ESTRATÉGIAS DE LEITURA:
O
DESENVOLVIMENTO DO LEITOR
CRÍTICO

Lygia Maria Gonçalves Trouche (UFF)

 

Na e com a linguagem, o homem reproduz e transforma espaços produtivos. A linguagem verbal é um sementeiro infinito de possibilidades de seleção e confrontos entre os agentes sociais coletivos. A linguagem verbal é um dos meios que o homem possui para representar, organizar e transmitir de forma específica o pensamento. (PCN, 1999: 125-6)

 

Tratar de linguagem é sempre uma tarefa árdua, que exige um distanciamento entre sujeito e objeto bastante delicada, que o homem se constitui na e pela linguagem, tanto quanto a realidade que ele percebe. O imaginário não se nutre da natureza, mas da cultura. O homem também não se constitui na natureza, mas na cultura. A busca, portanto, da compreensão das formas de produção de sentido, em dada sociedade, baseada na concepção da natureza interdiscursiva da palavra e, por extensão, da linguagem, nos possibilita entender a constituição da significação como um processo cultural que se dá entre os indivíduos, isto é, no compartilhar de uma ideologia. Dessa forma, o seguinte trecho será esclarecedor de nossa argumentação:

Nenhum signo cultural, quando compreendido e dotado de um sentido, permanece isolado: torna-se parte da unidade de consciência verbalmente constituída. A consciência tem o poder de abordá-lo verbalmente. Assim, ondas crescentes de ecos e ressonâncias verbais, como as ondulações concêntricas à superfície das águas, moldam, por assim dizer, cada um dos signos ideológicos. Toda refração ideológica do ser em processo de formação, seja qual for a natureza de seu material significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação. (Bakhtin, 1995: 38).

Língua, sociedade e cultura são solidárias. Da língua participam a História e a cultura que a constituem e de que ela é ao mesmo tempo produtora.

A linguagem, instaurando o diálogo permanente entre os indivíduos em sociedade, mobiliza sentidos dados e os transforma, conforme a prevalência de determinadas injunções sócio-históricas. Para participarmos ativamente desse processo do diálogo social, precisamos, entre outras habilidades, de um conhecimento de mundo que engloba a experiência de vida de cada um, e se encontra armazenado em sua memória. Corresponde aos conhecimentos adquiridos formalmente pelo ensino escolar e pelas vivências socioculturais. Como se , tais conhecimentos são fundamentais para a expressão do indivíduo em todas as circunstâncias de vida.

Comunicar é uma tarefa complexa, que não se trata apenas de se transmitir uma informação entre interlocutores, como se a linguagem fosse o reflexo do pensamento. A comunicação resulta de um processo de produção de linguagem, tanto do ponto de vista de sua concepção, como de sua recepção. Hoje, entendemos que pensamento e linguagem se constituem por uma relação de reciprocidade (“pensée et langage se constituent dans une relation de réciprocité”, Charaudeau, 1992: 634).

Os professores de língua portuguesa são professores de linguagem, na medida em que devem desenvolver o ser humano em sua capacidade de falantes (escrita ou oralidade) e leitores capazes de compreender, interpretar e produzir sentidos de forma autônoma. E este sentido se materializa num texto (verbal ou não-verbal)

Como, então, discutir estratégias que facilitem o desenvolvimento do leitor crítico? Para tanto, comecemos por conceituar texto como uma unidade construída por uma série de frases encadeadas sintática e semanticamente, sob a orientação de um tema, cumprindo uma finalidade comunicativa.

Segundo Koch & Travaglia (2002: 8-9), o texto apresenta-se como

uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor, ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa reconhecível e reconhecida, independente de sua extensão.

