarde o resultado de todas essas pesquisas.

[...] Como se vê, é larga a esfera de ação que se propõe o Instituto de Filologia de S.Paulo.

Oxalá realize os seus desiderata.

Nós, do Rio e de outros pontos do Brasil, que temos podido fazer até agora?

Muito pouco, mas não por nossa culpa.

E esse pouco que temos feito, tem sido conseguido à custa de muito esforço e esforço individual.{grifo meu}. Somos uns auto-didatas. Não dispomos de boas bibliotecas [...]

C) Outra obra pioneira no Brasil foi o seu Estudos Filológicos, publicado em 1939. Dela extraí a “Lição inaugural da cadeira proferida na Universidade do Distrito Federal em 19 de julho de 1937” (Nascentes, 1939: 71), para mais uma vez ouvirmos “Antenor por ele mesmo”:

Uma Faculdade de Letras onde se estudam o português e o francês ao lado do latim, não se poderia compreender sem o cultivo da filologia românica.

A mesma necessidade que sente o latinista, de conhecer as várias línguas indo-européias, irmãs do latim, experimenta o estudioso do português e do francês, em relação ao conhecimento das demais línguas românicas.

Filhas do mesmo tronco, estas línguas se ajudam mutuamente na elucidação de seus problemas particulares, esclarecendo os casos difíceis e os duvidosos.

Umas vezes trata-se de uma questão de fonética: o h de hediondo, por exemplo, o ch de chapéu, o pi de piano.

A filologia românica revela a origem destes vocábulos, indicando apenas o tratamento recebido pelo f inicial espanhol, pelo c francês diante de a, pelo pl italiano.

Outras vezes trata-se de uma etimologia e o subsídio românico se torna indispensável.

Assim, por exemplo, achar no sudoeste da Europa, vai encontrar no oriente, passando pelo francês trouver e pelo italiano trovare, pelo provençal trobar e pelo latino sobresselvano truva, vai encontrar o sue paralelo no romeno aflá.

A dificuldade da explicação da origem do advérbio ontem proveio da dissemelhança das formas românicas. A do advérbio ainda se agrava com a variedade apresentada pelas línguas irmãs do português.

A filologia portuguesa, como as demais, não pode, ao lado do processo histórico, dispensar o da comparação.

A filologia latina, sem a românica, deixa de possuir o complemento natural.

Depois de subir às fontes da língua do Lácio, estudando o indo-europeu através das línguas pertencentes à família, o latinista deve descer às línguas que o latim originou. Muitos problemas que antes lhe pareceriam obscuros, resolvem-se assim com mais facilidade.[...]

 

D) Na Introdução do Dicionário Etimológico ainda diz:

[...] Muitas vezes, na pesquisa da etimologia de uma palavra, o elemento preponderante é um dado histórico ; sem ele, toda explicação é falha. Quantas palavras ficam sem a verdadeira explicação etimológica, por falta deles? Nada se deve desprezar, nem sequer uma singela anedota. O caso se dá com as etimologias de algumas palavras, como CHIQUE, DOMINÓ, FIASCO, LARÁPIO, etc.

Vejamos o que se encontra em seu Dicionário a respeito dessas palavras, comparando com o que dizem os dicionaristas mais recentes.

CHIQUE – Do fr. chic, a que se tem atribuído as mais fantasiosas etimologias. Clédat supõe uma abreviatura de chicane, chicana; a princípio teria significado fineza de chicana, depois elegância. Larousse, ao lado dessa, cita o al. Schick, aptidão, abreviação de Geschick. Segundo outros, viria o vocábulo do nome de um rapaz pobre, filho de um hortelão e discípulo do célebre pintor David. Os trabalhos de Chic agradavam sempre ao pintor, de modo que, depois da morte do artista, o artista aludia sempre a ele quando via um trabalho bom ou mau: Isto me faz lembrar Chic. Chic não faria uma coisa destas. Assim, os discípulos de David se acostumaram a dizer quando viam um trabalho: É chic. Não é chic.

Aurélio simplesmente registra: do fr. chic. Já A.G. Cunha registra: De origem obscura. Houaiss: fr. chic (1793) ‘ar desembaraçado, desembaraço’, (1823) sutileza, finura, (1835) elegância (de uma coisa), de orig. contrv.; talvez, p. ext. de sentido de chic ‘facilidade de pintar quadros de efeito’, no jargão de pintores, regr. de chiquer, ‘bater, desenhar com traços largos’, ou, hipótese mais provável, emprt. do al. Schick, regr. do v. geschick., ‘enviar, fazer chegar’, p. ext. ‘preparar com cuidado, com esmero’, donde ‘modo, maneira , aquilo que convém’, doc. a Suíça alemã no sentido de ‘conveniência, habilidade, saber fazer (savoir-faire), acp. introduzida em Paris prov. dos alsacianos; observe-se que, atualmente, o al. usa o vocábulo Schick na acp. (1850-1860) ‘elegância’, tomado de emprt ao fr.; fr. hist. 1871 chic; 1873 chique.

CHIC (Le Petit Robert): 1793 ; chique 1803 ; all. Schick “façon, manière qui convient”, de schicken “arranger”. Quanto ao significado: Facilité de peindre des tableaux à effet.

