Formas nominais de tratamento: as funções pragmáticas dos diminutivos em roteiros cinematográficos de língua espanhola.

Jannaina Vaz Costa (UFRJ)

 

Apresentação

O tema desta pesquisa nasce da necessidade de preencher as lacunas existentes entre os estudos sobre os diminutivos em espanhol, especialmente sobre as funções pragmáticas que desempenham no intercâmbio comunicativo.

O estudo divide-se em três partes: na primeira, que está inserida no marco da morfologia léxica, se ocupa em apresentar brevemente o processo de formação dos diminutivos em espanhol; na segunda, faz-se uma breve revisão bibliográfica dos principais estudos sobre os diminutivos; na terceira, inserida no marco teórico da sócio-pragmática, analizam-se as funções dos diminutivos nas interações comunicativas, a partir de exemplos extraídos de roteiros cinematográficos de língua espanhola contemporâneos.

 

O diminutivo em espanhol

Entre os processo de formação de palavras existentes em espanhol, a derivação se caracteriza pela adição de morfemas ou elementos formativos a raízes já existentes. Nesta língua, a diminuição morfológica é um processo de formação de palavras bastante produtivo e criativo.

Na formação do diminutivo são envolvidas duas partes: o tema e o sufixo. Uma vez constituído o diminutivo, tem-se nestas duas partes, dois significantes fundamentais, relacionados com dois conteúdos de pleno conteúdo semântico; o tema e o sufixo, morfema semantizado.

De uma maneira geral, pode-se dizer que os diminutivos podem formar-se em todas as partes da oração e, em especial, do substantivo e do adjetivo; não tão freqüentes em advérbios, pronomes, particípios e gerúndios.

Os sufixos de diminutivos em espanhol são: -ito, -illo, -in, -ete, -uelo, sendo os mais frequentes –ito e –illo, desde o século XVIII, como destaca Soler Espianuba (1996). Segundo a autora, cada região de língua espanhola se caracteriza por uma sufixação.[1]

De acordo com Paredes Toral (2002), o sufixo pode se referir a um significado que pertença ao grupo conceitual ou axiológico. Em diversas regiões da América, o valor semântico dos diminutivos se fixou de tal maneira que se pode afirmar que se conserva com função axiológica viva o sufixo -ito. (ahorita, ahoritita- México). Para a autora, é desta tensão entre tema e sufixo que nasce o grande valor expressivo do diminutivo e sua importância como signo lingüístico.

 

As definições de diminutivo

A Gramática, em seu início, apresentou uma definição meramente conceitual do diminutivo. Desde Antonio de Nebrija (1492), o diminutivo consiste na diminuição do nome principal do qual deriva[2]. Andrés Bello (1977 [1847])[3], partindo da significação diminuidora, chega ao significado axiológico. Em seu estudo, abrange os sufixos de diminutivos, suas irregularidades, as regras que regem sua formação, as palavras em que se formam, além de apresentar os valores de carinho e compaixão associados à idéia de pequenez.

Um dos estudos mais significativos do diminutivo em espanhol é o de Alonso (1967), que o analisou em razão de suas funções lingüísticas originadas por sua consideração axiológica, a qual considera principal, já que a noção de tamanho, segundo o autor, é a menos importante. De fato, sabe-se que existem procedimentos para diminuir que não passam pelo diminutivo e a idéia de pequenez se expressa por meio de outros recursos: Uma caixinha pequena, uma casinha de nada, um pedacinho minúsculo.

Em Taylor (1989, apud Ruiz de Mendonza Ibáñez: 2000), se estuda o diminutivo desde o ponto de vista da linguagem cognoscitiva. O autor, ao analisar exemplos em várias línguas, chega à conclusão que o diminutivo é uma categoria morfológica polissêmica, cujos diversos significados estão ligados ao sentido central de pequenez física.

Em primeiro lugar, Taylor relaciona o tamanho pequeno com a atitude de afeto e com carência de valor. Segundo sua tese, ambos usos procedem da mesma base empírica, na qual se relaciona maior valor com maior tamanho, e menor valor com menor tamanho. Em segundo lugar, o autor distingue quatro valores adicionais: depreciativo, desvalorativo, aproximativo e intensificador.

Como exemplo de desvalorativo, Taylor oferece o termo italiano fatterello (‘assunto de pouca importância’), formado a partir de fatto (‘fato’). Já como depreciativo, apresenta o termo tesina (‘tese de pouco valor’), na mesma língua.

