O português brasileiro
contribuições da cultura regional
para as aulas de filologia românica
no curso de letras
da Universidade Federal de Tocantins

Adriano Batista Castorino (UFT)

 

Aspectos gerais

O ensino de língua portuguesa, comumente, ignora o estudo de gramática histórica. Nos níveis fundamental e médio, o professor se atém mais ao que considera uma gramática contextualizada. O estudo da oralidade é quase sempre deixado de lado. Nos cursos de formação de professor, os alunos encaram o estudo de filologia e lingüística histórica como a parte difícil do curso. A leitura de alguns autores é ignorada.

Em face disso, o ensino de língua portuguesa acaba perdendo um campo importante de investigação: a língua oral. As transformações históricas de uma língua não acontecem da noite para o dia, e nem são executadas em gabinetes. Ocorrem, principalmente, na interação entre os falantes. Por isso, a pesquisa lingüística, conforme BAGNO (2004), é um elemento primordial na formação do profissional de letras. Todavia, os desafios de como fazer e de como integrar os alunos de ensino básico nesse processo são grandes. A começar, como diz CASTILHO (2000), pela estrutura do ensino que visa, sobretudo, a recepção mecânica de conteúdos. Um olhar sobre a língua falada demonstra que o grau de entrosamento dos falantes garante peculiaridades comunicativas que a norma prescritiva não consegue explicar. Daí ser mais cômodo para a escola a instrumentalização do ensino que a fomentação da pesquisa. Na Gramática do Português Falado Neves (1999), a proposta de encarar o desafio de um ensino mais discursivo e por isso mesmo mais significativo, foi desenvolvida magistralmente. Além de ser uma gramática mais pertinente, pois leva em conta o falante, discute os fenômenos da língua com um olhar voltado para a atuação da fala no processo de construção do sentido bem como no processo de variação e mudança.

Diante disso, é possível, então, ensinar língua portuguesa tendo em vista a produção de sentido construída na interação oral. Exatamente aqui acontece um problema: a formação do profissional de letras quase não é contemplada com um estudo da variedade falada da língua. Esse problema pode ser minimizado de diversas formas, uma delas poderia ser feita no estudo de filologia. Um grupo de falantes, sobretudo se for de uma comunidade rural, terá como regra algumas variações. Por exemplo: os vocábulos MALMITA e MARVADO. Palavras comuns aos falantes de língua portuguesa que estão nas regiões mais interioranas do Brasil. A alternância de /l/ e /r/ é muito freqüente. Embora existam trabalhos que discutem essa temática, como Ilari (2000), Mattos e Silva (1996) e Castilho (2000), a escola pública, especialmente, age, na sua ação pedagógica, sem conhecer essas teorias. A partir disso, o ensino de Língua Portuguesa fica voltado para a aquisição de uma variante tida como culta. E necessariamente, esse processo de ensino, gera o preconceito lingüístico de falou Bagno (2000). Diante de uma região marcadamente rural, embora Porto Nacional seja uma cidade, o ritmo da vida é próprio de uma cidade interiorana, com os falares carregados pela cultural oral, verifiquei que os alunos do curso de Letras, em sua grande maioria, não conseguiam avançar nas discussões acerca do processo de variação e mudança na Língua Portuguesa.

Outro aspecto interessante, é que a formação lingüística da região de Porto Nacional tem uma história que começa com as viagens dos bandeirantes para o sertão brasileiro. Uma região banhada pelo Rio Tocantins, a cidade de porto tem na sua história uma mistura típica da formação cultural de algumas cidades históricas do interior do Brasil.

 

O contexto histórico

Denominada Portal da Amazônia, a histórica Porto Nacional localiza-se a 66 km de Palmas e carrega consigo uma longa história que remota ao século XVIII, das minas de ouro de Pontal e do Carmo e a navegação no rio Tocantins. A formação do povoado teve origem com o português Felix Camoa. Em 1805, o povoado foi atacado e dizimado. Os garimpeiros sobreviventes formaram um novo povoado: Porto Real. Em 1810, Dom João VI transferiu para Porto Real a cabeça do julgado de São João das Duas Barras, transferindo para lá o corregedor Joaquim Theotônio Segurado em 1831, o Arraial foi levado à categoria de Vila Porto Imperial. Em 07 de março de 1890, passou a se chamar Porto Nacional, tendo como entender o tenente-coronel Joaquim Aires da Silva. A partir daí, a cidade foi crescendo e atraindo mais moradores, que viam no município a oportunidade de um futuro prospero.

