TÓPICOS DE ANÁLISE DO DISCURSO
NA PRÁTICA ESCOLAR:
casos de discurso reportado
e a polifonia discursiva
Cleide Emilia
Faye Pedrosa (UFS)
Ana Sabrina de Oliveira Leme Domingues
(UFS)
Ivana Maria Dias Oliveira (UFS)
Introdução
A corrente francesa da Análise do
Discurso (AD) tem se estabilizado nestas últimas décadas. Várias pesquisas têm
proliferado aqui no Brasil como repercussão e aceitação de suas propostas de
análise. Esta não se propõe ser só apenas mais uma investigação, pois tem como
meta trabalhar, especificamente, com a polifonia, porém voltada para sua
aplicação em sala de aula. Como pode o professor com exemplos da mídia, com
textos também de humor vivenciar essa prática enunciativa? Antes de responder a
essa questão, ou apresentar sugestões de práticas pedagógicas, iremos retomar
alguns aspectos necessários a uma contextualização teórica.
Análise do Discurso:
pressupostos e história da disciplina
A Análise do Discurso trata do discurso através de uma
compreensão da língua como resultado da materialidade da ideologia. O discurso
é visto como uma mediação necessária entre o homem e a realidade natural e
social. Assim, o trabalho simbólico da AD está na base da produção da
existência humana, como diz Orlandi:
A primeira coisa a se observar na Análise do Discurso é
que ela não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a
língua do mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a
produção de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja
enquanto membros de uma determinada forma de sociedade (ORLANDI, 2005: 15).
A AD não trata o discurso como transmissão de
informação, não há linearidade na disposição dos elementos da comunicação, para
ela o discurso realiza um processo de significação; é dada em funcionamento na
linguagem, uma relação de sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela
história, formalizando assim uma constituição de sujeitos e produção de
sentidos com efeitos múltiplos e variados. Pode-se entender o discurso como
efeito de sentidos entre locutores.
A gênese da Análise do Discurso
A disciplina Análise do Discurso nasce na França em
fins da década de 1960, época que coincide com o auge do estruturalismo, como
paradigma de formatação do mundo, das idéias e das coisas para toda uma geração
da intelectualidade francesa. O principal articulador, o filósofo Michel
Pêcheux, tinha um objetivo bem definido quando dá início ao desenvolvimento
desse projeto. Sua intenção era intervir teórica e cientificamente no campo das
ciências sociais, mais especificamente no da psicologia social, pois como diz
Ferreira:
A Análise do Discurso nasceu em uma zona já povoada e
tumultuada – de um lado, numa esquina, ocupando quase todo o quarteirão – a
lingüística; na outra ponta espaçoso, o materialismo histórico, e no meio
dividindo o espaço lado a lado com a psicanálise, a teoria do discurso.
Portanto, essa contigüidade, esse convívio fronteiriço entre análise do
discurso e psicanálise vem de longe, vem desde o início. Tais vizinhas,
contudo, ainda que bastante próximas guardam distância e não confundem seus
espaços comuns – são íntimas, mas nem tanto, donde há “estranha intimidade”
(FERREIRA, 2005: 213).
As ciências sociais estão na extensão das ideologias
que se desenvolveram em contato com a prática política, cujo instrumento é o
discurso. Para Agustini (apud
FERREIRA, 2005), Pêcheux sabia que a teoria do discurso não pode ocupar o lugar
do Materialismo Histórico e da Psicanálise; mas que pode intervir em seu campo.
A partir desse pressuposto, ele provocou uma fissura teórica e científica no
campo das ciências sociais, em particular, no campo da Psicologia Social,
quando tomou o discurso e a teoria do discurso como lugares possíveis de
intervirem teoricamente. Tomando emprestados conceitos de outras regiões de
conhecimento para produzirem a AD, do Materialismo Histórico, da Lingüística
(como ciência-piloto das ciências humanas e que tinha condições de fornecer aos
estudiosos da nova corrente as ferramentas essenciais para análise da língua) e
da Psicanálise, foi criada a disciplina através de conceitos reinventados.
Assim, a proposta de um novo objeto chamado discurso
surgiu com Michel Pêcheux em sua tese Análise Automática do Discurso.
Nessa época, ele trabalhava
Concepção ideológica marxista
A importância da teoria de Karl Marx (1818-1883) para
o estudo da disciplina Análise do Discurso, ao indicar o lugar dos problemas da
filosofia da linguagem dentro do conjunto da visão marxista do mundo,
apresenta-se na análise e historicidade do discurso. Essa presença se inscreve
na produção de sentidos pelo conhecimento da exterioridade constitutiva da
linguagem, procurando definir as suas noções no domínio das ciências humanas e
sociais.