Por outra parte, Taylor relaciona o diminutivo aproximativo com expressões de quantidade, nas quais o valor exato não é relevante. Um exemplo seria horita (‘hora’), em espanhol. Se alguém diz que voltará em uma horita, está dizendo que demorará um pouco mais que uma hora, ou menos.

O diminutivo de intensidade seria os que se aplicam a adjetivos, advérbios, particípios e gerúndios, como guapito, prontito, entre outros. Segundo Taylor, os diminutivos em –ito potencializam o efeito subjetivo que produz no falante uma propriedade, relação ou acontecimento, enquanto que os diminutivos em –illo o atenuam.

De acordo com Ruiz de Mendonza Ibáñez, da teoria de Taylor pode-se depreender dois valores centrais do diminutivo, o afetivo e o depreciativo, sendo os outros dois implicações geradas a partir do uso destes dois com os sufixos de diminutivo.

Segundo Soler Espiauba (1996), os diminutivos podem desempenhar outras funções, muito além da noção de tamanho, tais como: ponderação de ações ou qualidades de recolhimento, cortesia, eufemismo, generalização/amplificação e estética.

Para a autora (idem), os diminutivos são expressão de concretude, ou seja, são encontrados preferencialmente no terreno amoroso, infantil e familiar/doméstico. No primeiro, entretanto, podem ser encontradas abstrações em forma de vocativos, como amorcito e cariño, em que se projetam no interlocutor as emoções que este desperta no falante.

Segundo Reynoso Noberón (2005), o diminutivo é uma ferramenta discursiva através da qual o falante expressa as relações que estabelece com a entidade diminuída, com seu interlocutor, com o contexto da enunciação ou consigo mesmo. Em outras palavras, o diminutivo consiste em um mecanismo derivativo que permite ao falante expressar sua concepção do evento; seu uso parece estar determinado pelas posições que o falante toma no ato comunicativo, que pode indicar as hierarquias relacionais entre os elementos do discurso.

Ainda dentro do conceito de ferramenta discursiva, Álvarez Muro e Joven Best (2006), destacam o uso do diminutivo como atenuador cortês, ou seja, como estratégia para mitigar possíveis faltas na interação comunicativa.

Como vemos, o âmbito do diminutivo é muito mais extenso em espanhol atual que o dos outros derivativos, já que, como foi visto, não apenas serve para referir-se ao pequeno e ao emotivo, como também invade os campos do afetivo, do irônico, do crítico, do ameaçador e do cortês.

 

As funções sócio-pragmáticas dos diminutivos

Como vemos, a partir da década de 70, com institucionalização da Pragmática como campo de estudo, os estudos lingüísticos passaram a estar cada vez mais atentos à competência comunicativa. Fatores como a desconstrução e organização do discurso, a análise da conversação, a atitude do falante com respeito ao dito e com relação ao que está dizendo, o processamento por parte do interlocutor, passaram a ser foco de interesse dos lingüistas.

Portanto, a análise meramente estrutural dos diminutivos – baseada nos conceitos de signo lingüístico cujas formações e funções se caracterizavam mediante valores gramaticais – deu lugar à descrição e explicação dos fenômenos próprios do uso, isto é, passou-se a analisar suas funções dentro do contexto comunicativo.

Da Pragmática, surgiu a Sócio-Pragmática que propõe uma análise dos usos lingüísticos o enfoque cultural, enfocada nas relações da língua com a sociedade, ou seja, buscando descobrir as motivações culturais subjacentes no seio da comunidade para o emprego de recursos comunicativos, pois:

El /la hablante de una lengua está provido/a de recursos interpretativos que provienen de su entorno social y de sus experiencias comunicativas previas, los cuales parcialmente comparte con otras personas (grupo) y parcialmente no comparte con esas mismas personas (individuo). (Bravo, 2001  p.9)

Dentro desta perspectiva, todo uso lingüístico deve ser observado levando em conta o contexto do usuário, entendido como tudo que comumente se denomina “extralingüístico”, que abarca desde ações físicas realizadas no interior da mesma situação comunicativa até elementos externos à própria situação, como as características sociais dos participantes, suas crenças, atitudes e valores.