Devemos, desde logo, levar em conta também que do ponto de vista dos interlocutores (eu-comunicante e tu-interpretante) interagem três fatores para que a comunicação se realize: o conhecimento lingüístico, o conhecimento de mundo e o conhecimento interacional (Koch, 2002: 32-33). O conhecimento lingüístico corresponde ao domínio da competência gramatical que diz respeito às regras da linguagem, como a formação de palavras e de frases, à pronúncia, à ortografia, à semântica. Esta competência se centra diretamente na habilidade e no conhecimento necessários para a expressão adequada do sentido literal. O conhecimento de mundo corresponde, como vimos, ao conhecimento do tipo declarativo (asserções a respeito dos fatos do mundo) e ao tipo episódico (modelos cognitivos adquiridos pela experiência na vida social). Com base nesses conhecimentos e em competências específicas, o falante pode formular hipóteses, estabelecer e perceber a coesão lexical, realizar inferências. O conhecimento sócio-interacional se refere ao domínio das ações verbais que permitem a interação pela linguagem. Falamos, pois, de competência sociolingüística que corresponde ao uso adequado de expressões lingüísticas aos diferentes contextos , isto é, à situação dos participantes, propósitos da interação, normas e convenções da interação, adequação entre significado e forma, significado e função comunicativa. Os três fatores: o conhecimento lingüístico, o conhecimento de mundo e o conhecimento interacional levam à competência discursiva que corresponde ao modo como se combinam formas gramaticais e significado para a criação de textos de gêneros diferentes, de acordo com a situação específica de comunicação.

Tornar nosso aluno competente para escrever e ler textos, participando da vida social, é (ou deveria ser) o objetivo principal do ensino de língua portuguesa. Para desenvolver esse objetivo, será necessário que o aluno domine o uso de regras gramaticais subordinadas à função comunicativa em situações discursivas, implica, em uma palavra, o desempenho adequado do papel de falante na mise en scène proposta por Charaudeau (1992: 635): “comunicar-se é proceder à encenação” de um projeto de fala.

O discurso engloba o conjunto de afirmações que, articuladas através da linguagem, expressam os valores e significados vigentes em dada sociedade em toda sua diversidade, e o texto verbal é a realização lingüística na qual se manifesta o discurso. Vale lembrar que nos textos sincréticos os elementos verbais e não-verbais (imagem, linhas, cores, volumes, movimento) se correlacionam como estratégia enunciativa para a produção dos sentidos. Os textos publicitários são excelentes exemplos de textos em que o plano da expressão se compõe de várias linguagens que, relacionadas, cumprem uma dada função comunicativa. O contexto discursivo também está presente na interação entre os elementos verbais e os não-verbais, caracterizando aspectos culturais imbricados no ato de comunicação.

O ato de comunicação (Charaudeau, 1992: 634) é um dispositivo composto de um sujeito falante (locutor na fala ou na escrita) e de um interlocutor que mantêm entre si uma relação para a produção dos sentidos. Os componentes que entram no jogo comunicativo podem assim ser resumidos:

a) situação de comunicação que engloba o aspecto físico e mental em que se encontram os parceiros da troca linguageira , os quais, por sua vez, são determinados por uma identidade psicológica e social. Esses parceiros estão envolvidos num contrato de comunicação que Charaudeau (1983: 54) define como

o contrato de comunicação é um ritual sociodiscursivo constituído pelo conjunto das restrições e liberdades resultantes das condições de produção e interpretação do ato de linguagem, as quais codificam tais práticas, deixando ao eu-comunicante uma margem de manobra, dentro da qual este elabora seu projeto de comunicação.

b) modos de organização do discurso que constituem os princípios de organização da matéria lingüística, princípios que dependem da finalidade comunicativa do sujeito falante: enunciar, descrever, narrar e argumentar;

c) língua que constitui o material verbal (forma e sentido);

d) texto que representa o resultado material do ato de comunicação, afetado pelas imposições da situação.

Comunicar é uma tarefa complexa, que não se trata apenas de se transmitir uma informação entre interlocutores, como se a linguagem fosse o reflexo do pensamento. A comunicação resulta de um processo de produção de linguagem, tanto do ponto de vista de sua concepção, como de sua compreensão. Comunicar-se será, sob a perspectiva semiolingüística, proceder como atores de uma peça teatral, que estamos todo o tempo “representando”, conforme a situação de comunicação, a posição sociocomunicativa dos interlocutores, o assunto etc. O projeto de comunicação implica estratégias verbais e não-verbais para envolver o interlocutor, atraindo-lhe a cumplicidade e a concordância. Esses papéis sociais que desempenhamos se materializam nos diferentes gêneros textuais de que dispomos, para a expressão de nossos intenções como falantes.