O município tem hoje uma população estimada em 62.326 habitantes. Sua economia é estruturada no comercio, fonte de maior geração de emprego e renda seguido da agricultura e pecuária, além do extrativismo vegetal e mineral. Porto Nacional muito contribuiu para o processo de criação do estado do Tocantins. Dois movimentos, neste sentido, tiveram participação de estudantes, políticos e pessoas influentes da comunidade portuense: a Cenog-Casa do estudante do norte goiano, e a Conorte-Comissão de Estudos do Norte Goiano, cujo lema era Estou Goiano, mas sou Tocantinense.

Com o golpe militar de 64, a Cenog foi perseguida e o seu presidente, o professor Rui Rodrigues da Silva, natural de Porto, exilado na França. Outro fato relevante foi a Ação dos Religiosos, responsáveis pelo ciclo de influencia da educação francesa sobre os cidadãos portuenses. Mineradores, escravos, padres franceses, estudantes, políticos, artistas, trabalhadores...

Porto conseguiu o que queria. A miscigenação cultural fez a cidade atravessar fronteiras e figura no Brasil como um lugar de grandes homens e grandes causas, centro irradiador de modernidade para o Tocantins.

Considerada o berço cultural do Tocantins, Porto Nacional tem na sua história uma efervescência artística muito grande. São grupos, atores, escritores, cantores e dançarinos que ajudaram a formar o panorama cultural da cidade. Cícero e Marcélia Belém, do grupo teatral Chama Viva; Gruconto, o Dançarte, a Banda do Mestre Adelino, a Bailarina Lucinha Quilombo, O Cantor Everton dos Andes e o Percussionista Marcio Belo são exemplos da velha e história Porto Nacional. Um evento tradicional na cidade é a semana da cultura, criada em 1980, envolvendo estudantes e a comunidade em torno de manifestações culturais. Na edição deste ano, realizada entre os dias 07 e 13 de julho, alunos de escolas estaduais e municipais realizaram uma exposição, resultado de pesquisa sobre os municípios que foram desmembrados de Porto Nacional. Shows artísticos e lançamentos de livros também fizeram parte da programação (as informações históricas, aqui citadas, foram consultadas 20/03/2006 às 10:00 horas, em www.ogirassol.com.br/coracao/portonacional.htm).

Depois desse breve marco histórico, que trabalhei nas aulas de filologia, percebi que os alunos não conseguiram relacionar ao processo de variação e mudança no/do português a grande diversidade cultural que de uma forma significativa deu origem a cidade de Porto Nacional. Logo de início, começamos por uma pesquisa breve, e mais ou menos informal, com os moradores mais velhos. O objetivo era conhecer um pouco da gênese da povoação e também coletar alguns falares que foram conservados e/ou modificados com o tempo.

 

Discussão da proposta

Dessa pesquisa, obtivemos um glossário de cerca de cinqüenta palavras. Para discutirmos sobre esse material, tomamos o texto de Souza (2001), quando o autor discute a questão da dominação lingüística, uma vez que para este autor, a fala é um ato político. Daí que um breve estudo desse glossário nos revelou duas pistas importantes para a temática de nosso estudo: a língua falada em Porto Nacional era uma prova incontestável da diversidade de seu povo e que a escola quase não valorizava essa modalidade da linguagem.

Palavras como /intica/, /unrum/, /rumbora/, /destá/, /antonte/, /assanoite/, /muié/, /caçá cunversa/ entre outras formas muito recorrentes. Para o espanto geral dos alunos, eles foram percebendo que essas palavras eram faladas por eles mesmos nos círculos familiares. Porém, como muitos já atuam como professores nas séries iniciais do ensino fundamental, a postura em sala era sempre no sentido de anular os efeitos dessa linguagem. Foi nesse momento que os estudos de alguns textos, como os de Mattos e Silva (1996), se tornaram mais significativos.