Desta maneira, podemos afirmar que nenhuma forma lingüística possui um valor intrínseco, mas adquire diferentes valores segundo os fatores sócio-pragmáticos que nela insidem:

 

A expressão de emoção: do afeto ao conflito

O fator emocional, ou seja, a expressão verbal de afeto, de desafeto, ou simplesmente de desacordo, influem diretamente na seleção estratégica das formas de tratamento, particularmente das formas nominais.

Vejamos no fragmento abaixo, em que Nancy volta do hospital e procura por seu amigo Diego, o emprego do diminutivo para marcar afeto entre os interlocutores:

(1)                  Nancy-Diego: “Diego, Dieguito, Diego, soy yo. Salí del hospital ahora mismo, vengo para buscarte para ir a la playa”.

Diego-Nancy: “Mira, muchacha, qué playa, si estoy que me muero” (Fresa y Chocolate, Cuba, 1993: 15)

A seguir, podemos observar outros exemplos do emprego do diminutivo afetivo:

(2)   Isabel -Centro: “¡Ay ¡ ¡Centro!’

Centro- Isabel: “¡No grites, que vas a despertar a tol vecindario!”

Isabel-Centro: “¡Ay chacha! ¡Qué mala estoy! Estoy toa revuelta!”

Centro-Isabel: No seas exagerada.

Isabel-Centro: ¿Qué?

Centro-Isabel: Nada hija. Que no has exagerao (...) Vamos hija. Que estás de parto...Isabelita, ¿Como me has engañado, eh? ¡Cuando llegaste a esta casa tú ya venías acompañada...! (Carne Trémula, Espanha, 1997: 28)

(3)   Faundez-Alfonso: Titulares buenos hay todos los días, Varguitas, pero padres, por  cabrones que sean, hay uno solo. (Tinta roja, Perú, 2000:91)

Também são empregados os diminutivos para tratar carinhosamente as crianças. No roteiro argentino, a mãe trata sua filha carinhosamente de “mamita”, quando lhe pede carinhosamente que saia com Daniel para que fale a sós com Rafael:

(4)   Daniel-Sandra: "Sandra llevo a la nena ¿eh?"

       Sandra-Daniel: "Dale."

Sandra-Victoria: "¿Querés ir mamita? Agarrá la camperita que está fresco." (El hijo de la novia, Argentina, 2001:34)

No roteiro peruano, Faundez trata seu filho carinhosamente de “hijito”:

(5) Faundez-Kiko: "Está muy fuerte, hijito. Vamos a bajarlo un poco." (Tinta roja, Perú, 2000:64)

Para expressar desacordo, não necessariamente se chega ao enfrentamento verbal, pode ser mitigado ou negociado pela ironia, dado que a ironia consiste em dizer algo com a intenção de que seja entendido pelo seu contrário.

Vejamos alguns exemplos de diminutivos empregados como desacordo irônico:

(6)   Tía Lucía-Chivo: "Para ella estás muerto, que no se te olvide."

Chivo-Tía Lucía: "Qué agresiva, cuñadita." (Amores perros, México, 2000:17)

(7)   Alfonso-Faundez: "Estudio Periodismo, señor Faúndez. Todo lo que aprenda me va a servir si quiero ser un buen escritor."

Faundez-Alfonso: "Puta madre, Ortega me mandó un intelectual para joderme, un Vargas Llosa en la fase de Varguitas haciendo tiempo para ser escritor." "¿Has visto alguna vez a un muerto, Varguitas?" (Tinta roja, Perú, 2000:13-14)

 

A atenuação cortês

A perspectiva pragmática da cortesia faz da mitigação um de seus objetos de estudo. A mitigação, segundo tal perspectiva, consiste em uma estratégia discursiva que se emprega para atenuar ou suavizar o dito durante a negociação de atos de fala ameaçadores, tais como pedidos ou queixas. A mitigação reduz os efeitos negativos que não são percebidos pelo ouvinte e suaviza o manejo da interação, minimizando riscos dos participantes na conversação.

Durante a negociação de um ato que ameaça a imagem, a estratégia mitigadora se manifesta por todo o intercâmbio conversacional através de formas lingüísticas, léxicas e sintáticas que mitigam o dito, dirigindo y redirigindo sempre a negociação por e para o acordo.

Um uso claro de diminutivos com função mitigadora está nos dois exemplos de pedidos a seguir. Em (8) trata-se de um pedido de Faundez para que Rosana se aproximasse dele e em (9) e que Nancy pede autocontrole a Santa Bárbara:

(8)   Faundez-Rosana: "Siéntate Rosanita, acá a mi lado."