Orlandi (1987) faz uma comparação entre as diferentes
formas de a Sociolingüística, a Teoria da Enunciação e a Análise do Discurso
trabalharem com essa exterioridade. Aponta que a Sociolingüística visa a
relação entre o social e o lingüístico; a Teoria da Enunciação trata da
determinação entre o funcional (enunciação) e o formal (enunciado); a AD
procura estabelecer essa relação de forma mais imanente, considerando as
condições de produção (exterioridade, processo histórico-social) como
constitutivas da linguagem.
Para Maria Virgínia Amaral (1999), a exterioridade do
discurso corresponde aos discursos já existentes e com os quais o discurso se
constitui como um outro discurso. A produção de sentido é ideológica, tal como
cita Bakhtin (2004), toda palavra é ideológica e toda utilização da língua está
ligada à evolução ideológica. Por conseqüência, assim como a palavra, o
discurso não pode ser desvinculado “da situação social mais imediata ou do meio
social mais amplo”, Bakhtin, 1992, (apud
AMARAL, 1999).
Com esse mesmo pensamento, Michel Pêcheux, 1988, (apud AMARAL, 1999: 25), afirma que o
sentido das palavras não pertence à própria palavra, não é dado diretamente em
sua relação com a “literalidade do significante”; “ao contrário, é determinado
pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no
qual as palavras, expressões e proposições são produzidas”. Assim, diz Amaral
(1999: 26), são as posições ideológicas, que estão em jogo no processo
sócio-histórico, que determinam o sentido das palavras. Então, apoiando a noção
desse processo sócio-histórico citamos a proposição de Marx:
Na produção social da sua existência, os homens
estabelecem relações determinantes, necessárias, independentes da sua vontade,
relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento
das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se
eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas
formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o
desenvolvimento da vida social, política e intelectual
Esse pensamento apresenta o entendimento das condições
de produção do discurso, pois nele é exposta a relação contraditória entre
produção e reprodução da vida dos homens em sociedade, como também, a relação
do:
Discurso como resultado de um amplo e complexo processo
de constituição do sujeito pela ideologia, sendo por isso que as expressões
desse sujeito já não são expressões de um indivíduo singular, mas de um sujeito
histórico que se define em relação às formações ideológicas de uma dada
formação social (AMARAL, 1999: 31).
Para Bakhtin (2004), a filosofia marxista da linguagem
deve justamente colocar como base de sua doutrina a enunciação como realidade
da linguagem e como estrutura sócio-ideológica.
As fases da análise do
discurso
e sua relação com o sujeito
No centro desse novo paradigma importava normalizar o
sujeito, pois ao longo do percurso dos estruturalistas havia a exclusão desse,
como afirma François Dosse (apud
FERREIRA, 2005: 14): “reaparecer pela janela, após ter sido expulso pela
porta”. Assim, a AD vai à busca desse sujeito, até então descartado, e vai
encontrá-lo, em parte, na psicanálise, apresentado como um sujeito descentrado,
distante do sujeito consciente; a outra parte, ela vai encontrar no
materialismo histórico, na ideologia althusseriana, o sujeito assujeitado,
materialmente constituído pela linguagem e devidamente interpelado pela
ideologia.
Primeira fase da Análise do Discurso: máquina
discursiva
Dado como conhecimento para o estudo das três fases que
atravessam a Análise do Discurso, Mussalim (2004: 118) propõe procedimentos
para fazer as análises:
1. Seleciona-se um corpus fechado de seqüências
discursivas;
2. Faz-se a análise lingüística de cada seqüência,
considerando as construções sintáticas (de que maneira são estabelecidas as
relações entre os enunciados) e o léxico
(levantamento de vocabulário);
3. Passa-se à análise discursiva, construindo sítios
de identidades a partir da percepção da relação de sinonímia (substituição de
uma palavra por outra no contexto) e de paráfrase (seqüências substituíveis
entre si no contexto);
4. Procura-se mostrar que tais relações, de sinonímia
e paráfrase, são decorrentes de uma mesma estrutura geradora do processo
discursivo.
Sabe-se então que essa primeira fase da AD (AD– 1) é
conhecida como máquina discursiva, mais comumente chamada de AAD (análise
automática do discurso), por estar ligada a um período muito marcado, ou seja,
a uma estrutura que é responsável pela geração de um processo discursivo a
partir de um conjunto de argumentos e de operadores responsáveis pela
construção e transformação das proposições, concebidas como princípios
semânticos que definem, delimitando um discurso.
