A PRODUÇÃO DE TEXTOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
RELATO DE EXPERIÊNCIA COM ‘OFICINA DE ESCRITA’

Ada Magaly Matias Brasileiro (FP)

 

O presente trabalho relata uma experiência com o ensino da produção de texto na Educação Básica e objetiva mostrar a metodologia da Oficina de Escrita como uma alternativa viável e eficiente na melhoria do aluno-autor, não apenas do texto em si. Defende a premissa que, ao desartificializar a produção textual na escola, o aluno se motivará a escrever e transformará o seu desempenho lingüístico-textual, o que é provado através de análises comparativas de produção de alunos do 3º ano do Ensino Médio.

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Uma democratização das teorias da linguagem é o que se nota nos últimos anos de exercício do magistério, atingindo diretamente a prática daqueles que se inquietam com a melhoria do desempenho textual-discursivo dos seus alunos. O que antes era restrito ao meio acadêmico-científico, foi-se difundindo nos ambientes escolares, chegando aos professores de séries iniciais e médias, conferindo-lhes segurança no processo ensino-aprendizagem da língua materna.

Dentre essas teorias, uma que tem alcançado maior ressonância é a sócio-interacionista, cujas correntes se disseminaram, alcançando eco no Brasil, através de estudiosos como Koch, Marcuschi, Fávero e outros, que concebem a língua como uma “atividade interacional de sujeitos sociais, tendo em vista a realização de determinados fins” (KOCH, 2000: 7) e que possibilita a uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que exigem dos seus semelhantes reações e/ou comportamentos.

Isso gerou uma mudança radical na prática escolar, antes calcada apenas no discurso como produto e encontrou dificuldades e um grande mal-estar entre os profissionais: se por um lado, a formação desses professores previa apenas uma ação tradicionalista, por outro, a nova proposta propunha sim uma idéia coerente, porém não uma fórmula de ação, o “como fazer”.

A necessidade de execução da nova proposta cresceu ainda mais quando foi endossada pela LDB 9394/96, que em seu parágrafo segundo afirma que “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” e, posteriormente, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998: 19):

O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade lingüística, são condições de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura.

A referida Lei atribui à escola a responsabilidade de garantir aos alunos os saberes lingüísticos necessários ao exercício pleno da cidadania, considerando a realidade e os interesses dos alunos e usando o texto como oportunidade de refletir sobre a linguagem, de compreender o mundo que os cerca e de interagir com a realidade.

Além das imposições legal e teórica, há que se considerar a total desmotivação dos alunos para com a escrita, pois não viam sentido nas aulas de redação, achando-as entediantes e fora da realidade. Tidos como incapazes de expressar o que desejavam através da escrita, os alunos eram criticados pelo seu desempenho.

Diante desse quadro que provocou discussões, descrença e inquietação, algumas instituições e profissionais passaram a realizar experiências com a linguagem, tendo o texto como objeto de trabalho, e a leitura e produção como os objetivos. Entretanto, os procedimentos operacionais e as ferramentas de avaliação fugiam ao controle do professor que, ao fim da etapa, não sabia verificar o que havia trabalhado ou o que o aluno havia aprendido.

Aos poucos, alguns procedimentos como oficinas, circuitos, workshops... foram ganhando visibilidade. Tais práticas consideram o discurso como atividade de interação, necessitando do encontro dos sujeitos sociais (autor/leitor) através do texto para que dele se produza um sentido, atrelado à intenção de quem escreve e às marcas que ele deixa na materialidade lingüística.

Considerando os poucos referenciais práticos da nova teoria e a necessidade de tais registros para quem atua na sala de aula, apresento esta comunicação com o objetivo de relatar uma experiência positiva com oficina de escrita desenvolvida em uma escola particular de ensinos fundamental e médio, conveniada à Rede Pitágoras, em Almenara-MG.

 

A OFICINA DE ESCRITA

O método

Foi refletindo sobre o novo objetivo do ensino de Língua Portuguesa e estudando sobre as possibilidades de implantação dessa nova proposta, através de uma metodologia exeqüível e eficiente no que diz respeito ao despertar dos alunos para a escrita, que a Rede Pitágoras chegou à experiência da pesquisadora americana Lucy Calkins (1989), adaptando-a à realidade brasileira. Trata-se da Oficina de Escrita, uma metodologia cuja origem se deve a uma pergunta básica: o que é essencial no ensino da escrita? Através desta questão, a referida autora concluiu que: “escrever é tomar consciência de que se está vivo” (Calkins, 1989:15).

