O sujeito pronominal de 3ª pessoa:
um estudo em tempo real

Angela Marina Bravin dos Santos (UFRJ e FAMA)

 

INTRODUÇÃO

Este texto apresenta um estudo variacionista sobre a realização do sujeito anafórico de 3a pessoa na fala culta carioca. O objetivo principal foi investigar, num estudo em tempo real de curta duração, o comportamento do sujeito anafórico de 3a pessoa na fala culta do PB, mais especificamente no dialeto carioca, para verificar se, no espaço de tempo que separa as amostras, houve mudança no indivíduo e na comunidade.

Parte-se da hipótese de que o PB passa por um estágio em que nem tem um comportamento de língua de sujeito nulo prototípica nem de língua de sujeito preenchido. Parece que essa variedade do português está em processo de se tornar uma língua negativamente marcada em relação ao Parâmetro do Sujeito Nulo. Espera-se encontrar diferenças qualitativas e quantitativas na realização do sujeito de 3a pessoa, o que confirmará o progresso da mudança para se tornar uma língua negativamente marcada em relação ao Parâmetro do Sujeito Nulo.

Trata-se de um estudo em tempo real de curta duração, nos moldes de Labov (1994), tomando por base os pressupostos da Sociolingüística Variacionista e da Teoria de Princípios e Parâmetros. Dois tipos de estudos foram realizados: um estudo de painel, que examina o desempenho do indivíduo em dois momentos distintos, e o estudo de tendência, que investiga duas amostras de fala da mesma comunidade colhidas no mesmo intervalo. As amostras utilizadas fazem parte do Projeto NURC-RJ, gravadas nos anos 70 e 90, separadas por um período de 20 anos, aproximadamente.


 

A ANÁLISE VARIACIONISTA:
ESTUDOS DE PAINEL E TENDÊNCIA

Variantes

Sujeito nulo

(1) eu dirijo meu carro na própria velocidade que:: eu acho adequada sem prestar atenção a que os vizinhos impacientes­i que buzi::nam pensam que eu estou no caminho deles­­i ao invés de ver que (cv­i) estão neurastênicos..(INQ. 27/década de 90).

 

Sujeito pleno

(2) bem os sindicatos­i surgem no governo de Getúlio Vargas ... eles­i ganham seu/sua crista no governo de Getúlio Vargas (INQ.96/ década de 70)

 

Sintagma nominal

(3) aliás tinha também penteadeira que essa mobília é do meu... do casamento da minha mãe­i ainda então (cv­i)diz que tinha a arca... e penteadeira... minha mãe­i se desfez da arca (INQ.11/década de 70)

Tomou-se como valor de aplicação o sujeito nulo.

ESTUDO DE PAINEL

 Sujeito nulo

Pronome

 SN

Total

535

 623

 120

1278

 42%

 49%

 9%

100%

Tabela 3:
Distribuição geral das variantes: o sujeito anafórico de 3a pessoa

No âmbito geral, levando-se em conta apenas a oposição SUJEITO NULO x PRONOME, os percentuais revelam uma pequena diferença percentual (7%), indicando que há, de fato, uma verdadeira competição entre as duas formas, ao contrário, do que se supõe ocorrer em línguas de sujeito pleno ou em línguas de sujeito nulo.Esse resultado indica, por hora, que, de fato, a 3a pessoa constitui-se num contexto de resistência à implementação da mudança em curso no português do Brasil; mas se juntarmos a realização por um SN à realização por um pronome pleno, passaremos a 58% de sujeitos anafóricos expressos, o que dará vantagem à expressão em relação à não-expressão do sujeito. Vejamos o que dizem os resultados da análise dos pesos relativos, obtidos em uma rodada em que os dados da década de 70 e os da década de 90 foram processados em conjunto.

Gráfico 1: Comportamento do indivíduo no uso do sujeito nulo
na 3a pessoa nas duas décadas
(pesos relativos sujeito nulo x pronome)

O gráfico evidencia três direções no comportamento do falante em relação ao sujeito nulo de 3a pessoa: avanço, recuo e estabilidade, confirmando o caráter irregular do comportamento dos indivíduos entre si e entre as duas sincronias, porque exibe a existência de agrupamentos e de dispersão, o que evidencia um movimento lingüístico do sujeito nulo na 3a pessoa marcado por equilíbrio e desequilíbrio entre falantes de nível superior da cidade do Rio de Janeiro. Reforça-se a hipótese de que na 3a pessoa a tendência ao preenchimento do sujeito caminha lentamente; entretanto, fica claro também o fato de que há mais indivíduos usando o sujeito pleno, entre os quais estão os mais jovens, cuja fala é a que apresenta resultados mais regulares.