Assim, para a AD – 1, cada processo discursivo é
gerado por uma máquina discursiva, o que provoca um assujeitamento do sujeito à
maquina discursiva. Esse sujeito é submetido às regras específicas do discurso
que enuncia.
A esse respeito afirma Paul Henry (apud FERREIRA, 2005: 14):
O sujeito é sempre, e ao mesmo tempo, sujeito da ideologia
e sujeito do desejo inconsciente e isso tem a ver com o fato de nossos corpos
serem atravessados pela linguagem antes de qualquer cogitação (HENRY, 1992:
188).
Conclui-se que, nessa primeira fase, quem de fato fala
é uma instituição, ou uma teoria, ou ainda, uma ideologia.
Segunda fase da análise do discurso: formação
discursiva
Michel Foucault, na sua apropriação do conceito de
formação discursiva, propõe essa como sendo o dispositivo que vai desencadear o
processo de transformação na concepção do objeto de análise da AD-
Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre
determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada, e para uma
área social, econômica, geográfica ou lingüística dada, as condições de
exercício da função enunciativa (apud
MUSSALIM, 2004: 119).
Para AD-
Como diz Mussalim (2004), o papel do sujeito nessa
segunda fase da AD sofre uma alteração. O sujeito passa a ser concebido como
aquele que desempenha diferentes papéis de acordo com as várias posições que
ocupa no espaço interdiscursivo. O sujeito do discurso ocupa um lugar de onde
enuncia, e é este lugar, entendido como a representação de traços de certo
lugar social, que determina o que ele pode ou não dizer. Esse sujeito, ocupando
o lugar no interior de uma formação social, é dominado por uma determinada
formação ideológica que preestabelece as possibilidades de sentido de seu
discurso.
Terceira fase da análise do discurso: o interdiscurso
Na análise de Mussalim (2004), os diversos discursos
que atravessam uma formação discursiva não se constituem independentemente uns
dos outros, mas se formam de maneira regulada no interior de um interdiscurso.
Será então, a relação interdiscursiva que estrutururá a identidade das FDs
Conforme procuramos expor nos fundamentos do
materialismo histórico na Análise do Discurso, o cenário da concepção marxista
trouxe uma visão sobre a relação da produção material na formação da estrutura
social, política e econômica do homem. Partindo dessa concepção é que os
teóricos estudiosos da AD passaram a analisar o funcionamento da linguagem
através da ideologia e a passagem dessa na materialização da linguagem para
estruturá-la no processo de significação. Pode-se dizer que a ideologia é a
condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. Assim, não há sujeito
sem ideologia; o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se
produza o dizer.
A Polifonia e a
heterogeneidade discursiva
O termo Polifonia designa o fenômeno da manifestação de
vozes, as quais são ouvidas num mesmo texto, que falam de perspectivas ou
pontos de vistas diferentes com os quais o locutor se identifica ou não. Tal
termo faz parte também do ato da enunciação e serve para mostrar que não existe
enunciado puro, mas um confronto de vozes explícitas e implícitas no interior
de um discurso, que pode se misturar de acordo com Maingueneau (2001) a
diversos tipos de seqüências e fazer transparecer de maneira bastante variável
a subjetividade do enunciador, fazendo dele o “eu”, responsável por aquilo que
enuncia. A polifonia, assim, passa a existir quando se torna possível
distinguir, em uma enunciação, tanto seus enunciadores quanto os seus
locutores.
Essas vozes que se cruzam determinam o
fenômeno da heterogeneidade, ele indica as falas dos outros discursos na
infinita corrente da construção da linguagem.
No plano da heterogeneidade, a polifonia
apresenta-se em dois aspectos distintos: o da heterogeneidade mostrada e o da
heterogeneidade constitutiva. A primeira pode acontecer através de formas
marcadas ou não marcadas, sendo marcadas o caso do discurso direto, do discurso
indireto, das aspas, do itálico e do metadiscurso do locutor (comentários,
expressões etc.), e não marcada, o caso do discurso indireto livre, dos jogos de
linguagem, sendo possível perceber a que vozes os discursos devem recorrer para
criarem sua historicidade. A heterogeneidade constitutiva se refere ao tipo de
polifonia que retrata as vozes culturais e históricas que estão presentes em
todo um universo discursivo e que muitas vezes o autor que a utiliza não tem
seu total controle racional ou consciência.