A dinâmica em apenso prevê sete passos básicos:

1)       planejamento – É o momento das decisões quanto ao assunto, gênero textual, modo de veiculação do trabalho, objetivos a serem alcançados, material a ser utilizado, divisão dos textos e cronograma;

2)       escrita - após o planejamento, o aluno passará a executar aquilo que planejou, esta é a fase da produção propriamente dita;

3)       revisão e círculo de autores - após ter escrito, no mínimo dois textos, os alunos revisarão as suas produções e, posteriormente, a sala se transformará em um círculo de leitores. É um momento de interação, avaliação e auto-avaliação;

4)       releitura do projeto e ajustes finais - com base nos objetivos que o aluno-autor pretendia alcançar, ele relerá todos os textos, no intuito de fazer as alterações e adaptações cabíveis;

5)       arte final - momento de passar o trabalho a limpo, formatando-o conforme o planejado. Por exemplo, se for uma revista, o aluno produzirá capa, índice, manchetes, e inserirá os textos que produziu, desenvolvendo, também, as habilidades artísticas;

6)       avaliação final do autor - o aluno deve analisar os objetivos, o processo que percorreu e o produto final, registrando no campo específico o seu parecer;

7)       encontro de autores - essa é a etapa final da oficina e consiste na reunião de todos os trabalhos da turma para uma breve apresentação e exploração dos mesmos. Aqueles que mais agradarem poderão ser expostos para a comunidade escolar.

 

O projeto

Após a realização de um treinamento na metodologia, pelos professores do Colégio Comunitário Dr. Fernando Magalhães – Rede Pitágoras, no ano letivo de 1997, vimos que se tratava de uma proposta de trabalho autônomo de produção de texto realizado pelo aluno, na sala de aula, sob a orientação do professor, com o objetivo de buscar a motivação e a melhoria do desempenho lingüístico. Pretendia-se, também, a conscientização de que tais produções são instrumentos comunicativos e, conseqüentemente, a independência quanto a qualquer gênero textual e assunto.

A oficina visava também ao oferecimento de leitores ao autor. Isto quebrava a prática anterior de apenas os professores lerem as produções dos alunos. Além disso, havia como hipótese a idéia de que ao desartificializar a prática do modelo redacional escolar, dando-lhe significado, um destino social, gênero, portador, linguagem adequada, público-alvo e um projeto de escrita do interesse individual, alcançaríamos um melhor desempenho dos alunos, não apenas de um texto isolado.

Iniciamos, naquele mesmo ano, a implantação da oficina nas turmas de 5ª série (EF) ao 2º ano (EM), a partir de explicitações sobre a proposta e de uma folha específica de planejamento individual. Vale salientar que o relato que ora desenvolvo se restringiu apenas à turma que iniciou o trabalho na 7ª série, devido ao fato de tê-la conduzido até o 2º ano do EM, em 2000, propiciando-me uma melhor condição de observação do processo.

 

Os papéis

O professor

Ø       auxilia a turma na elaboração dos planejamentos;

Ø       define o cronograma das atividades;

Ø       faz conferências individuais e registra-os no projeto;

Ø       monitora e registra a produtividade de cada aluno;

Ø       realiza minilições;

Ø       mantém uma postura de um leitor crítico, considera o que o aluno escreveu, dá sugestões, faz elogios, indica ou fornece algum material de apoio, aponta para alguma falha mais freqüente;

Ø       lê todos os produtos finais, pontua conforme programa da escola e dá um parecer escrito;

 

O aluno

Ø       toma decisões quanto ao assunto, gênero, modo de veiculação do trabalho, linguagem e planeja-o;

Ø       providencia o material necessário;

Ø       identifica os pontos que devem ser melhorados;

Ø       executa o planejamento conforme cronograma e faz auto-avaliações;

Ø       lê o seu trabalho e reescreve-o de acordo com as necessidades, bem como lê os trabalhos dos colegas, emitindo suas opiniões de leitor.