O passo seguinte foi organizar todo o material coletado e partir para as escolas e discutir com os professores de Língua Portuguesa, especialmente os das séries finais do ensino fundamental. Essa escolha teve uma razão metodológica: os alunos de 7ª e 8ª séries dispõem de uma competência lingüística mais bem estruturada, conforme diz Possenti (1996), por isso será capaz de assimilar melhor as discussões sobre o preconceito construído pela escolha de uma variante tida como culta em detrimento de uma tida como caipira.

Na escola, os professores receberam as propostas com certa resistência. Não podia ser outra recepção, uma vez que a concepção de ensino reinante nas escolas privilegia a noção de que o estudante deve falar e escrever corretamente. Exatamente nesse momento que os alunos do curso de letras puderam discutir com os professores da escola algumas possibilidades de trabalhar com as variantes trazidas pelos alunos. No caso de Porto Nacional, a comunidade é composta de moradores descendentes das comunidades negras que foram trazidas para essa região ainda no Século XIX e por descendentes de indígenas que habitavam a Bacia do Tocantins.

Esse foi o primeiro grande salto do nosso projeto. Contribuir para que os professores pudessem incluir o ensino de língua falada (e suas variantes) no processo de ensino-aprendizagem das crianças. Num texto de Souza (2001), temos uma discussão sobre a língua nacional. Esse texto foi de fundamental importância, especialmente porque a noção de que a língua portuguesa é uma língua só é muito forte na escola. Talvez seja um mito, conforme Bagno (2000). As palavras enunciadas pelos alunos têm de ser vistas como proposições que os significam como sujeitos e não como vocábulos esparsos e marginalizantes. Daí que o debate inicial, a partir do material coletado e das intervenções na sala de aula, possibilitaram a aproximação da lingüística histórica com a sala de aula de ensino fundamental. Desse ponto, os alunos do curso de Letras começaram a propor algumas hipóteses, dentre as quais estas: a) a escola acentua o preconceito a partir do momento em que privilegia uma modalidade lingüística em detrimento das demais; b) a língua falada é uma possibilidade concreta de interação entre as classes mais populares; e c) a língua portuguesa no Brasil, mesmo estando sob uma roupagem de Idioma Oficial, é essencialmente diversa.


a) A escola acentua o preconceito

Na região de Porto Nacional, a concentração de comunidades vindas da roça é muito grande. Isso gerou, de alguma forma, uma cidade marcada por hábitos e costumes típicos das pessoas que moram no campo. A rotina da vida urbana, nas cidades do interior do Brasil, convive bem com a cultura do campo, porém um fator que vem sendo acentuado é o preconceito lingüístico sofrido por aqueles que partem da roça para as cidades. Essa questão é de fato importante especialmente se for levado em conta o número de acesso a educação formal. Ora, a escola como possibilidade de efetivação da educação formal tem por objetivo ensinar os conteúdos mínimos que constam dos currículos.

Contudo, no que tange ao estudo de língua, a noção que impera no exercício docente é a de que o aluno 'não sabe' a língua portuguesa. A esse respeito, os estudos na área de sociolingüística, de ensino de língua e de outros campos da lingüística tem sido importantes. Mas na prática, isto é, no cotidiano da sala de aula poucos professores conhecem tais estudos e muito menos as preocupações de autores como Possenti (1996), Bagno (2000) e Castilho (2000). Para estes autores, o ensino de norma culta é importante e o que se discute, na verdade, não é o mérito desse ensino. Porém, ainda segundo os autores acima citados, a língua não é apenas a variante culta. De modo que um aluno que se origina do campo em que a maior parte da comunicação acontece com a oralidade não terá muito êxito num ambiente em que a modalidade escrita da língua deve ser usado na maior parte do tempo.