A polifonia pode ser demonstrada em
muitos discursos, tornando-se fruto da combinação de muitas vozes, que
produzirão efeitos polifônicos, nos quais aquelas poderão ou não ser ouvidas no
decorrer de suas execuções. Tal processo acontece, consoante Pedrosa (2006)
para que seja distinguido o individuo real (que produz de um enunciado) e o
sujeito do enunciado (narrador ou emissor do enunciado). Desta forma, a polifonia
(a mostrada e marcada) trará consigo alguns aspectos da linguagem que serão
importantes para esta identificação em um discurso.
Conforme Cunha (2002), estudar a
polifonia textual nos ajuda a identificar tanto o diálogo entre os diferentes
discursos que formam o texto como a compreender as diversas vozes dos sujeitos
que se confrontam nesse espaço interlocutivo.
É por meio
das formas marcadas e não marcadas de dialogismo que percebemos a posição e os
pontos de vista do enunciador do discurso atual, o grau de distância ou de
adesão aos discursos dos enunciadores citados ou mencionados, e os lugares
ocupados por eles (CUNHA, 2002: 166).
Polifonia na prática escolar
Torna-se uma tarefa mais ou
menos árdua transformar aspectos teóricos em práticas efetivas em sala de aula,
principalmente com assuntos que são veiculados praticamente no 3º grau.
No entanto, se examinarmos
as propostas dos PCNs (para o ensino Médio), especificamente no que se refere à
tessitura do texto, verificaremos a orientação para trabalhar as diversas vozes
que circulam em um texto, em outras palavras, a polifonia. Vejamos em duas
citações dos PCNs (sites oficiais, Mec, Governo):
O homem
pode ser conhecido pelos textos que produz. Nos textos, os homens geram
intertextos cada vez mais diversificados, o princípio das diferenciações
encontra no social o alimento de referência.
A
língua dispõe dos recursos, mas a organização deles encontra no social sua
matéria-prima. Mesmas estruturas lingüísticas assumem significados diferentes,
dependendo das intenções dos interlocutores. Há uma “diversidade de vozes” em
um mesmo texto.
O espaço
da Língua Portuguesa na escola é garantir o uso ético e estético da linguagem
verbal; fazer compreender que pela e na linguagem é possível
transformar/reiterar o social, o cultural, o pessoal; aceitar a complexidade
humana, o respeito pelas falas, como parte das vozes possíveis e necessárias
para o desenvolvimento humano, mesmo que, no jogo comunicativo, haja
avanços/retrocessos próprios dos usos da linguagem; enfim, fazer o aluno se
compreender como um texto em diálogo constante com outros textos.
Verificar essas diversas vozes que circulam no texto
torna-se uma prática a ser vivenciada no ensino médio. Dentre os aspectos
lingüísticos disponíveis na língua para marcar essa polifonia, destacaremos,
entre outras, o discurso direto, o discurso indireto, as aspas e a negação.
Entre os não-marcados, enfatizaremos a ironia.
Discurso Direto: É o discurso que propõe reproduzir as palavras
exatas de um enunciador de modo fiel, entretanto, por mais que tente manter
fidelidade ao enunciado sempre contará com um enfoque pessoal, pois segundo
Maingueneau (2001), mesmo quando o discurso direto relata falas de pronúncia
efetiva, estas poderão sofrer modificações que poderão ser enunciações sonhadas
ou futuras por parte daquele que a reproduz, que acaba por se isentar da
responsabilidade da enunciação.
Exemplo 1– enunciação sonhada: No jogo contra Gana, teria gostado de poder
dizer que o jogo foi perfeito, mas isso não aconteceu porque o time
ainda tem muito a evoluir. (Jornal da
Cidade, 28/06/06 Caderno de Esportes, p. 11)
Exemplo 2– DD efetivo: É uma pena não ter feito gols. Considero um jogo
perfeito quando dou passe, faço gols. Isto não aconteceu.
Discurso indireto: O discurso indireto para Maingueneau (2001) é uma
forma independente do discurso direto e a idéia de que se pode passar
mecanicamente deste para o indireto não possui veracidade, pois ambos são
independentes e possuem enunciados próprios. Existem inúmeras formas de traduzir
falas e neste processo será inserido o conteúdo do pensamento de quem as
traduz.
Exemplo 1: Tarso desabafa: “ Estou demitido e com uma missão cumprida”(DD) (www.itelefonica.com.br.
Acesso em 28/06/06)
Exemplo 2: Após
demissão, ministro afirma estar com a missão cumprida.(DI)
Exemplo 3: Desapontado,
o ministro Tarso Genro diz ter cumprido sua missão (DI)
O discurso indireto, no plano sintático é
introduzido por verbos dicendi e por
orações subordinadas substantivas, que se torna diferente do DD, o qual relata
um discurso e não apenas o classifica sintaticamente, possibilitando que este
atribua certo direcionamento ao discurso citado, consoante Maingueneau (2001).
