O PROCESSO DE LEGENDAGEM DE FILMES
E DOCUMENTÁRIOS EM DVD

Rafael Lanzetti (ISAT e SENAC-RJ)

 

A TRADUÇÃO AUDIOVISUAL

Em suas aulas de Tradução Audiovisual na Universidade de Leeds, Adriana Şerban (2005) caracteriza este tipo de tradução como

Um meio-termo entre a tradução técnica e a tradução literária, uma vez que, em princípio, os scripts de filmes e séries possuem caráter eminentemente literário, mas o meio utilizado para se traduzir tais textos possui caráter visivelmente técnico.

Definida como "modalidade tradutória através da qual os textos de filmes, séries e documentários podem ser compreendidos por espectadores falantes de outras línguas à medida que assistem ao material audiovisual", a tradução de filmes e documentários tem se desenvolvido, técnica e textualmente, ao longo das últimas duas décadas. Hoje há normas e regras relativamente bem definidas para cada uma de suas modalidades, embora não exista órgão regulador (além do público consumidor) que as padronize.

 

Tipos de tradução audiovisual

Os principais tipos de tradução audiovisual em utilização atualmente são:

1. Tradução interlingual

a. Legendagem

b. Dublagem

c.  Voice-over

2. Tradução intralingual

a. Legendagem para surdos

b. Descrição em áudio para cegos

c.  Close-caption

d. Legendagem para o teatro e para óperas

 

Diferenças, vantagens e desvantagens
dos tipos de tradução audiovisual interlingual

Legendagem

Vantagens: não é um processo caro, não leva tanto tempo para ser realizada, a trilha sonora do material original é preservada, pode ser utilizada na aprendizagem de línguas, é mais adequada que a dublagem a surdos, imigrantes e turistas.

Desvantagens: contamina a imagem do material original, há muita perda de informação devido às restrições de tempo e espaço, a atenção dos espectadores precisa ser dividida entre a legendagem, a trilha sonora e a imagem.

Ainda, a legendagem é um processo de tradução através do qual um texto de modalidade oral é transformado em texto de modalidade escrita, o que acarreta uma série de adaptações obrigatórias.

 

Dublagem

Vantagens: não obriga os espectadores a dividir a atenção entre a imagem e o texto da legenda, é mais adequada que a legendagem a crianças e pessoas com dificuldades de leitura, há menos perda de informação do texto original.

Desvantagens: é um processo caro, precisa de mais tempo para ser realizado, há perda da trilha sonora do material original, as vozes dos atores dubladores acabam se tornando repetitivas depois de algum tempo.

Apesar disso, a dublagem lida estritamente com a modalidade oral. Assim, menos adaptações textuais por conta de mudanças de modalidade precisam ser efetuadas.


Voice-over

Vantagens: não é um processo caro, não necessita de muito tempo para ser realizado, é apropriado para certos gêneros audiovisuais (como documentários, em especial nas falas de narradores).

Desvantagens: contamina a trilha sonora do material original, causa confusão em gêneros audiovisuais como filmes e seriados.

 

Tipos de tradução audiovisual intralingual

Legendagem para surdos

A legendagem para surdos indica ruídos relevantes no texto da legenda (música, telefones e campainhas tocando, passos, gritos). Sem tais descrições, as cenas podem se tornar incompreensíveis. Em segundo lugar, esse tipo de legendagem facilita a compreensão de quem está falando (especialmente se o falante não estiver sendo focalizado) através de códigos de cores e/ou mudança de posição das legendas. Por essa razão, a legendagem para surdos evita a paráfrase, e utiliza o maior número possível de palavras do script original. Por fim, leva em consideração que a velocidade com que surdos lêem é, em média, menor que a velocidade com que lêem adultos ouvintes.

 

Descrição em áudio para cegos

Uma vez que a trilha sonora do material original não é suficiente para fazer uma pessoa sem acesso à imagem entender o que está se passando na tela, um canal de áudio especial utiliza uma técnica de descrição em áudio de tudo o que se passa no material original quando não há falas ou diálogos.