Marcuschi (Dionísio, 2003) caracteriza gêneros como

eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades socioculturias, bem como na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita.

Para Marcuschi (op. cit.), a expressão tipo textual designa uma composição teórica definida pela natureza lingüística (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Classificam-se como tipos textuais as seguintes categorias: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Já a expressão gênero textual se refere aos variadíssimos textos materializados que fazem parte da vida diária, com características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo, composição específica. São exemplos de gêneros textuais: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, carta de leitores de uma secção de jornal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, ata, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária,bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica (e-mail), bate-papo por computador, aulas virtuais, novela, conto, roteiro de cinema , texto publicitário etc.

Observe-se o quadro abaixo, adaptado de Dionísio (2003: 23)

TIPOS TEXTUAIS:

NARRAÇÃO – DESCRIÇÃO
 –
EXPOSIÇÃO ARGUMENTAÇÃO
INJUNÇÃO

GÊNEROS TEXTUAIS

1. constructos teóricos definidos por propriedades lingüísticas intrínsecas;

1. realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas

2. constituem seqüências lingüísticas ou seqüências de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos;

2. constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções comunicativas;

3. sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;

3. sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função;

4. desiganções teóricas dos tipos: narração, descrição, exposição, argumentação e injunção.

Textos narrativos: predomínio de seqüência temporal.

Textos descritivos: predomínio de seqüências de localização.

Textos expositivos: predomínio de seqüências analíticas ou explicitamente explicativas.

Textos argumentativos: predomínio de seqüências contrastivas explícitas.

Textos injuntivos: predomínio de seqüências imperativas.

4. exemplos de gêneros telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal,carta de leitores de uma secção de jornal, , romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, ata, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária,bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica (e-mail), bate-papo por computador, aulas virtuais, novela, conto, roteiro de cinema , texto publicitário etc.

Outra categoria que merece destaque é a de domínio discursivo, designado como uma esfera de produção discursiva ou atividade humana.Tais domínios podem ser entendidos como: jurídico, jornalístico, religioso, midiático, político, acadêmico, científico etc que dão origem a gêneros bastante específicos como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas. Resumindo:

a)   tipo textual: predomínio de seqüências lingüísticas típicas;

b)  gênero textual: predomínio de critérios de ação prática, circulação sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo;

c)   domínios discursivos: referência a esferas institucionalizadas da atividade humana.

Ressalte-se que um texto pode apresentar-se tipologicamente variado, com a predominância de determinado tipo, em função de seu gênero, bem como do domínio discursivo a que pertença.

se pode imaginar a importância dos conceitos de gênero textual de Marcuschi (Dionísio, 2003) e de contrato de comunicação de Charaudeau (1992) para o ensino de língua portuguesa. Dominar um gênero textual não se reduz a dominar determinadas formas de língua, mas sim a possibilidade de realizar, pela língua, objetivos específicos de comunicação, em situações sociais particulares levar a efeito um projeto de fala. Portanto, o ato da escrita e o ato da leitura são o verso e o reverso da competência discursiva. A adequada utilização dos gêneros textuais por parte dos falantes está firmemente estruturada na cultura, que se trata de fenômenos sócio-históricos.

Com base em tais pressupostos, as propostas de atividades com os alunos devem ter por base diversas modalidades de textos escritos (verbais ou não-verbais) e orais. Para o pleno desenvolvimento da competência discursiva importam, sobremaneira, aspectos e instrumentos da coesão (referencial e lexical) e da coerência textuais. falhas paráfrases, mímica etc.).

Com a explicitação deste arcabouço teórico, cremos estar claro que conduzir a prática de interpretação de textos não pode estar baseada na intuição ou na experiência pressuposta do leitor ( ou do professor). Como desenvolver estratégias de leitura com vistas ao desenvolvimento do leitor crítico? Não temos uma resposta definitiva, mas podemos arrolar alguns aspectos que devam ser observados, de forma sistemática,na análise de textos. Sugerimos, mesmo, um roteiro requer do professor uma orientação de trabalho com propósito definido e um roteiro sistematizado.