No discurso midíatico, as grandes
empresas de notícias adotam para a camada popular, menos instruída o DD, que
ilustra melhor o processo da enunciação e colabora para um melhor entendimento
dos fatos, já para o público mais instruído, é dada a preferência ao DI, sem a
necessidade de ser tão explícito.
As
aspas: Maneira de se manter
distância do que se diz, colocando a responsabilidade para o outro. Aqui,
segundo Silva (2005), é explicitado a heterogeneidade mostrada, em que as aspas
vão indicar que a expressão não pertence a quem a pronuncia, mas a um locutor,
podendo este ser identificado ou não no texto. Ao utilizar este recurso, o
locutor tenta eximir-se ou distanciar-se da responsabilidade sobre o que está
sendo dito.
Exemplo: O técnico de Gana, Dujkovic,
criticou duramente o árbitro da partida dizendo: Os brasileiros são imbatíveis,
mas também são “intocáveis”. (Folha de São Paulo. Esportes,
pág. 17. 28/06/06)
As aspas em “intocáveis”
anuncia uma terceira voz que aparece no discurso.
A
ironia: Segundo Maingueneau
(2001) a enunciação irônica desqualifica a si mesma e subverte no mesmo
instante em que é proferida. Este é um caso de polifonia, em que o enunciador
profere seu discurso seriamente, mas que na verdade o classifica como sendo
ridículo tal ato no enunciado. Exemplificando melhor, este processo se dá, de
acordo com Pedrosa (2006), quando ao concordar com o locutor, o editor monta
sua estratégia, para em um segundo momento “atacá-lo” com uma idéia oposta que
dará ênfase a uma enunciação irônica.
Exemplo: “Ronaldo
fenômeno é o melhor artilheiro do mundo, agora só falta Parreira
ensiná-lo como é que se fazem gols.” (Bianca Santos, estudante, 19 anos, em
resposta a uma entrevista à Folha, no Vale do Anhangabaú
Neste exemplo, a entrevistada utiliza a
primeira afirmativa concordando com a opinião pública e no segundo instante da
enunciação, ironiza a atuação do craque no jogo de estréia da Seleção
Brasileira na Copa do Mundo.
Exemplo: “Assumi
o Brasil quando ele era uma coisa meio desarranjada e cheguei a se questionar
se deveria disputar a Presidência diante de algumas avaliações de que o país
iria quebrar”. Presidente Lula, sobre sua participação nas eleições de
Outubro, exibindo a eficácia de seu governo e de sua concordância no
Palácio do Planalto. (Jornal da Cidade – Bauru, 24/05/06).
Neste exemplo, o editor, ao
recontextualizar o enunciado, ironiza a fala do presidente Lula, ao executar
erroneamente sua concordância no decorrer da entrevista.
Pressuposição: o
pressuposto é uma hipótese que se cria a respeito de um enunciado já
mencionado, eximindo a responsabilidade do locutor que assume o posto.
Kerbrat-Orecchioni (apud MAINGUENEAU, 1997, p. 79) afirma que “toda asserção é
assumida, explícita ou implicitamente, por um sujeito enunciador e é para este
sujeito, em primeiro lugar, que ela é verdadeira”. Este recurso pode, muitas
vezes, vir auxiliado por uma negação ou a afirmações ligadas à organização
temática do enunciado.
Exemplo: “Eu
não estou gordo”. (Ronaldo Fenômeno
– Folha On-line 16/06/2006) em resposta à exposição de caricaturas
preparada
Aqui a proposição enunciada pelo jogador
nos dá a entender que existe um pressuposto que se omite por trás da negação
mencionada: a hipótese ou pressuposição de alguém ter pronunciado que Ronaldo
está gordo. A pressuposição pode aparecer ligada à organização
temática do enunciado como no exemplo abaixo:
“Implantar a TV
digital no Brasil é vencer o ceticismo, diz Lula” (Veja, 29/06/06)
Neste exemplo, existem, pelo
menos, dois pressupostos: o primeiro é o de que “Existe uma falta de confiança
na implantação da TV digital” ou “as TVs analógicas não são boas”.
Para Ducrot (apud Maingueneau,
2001) o objetivo de um pressuposto é procurar prender a atenção de seu
co-enunciador, para que se estabeleça uma condição de diálogo, que promoverá a
aceitação ou negação de um enunciado, podendo seu co-enunciador contestá-lo ou
fazer dele um elemento de auxílio na construção do discurso.