Faundez-Valeria: "Y tú, junto al homenajeado para que le cures las patitas." (Tinta roja, Perú, 2000:18)

(9)  Nancy- Santa: Ay virgencita, ayúdame a controlarme (...) no le vaya con el chisme a la otra. (Fresa y Chocolate. Cuba, 1993: 29)

Outro uso do diminutivo como atenuante pode ser observado no fragmento abaixo em que Diego é censurado por Nancy pela ofensa a David:

(10)                Diego-David: yo pienso en macho (...) no me voy a ir (...) sin mí le faltaría un pedazo para que te enteres. ¡Come mierda!

Nancy-Diego: ¡Dieguito! (Fresa y Chocolate. Cuba, 1993: 21)

 

Considerações finais

Ao longo deste trabalho analisamos as funções sócio-pragmáticas das formas nominais de tratamento diminutivas a partir de exemplos retirados de roteiros cinematográficos de língua espanhola contemporâneos.

Como pudemos observar, as formas de tratamento, neste caso os diminutivos, constituem um tema bastante complexo da morfossintaxe espanhola, dado que constituem um sistema aberto e dinâmico. Em outras palavras, as formas lingüísticas não possuem um valor intrínseco, antes variam e adquirem diferentes valores porque nelas incidem diversos fatores sócio-pragmáticos.

Os resultados obtidos são bastante significativos e corroboram a necessidade de se estudar os fenômenos lingüísticos a partir de uma teoria que leve em conta os fatores discursivos e sócio-pragmáticos envolvidos na opção do falante por determinada forma lingüística.

Entretanto, se reconhece o caráter preliminar do presente estudo e a urgência de dar-lhe continuidade, tendo em vista a multiplicidade de valores que podem adquirir os diminutivos, que não foram investigados neste trabalho.

 

Referências bibliográficas:

ALMODÓVAR, Pedro. Carne Trémula. Madrid: Plaza Janés, 1997.

ALONSO, Amado. Estudios lingüísticos: temas hispanoamericanos. Madrid: Gredos, 1967.

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Campanella, Juan José. El Hijo de la Novia. Buenos Aires: Del Nuevo extremo, 2002.

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GutiÉrrez ALEÁ, Tomás. Fresa y Chocolate. La Habana. [versão manuscrita dos diálogos do filme], 1993.

NEBRIJA, Antonio de (1492). Gramática de la lengua castellama. Disponível em: http://satoyoshimasa.ld.infoseek.co.jp. Acesso em agosto de 2006.

PAREDES TORAL, Ángeles. Los diminutivos en español coloquial: análisis morfopragmático y sus aplicaciones lúdicas en las clases de E/LE. In: Actas del X Seminario de Dificultades Específicas de la Enseñanza del Español a Lusohablante. Consejería de Educación y Ciencia. Embajada de España en Brasil, 2002.

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REYNOSO NOVERÓN, Jeanett. Procesos de gramaticalización por subjetivización: el uso del diminutivo en español. In: VII Hispanic Linguistics Symposium, ed. David Eddington, Somerville, MA, Cascadilla Proceedings Project, 2005.

RUÍZ DE MENDONZA IBÁÑEZ, Francisco José (2000). El modelo cognitivo idealizado de tamaño y la formación de aumentativos y diminutivos en español. In: Revista española de lingüística aplicada, Vol. 1. Disponível em: http://dialnet.unirioja.es. Acesso em agosto de 2006.

SOLER ESPIANUBA, Dolores (1996). La expresividad en el sistema de sufijación. In: CUADERNOS CERVANTES, 8. Disponível em : http://culturitalia.uibk.ac.at/hispanoteca. Acesso em junho de 2006.

 

Anexo


 

[1] O estudo de Soler Espianuba restringe-se ao espanhol peninsular.  Sobre a distribuição dos sufixos nesta região consultar anexo.

[2] “Diminutivo nombre es aquél que significa diminución del principal de donde se deriva; como de ombre, ombrezillo, que quiere dezir pequeño ombre; de muger, mugercilla, pequeña muger”. (Nebrija, 1942).

[3] Edición digital a partir de Obras completas. Tomo Cuarto, 3ªed., Caracas, La Casa de Bello, 1995.