Sala de Leitura e Produção de Textos

Virginia B. B. Abrahão (UFES)

 

A escrita nunca foi a parte forte do capitalismo (...) O capitalismo e profundamente analfabeto.

(Deleuze e Guattarri)

 

Fazendo ‘Sala’

A “Sala de Leitura e Produção de Textos” surgiu como curso experimental dentro de um projeto de pesquisa em redação. Tratava-se de uma tentativa de rever alguns ‘dogmas’ comuns nas salas de aula de língua portuguesa, tais como: quanto mais leitura mais escrita; escreve certo quem escreve dentro das normas; o alfabetizado já fez a sua ‘entrada’ na escrita; um curso de redação deve se pautar nos modelos de textos socialmente recorrentes, ‘ensinando’ ao aluno como processá-los; o ensino de redação está estritamente ligado ao ensino da norma culta; quem possui mais informação redige melhor, além de tantos outros.

Devido a essas posturas tão fixadas socialmente, os alunos chegam para os cursos de redação buscando receitas e se mantém percebendo o texto confortavelmente distante de si mesmos; um espaço em branco e ser preenchido com palavras já existentes. Desse modo a linguagem se constitui em mero instrumento de comunicação.

Tendo por base autores como Gustavo Bernardo, em seu livro Redação Inquieta e Maurizzio Gnerre, em Linguagem, escrita e poder, o curso pretendeu desconstruir, inicialmente, a idéia de que a escrita é um bem, e de que a norma culta é essencial ao ‘bom’ escritor.

Nosso objetivo principal era o de utilizar a escrita como possibilidade de retomada do sujeito produtor dos discursos, tão intensamente perdido dentro dos papéis sociais ou das múltiplas máscaras. Acreditávamos que se a escritura não vale para reencontrarmos a nós mesmos enquanto sujeitos sociais, estaremos simplesmente legitimando-a como instrumento de adaptação social, de cumprimento de papéis. O produtor de textos, no nosso entender, precisa ir além do preestabelecido, pois escrever é inscrever-se, é interferir, é ocupar um espaço próprio, através de um processo de reflexão pautada nos sentidos, nas percepções pessoais, ainda que não individuais. Buscávamos no texto o diferente, não em termos do novo, mas no que diz respeito ao pessoal, ao singular. Partíamos, portanto, de uma crença fundamental no sujeito e acreditávamos que a beleza, o encantamento do mundo, a propulsão da vida, surge das diferenças. Neste sentido, a retomada do outro é fundamental e resulta na fuga à padronização, padronização essa que é uma tendência no processo de ‘globalização’.

Nessa busca da singularidade insubstituível, ainda que nem um pouco individual, já que somos seres socialmente constituídos, enfim, nessa busca que provoca o encantamento do texto, íamos propondo modelos variados: diários, contos, crônicas, comentários etc., mas então o modelo não se sobrepunha à redescoberta do ser do texto; afinal, a partir dessa retomada do sujeito, qualquer texto se torna possível.

No entanto, as pessoas que se decidiram por participar do curso de redação não precisariam se marcar por escrito, não haveria a figura do ouvinte, mas não se exigia a produção escrita, pois a escrita enquanto reconstrução de si mesmo não pode ser exigida, ela deve ser instrumento de prazer, antes de tudo. Mas como não há ouvinte, o participante deve se propor a estar ali para refletir sobre o seu processo pessoal de envolvimento ou distanciamento com a escrita. Desta forma, também os pesquisadores participavam do grupo, como qualquer outra pessoa, somente se diferenciando ao se propor a coordenar e executar as decisões do conjunto. Tanto é que havíamos feito um planejamento inicial que previa um momento de discussão da bibliografia sugerida, um momento em que os pesquisadores repassariam as teorias lingüísticas estudadas e a leitura dos textos produzidos; no entanto o grupo decidiu que o momento da reflexão teórica seria dispensável, que o mais interessante seria priorizar a produção do grupo, a qual foi intensa. Por vezes não conseguíamos discutir todos os textos produzidos pelo grupo. Mantivemos, porém, a discussão sobre o livro Redação Inquieta, o que respaldava as posturas assumidas pelos pesquisadores, sobre o ato de escrever.

Também não havia intervenções sobre os textos, ninguém os ‘corrigia’. Somente líamos e comentávamos; esse tipo de intervenção só foi feito quando da organização da coletânea. “Curtíamos” cada novo texto, porque era a pessoa se dizendo, se repensando, demonstrando seus entraves e suas diferenças.