 

ESTUDO DE TENDÊNCIA

Variantes

Década 70

Década 90

Sujeito nulo

232

38%

136

33%

Pronome

299

49%

225

54%

SN

80

13%

51

13%

Total

611

100

412

100

Tabela: 4: Distribuição geral das variantes:
o sujeito anafórico de 3a pessoa

Em relação à comunidade, os primeiros resultados revelam a mesma hierarquia, com o uso do pronome na liderança, seguido pelo sujeito nulo e finalmente pelo SN anafórico. Vistos na linha horizontal, os percentuais obtidos para o sujeito nulo e para o pronome são muito próximos e, no caso dos SNs, idênticos. Entretanto, um exame dos valores na linha vertical mostra que a diferença entre os percentuais para o sujeito nulo e pronominal pleno sobe de 11% para 22%, ou seja, essa diferença é duplicada na década de 90, o que mostra que a comunidade revela aumento no uso do sujeito pleno, confirmando a tendência ao preenchimento do sujeito na fala do PB.

Para a análise das variáveis, considerou-se apenas o sujeito nulo e o pronome pleno.[1] Os resultados obtidos com a exclusão dos SNs aparecem na tabela 5.

Variantes

Década 70

Década 90

Sujeito nulo

232

44%

136

37%

Pronome

299

56%

225

63%

Total

531

100

361

100%

 Tabela:5:Distribuição geral das variantes:
o sujeito anafórico de 3a pessoa (suj.nulo x pronome)

Considerando apenas os pronomes nulos e plenos, a diferença entre os índices, que é de 12% no primeiro momento, passa a 26%, sendo, portanto, praticamente, duplicada, o que deixa clara uma relativa instabilidade da comunidade nos últimos 20 anos que separam as duas amostras.

 

FATORES ESTRUTURAIS

A seleção da variável animacidade do antecedente para as duas décadas reflete a importância desse contexto para o comportamento do sujeito anafórico de 3a pessoa.

 

Década 70

Década 90

Traços

Apl/T

%

P.R

Apl/T

%

P.R

[ –animado]

96/125

76

.77

35/57

61

.73

[conjunto inanimado com elementos humanos]

10/20

50

.50

3/7

42

.48

[+humano+animado]

126/386

32

.40

98/297

32

.45

Total

232/531

43

 

136/361

37

 

Tabela 6: O sujeito nulo e animacidade nas duas décadas

A atuação da hierarquia de referencialidade proposta por Cyrino, Duarte e Kato (2000) para os processos de mudança envolvendo pronomes confirma-se nos resultados obtidos para as duas sincronias, já que o traço [-animado] aparece com os pesos relativos mais altos para o sujeito nulo nas duas décadas, reafirmando sua importância como contexto de resistência do sujeito nulo.

Os resultados referentes ao traço [+humano +animado] também confirmam a atuação da escala de referencialidade no fenômeno em análise, indicando que, de fato, sujeitos anafóricos de 3a pessoa tendem a realizar-se plenamente, como exemplificado em (4), se o antecedente exibir o traço [+humano +animado], localizando-se, portanto, no extremo de maior referencialidade do contínuo proposto em Cyrino, Duarte e Kato (2000).

(4) a minha avó­i mesmo muitas vezes ia pra cozinha... ela­i mesma fazia a comida porque ela­i cozinhava loucamente bem... (INQ.11/ década de 70)

Os resultados obtidos para o grupo acessibilidade do antecedente, selecionado em ambas as sincronias, reafirmam a tendência, já apontada por Paredes Silva (1988, 2003 entre outros) e verificada por Duarte para a fala popular, ao uso do sujeito nulo em contextos em que o antecedente se encontra sintaticamente acessível, ou seja: em função de sujeito e sem elementos intervenientes que ameacem a identificação do antecedente, como em (5), (6), e (7):

(5) o homem­i disse que (cv)­i só vendia bananas a a quilo. (INQ. 2/ década de 70)