Negação: A negação constitui a teoria polifônica quando em um
enunciado negativo distingue duas proposições, a primeira é mencionado o que se
quer transmitir e na segunda é negado o que se foi dito, fazendo uma distinção
entre o locutor/enunciador. Nesse contexto, existem dois enunciadores, o
primeiro personagem assume o ponto de vista rejeitado, e o segundo assume a
rejeição desse ponto de vista.
Exemplo: “Eu
não estou gordo”. (Ronaldo Fenômeno
– Folha On-line, 16/06/2006) em resposta à exposição de caricaturas
preparada
Esta negação é
resposta a uma outra voz que afirma que Ronaldo está gordo.
Outros exemplos podem ser citados:
Negação polêmica: é
aquela que se opõe a uma asserção anterior, explícita ou não, emitindo um
verdadeiro estado de negação de um pressuposto que anteriormente era positivo,
mas que é rejeitado na proposição negativa.
Exemplo: “Sou
loira, mas não sou burra”. (Xuxa Meneghel, em 02/05/06, no TV Xuxa,
da Rede Globo.-Fonte:Contigo on-line).
Neste exemplo o enunciador rejeita o pressuposto
anterior que afirmava que Xuxa é loira e burra, de forma explícita e polêmica.
Negação descritiva: “Eu não acho
que ele esteja gordo” (Raica Oliveira, sobre o namorado, Ronaldo, em
14/06/06, no Programa do Jô, da Rede Globo. – Fonte: Contigo On-line)
Apesar do exemplo acima parecer semelhante ao
mencionado na negação polêmica, este possui diferentes estados de negação, pois
a mesma frase poderia ser parafraseada da seguinte forma: Ele está em forma
ou Ele encontra-se com excelente condicionamento físico ou Eu
acredito que ele esteja absolutamente
textos:
análise de marcas polifônicas
Quadro 1:
texto com DD, DI e aspas
n |
Marcas polifônicas |
texto |
1 2 3 4 5 |
Título: Aspas A que voz social se refere
a palavra “vive” utilizada com aspas? Chamada da matéria: Aspas e
discurso indireto Verificar o uso do discurso
indireto e aspas para marcar a fala do locutor e do jornalista. Matéria (1º parag.): DI,
aspas Indicar mais uma vez os
recursos lingüísticos utilizados no texto e enfatizar que efeitos discursivos
são gerados a partir dessa prática. Matéria (2º parag.): DD,
DI, aspas, DD A fim de autenticar a veracidade
das informações, a jornalista opta pelo DD no 2º parag. E para variar os
recursos discursivos, mais uma vez utiliza o DI, as aspas e novamente o DD.
Explore esses recursos em seus aspectos lingüísticos e também como produtores
de textos, indicativos de como as vozes podem se manifestar em um texto. Matéria (3º parag.): DD, DI Verificar como ocorre a
intercalação na escolha entre os DD e DI. Ressaltar mais uma vez as vozes do
locutor e da jornalista. |
30/06/06 às 16:18 Varig "vive" " e comprador herdará
todas as linhas Presidente
da Agência Nacional de Aviação Civil afirmou que a companhia opera
"normalmente", apesar das linhas estarem "congeladas" Por Simone
Menocchi e Renata Stuani São
José dos Campos, 30 (AE) – O presidente da Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac), Milton Sérgio Zuanazzi, disse hoje (30) de manhã, na sede da Embraer "A
Varig está viva. O programa de emergência não deixou nenhum passageiro em
casa até agora, ninguém deixou de chegar. Houve transtornos, mas foram
resolvidos", afirmou Zuanazzi, que participou da cerimônia de
certificação do jato comercial Embraer 195. Sem esconder a expectativa sobre
a compra da Varig, Zuanazzi disse que gostaria que o problema fosse resolvido
"hoje" e acredita que até terça-feira os vôos sejam retomados
normalmente. "A Varig que solicitou este prazo até dia três. Não sabemos
se será preciso prorrogá-lo." Zuanazzi
explicou o plano de estratégia para atender os passageiros. "Nas rotas
nacionais a Anac opera com as demais empresas e a demanda está diminuindo já
que desde a semana passada as passagens não foram mais vendidas. De acordo
com a demanda, e por causa do período de alta temporada estamos autorizando
vôos extras das outras empresas". Informou também que nas rotas
internacionais a Varig colocou aviões menores e fez acordos com outras
empresas. "E antes que vocês perguntem, na Alemanha está operando
normalmente". |
Quadro 2: ironia e negação
n |
polifonia |
textos |
1 |