Decidimos, em conjunto, que o grupo deveria ser aberto, o que foi muito positivo, pois no correr da programação novas pessoas foram aparecendo e se inteirando totalmente da proposta. Certamente isso só foi possível porque o grupo estava bem consolidado.

Foi muito interessante para nós, professores / pesquisadores, perceber que o desejo das pessoas não estava em ouvir o saber acumulado ou as regras gramaticais, apesar de estas não terem sido negadas e virem à tona constantemente, durante as discussões. Chegamos mesmo a repassar regras ortográficas e gramaticais, essenciais para a organização do texto escrito, as quais eram bem recebidas, como também íamos colocando posicionamentos teóricos incorporando-os às discussões. O que as pessoas queriam é poder construir o próprio aprendizado, com a nossa participação, é claro, mas se ouvindo e se permitindo treinar a elaboração oral / escrita, em grupo.

Muitas pessoas chegaram com entraves reais com relação à escrita, e pudemos perceber que isso é mais comum do que se pensa. Há muitas e muitas pessoas que acreditam ser pavoroso escrever. Efetivamente alguns desses bloqueios foram minimizados a partir da reflexão sobre a sua origem, bem como repensando o papel e o aprendizado da escrita em nossa sociedade, dentro de um processo em que uns são formados para ocupar o papel especial de escritores e outros de reprodutores, escrevendo o essencial para que o sistema se mantenha eficientemente.

Para nós, pesquisadores, as dificuldades foram muitas, desde o momento da divulgação da proposta, quando não tínhamos, ainda, a construção da experiência. Além disso, a prática na ‘Sala’ exigia de nós outra postura, expondo-nos muito mais, pois nós mesmos não ocupávamos um lugar tranqüilo diante do texto a ser escrito. Descobrimos que nossa própria entrada na escrita era parcial e automatizada. Por várias vezes pensamos em desistir. Talvez a experiência tenha sido mais forte para nós do que para o grupo de participantes, que veio buscando uma prática.

Assim, mesmo tendo consciência de ser a escrita um instrumento de dominação, nos propusemos a utilizá-la dentro da sua contradição histórica, como retomada dos sujeitos sociais, na sua diferença, e como instrumento de intervenção social.

 

As bases da proposta

Após dedicarmo-nos ao estudo do texto escrito, durante nossas pesquisas no mestrado e doutorado, aplicamos as concepções ali defendidas em um projeto experimental que ocorreu durante o ano de 2001, no Departamento de Línguas e Letras da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). Para tanto, formamos um grupo de pesquisadores, desenvolvemos uma proposta e constituímos uma turma de pessoas adultas que possuíam o propósito de aprimorar a escrita.

O projeto teve por objetivo a retomada do prazer e das redescobertas que o redigir proporciona. Para tanto, deveriam ser consideradas as vivências do produtor e suas buscas pessoais.

Tínhamos por princípio que o sentido que a linguagem veicula precisa ser retomado não em direção à padronização e sim no caminho da individualidade insubstituível, no seu percurso pela história.

Enfim, buscávamos fazer emergir os sujeitos nos textos produzidos, fazendo com que cada aula do curso se constituísse de fato em um encontro entre pessoas, com suas histórias, na leitura das diferenças e no reconhecimento das especificidades de cada qual.

Apostamos, portanto, na emergência de um sujeito que fizesse diferença, na sua relação com o grupo. Um sujeito de desejo, mas também minimamente consciente das artimanhas da linguagem.

Os encontros levavam em conta os seguintes pontos:

·       as implicações ideológicas referentes à entrada na escrita;

·       os variados níveis de escrita;

·       os bloqueios advindos de fatores variados;

·       o texto como discurso;

·       a produção de textos como possibilidade de reconstrução do sujeito, na busca da diferença;

·       o modelo de texto dialético em oposição ao texto marcado pelos raciocínios indutivos e dedutivos;

·       o leitor previsto;

·       o texto como processo e não como produto;

·       a interface leitura e produção de textos;

·       a atenção aos momentos de produção, circulação e consumo dos textos;

·       as influências da oralidade sobre a escrita;

·       questões referentes à variação lingüística, à polifonia, à intertextualidade e à construção do sentido.