DOMINÓ: Do lat. domino, Senhor, através do fr. (veja-se a acentuação). Significou a princípio uma capa de inverno, usada pelos eclesiásticos e dotada de um capuz. Segundo Littré, o jogo foi assim chamado porque cada pedra tem por baixo um revestimento negro. Há uma versão anedótica sobre a origem do jogo. Um dia num dos conventos do Monte Cassino foram enclausurados numa cela de penitência dois frades culposos. Para matar o tempo, cortaram em quadrilátero pequenas pedras brancas nas quais gravaram pontos pretos em número variado. Em seguida começaram a dispor as pedras de maneira que formassem diferentes combinações. E tão agradável se lhes tornou essa distração que, uma vez cumprida a pena, a comunicaram aos demais frades da comunidade, os quais se apaixonaram logo pelo novo jogo. O jogador que colocava todas as suas pedras primeiro que os outros, manifestava sua satisfação (como é de praxe entre religiosos no fim de qualquer trabalho), exclamando Benedicamus Domino! E assim a palavra Domino, proferida no fim de cada partida, acabou por designar o jogo. Se non è vero... [è bene trovato – ditado italiano].

Houaiss “De or. incerta, poss. Relacionado ao ablat. de dominus, ‘mestre, senhor’, extraído de uma fórmula de oração tal benedicamus domino,’bendigamos ao Senhor’”

A.G.Cunha: do fr. domino ‘orig. túnica com capuz que os padres usavam no inverno’, abrev. da expr. lat. benedicamus Domino, ‘bendigamos ao Senhor’ (Idem Aurélio, começando com “de or. incerta”).

FIASCO – Do it. fiasco, frasco (A. Coelho, Nunes). [...] Numa revista, apareceu a seguinte historieta: Biancoletti, célebre ator italiano...” Ele tinha por costume servir-se de um objeto para fazer suas pilhérias durante o longo monólogo duma peça que vivia representando. Um dia usou uma garrafa (fiasco). Não conseguindo agradar ao público, jogou-a ao chão e “desta vez o público riu... mas de troça”. Desde então, quando qualquer ator não agradava, dizia-se: – Temos fiasco!”

Houaiss também registra essa origem, dizendo que vem do it. far fiasco: “a expressão far fiasco é atribuída ao que ocorreu ao arlequim bolonhês D. Biancolelli (a1681) que, tendo fracassado em sua apresentação no dia em que levou para o palco um frasco, colocou nele a culpa pelo insucesso.”

A.G. Cunha e Aurélio: do it. fiasco “êxito desfavorável, ridículo, vexatório.”

LARÁPIO – Houve em Roma um pretor que dava sentenças favoráveis a quem melhor pagava. Chamava-se ele Lucius Antonius Rufus Appius. Sua rubrica era L.A. R. APPIUS. Daí chamar-lhe o povo larappius, nome que ficou sinônimo de gatuno (Artur Rezende, Frases e Curiosidades Latinas, 643) Se non è vero...

Houaiss atribui a Antenor Nascentes a história e critica-o por tal etimologia fantasiosa. Esqueceu-se de ler a fonte citada por Nascentes, além de não atentar para a ironia do provérbio italiano: Se non è vero...[ è bene trovato], isto é, “se não é verdade, é um belo achado”.

Aurélio e A.G. Cunha apenas atestam: “de origem obscura”.

BUSÍLIS: João Ribeiro, Frases Feitas, I, 189, refere a anedota de um estudante de latim que, ao ter de traduzir o membro da frase In diebus illis, tomando as partes, como era de costume, verteu: In die (Indiae, as Índias) e chegando a bus illi,, embatucou. Zambaldi, Vocabolario Etimològico Italiano (....), conta o caso de modo um pouco diferente. Atribui a um clérigo ignorante que encontrou no fim da última linha de uma página do Breviário In die e no começo da seguinte bus illis.

Houaiss, embora diga tratar-se “de origem obscura”, significando “dificuldade, ponto difícil”, refere-se ao 1o. caso, diz que a anedota se encontra desde o século XII. Aurélio: “da frase latina (In die) bus illis, ‘naqueles dias’; com silabas erroneamente separadas, poss.”. A.G. Cunha: Provavelmente do it. busilli(s), deriv. da frase latina In diebus illis ‘naqueles dias’, mal entendida por alguém que, separando in die, perguntou o que significava bus illis.

Concluindo, podemos dizer que Antenor Nascentes é importante modelo a ser seguido, seja na Geolingüística como na Filologia. A homenagem que hoje lhe prestamos neste X Congresso Nacional de Lingüística e Filologia é mais do que merecida, uma vez que foi ele o primeiro a redigir um dicionário etimológico no Brasil e o responsável pelo hoje avançado projeto do Atlas Lingüístico do Brasil. Fica uma lição: está na hora de as Faculdades de Letras de nosso País voltarem a valorizar o estudo do Latim, sem o que ficam inviabilizadas as pesquisas de cunho etimológico, já que o português é o Latim aqui trazido e imposto pelos colonizadores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NASCENTES, Antenor. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Com Pefácio de W. Meyer-Lübke. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1932.

––––––. Estudos filológicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1939.