Vejamos, por exemplo, a queda final do fonema /r/ em verbos no infinitivo. Para a comunicação oral, esta característica não causa muitos problemas para o entendimento da mensagem pelos interlocutores (falante/ouvinte/falante). Nas escolas, contudo, a reação dos professores com respeito a essas variações e outras mais, foi de indignação. Para a maioria dos docentes, o aluno de 'hoje' não quer aprender nada. Entendem esses mestres que o ensino de gramática tem de ser rígido e obrigar os alunos, especialmente, os que vieram da roça, a 'aprender' gramática.

Essa situação pode se agravar ainda mais quando partimos para o estudo do léxico. No caso dos alunos já inseridos na vida urbana e ambientados com a televisão, percebemos que estes depreciam o vocabulário daqueles recém chegados. Essa atitude, embora um pouco velada, é comum na escola. Exemplo: “cumé isso aí? Num tô intendeno nadica de nada” disse um aluno ao professor numa aula de matemática. Ao que o coleguinha corrigiu dizendo o seguinte: “não é assim que nós devemos falar, seu burro. Só podia ser da roça mesmo!” O episódio acima aconteceu numa classe de 5ª série do ensino fundamental.

A partir desse e de outros exemplos, os alunos do Curso de Letras foram aos poucos entendendo duas questões importantes com as quais iniciei o projeto: como a variação e a mudança podem ser trabalhadas para evitar o preconceito? E como a gramática histórica pode contribuir nas aulas de língua portuguesa? Sobre essas duas questões fizemos, depois num debate em sala, algumas discussões que tiveram resultados bons.

 

b)A língua falada como possibilidade de interação
X o ensino de gramática

Outro aspecto que foi observado, quando da conversa com os moradores mais velhos da cidade (e a maioria não estudou, na escola formal, mais do que as séries iniciais do ensino fundamental ou era totalmente analfabetos) é que eles no início da conversa estavam receosos. Primeiro, porque para eles a possibilidade de falar com estudantes universitários era algo dificultoso. Segundo, por estarem inibidos. Por isso, os alunos tiveram o cuidado de tornar a conversa o mais informal possível. Decidi, a propósito da entrevista, que iríamos falar sobre qualquer coisa. O que importava era captar o fluxo das palavras, a organização sintática, os significados atribuídos etc. Daí que eles falaram como se tivessem contando causos.

Depois da coleta desse material, fizemos algumas inferências. Uma delas é que o falante tem 'medo' de falar se viver em situação de desigualdade com o seu interlocutor. De modo que a língua não é necessariamente o que inviabiliza a conversa, é antes os papéis sociais desempenhados pelos interlocutores. Sobre análise da conversação, buscamos um texto de Koch (1997), no qual ela discute e apresenta algumas possibilidades de análise da conversação.

São históricas as discussões acerca do ensino da gramática normativa nas escolas, cujo objetivo é ensinar a norma padrão da língua materna. A respeito dessas discussões tanto professores, como pesquisadores estão de acordo quanto às deficiências no processo de ensino-aprendizagem, e reconhecem também o desinteresse dos alunos por este caminho de ensino.

Discentes e docentes apresentam dificuldades na expressão lingüística, o que é comprovado pelas dificuldades de comunicação (sobretudo escrita) nos exercícios e tarefas. Docentes se assustam ante as respostas obtidas. Discentes reclamam do não entendimento dos enunciados. Em suma, a comunicação lingüística em português não anda bem.

Este problema se reflete no rendimento escolar em geral, uma vez que todas as disciplinas dependem do domínio do vernáculo. A esse propósito concluo que um dos principais problema (se não o principal ) são as opções didáticas adotadas, repetidas historicamente e que não te conseguido estimular professores nem alunos por que os resultados são cada vez menos significativos.

A gramática nos moldes atuais não é necessária e pode até ser prejudicial ao ensino da língua portuguesa, isso por que ela prisma por um ensino mecânico de nomenclaturas e terminologias. Conforme Possenti afirma “é perfeitamente possível aprender uma língua sem conhecer os termos técnicos com os quais é analisada”.