 

Material a ser utilizado

Uma pasta contendo o planejamento da oficina, um bloco de papel para rascunho, material didático básico, dicionário e revistas relacionadas ao assunto a ser desenvolvido.

 

Forma de avaliação

Tanto o processo quanto o produto final da oficina são avaliados. Sendo que 60% dos pontos são distribuídos durante o processo e 40% atribuídos ao produto final.

 

A COLETA DOS DADOS

No intuito de verificar se o desempenho lingüístico dos alunos melhorara após a implantação da oficina de escrita, realizou-se uma observação participativa durante o ano de 1997. Ao final daquele ano, foi aplicada uma entrevista escrita não-diretiva aos alunos, esclarecendo-lhes que não era necessária a identificação no material. Em 2000, a turma do 3º ano do EM, outrora na 7ª série, foi submetida a uma análise comparativa com outras duas turmas de escolas diferentes que tinham passado pelo processo tradicional de produção de texto.

 

RESULTADOS OBTIDOS

Observações iniciais

Logo no primeiro ano de trabalho, notou-se uma motivação maior dos alunos. A aula que antes era rejeitada passou a ser desejada por eles. Os professores observaram que os alunos esperavam ansiosos pelo momento da oficina para poderem brincar com suas idéias. Isso gerou um efeito positivo também nos professores que passaram a se envolver com os projetos individuais.

A entrevista não-diretiva aplicada no final de 1997 confirmou esse estado motivacional, sendo que mais de 80% dos alunos identificaram o documento e 90% deles aprovaram a nova metodologia, com declarações como as transcritas a seguir:

·   “Na oficina, pude conhecer melhor os meus colegas, a partir dos seus trabalhos.”

·   “Cresci muito com a Oficina, melhorei a minha escrita, as minhas idéias se desenvolveram mais.”

·   “É bom ter um roteiro a seguir, isso ajuda na formação do nosso caráter, nos incentivando a ter mais responsabilidade.”

·   “Ao mesmo tempo esse trabalho é prazeroso e educativo.”

·   “Gostei muito da Oficina, pois descobri que gosto de criar histórias e que posso melhorar cada vez mais.”

Alguns alunos reclamaram que o processo é trabalhoso, mas concordaram ser mais prazeroso do que o anterior.

Apesar de o feedback ter sido positivo, o resultado pretendido - a construção do autor independente - não fora ainda alcançado, e tínhamos a consciência de que isso levaria mais tempo.

 

Análise do desempenho lingüístico-textual dos alunos

Em 2001, tive de me mudar para Governador Valadares, onde fui trabalhar com uma turma de 3º ano (EM), em uma escola privada de público-alvo semelhante ao de Almenara. Foi-me dada a tarefa de preparar os alunos para a redação do Vestibular. De imediato, notei a diferença de desempenho lingüístico entre os dois grupos. Apesar de os alunos de agora terem produzido bastantes textos durante toda a vida escolar, isso ocorreu da maneira tradicional e eles se diziam despreparados para escrever. Além disso, o Vestibular se aproximava e o grupo estava ansioso.

Vi aí uma oportunidade de verificar se realmente os alunos da oficina, agora também no 3º ano, tinham obtido algum ganho por terem recebido tratamento diferente. Vale lembrar que tais alunos não tiveram m treinamento específico em texto dissertativo [1], pois tinham a liberdade de escolher o que gostariam de desenvolver.

Assim, após uma produção de texto da turma de Gov. Valadares (Grupo A), cujo tema estava relacionado à guerra contra o terrorismo (assunto recorrente naquele momento), retirei de maneira aleatória um exemplar de produção daquele grupo e o encaminhei à turma de Almenara (Grupo B) para que pudesse reescrevê-la[2]. A atividade foi proposta, sem mencionar o objetivo da mesma, a fim de colhermos produções espontâneas e verdadeiras.

No ano seguinte, trabalhando com outra turma de 3º ano, de uma outra cidade da região, Teófilo Otoni (MG), do mesmo nível social, também treinada de maneira artificializada em redação, repeti a atividade de retextualização aplicada aos alunos de Almenara.