O curso foi de 40h/a, as atividades semanais, com duração de duas horas e trinta minutos. Os encontros dividiam-se em três momentos:

- Primeiro momento: Discussão de uma leitura realizada ou u de um filme proposto. Conforme dito acima, adotamos o livro do Gustavo Bernardo – Redação Inquieta. E a cada encontro um capítulo era discutido.

- Segundo momento: Reflexões sobre a linguagem (com base nos tópicos acima listados)

- Terceiro momento: Leitura e comentários dos textos produzidos pela turma.

A estratégia utilizada era de “Sala” e não de aula, por isso não havia a figura do ouvinte e nem a do mestre em produção de textos. Todos fariam reflexões sobre o seu processo pessoal de entrada na escrita e estaríamos todos expostos à escrita, sendo incitados a ela, inclusive o grupo de pesquisadores (5 pessoas).

Conforme dissemos, a produção de textos não era obrigatória, além disso, os textos não eram corrigidos, mas todos eram lidos e comentados. Isso fez com que inicialmente poucos trouxessem textos para serem compartilhados, mas nem por isso deixavam de fazer uma reflexão do por que da recusa àquele tipo de produção, naquele momento.

Inicialmente recorremos à estratégia do diário pessoal, após a leitura da marcante obra: Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus. Depois passamos a produzir contos, poesias, crônicas, o que resultou numa produção coletiva organizada e distribuída para cada participante com uma festa de fechamento do curso.

A experiência foi altamente positiva sob os seguintes aspectos: quem escrevia pôde ampliar a sua condição de escrita, treinando tipologias variadas; muitos dos bloqueios com relação à escrita foram enfrentados, após muita discussão e análises pessoais; os encontros foram ricos em afetividade e redescobertas pessoais. Cada qual pôde se conhecer melhor, através da sua diferença com relação ao outro e também daquilo que fica expresso nos textos e que não descortinamos em nós mesmos, senão com a ajuda de leitores atentos.

Com essa experiência pudemos aplicar e comprovar algumas teses que vimos defendendo, tais como:

a) A escola não garante adesão, de fato, à escrita, limitando-se a treinar os alunos em determinadas tipologias textuais. A escrita não se constitui, assim, em uma modalidade de comunicação de tal modo que o sujeito pudesse nela se inscrever, a partir do seu desejo. O aluno mantém a escrita como um instrumental para garantir determinados direitos sociais. Na verdade pudemos perceber que muitos dos bloqueios que tiveram que ser trabalhados eram conseqüências das aulas de português do ensino fundamental e médio.

b) A produção de textos está intimamente ligada ao experienciado. Assim, as salas de produção de textos podem se constituir num rico momento de autodescobertas e de interessantes reflexões.

c) À medida que o escrevente percebe que ele não precisa escrever “certo” e nem cumprir modelos, mas se construir por escrito, lendo o mundo que o rodeia, alicerçando, assim, seu sistema de referências, a escrita se lhe apresenta como prazer e momento de intimidade, mas também como momento de intervenção na realidade circundante. Deste modo, os encontros de leitura passam a ser momentos de trocas substanciais.

d) Sendo o texto considerado como processo de construção e não como produto, ele se apresenta como uma possibilidade e não como uma delimitação, o que reforça nele a capacidade de interação e a presença dos conflitos.

O experimento levou-nos a concluir, sobretudo, que há um distanciamento das pessoas em relação à escrita e que esse distanciamento é marcado socialmente, ou seja, a escrita é para poucos. Ao mesmo tempo, a sociedade respira a escrita ao ponto de ela determinar a fala e não o contrário, em muitas ocasiões. Portanto, a escrita se configura como um importante lugar de poder.

Mas também chamou-nos atenção as possibilidades de redescobertas pessoais e de rompimentos de bloqueios, pelos quais os participantes passaram. Assim, ao mesmo tempo em que a escrita se constitui como lugar de poder na sociedade contemporânea, ela pode possuir um grande papel na construção da subjetividade e da auto-referencialidade.

Os pólos da subjetividade e da determinação histórica se cruzaram, portanto, na construção da pesquisa, pois o sujeito em questão é um sujeito histórico-social e que, portanto, está inserido nas relações de conflito emanadas do poder.