Para Sírio Possenti, o ensino da língua portuguesa apresenta dois equívocos: Um de natureza político-cultural e outro de natureza cognitiva. O primeiro é quando se diz que é injusto que se imponha a um grupo social os valores de outro grupo’’. O equívoco, segundo Possenti, “é o de não perceber que os menos favorecidos socialmente só têm a ganhar com o domínio de outra forma de falar e de escrever”.

O segundo equívoco, conforme escreve em seu livro, “é imaginar que cada falante ou grupo de falantes só pode aprender a falar um dialeto (ou uma língua). Todas as evidências vão no sentido contrário.” Durante o transcorrer deste trabalho retomarei essa questões. Agora continuemos.

A criança tem uma predisposição natural para a linguagem, e chega às escolas com um conhecimento prévio do idioma, adquirido no trato com a família. Na escola ela entra em contato com a língua padrão e passa por um processo de aperfeiçoamento semelhante ao de aquisição de linguagem.

Para ilustrar essa passagem lançarei mão de uma citação de Mário Perini (1996)

Qualquer falante de português possui um conhecimento implícito altamente elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar esse conhecimento. [...] esse conhecimento não é fruto de instrução recebida na escola, mas foi adquirido de maneira tão natural e espontânea quanto a nossa habilidade de andar.

Pois bem, no início deste trabalho afirmei que o papel do ensino da gramática normativa é “ensinar” a língua padrão, visto que para ensinar a língua não seria preciso exigir do aluno o conhecimento da gramática normativa, pois a língua é anterior a ela.

Insisto em usar o termo gramática normativa, por que gramática é um termo complexo e conforme a citação anterior de Perini possuímos um conhecimento gramatical implícito. A esse respeito Sírio Possenti, em “Por que (não) ensinar gramática na escola” define como gramática internalizada o “conjunto de regras que o falante domina”.

Assim todo falante sabe onde exatamente usar os artigos: “Os meninos” ou “Os meninu, mas nunca “menino os” ou “meninos o”. E para esse conhecimento não é preciso que saibamos se o artigo é definido ou indefinido. Logo, a frase “Meninos o” pode ser considerada um erro gramatical, porém, não recorrente em um falante nativo.

A partir destes exemplos utilizados acima, esbarramos em dois conceitos que historicamente, têm sido abordados de forma errônea: regra e erro. O que a gramática normativa chama de regra nada mais é que a metalinguagem de análise de uma língua, que é repassada pelas escolas através de exercícios torturosos, e que pouquíssimos professores dominam.

Pouco importa que o aluno saiba que o “mas” é uma conjunção adversativa e que deve ser usada nas orações coordenadas sindéticas adversativas, isso é pura nomenclatura. O que importa é que ele saiba onde exatamente usá-lo em um texto ou na própria fala.

Posso afirmar sem nenhuma sombra de dúvida que “Os meninu” representa uma regra gramatical. Isso por que respeita uma seqüência lógica e ordenada, facilmente identificável e interpretável, e que todo falante nativo tem domínio.

A respeito de erros em português Marcos Bagno em “Preconceito lingüístico” cita que “ninguém comente erros ao falar sua própria língua materna”, isso porque

Todo falante nativo de uma língua é um falante plenamente competente dessa língua, capaz de discernir intuitivamente a gramaticalidade ou agramaticalidade de um enunciado, isto é, se um enunciado obedece ou não as regras de funcionamento da língua.

O que a gramática normativa conceitua como “erro” de português nada mais é que o desvio de uma norma fixada politicamente, preocupada com quadros completamente distantes da realidade lingüística da população. Logo política do ensino idioma nacional, que dogmatiza a gramática normativa, não corresponde aos anseios lingüísticos dos falantes, uma vez que sonega a caracterização de um povo plural na cor, no credo, nos usos, enfim na forma de viver.

Em “Contradições no ensino de português”, Rosa Virgínia Mattos e Silva utiliza uma epígrafe de Alain Rey, que diz “não se trata de recusar uma norma”. Faz isso para argumentar que a questão em causa é fundamentalmente ideológica e conseqüentemente política.