 

A tradução audiovisual e a política de inclusão social

A tradução audiovisual possui estreitas relações com políticas de inclusão social e de valorização de grupos minoritários. Entre outros, são citados como motivos para se investir em tradução audiovisual:

·   O direito, por parte minorias lingüísticas e/ou étnicas, de acesso a programas audiovisuais em sua própria língua;

·   As preferências nacionais relacionadas à modalidade de tradução audiovisual;

·   O direito de cegos e surdos a ter acesso a programas audiovisuais;

·   O papel da legendagem no aprendizado de línguas maternas e estrangeiras.

 

A LEGENDAGEM

As informações aqui elencadas foram extraídas da Dissertação de Mestrado de Carolina Alfaro de Carvalho (2005), intitulada A tradução para legendas: dos polissistemas à singularidade do tradutor.

Por decreto de Jânio Quadros de 1962, a legendagem não pode ser utilizada em TV aberta no Brasil, sendo seu uso restrito ao cinema, ao vídeo VHS e ao DVD, salvo em animações infantis, em que, por razões óbvias, prefere-se utilizar dublagens.

As normas gerais para uso de legendas, expressas por Fotios Karamitroglou (1997) em seu artigo A proposed set of subtitling standards in Europe, determinam que sejam utilizadas, no máximo, 2 linhas de legenda e que seja respeitada uma razão entre o número máximo de caracteres e o tempo de duração da legenda na tela. Através de pesquisas de proficiência em leitura, chegou-se à conclusão de que um adulto normal é capaz de ler entre 150 e 180 palavras por minuto. Convencionou-se, assim, que uma legenda de duas linhas, com 35 caracteres em cada linha, permaneça na tela por, no máximo, 6 segundos, norma conhecida por "regra dos 6 segundos".

Há três meios básicos em que a legendagem é utilizada, a saber: no cinema, nas fitas VHS e na TV por assinatura, e no DVD. Cada um desses três meios possui normas próprias de utilização de legendas.


Normas de utilização de legendas referentes ao meio

Cinema

No cinema, são usados rolos de filmes de 35 mm. A medida-padrão é o pé (0,33 cm) e a velocidade com que o rolo é exibido é de 24 quadros por segundo, o que equivale a 1,5 pés. O número máximo de caracteres por linha é de 32-40, dependendo do tipo de caractere e da configuração da tela. A cada pé, devem ser exibidos 10 caracteres, o equivalente a 15 caracteres por segundo. Para realizar a tradução de um filme, o tradutor recebe, da distribuidora responsável pela legendagem, um script com a pietagem, ou seja, a marcação (em pés e quadros) de onde entra e onde sai da tela cada segmento de texto. Um script-padrão de filme é demonstrado abaixo:

594.11
         SCENE 111 – MFS ON NICK.
         NICK:
         I have my first migraine.
597.12
         SCENE 112 – MS ON ALEX.
         ALEX (HER THOUGHTS):
         This is hideous! My boyfriend feeling me
         up in front of my father!
602.03
         SCENE 113 – MS ON NICK MOVING TO FG
         COVERING HIS EARS.
         NICK:
         Alex, just don't think anything. "The
         outlook wasn't good for the Mudville Nine
         that day. The score was..."
607.01
         SCENE 114 – MCU ON ALEX FINISHING
         DRESSING.
         ALEX (HER THOUGHTS):
         Oh, shit! Where's my bra?
611.01
         SCENE 115 – MCU ON NICK LOOKING DOWN.
         ALEX O.S. (HER THOUGHTS):
         Where is it?
         NICK:
         Oh, God.
615.00

O primeiro número é a pietagem de entrada da cena correspondente. Assim, o número 594.11 corresponde a 594 pés e 11 quadros. Em seguida, aparece o número da cena e uma pequena descrição contextual. Por fim, o texto a ser legendado, seguido da pietagem de saída da legenda.

A tradução é, então, feita em um editor de texto normal, como o MS Word, respeitando o número máximo de caracteres e a razão entre este número e o tempo de duração da legenda. Em seguida, o arquivo de texto traduzido é enviado de volta à distribuidora.

 

VHS e TV por assinatura

O padrão de vídeo utilizado no Brasil é o americano, o chamado NTSC, de 30 frames (ou quadros) por segundo. Neste meio, as legendas podem ter, em cada linha, de 30 a 35 caracteres. A legendagem é feita a partir de um arquivo de vídeo do material original num programa de computador especial, em que o tradutor, a partir do time code (a metragem do arquivo de vídeo), faz o timing (a marcação do tempo de entrada e de saída das legendas) e o spotting (a segmentação do texto).