Para entender um texto, devemos lembrar que:

·     não somos seres isolados, vivemos em sociedade;

·     cada um de nós está inserido numa rede de relações sociais;

·     as relações sociais se dão em lugares específicos em cada sociedade cultural;

·     sociedade é formada por um conjunto de instituições ( todas com suas práticas, seus valores, seus significados, suas demandas, proibições, permissões);

·     os diferentes grupos sociais exercem influência direta sobre os indivíduos que convivem nesses grupos.

As práticas, os valores e os significados dos grupos são articulados através da linguagem, configurando a realidade que, em si mesma, é uma construção de linguagem

Sugerimos alguns aspectos que, se abordados de forma sistemática, constituem-se em facilitadores da leitura. Teríamos, assim, uma espécie de roteiro de interpretação de textos, para que os alunos apreendam um instrumental de análise capaz de lhes guiar na busca dos significados.

Sugestão:

1- Tipos e Gêneros textuais: especificar as características do gênero em relação à sua função social de comunicação. Formular, por exemplo, as seguintes questões: Para quem se dirige o texto? Qual sua finalidade? Quem é o eu-comunicante? Predomina o tipo narrativo, descritivo, argumentativo, expositivo, argumentativo ou injuntivo? Nomear cada tipo e cada gênero de texto, discutindo os efeitos de sentido que configuram.

2- Intertextualidade: são as vozes que se fazem presentes nos textos. Na intertextualidade explícita ,a alteridade é necessariamente atestada pela presença de uma citação de textos anteriormente produzidos ou, ainda, pode tratar-se de provérbios, frases feitas, expressões estereotipadas expressões de autoria anônima mas que fazem parte de um repertório partilhado por uma comunidade. A intertextualidade pode estar implícita,cabendo ao leitor recuperá-la pela memória, valendo-se de seu conhecimento de mundo, nas alusões, na paródia, paráfrases e ironia. Discutir, portanto, a importância da intertextualidade na construção textual , mostrando ao aluno que esse é um dado relevante na recepção do texto e na sua interpretação.

3- Fatores de textualidade: destacar, além da intertextualidade, os demais fatores de textualidade como componentes fundamentais na análise do texto.Discutir a situação de comunicação, o contexto, o grau de informatividade, a intencionalidade, a aceitabilidade que são fatores de ordem pragmática (enunciados que podem ser entendidos em função do ato de enunciação).

4- Coesão e coerência: destacar os processos lingüísticos da coesão textual (referencial e lexical), vinculando-os à coerência semântica dos enunciados. Esses fatores se relacionam com o material conceitual e lingüístico do texto. Podem ser feitas algumas reflexões como, por exemplo: qual a intenção que se percebe no texto? (intencionalidade); há muitas informações novas no texto? (informatividade); o texto apresenta idéias sabidas, há citações? (intertextualidade); o gênero textual e o registro de língua configuram um modelo socialmente aceito? (aceitabilidade); as relações referenciais estão realizadas de forma adequada? (coesão); o texto pode fazer sentidos diferentes conforme o interlocutor? (coerência) etc.

5- Progressão temática: mostrar como o texto se desenvolve, verificando a organização de seus parágrafos (Garcia, 2002): se por enumeração, exposição de idéias, paralelo e contraste, apresentação de razões, ou argumentos.

6- Adequação do registro de língua: observar a variedade discursiva que está presente no quotidiano, nos meios expressionais encontrados no texto jornalístico (editorial, reportagem, ensaio, crônica, cartas do leitor, charges, quadrinhos etc.), no texto literário, no texto científico, no texto didático, no texto da Internet, no texto publicitário – motivadores e acionadores do conhecimento de mundo dos leitores.

Ressaltar a importância fundamental do reconhecimento dos vários usos da língua portuguesa (não o formal) em função das condições de enunciação.

Caixa de texto: Você conhece bem o tipo. É aquele que balança a cabeça, solta um risinho quase imperceptível e resmunga: “Isso não vai dar certo.” Os pessimistas estão em todos os lugares. O único lugar em que você não pode encontrar um deles é na frente do espelho. Pense Ão. Leia o Estadão.
 