Destacar as duas vozes
presentes no texto: a do locutor e a do editor. Analisar como ocorre a
ironia na fala do editor. Considerar o conhecimento
de mundo de que Ana Maria Braga é Bióloga, então sua afirmação sobre a água
precisa ser analisada sob essa ótica. |
(V/012– 10/01/01) "A
água tem um grande poder de transmitir energia. Além disso, umedece o
ambiente quando o ar-condicionado o deixa ressecado." |
2 |
Explorar o uso do adjetivo
(pobre) e o substantivo (bagatela) como índices que podem orientar o leitor
para a leitura irônica do posicionamento do editor. Pode-se também explorar a
negação na fala do locutor como sendo resposta a uma outra voz que afirmava que
ele brincava de trabalhar. |
(V/479 – 27/06/01) "Não
estou brincando de trabalhar. Tenho filha pequena para criar e uma pilha
de carnês para pagar." |
Exercício:
Indicar a polifonia e os recursos lingüísticos e discursivos
05/05/06 às 13:29 Garotinho admite pela primeira vez inviabilidade de
candidatura
''Atingiram o objetivo: me encheram de
denúncia, anteciparam a convenção onde vão dizer que caí nas pesquisas e por
isso não posso ser candidato'' RIO DE JANEIRO
– Pela primeira vez desde que começaram as denúncias de
irregularidades sobre as doações para sua pré-campanha à Presidência, o
ex-governador do Rio Anthony Garotinho admitiu que sua candidatura não é mais viável.
Eu não tenho mais ilusão. Minha candidatura só sai por um milagre" disse
ele em entrevista à radio Tupi hoje de manhã.
"Atingiram o objetivo: me encheram de denúncia, anteciparam a convenção
onde vão dizer que eu caí nas pesquisas e por isso não posso ser
candidato".
Garotinho atribuiu as denúncias a uma estratégia usada por seus inimigos para
lhe destruir. "Isso tudo foi armado por um triângulo formado pelos bancos,
pelo presidente Lula, que sabe que se eu for candidato ele não ganha, e por
gente de dentro do PMDB", disse, também, na entrevista.
Pela primeira vez ele citou nomes de outros peemedebistas que teriam interesse
em armar as denúncias. Para Garotinho, os senadores José Sarney, Renan
Calheiros e Ney Suassuna, todos da ala governista do partido, são alguns dos
responsáveis pela crise que atingiu sua candidatura.
Na entrevista à rádio, Garotinho voltou a dizer que só vai parar a greve de
fome, iniciada no domingo, quando obter direito de resposta na revista Veja e
nos veículos das Organizações Globo.
No quinto dia de greve de fome, Garotinho acordou às sete da manhã, e recebeu a
visita do médico Abdu Neme; do presidente da Assembléia Jorge Picciani (PMDB) e
do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB).
(http://www.oi.com.br/data/Pages/0368EBB1ITEMID4ABE4FA1DC0547549BCC848C8296EBB4PTBRIE.htm)
conclusão
Propusemos com este mini curso extrapolar
os limites de verificar os recursos presentes em um texto apenas pelas
perspectivas gramaticais e estilísticas. Aspectos da AD podem ser aplicados com
propriedade a estudos também no ensino médio. A polifonia, como um desses
aspectos, constitui um estudo produtivo para se fazer uma releitura dos DD e DI,
da negação, da ironia, e do uso das aspas entre outros.
Referências bibliográficas
AMARAL, M. V. Borges. Língua, história e ideologia.
Leitura – Análise do Discurso, Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras (UFAL),
Maceió, n. 23, jan/jun – 1999, p. 25-46.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem.
11ª ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
FERREIRA, Maria Cristina Leandro. A língua da análise
de discurso: esse extranho objeto de desejo. In: INDURSKY, Freda & FERREIRA, Maria Cristina Leandro (Orgs.).
Michel Pêcheux e a análise do discurso: uma relação de nunca
acabar. São Carlos: Claraluz, 2005.
FOLHA DE SÃO
PAULO (disponível em www.folhaonline.com.br,
acesso em 28/06/06)
FOULCAULT, Michel. A ordem do discurso. São
Paulo: Loyola, 1969.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução de: Cecília P. de Souza
e Silva e Décio Rocha. São Paulo, Cortez, 2001.
––––––. Termos-chave
da análise do discurso. Tradução: Márcio Venício. Belo Horizonte: ed. UFMG,
1998.
––––––. Novas
tendências em análise do discurso. Unicamp: Pontes, 1997.
