Salve, Regina – uma oração cristã

Amós Coêlho da Silva (UERJ)

 

Qual é a origem das orações
da Igreja Católica?

Minas Gerais sempre demonstrou uma vocação religiosa de destaque. Neste particular, há uma informação em www.cidadeshistoricas.art.br/hac/artmus_05_p.php, indicando José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita como compositor de músicas sacras. Ele nasceu em 1746 e, além de compositor, atuou como regente e organista da Ordem Terceira do Carmo em Vila Rica, de 1787 a 1795. É apontado, no “site” acima como autor da antífona Salve, Regina. O termo antífona surgiu no século XVIII e tem sua origem no grego medieval através do latim eclesiástico (lat. ecl. antiphóna,ae), conforme o dicionário eletrônico Antônio Houaiss. Mas a edição de um “cd” de Canto Gregoriano registra Adhémar de Monteil , bispo de Pay-em-Velay (1087-1098), como, sem dúvida, o compositor desta antífona. (Coro dos Monges da abadia Saint-Pierre de Solesmes, sob a direção de Jean Claire)

Todas as resoluções jurídicas de iniciativas eclesiásticas se denominavam canones em oposição às leis profanas, leges. Com o decurso do tempo, aconteceram algumas contradições no corpus dos cânones – havendo até um tratado de 1140, a Concordia Discordantium Canonum de Gratian, que serviu de fundamento para o Corpus Iuris Canonici em 1580.

O termo oração, em qualquer dicionário, traz, como primeira entrada de significado, a significação de súplica a Deus, ou reza. A oração Salve Regina é uma prece, emblemática de um processo de interação do ser humano com a Mãe de Jesus, a Virgem Maria, bem como de sublimação de nossa alma. E se em tão curto texto podemos notar algumas repetições, é porque o suplicante necessita persuadir a Virgem Maria e o elemento lingüístico que funda essa persuasão é a repetição.

Assim, aquele que despertou e descobriu a sua solidão simbolizada na maçã de Eva, busca a restauração de sua integridade e pela ênfase tenta a sua recomposição. É preciso lembrar que a repetição, ou isotopia, no sentido de Greimas é a redundância de um mesmo traço no desdobramento harmônico de um discurso persuasivo. É este traço responsável pelo ritmo e formador da harmonia.

Ritmo s.m. Repetição de determinado elemento numa seqüência de fenômenos. Ele pode ser auditivo, como o tiquetaque do relógio, o bater compassado dos remos na água; visual, como o movimento do pêndulo, do cuco ao sair e entrar, quando assinala as horas; e tátil, como numa série regular de elevações e depressões numa folha apalpada pelo cego. (Jota, 1976: Ritmo)

O jogo se completa na linguagem quando entram elementos como o silêncio, pausa, cesura, rima, aliterações, arranjo dos acentos e entoação, bem como a linguagem figurada, ou seja, a metáfora, como a parábola – que é uma exteriorização metafórica, a qual tem em comum com a fábula uma moral da história, embora a personagem desta seja um animal ou uma árvore, enquanto a daquela seja um ser humano.

Não é profano observarmos no Salve Regina a instauração da linguagem religiosa se configurando através da linguagem poética. Cristo escolheu falar por parábolas, porque a expressão poética pode aflorar a sensibilidade do espírito ao tocar, com a sua conotação da linguagem a zona dos órgãos dos sentidos humanos, ou seja, tato, olfato, paladar, audição e visão. Indagado pelos seus discípulos por que falava ao povo por parábolas, Cristo respondeu (Mateus, 13 - A explicação da parábola - 11, 13, 17 e 22):

Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido. (...) Por isso lhes falo por parábolas; porque, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem entendem. (...) Pois, em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram; e ouvir o que ouvis, e não ouviram. (...) O que foi semeado entre os espíritos é o que ouve a palavra, porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera.

Em Lucas 88, 9-15 – também A explicação da parábola – diz Cristo: (11):

Este é o sentido da parábola: A semente é a palavra de Deus. e (13): A que caiu entre espinhos são os que ouviram e, no decorrer dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos não chegam a amadurecer. (15): A que caiu na boa terra são os que, tendo ouvido de bom e reto coração, retém a palavra; este frutificam com perseverança.

Em Marcos 4, 10-20

A explicação da parábola – diz Cristo: (14): O semeador semeia a palavra. (20): Os que foram semeados em boa terra são aqueles que ouvem a palavra e a recebem, frutificando a trinta, a sessenta e a cem, por um.

Passemos ao texto da oração Salve Regina:

Salve Regina

Sālvē, Rēgīnă, mătĕr mĭsĕrĭcōrdĭāe;
vītă, dūlcēdŏ ēt spēs nōstră, sālvē.
Ãd tĕ clāmāmŭs, ēxŭlĕs fīlĭī Ëvāe.
Ãd tĕ sūspīrāmŏs, gēmēntĕs ēt flēntĕs
ĭn hāc lācrĭmārŭm vāllĕ.
Eīă ērgō, advōcātă nōstră,
īllōs tŭōs mĭsĕrĭcōrdĕs ŏcŭlōs ād nŏs cōnvērtĕ.
Et Iēsŭm, bĕnĕdīctŭm frūctŭm vēntrĭs tŭi,
nōbīs pōst hōc ēxsīlĭŭm ōstēndĕ.
O clēmēns, ō pĭă, ō dūlcĭs Vīrgŏ Mărĭă.

 

Tradução:

Salve, Rainha, mãe da misericórdia;
vida, doçura e esperança nossa, salve.
a vós clamamos, filhos degredados de Eva.
A vós suspiramos, gemendo e chorando
neste vale de lágrimas.
Vamos, pois, nossa defensora,
voltai para nós vossos olhos misericordiosos.
E depois deste desterro, mostrai-nos
a Jesus, bendito fruto de teu ventre.
Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria.

É a harmonia uma busca peculiar ao homo religiosus, que está sempre empenhado numa renovação cósmica. É o que dá energia a um relato mítico ou o que torna real uma situação que necessite tal atenção.

Porém, a repetição não deve ser realizada diante um momento não oportuno, porque daí vem a banalidade.

A pauta musical de Salve Regina é a que se segu na páina seguinte.

 

Referências bibliográficas

Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Trad. Por João F. de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 1968.

CHARAUDEAU, P. & MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. Coordenação da tradução de Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004.

CLAIRE, Jean. Florilégio gregoriano: Canto gregoriano (pelos monges de Solesmes) , 1985.

CURTIUS, Ernst Robert. Literatura européia e Idade Média latina. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1957.

GOFF, Jacques Le. Os intelectuais na Idade Média. Tradução de Margarida Sérvulo Correia. Lisboa: Gradiva Publicações, 1984.

JOTA, Zélio dos Santoa. Dicionário de lingüística. Rio de Janeiro: Presença, 1976.

www.cidadeshistoricas.art.br/hac/artmus_05_p.php

SALVE REGINA

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