Com isso, pretendia fazer uma análise comparativa do processo de elaboração dos textos, verificando a organização em unidades tópicas nos planos vertical e linear, a estrutura argumentativa, os tipos de substituição ocorridos, o vocabulário, o nível de correção gramatical, a paragrafação e a marcação lingüística dos parágrafos e dos tópicos.

Utilizei-me, para esse fim, dos estudos de Clélia Jubran (1992), Ingedore Koch (2000, 2001 e 2002), Marcuschi (2001 e 2002) e Van Dijk (1992), que focalizam o tópico, o fluxo temático do texto e as operações de retextualização.

Apenas para exemplificar, transcrevo abaixo o texto-fonte (TF1), produzido em Gov. Valadares e duas retextualizações: a R1 feita por aluno de Almenara e a R2 por aluno de Teófilo Otoni.

 

Análise de produções

Na Figura 1, a seguir, tem-se um esquema da composição vertical e linear desse texto-fonte. No que toca à primeira, vertical, tem-se o perfil de sua hierarquia tópica, que compreende, na linha de análise de Jubran et al (1992), um primeiro nível de SUPERTÓPICOS e níveis mais baixos, em auto-encaixes, de

Isso tem que acabar

A luta contra o terrorismo está temendo a população mundial, acabando com a paz e com a tranqüilidade. Não está certo esse tipo de luta, guerra e confronto que está malando pessoas inocentes, acabando com lugares históricos, igrejas, monumentos, etc. Quem somos nós, seres humanos, julgar e matar quem não nos fez mal.

Alguns querem acabar com o terrorismo e outros que não dá pra entender seus motivos. Mas todos estão agindo errado, porque cinco mil aproximadamente e agora um país praticamente inteiro não precisavam ser mortos e destruídos por causa de problemas políticos e religiosos. Existem acordos que podem ser realizados para se chegar a uma ou várias conclusões. Não precisamos sujar nossas mãos de sangue para se pedir paz ao mundo, o que deve ser ter paciência e sabedoria para conseguir o que queremos, e basta unirmos para isto não continuar acontecendo, e não existe arma maior do que a força da voz do amor dos homens.                                                                                 TF1

 

Pelo que se pode constatar, a estrutura vertical do texto-fonte aqui em apreço compreende dois parágrafos que abarcam 4 níveis:

a)       três SUPERTÓPICOS também considerados idéias núcleo;

b)       sete subtópicos, em 3 níveis hierárquicos diferentes que, embora tenham relação com o tema proposto, contêm passagens pouco claras, que perturbam o fluxo interno das unidades tópicas e a sua concatenação.

Do ponto de vista linear, observa-se que o SUPERTÓPICO 1 ("A luta contra o terrorismo está temendo a população mundial...") é complementado pelo Subtópico 1 ("Não está certo esse tipo de luta...”), rompido pelo SUPERTÓPICO 2, que expressa uma auto-avaliação ("Quem somos nós, seres humanos, julgar e matar quem não nos fez mal."). Esse questionamento interrompe as considerações que vinham sendo feitas pelo autor, quebrando-lhe o fluxo. Diferentemente, o SUPERTÓPICO 3, delimitado, graficamente, por novo parágrafo, vai-se forjando através de material complementar.

Na observação ali registrada, o autor faz uma constatação pouco clara e também desvinculada da idéia anterior. A esse ST3, ele encaixa dois Subtópicos: o primeiro é uma opinião que se encerra em si mesma, e o 2º expressa outra constatação, cujo teor se relaciona aos acordos que podem ser realizados, para dar fim aos conflitos entre os homens. Nesse sentido, o informante constrói mais dois níveis, apresentando uma sugestão, conselhos e outra constatação.

No que diz respeito à marcação lingüística de todo esse fluxo temático, nota-se, de um modo geral, a opção pela justaposição dos períodos em lugar de termos articuladores.

Isso compromete tanto a centração do texto, pela falta de clareza com relação à idéia central do texto, quanto a delimitação local das partes do texto – abertura, desenvolvimento e conclusão – que se ressente de uma marcação mais precisa do seu conteúdo. Uma das evidências disso é a divisão do texto em dois parágrafos, acumulando, no segundo, idéias de desenvolvimento e de conclusão.