Abaixo, a reprodução de uma cena com o time code no canto superior direito da tela:

01:34:23.17

 


DVD

A diferença primordial entre a mídia DVD e a VHS é a multiplicidade de canais de áudio e de legendas que o DVD oferece. Ainda, no DVD, estão disponíveis volumes muito maiores de texto, pois o espectador pode ter acesso, muitas vezes, aos comentários do diretor, a cenas cortadas, sinopses e trailers, entre outros.

Geralmente, os filmes em DVD utilizam formato de tela Widescreen (com 16 unidades de comprimento por 9 unidades de altura), o que permite um número maior de caracteres por linha de legenda, se comparado ao número máximo de caracteres por linha de legenda nas fitas VHS e na TV por assinatura.

As legendagens de filmes em DVD podem ser feitas de duas formas: a partir de um arquivo de vídeo e do script (nesse caso, o tradutor utiliza um programa especial de legendagem e faz o timing e o spotting); ou a partir de um script já com o spotting (nesse caso, o tradutor realiza a tradução num editor de texto normal).

Outras normas

Karamitroglou (2005) aponta outras normas de legendagem que precisam ser pré-estabelecidas pela distribuidora responsável pela tradução. Dentre elas, destacam-se:

·   O tamanho da fonte;

·   A cor, o contorno e o sombreamento da fonte;

·   O alinhamento das linhas de legenda;

·   A altura da legenda;

·   O intervalo entre as legendas;

·   O tempo mínimo e o tempo máximo de duração da legenda;

·   A segmentação das legendas.

 

Simplificações da estrutura sintática

A fim de ser capaz de, mesmo com todas as restrições de espaço e tempo, traduzir a maior parte das informações do material original, o tradutor precisa utilizar técnicas de simplificação de sintaxe, tais como:

·   Utilizar a ordem direta, e não a indireta;

·   Orações coordenadas, e não subordinadas;

·   Construções ativas, e não passivas;

·   Construções positivas, e não negativas;

·   Verbos simples, e não compostos;

·   Elipses, não sujeitos e verbos repetidos;

·   Interrogações, e não perguntas indiretas;

·   Imperativos, não solicitações indiretas;

·   Abreviações, siglas e numerais.

 

Elementos que podem ser omitidos

·   Vocativos;

·   Pronomes demonstrativos;

·   Hesitações, gaguejos, marcadores de discurso etc.;

·   Falas em segundo plano, pouco audíveis ou irrelevantes;

·   Onomatopéias;

·   Respostas muito simples (“sim”, “não”, “obrigado”, “tchau”, “OK”);

·   Construções redundantes ou longas (como advérbios em –mente).

 

Normas definidas pelo cliente

·   Padrões de timing;

·   Padrões de spotting;

·   Convenções tipográficas (itálico, aspas, caixa alta);

·   Uso de reticências;

·   Uso de abreviações e siglas;

·   Grau de tolerância à linguagem de baixo calão;

·   Grau de tolerância à linguagem coloquial (“pra”, “tá”, “bora”) e à mistura de pessoas e conjugações (“tu” e “você”).

 

PROGRAMAS DE LEGENDAGEM

SubCreator™

O software SubCreator™ é um programa simples, de fácil utilização, ideal para quem quer aprender a fazer legendagens. A versão que tenho à minha disposição é a 1.2.0.117 e pode ser baixado gratuitamente do site     http://www.softpedia.com/get/Multimedia/Video/Encoders-Converter-DIVX-Related/SubCreator.shtml

A tela inicial do programa é reproduzida abaixo:

Na parte superior, é possível visualizar os arquivos de vídeo, enquanto, na parte inferior, são editadas as legendas. Para abrir um arquivo de vídeo, clique em File e depois em Open. Para começar a legendar, basta clicar na parte inferior (tela branca) e digitar o texto da legenda. A maneira mais fácil de criar legendas é resumida a seguir:

1. Reproduza o arquivo de vídeo através do atalho de teclado Ctrl+espaço;

2. Assim que começar a primeira fala, digite Ctrl+A. A marcação do ponto (do time code) onde a legenda será exibida aparecerá na parte inferior (tela branca);

3. Insira o texto da legenda. Lembre-se de que, num DVD, costuma-se utilizar, em média, 35 caracteres em cada linha de legenda. Para inserir texto na linha de baixo, utilize a barra vertical "|";

4. Aumente ou diminua a duração da legenda (o tempo em que fica exposta na tela) através dos atalhos de teclado Ctrl+Q e Ctrl+E, respectivamente;

5. Se a legenda estiver atrasada (aparecer muito depois que a fala é ouvida) ou adiantada, utilize os atalhos de teclado Ctrl+W e Ctrl+D, respectivamente;

6. Na guia Options, é possível alterar, entre outras coisas, o tipo de fonte, a cor e o tamanho das legendas.

 

Subtitle Workshop™

O programa Subtitle Workshop™ é um típico software profissional para edição de legendas e pode ser baixado gratuitamente do site http://www.softpedia.com/get/Multimedia/Video/Other-VIDEO-Tools/Subtitle-Workshop.shtml em sua versão 2.51.

A tela inicial do programa é reproduzida abaixo:

Para abrir um arquivo de vídeo, clique em Movie e depois em Open. Configure a fonte, a cor, a cor de fundo e o tamanho da legenda em Settings / Settings / Subtitles.

Para começar a legendar, clique em File e depois em New Subtitle. Uma marcação 00:00:00,000 aparecerá como primeira legenda da lista. Para inserir textos nas legendas, escreva na área onde se lê "Text:" (para escrever em uma segunda linha, basta digitar a tecla ENTER). A maneira mais simples de se inserir legendas é resumida abaixo:

1. Reproduza o arquivo de vídeo digitando Ctrl+espaço;

2. Assim que a primeira fala começar, digite Alt+Z;

3. Assim que a primeira fala terminar, digite Alt+X. Uma marcação de legenda com o tempo de entrada e o tempo de saída aparecerá na lista de legendas;

4. Edite o tempo de entrada (show) ou de saída (hide) ou mesmo a duração (duration) da legenda, caso esteja atrasada, adiantada, permanecer por tempo demais ou de menos na tela;

5. Se preferir, use como padrão de marcação o time code exibido no canto direito da tela.

As vantagens do Subtitle Workshop™ sobre o SubCreator™ são as seguintes:

1. O Subtitle Workshop™ salva e lê vários formatos de arquivos de legendas;

2. O Subtitle Workshop™ marca, automaticamente, quantos caracteres estão sendo inseridos em cada linha de legenda;

3. O Subtitle Workshop™ possui uma função de Error search, na qual o programa procura por legendas com problemas de formatação, espaços sobressalentes e linhas com mais caracteres que o permitido;

4. Com o Subtitle Workshop™, é bem mais simples formatar o texto da legenda em itálico ou negrito (basta clicar na legenda correspondente com o botão direito do mouse e selecionar o formato desejado);

5. O Subtitle Workshop™ possui um recurso de visualização de traduções de legendas, em que é possível visualizar tanto a legenda original quanto a que está sendo traduzida simultaneamente.

Acima, reproduzo uma tela do Subtitle Workshop™ em que aparecem um arquivo de vídeo e um de legenda:

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Carolina Alfaro de. A tradução para legendas: dos polissistemas à singularidade do tradutor. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005.

DÍAZ CINTAS, J. Audiovisual translation in the third millenium. In: Translation today: trends and perspectives. ANDERMAN, G. M. (org.). Clevedon: Multilingual Matters, 2003.

DREI MARC. Manual de legendagem. Rio de Janeiro: [inédito].

KARAMITROGLOU, F. A proposed set of subtitling standards in Europe. In: Translation Journal, v. 2, n. 2, 1998. Disponível online em http://accurapid.com/journal/04stndrd.htm

ŞERBAN, Adriana. Audiovisual translation. Arquivos de PowerPoint utilizados como material didático para a disciplina Audiovisual translation da Universidade de Leeds, 2005. Disponível em http://ics.leeds.ac.uk/papers/llp/exhibits/16/IntroAVTranslation_Adriana_Serban.ppt