ESTADÃO
O JORNAL DE QUEM PENSA ÃO
 
 

 

Observemos, como uma breve exemplificação, comentários sobre um texto publicitário:

 

-

 

 

Nesse texto, do gênero publicitário, percebemos a presença de um locutor ( o emissor da mensagem publicitária) e de um destinatário, identificado pelo pronomevocê”. Há a presença de uma forma de intertextualidade, quando se faz referência a um tipo conhecido socialmente – o pessimista e suas características. Exemplificam-se também trechos de tipos de texto diferentes:

a) descritivo: “É aquele que balança a cabeça, solta um risinho quase imperceptível e resmunga: ‘Isso não vai dar certo.’”;

b)narrativo: “Você conhece bem o tipo. (...) Os pessimistas estão em todos os lugares.”;

c) injuntivo: “O único lugar em que você não pode encontrar um deles é na frente do espelho.Pense Ão. Leia o Estadão.”

Percebe-se nessa heterogeneidade tipológica um projeto de comunicação que tenta a melhor maneira de seduzir e persuadir o leitor a assinar e a ler o jornal o “Estadão”.

Um aspecto lingüístico interessante a destacar é o valor afetivo dos sufixos –ão e – inho em língua portuguesa. Por queão é ser otimista e –inho é reclamão ? Por que o jornal O Estado de São Paulo é afetivamente referido como o “Estadão”? As respostas encontram seus fundamentos em questões da cultura brasileira que se materializam na língua.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Haverá muitas outras estratégias para o desenvolvimento do leitor crítico,mas nenhuma delas poderá prescindir dos aspectos que dizem respeito à enunciação dos textos[1]. Um tratamento sistemático das questões de interpretação de texto deve considerar a situação de comunicação, os tipos e gêneros textuais, o registro de língua em sua adequação às finalidades do texto, os fatores de textualidade, a relação do componente verbal com o não-verbal, o conhecimento de mundo. Assim, ficará evidente para o aluno que, para ler e interpretar um texto, há um instrumental teórico capaz de permitir-lhe uma abordagem adequada de análise.

Talvez possamos sugerir, ainda, algumas estratégias que contribuam para um procedimento sistemático na análise de textos, em busca de sua interpretação. Para ampliar o domínio da língua escrita e da capacidade de leitura e interpretação, podemos relembrar alguns tipos de exercícios que, embora conhecidos, talvez não estejam sendo realizados sistematicamente, como por exemplo:

- ler em silêncio e depois reproduzir oralmente, com clareza o que foi lido;

- dividir um texto em seqüências ou partes, dando um título a cada uma;

- elaborar a síntese das idéias principais de um texto;

- expor a linha argumentativa do texto;

- apresentar uma contraposição às idéias de um texto;

- comparar textos de diferentes gêneros quanto ao tratamento do tema e aos recursos lingüísticos usados pelo autor;

- estabelecer relações entre as partes de um texto a partir da sintaxe de concordância verbal e nominal;

- discutir as relações sintático-semânticas (observar o uso dos conectores interfrásicos);

- especificar as relações semânticas de enunciados reduzidos e de pausas.

Essa pequena lista, apenas ilustrativa, aponta o imenso trabalho que os professores de língua portuguesa têm pela frente no sentido de tornarem seus alunos leitores e produtores competentes de textos.

 


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Nelly de. Publicidade. A linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2003.

CHARAUDEAU, Patrick. Langage et discours: élements de sémiolinguistique (théorie et pratique). Paris: Hachette, 1983.

––––––. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992.

DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret. Leitura: inferências e contexto sociocultural. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001.

DIONÍSIO, MACHADO, BEZERA (orgs.) Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro:Lucerna, 2001.

Garcia, Othon M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002.

KOCH, Ingedore. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2002.

––––––. A inter-ação pela linguagem.São Paulo: Contexto, 2003.

OLIVEIRA, Ieda. O contrato de comunicação da literatura infantil e juvenil. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

REBELLO, Ilana da Silva. O produto (marca) como garoto-propaganda: as modalidades do ato delocutivo e a intertextualidade. Dissertação de Mestrado apresentada à Pós-Graduação em Letras do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, 2005.


 


 

[1] Indicadores modais, marcadores de pressuposição, indicadores atitudinais e avaliativos, índices de avaliação de domínio (KOCH, 2003: 46-53).