Essa situação insustentável

Supostamente é uma luta contra o terrorismo que ameaça a liberdade. Mas que liberdade é essa que tira a paz e a tranqüilidade? Luta que mata inocentes. Que não resgata, mas condena o patrimônio histórico-cultural mundial. Luta que coloca um em posição privilegiada, que outorga o direito de matar indiscriminadamente.

É uma situação extremamente paradóxica porque querem acabar com a violência usando a própria violência. Resolver divergências político-religiosas através da explosão de um prédio ou ataque a toda uma nação não parece ser um dos melhores modos. Principalmente se considerarmos que vivemos em uma situação civilizada.

Tantas outras guerras passaram e o homem ainda não percebeu que enquanto as mãos estiverem sujas de sangue, enquanto a sabedoria e a paciência não forem as bases, não haverá felicidade. Felicidade fundamentada no amor.                                                           R1

 

Isso Tem que Acabar

A luta contra o terrorismo está ameaçando a paz mundial. Não é certo enfrentar terroristas usando os mesmos métodos deles, matando inocentes e destruindo lugares históricos, igrejas e monumentos.

Todos estão agindo erradamente, tanto os que querem acabar com o terrorismo como os próprios terroristas. Cinco mil pessoas foram mortas e um país inteiro destruídos por motivos políticos e religiosos.

Não precisamos sujar nossas mãos de sangue para pedir paz ao mundo. Com sabedoria poderíamos conseguir a união e usar a maior arma que é a força do amor entre os homens.                   R2

 


 

Confronto de dados

Da análise efetuada e dos confrontos parciais realizados entre os três grupos, no tocante à organização tópica dos textos, pode-se deduzir que:

a)       quanto à leitura vertical, os dados mostraram que, diante dos problemas hierárquicos, os alunos dos grupos B e C empenharam-se em modificá-los, o que foi feito em maior proporção e criatividade pelo Grupo B. Promovendo cortes de material e redistribuição hierárquica, o Grupo C, contentou-se em efetuar alterações superficiais, mantendo um mínimo de distanciamento entre as suas produções e os textos-fonte;

b)       no plano linear, em que se puderam constatar problemas de seqüenciação no textos originais, o Grupo C tentou proceder a algumas correções, tendo, contudo, obtido pouco sucesso – o que repercutiu em suas produções, que acabaram repetindo as mesmas impropriedades da exemplar. O Grupo B, ao contrário, demonstrou melhor preparo quanto a esse aspecto, realizando reformulações de passagens mal elaboradas, modificando a organização tópica do texto matriz, aumentando-lhe a força ar argumentativa. Para isso, valeu-se de uma pontuação mais adequada, de um vocabulário mais pertinente, amplo e erudito, reestruturação dos campos semânticos, empregando dêiticos e referentes variados e utilizando articuladores/operadores, que marcaram mais explicitamente as partes constitutivas de seus textos e a sua direção argumentativa. A par disso, mais criativo, imprimiu em suas retextualizações um toque pessoal;

c)       com relação à marcação lingüística, pôde-se observar que os alunos do Grupo B utilizaram, com a devida adequação, os recursos lingüísticos indiciadores da articulação lógico-semântica das orações, períodos, parágrafos e partes do texto, explicitando sua carga argumentativa. Essa operação foi bem mais restrita nas produções do Grupo C;

d)       quanto à centração temática, pôde-se perceber que o texto-fonte 1 apresentou grande dificuldade para os retextualizadores, uma vez que não delimitava com a devida clareza o tema. Procurando resolver o problema, os alunos do Grupo B reduziram a quantidade de seus subtópicos de sete para quatro, e os do Grupo C, de sete para seis;

e)       no tocante à delimitação local, verifica-se que ambos os grupos utilizaram, em maior ou menor escala, a paragrafação como recurso de delimitação das partes que integram os textos dissertativo-argumentativos: introdução, desenvolvimento e conclusão. Quebrando essa uniformidade de procedimentos, o Grupo B completou essa operação, através do emprego de articuladores e de sinais de pontuação, que marcaram de um modo mais eficiente a delimitação dessas fases e as relações semântico-argumen-tativas nelas engendradas.