(6) Mas minha mãe­i me cobrava muito, né, porque ela­i viu que, no último ano que era o ano do vestibular (INQ.1/ década de 90)

(7) foi uma grande força de cooperação e ofício ... em que o indivíduo­­i tinha até uma escala profissional ... ele­i era aprendiz ... (INQ.164/ década de 70)

 

Década 70

Década 90

Condições de acessibilidade

Apl/T

%

P.R

Apl/T

%

P.R

Antecedente sintatica-mente acessível

152/290

52

.64

94/210

44

.60

Antecedente sintatica-mente não acessível

80/241

33

.33

42/151

27

.35

Total

232/531

37

 

136/361

33

 

Tabela 7: O sujeito nulo
e as condições de acessibilidade do antecedente

O que chama, entretanto, a atenção na tabela 7 é o fato de que tanto os sujeitos com antecedente mais acessível quanto aqueles com o antecedente menos acessível são percentualmente mais expressos que nulos (exceto pelos 52% de sujeitos nulos com o antecedente acessível na década de 70), um resultado que, por si só já é suficiente para mostrar que o PB tem um comportamento atípico no contexto das línguas românicas e que, se ainda não é uma língua negativamente marcada em relação ao parâmetro do Sujeito Nulo, tampouco é uma língua positivamente marcada em relação a ele.

Outra variável selecionada em ambos os estudos é a que controla o verbo ser em oposição aos outros verbos. Levantou-se a hipótese de que as construções com ser estariam atuando como um contexto de resistência do sujeito nulo, o que parece se confirmar nos resultados obtidos:

 

Década 70

Década 90

 

Apl/T

%

PR

Apl/T

%

PR

Verbo ser

96/136

43

.67

 34/58

58

.66

Outros verbos

136/395

34

.43

303/102

33

.47

Total

232/531

43

 

136/361

37

 

Tabela 8: Sujeitos nulos e o verbo ser
x outros verbos nas duas décadas

Em relação aos percentuais, os resultados exibidos na tabela 8 demonstram que houve um aumento, de um período para o outro, de 15 pontos em favor do sujeito nulo nos contextos com o verbo ser, o que parece confirmar a hipótese de que estruturas com esse verbo estejam entre aquelas que mais abrigam a expressão vazia do sujeito. Veja-se que a distância entre os pesos relativos, nas duas sincronias, é relevante, alcançando .24 e .19 para a década de 70 e 90, respectivamente.

A realização do sujeito nulo em construções com o verbo ser é verificada quer em contextos desfavoráveis à sua realização, conforme se verifica em (8), (9), em que o antecedente aparece em outra função sintática e com o traço [+humano + animado], quer em estruturas favorecedoras, aqui exemplificadas em (10). Nesse caso, o antecedente tem a mesma função sintática do sujeito, sem nenhum elemento ameaçando sua acessibilidade e, além disso, exibe o traço [-animado]:

(8) tenho amigos­i... como eu tinha dito... anteriormente...(cv)­­i são muito restritos (INQ.71/década 70)

(9) nós temos aqui uma professora que é a Cléia­I ... que trabalhava num colégio tradicional que é o Lemos de Castro e como (cvi era mais nova ... pra não mandarem... (INQ.164 / década 70)

(10) e hoje a rua­i é muito mais movimentada do que (cv)­i era na minha época (INQ.23/década de 70)

Esses exemplos sugerem a atuação de mais de um aspecto no comportamento do sujeito anafórico de 3a pessoa. Parece que o traço do antecedente do sujeito, em construções com ser, também esteja atuando de forma a favorecer ou desfavorecer a expressão vazia do sujeito.

 

FATORES EXTERNOS

Dos fatores externos analisados, faixa etária e gênero, a idade do falante foi o único aspecto a ser selecionado, mostrando-se influente apenas na década de 70. O resultado para essa variável aparece na tabela a seguir.