MARI, Hugo. Fundamentos
e dimensões da análise do discurso. Belo Horizonte: Carl Borges – Fale
–UMG, 1999.
MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução
à lingüística: domínios e
fronteiras. 4ª ed. v. 2. São Paulo: Cortez, 2004.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise de discurso:
princípios e procedimentos. 6ª ed. São Paulo: Pontes: Campinas: UNICAMP, 2005.
––––––. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez:
Campinas: UNICAMP, 1987.
PARÂMETROS
Curriculares Nacionais. Ensino Médio.
Sites oficiais do MEC e Governo.
PEDROSA, Cleide Emília Faye. Tópicos em análise do
discurso: Sujeito e Polifonia. Minicurso apresentado na UFS, 2006 (inédito).
PORTAL TERRA. (Disponível em: www.terra.com.br., acesso em 28/06/06)
POSSENTI, Sírio. Os limites do discurso:
ensaios sobre discurso e sujeito. Curitiba: Criar edições, 2002.
REVISTA
CONTIGO (disponível em www.contigoabril.com.br,
acesso em 27/06/06)
REVISTA
TELEFÔNICA (disponível em (www.itelefonica.com.br.
Acesso em 28/06/06).
REVISTA VEJA. (disponível em www.vejaonline.com.br,
acesso em 28/06/06)
SERRA, Giane Moliari Amaral. Saúde e nutrição na adolescência: o discurso sobre dietas na
Revista Capricho. (disponível em www.portalteses.cict.fiocruz.br,
acesso em: 23/05/06).
SILVA, Gustavo A. P. da. Pragmática: As representações do Eu e seus efeitos de sentido. A
ordem dêitica do discurso. São Paulo: Enelivros, 2005.
Glossário
Análise
do Discurso: disciplina que
trabalha a formação discursiva dos
textos e propõe a idéia de que um discurso é tecido a partir do discurso do
outro. Busca sempre associar uma enunciação a certo lugar social. Discurso:
efeito de sentido que é
produzido na interlocução entre falantes, dentro de contextos determinados.
Ele sofre mudanças de acordo com as escolas em que é utilizado e surge em
situações sociais variadas. Enunciação: manifestação
do pensamento através das palavras, utilizada por indivíduos socialmente
organizados. Ela jamais se repete e é marcada pela singularidade. Enunciado:
figura da enunciação que
representa o ponto de vista construído por um enunciador, que pode estar de
acordo com o que narra ou em oposição a esta narrativa. Heterogeneidade:
termo utilizado na AD para
explicitar a forma como diversas vozes cruzam o discurso do outro e se
completam ou se contrapõem em sua execução. Segundo Authier (1982) ela pode
ser mostrada ou constitutiva. Heterogeneidade
constitutiva: trata-se da
formação do discurso constituído por várias vozes que fazem parte de todo um
universo discursivo, o qual é formado por vozes da história e cultura (e
também do inconsciente), em que o locutor não tem controle racional e em
alguns momentos nem sequer consciência. Heterogeneidade
mostrada: é a forma pela qual o
discurso torna-se detectável no decorrer de um texto. Ela nos revela a que
vozes os discursos necessitam recorrer para se constituir, ao mesmo tempo em
que |
possuem
relação com estas em campos discursivos diferentes.
Ela pode ser dividida em marcada e não-marcada. Heterogeneidade
marcada: aparece de modo único e
pode ser identificada através do discurso direto ou indireto, aspas, itálico
ou metadiscurso. Heterogeneidade
não– marcada: é Identificada através do discurso indireto livre, da
ironia, da metáfora. Interdiscurso:
é o conjunto de discursos que se
relacionam entre si, procurando estabelecer uma formação discursiva entre
discursos semelhantes ou diferentes. Intertexto:
são os fragmentos implícitos ou
explícitos de discursos que são citados efetivamente no discurso. Intertextualidade:
é a relação existente entre uma
formação discursivas e outras formações, podendo ser interna (quando trata-se
de um mesmo campo discursivo) ou externa, quando existir relação. Polifonia:
fenômeno lingüístico em que todo
discurso é tecido por outro discurso, através de várias vozes que falam de
perspectivas ou pontos de vista diferentes com os quais o locutor se
identifica ou não. Sujeito:
é aquele que existe socialmente,
marcado por uma ideologia. Não se apresenta como fonte absoluta de sentido,
por ser marcado por outras falas que o constituem. Texto:
unidade que para ser
compreendida exige um conhecimento prévio das condições sociais e ideológicas
em que foi formado. Elemento construído semanticamente no espaço discursivo
de interlocutores. |