Não pretendo com isso fazer apologia de um ensino anarquista em que a variante padrão seja posta de lado, mas sim a um ensino de fato democrático em que não se faça uma hierarquização dialetal que serve como um instrumento de distinção social, de dominação e, sobretudo opressão.

É preciso situar claramente a variante padrão no âmbito sócio-político, para que o estudante tome consciência da necessidade da modalidade da língua em beneficio da comunicação ampla entre os usuários do português do Brasil. Tudo isso sem alimentar a idéia de que um uso lingüístico possa ser melhor ou pior que outro. A variante padrão pode passar a ser buscada pelo estudante, ao invés de imposta pela escola.

Ora, se a função da escola é o ensino da língua padrão, não é com teoria gramatical que ela concretizará seu objetivo. Esses contrastes levam o estudante ao desinteresse pelo seu estudo. Pois, quando pensa haver entendido o conteúdo trabalhado em sala de aula, amargura-se com determinadas construções, que resulta em frustrações e reprovações.

Portanto, não cabe à escola excluir ou eleger formas de expressão consagradas, esta instituição deve na verdade, expor ao aluno as diversas manifestações lingüísticas, assim como capacitá-lo para o uso desta. Também não mais devem ser excluídas da escola formas culturais de expressão: mídia, informes publicitários, quadrinhos, piadas, músicas, entre outras.

Digo isto para particularizar a minha visão sobre a questão para o domínio da linguagem através de sua expressão mais atuante –o idioma nacional – vejamos quais as possíveis atitudes e perspectivas que se abrem para um trabalho mais efetivo e construtivo para com os alunos.

 

c) O idioma oficial

Fizemos algumas inferências sobre a noção de língua oficial especialmente porque na região Porto Nacional temos vários agrupamentos de moradores descendentes direto de indígenas ou de comunidades negras rurais. Tudo isso colaborou muito com o entendimento do texto de Ilari (2000). Na abordagem da lingüística histórica feita por este autor, a noção de que a língua no Brasil não foi formada majoritariamente pela língua portuguesa de Portugal. È antes, uma imposição cultural. Daí que o estigma com as comunidades iletradas significa também uma possibilidade de domínio ideológico. Ora, as variações porque passaram a língua portuguesa do Brasil estão inseridas também no processo de construção da própria idéia de nação, aqui assumidamente um projeto Republicano Liberal. Isso fica bem claro, quando se pretende estudar as modalidades, inclusive semânticas, da fala do interior do Brasil. Nesse caso, regiões inteiras relegadas ao descaso e ao abandono político e, sobretudo, porque por isso o acesso aos círculos escolares de educação formal é mínimo. Portanto, como frisa Castilho (2000), no texto do livro de Ilari, o projeto de nação perpassaria necessariamente por uma possível unidade lingüística. Daí que se as escolas de Letras se demandarem por estudos de lingüística histórica e filologia especialmente voltados para essa questão poderia ser verificado que a língua falada no interior já não é mais apenas uma variação do português de Portugal. È um extrato da cultura regional. Isso não quer dizer que estamos defendendo a existência de uma nova língua. Não é isso. Mas é preciso estudar a cultura regional e se atentar para as nuances da língua pertinentes a cada cultura. Talvez o Atlas Lingüístico seja o pontapé inicial.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNO, Marcos et alii. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola: 2002.

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 3ª ed. São Paulo: Loyola: 2000.

ILARI, Rodolfo. Lingüística Românica. 3 ª ed. São Paulo: Ática: 2000.

MATTOS E SILVA, Rosa Virginia. O português arcaico: fonologia. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1996.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: ALB – Mercado de Letras, 1996.

CASTILHO, Ataliba T. de. O português do Brasil. In: ILARI, Rodolfo. Lingüística Românica. 3ª ed. São Paulo: Ática: 2000.

SOUZA, Álvaro José de. Geografia lingüística: dominação e liberdade. São Paulo: Contexto: 2001.

NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática do português falado. Vol. 07. Campinas: Unicamp, 1999.

PERINI, Mario. Sofrendo a gramática. São Paulo, Ática: 1997.