Faixa etária

Apl/T

%

PR

Faixa 1 (25 a 35 anos)

81/149

54

.61

Faixa 2 (36 a 55 anos)

84/189

44

.53

Faixa 3 (mais de 56 anos)

67/193

34

.38

Total

232/531

43

 

Tabela 9: O sujeito nulo por faixa etária, na década de 70

Verifica-se que, quanto mais novo o falante, maior é a realização do sujeito nulo e que, embora não haja polarização entre os pesos, há uma diferença de.23, considerada expressiva, entre a faixa 1 ( 25 a 35 anos) e a faixa 3 (mais de 56 anos), indicando que os mais velhos, na década de 70, usavam menos sujeito nulo que os mais jovens. Esperava-se um resultado contrário, já que a maioria dos estudos realizados sobre a amostra NURC revelam um quadro de mudança em tempo aparente.Vejam-se, por exemplo, a implementação de a gente vs nós (LOPES, 1993) e o uso de ter sobre haver (LEITE, Y & CALLOU, D., 2002)

Para concluir a análise, vejamos como o comportamento do sujeito de 3a pessoa na comunidade se revela nos “inputs” de aplicação da regra quer no nível inicial - em que o programa calcula a média global de aplicação da regra e é neutro o efeito de todos os fatores de todos os grupos - quer no nível de seleção - quando se combinam os grupos de fatores que determinam os contextos favorecedores da expressão vazia do sujeito.

Décadas

Nível 0

Nível de seleção

Input da regra

Input

Significância

Década 70

.44

.43

.001

Década 90

.38

.35

.014

Quadro 1: Inputs de aplicação da regra
– sujeito nulo de 3a pessoa (vs. sujeito preenchido)

Se se considera irrelevante uma diferença de menos de.10 entre os pesos, os resultados exibidos no quadro 2 indicam que a média de aplicação de sujeitos nulos no nível inicial é semelhante nas décadas de 70 e 90: .44 e .38, o que significa que não há diferença de um período para o outro. O mesmo se dá no nível de seleção, em que também não se verificou, de uma época para outra, alteração significativa nos valores, bem como não se observam diferenças do nível 0 para o nível de seleção, uma vez que os inputs estão muito próximos, revelando, portanto, não só uma distribuição equilibrada dos dados, mas um quadro de estabilidade na comunidade, no que se refere ao comportamento do sujeito anafórico de 3a pessoa na fala culta carioca.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora as taxas de uso de sujeito nulo sejam sempre inferiores às de sujeito pleno, os resultados para o desempenho do indivíduo revelam instabilidade: alguns diminuem esse uso, outros aumentam e outros ainda se mantêm estáveis. Quanto à comunidade, nota-se uma notável estabilidade no período, atestada não só na aplicação da regra, mas nos fatores selecionados para ambas as sincronias: a estrutura e aposição do antecedente, a animacidade do referente e o verbo que aparece na estrutura. Um antecedente na oração adjacente e com a mesma função, um referente com o traço [-animado] e o verbo “ser” constituem os contextos de resistência do sujeito nulo nas amostras analisadas. A distância entre os pesos relativos obtidos para os fatores em cada grupo, entretanto, diminuem na segunda sincronia, o que sugere que sua força pode estar se reduzindo.

A conclusão que se tira do conjunto desta pesquisa, que é restrita a algumas amostras, como qualquer estudo sociolingüístico, é a de que, no tocante à 3a pessoa, o PB tem um comportamento atípico no contexto das línguas românicas e que, se ainda não é uma língua negativamente marcada em relação ao parâmetro do Sujeito Nulo, tampouco é uma língua positivamente marcada em relação a ele. E se a tendência ao preenchimento do sujeito, por um lado, é confirmada, por outro, há ainda a realização do sujeito nulo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CYRINO, Sônia M. L., DUARTE M.E.L., KATO, M.A. Visible subjects and invisible clitics in brazilian portuguese. In: KATO, M. A. & NEGRÃO, Esmeralda (EDS). Brazilian portuguese and the null subject parameter. Vervuert – Iberoamericana. 55-74,2000.

LABOV, William. The study of Language in progress: observations in real time. In: Principles of Linguistic Change: internal factors. Oxford, Blackwell,.P.74-112, 1994.

LEITE, Y & CALLOU, D. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro, Zahar, 2002.

LOPES, C. R. dos S. Nós e a gente no português falado do Brasil. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ,1993.


 

 

[1] Foi realizada inicialmente uma rodada binária em que se amalgamaram o sujeito pleno e o SN, opondo-os ao sujeito nulo. No entanto, decidiu-se excluir o uso do SN por seu resultado pouco expressivo e pelo fato de essa análise se interessar particularmente pelo uso de pronomes nulos e plenos.