No que diz respeito às estratégias utilizadas no processo da retextualização, observou-se, segundo Marcuschi (2001), o seguinte:

a)          a eliminação foi a de maior proeminência nas redações dos alunos do Grupo C, que, em face de passagens mal estruturadas do texto-fonte, sanearam-no, suprimindo apenas alguns deles. Com isso, muitas vezes, os trechos redundantes ou parafraseados persistiram em suas retextualizações. Optando por uma operação alternativa, o Grupo B resolveu a questão, procurando reelaborar os trechos problemáticos;

b)          o recurso à inserção de parágrafos e a uma pontuação mais precisa foi a operação mais constante nos textos do Grupo B, que a utilizou não só para delimitar melhor as partes constitutivas do texto, como para delimitar melhor as unidades tópicas. Com maior domínio do padrão culto, esse Grupo promoveu, além de correções gramaticais, substituições de itens lexicais por vocábulos mais eruditos.

Em suma, pode-se afirmar o seguinte: o Grupo B demonstrou maior preocupação em resolver os problemas percebidos no texto original procurou reestruturá-lo, dando-lhes um trato estilístico ou reordená-los, em função da seqüência argumentativa ou, então, condensar-lhe as idéias, quando necessário. Diferentemente, o Grupo C mostrou-se tímido na efetivação das melhorias, limitando-se a modificações mais superficiais, como a correção gramatical, de que ele próprio não conseguiu se esquivar, revelando, pois, menor domínio da norma culta do que o Grupo B.

 

V CONSIDERAÇÕES FINAIS

O treinamento em produção de textos através da Oficina de Escrita trouxe bons resultados desde a sua implantação. Além da motivação inicial, os alunos se conscientizaram de suas próprias dificuldades, buscando saná-las e dando lugar ao autor independente.

Conseguimos, também, proporcionar ao aluno tempo e oportunidade, na escola, de desenvolver suas habilidades de escrita, de descobrir empiricamente o que funciona e o que não funciona nas estratégias discursivas que emprega ao escrever, e, principalmente, de motivar-se para tal, uma vez que ele não escreve para um leitor único, o professor, mas para toda a comunidade escolar.

Durante esse tempo, tivemos também a oportunidade de divulgar os trabalhos dos alunos, bem como publicar dois livros com produções da oficina, além de premiações locais e nacionais em concursos de redações e excelentes resultados nos Vestibulares.

Quanto à comparação com produções de outro grupo – não treinado em produção de texto – serviu para verificar, através de dados, que realmente há diferença no desempenho lingüístico-textual dos alunos, pois, apesar de não terem sido treinados especificamente para o texto dissertativo, eles sobressaíram em relação aos demais.

Os ganhos observados com a dinâmica relatada referem-se, principalmente, à organização tópica linear e hierárquica do texto, ao domínio da norma culta, articuladores discursivos, pontuação e vocabulário, utilizados em favor da estrutura argumentativa. Alcançou-se, pois, o objetivo principal, que era a melhoria do autor como um todo, que interage com a sua realidade, que lê e produz textos, atendendo às demandas da sociedade.

 


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases Lei nº 9.394/96). Brasília: 1996.

––––––. Parâmetros curriculares de Língua Portuguesa. Brasília: 1998.

CALKINS, Lucy McCormick. A arte de ensinar a escrever. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

JUBRAN, Clélia C. A. S. et al. Organização tópica da conversação. In: ILARI, Rodolfo (Org.). Gramática do português falado. Campinas: UNICAMP, 1992. v. II, p. 357-397.

KOCH, Ingedore G. Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 2000.

KOCH, Ingedore G. Villaça. A Inter-ação pela linguagem. 6ª ed. São Paulo: Contexto, 2001.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

SOARES, Magda Becker e CAMPOS, Edson Nascimento. Técnica de redação. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.

VAN DIJK, Teun. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 1992.


 

 

[1] Tipo textual mais exigido nos Vestibulares, haja vista que possibilita uma avaliação das capacidades lingüística e textual do aluno ao defender uma idéia central através de argumentação contundente e estrutura previsível – introdução, desenvolvimento e conclusão – Soares (1978).

[2] Utilizo-me da prática de retextualização do escrito para o escrito, nos termos de Marcuschi (2001).