Observamos, por fim, que os próprios modelos de textos carreiam uma racionalidade e uma espacialidade demarcadas de antemão e que por vezes adaptamo-nos melhor a determinados modelos ou gêneros discursivos e nos vemos travados em outros. Nas conversas, dentro do grupo, pudemos perceber que os entraves não se ligavam diretamente ao tipo de texto, mas ao que ele representava socialmente, e assim nos esbarrávamos na sua organização simbólica e espacial. Efetivamente isso não ocorria com outros tipos de textos, o que demonstra que o próprio modelo já traz uma sintaxe e uma organização argumentativa própria, dentro de uma relação dialogal com outros textos de mesmo gênero. E apreender essa relação parece ser fundamental para aplicar o modelo e assim conseguir a fluência necessária na escrita.


 

Por que recordar essa experiência?

A partir da década de 70, principalmente, as concepções funcionalistas sobre a linguagem têm encontrado ressonância na academia. Dentro dessas concepções o texto é entendido a partir da sua funcionalidade social e em relação a outros textos e não mais subdividido em partes independentes. Estamos a superar os limites do espaço da página ou até dos parágrafos, quando trabalhamos o texto em sala de aula, buscando compreender que um texto dialoga com outro desse modo se constitui.

Essas concepções rompem, sem dúvida, com as precedentes, mas o texto ainda é percebido na sua exterioridade. Cabe ao sujeito produtor desses textos elaborá-los a partir das necessidades que a sociedade lhe impõe. A produção de textos não passa, então, de estratégias de adaptação. Isso porque a linguagem, nesse quadro, é concebida como instrumento de interação e a história como algo que se impõe ao indivíduo. Ele sofre da história, está no curso da história do qual não pode fugir e, nesse sentido, usa a linguagem, não a constrói.

Nesse quadro teórico a escrita só pode ser pensada como um mecanismo que está nas mãos dos grupos sociais que asseguram o poder e, portanto, deve ser assumida a partir desses lugares. Cabe à escola treinar nos alunos modelos de escrita para que eles se adeqüem à sociedade.

Ao discutir o papel da linguagem na constituição das civilizações modernas, Júlia Kristeva, em seu livro História da Linguagem, afirma que “O nosso século é tanto o do átomo e o do cosmos como o da linguagem. (...) O homem moderno está mergulhado na linguagem, vive na fala, é assaltado por milhares de signos...” (p. 9) e acrescenta

Pois hoje em dia, nada, ou quase nada, se faz sem fala, e é necessário saber, apesar de tudo, se essa coisa que fala quando eu falo, e que me implica totalmente em cada som que enuncio, em cada palavra que escrevo, em cada signo que faço, se essa coisa é realmente eu, ou um outro que existe em mim mesmo que se exprime através da minha boca em virtude de qualquer processo ainda inexplicado. (p. 10)

O incremento da escrita, por influência da massificação da informação, é o responsável por essa proliferação de “signos” que falam por nós sem que por vezes possamos interferir. Somos assaltados por eles. Desse modo, apesar de a escrita assumir um papel preponderante na atualidade, ela é assumida na sua exterioridade, para que se cumpram os papéis sociais a ela correspondentes, sem que seja utilizada para estabelecer relações diferenciadas, deslocamentos, descontinuidades. Ao contrário, espera-se que com ela se estabeleçam continuidades e preservação de padrões. Por isso tem sido tratada mediocremente pela escola e a sociedade resguarda a uns poucos o privilégio de dominar plenamente as estratégias de escrita ao ponto de conseguir burlá-las para expressar seus desejos e críticas ou para romper padrões de racionalidade e de pretensas verdades pré-estabelecidas.

Nessa pesquisa tivemos por propósito treinar a escrita a partir da perspectiva do sujeito produtor e não de modelos pré-estabelecidos. Apesar de levarmos em conta que o determinismo é a base para propor significado em linguagem, pensamos que o rompimento com esse determinismo é possível, em muitos momentos. Desse modo, estamos compreendendo o sujeito como alguém que constrói a história, a partir das suas marcas de diferença, das descontinuidades, do rompimento com os lugares pré-estabelecidos. Nesse sentido, caberia à escola treinar esse sujeito na diferença e não na adaptação. E a escrita surge como um lugar privilegiado para a emergência do sujeito.

O papel da escrita na sociedade moderna tem sido muito discutido, mas não encontramos reflexões que busquem compreender a linguagem e, por conseguinte a escrita, a partir do sujeito, um sujeito de desejos e de conflitos.

Portanto, foi objetivo desse trabalho de pesquisa levantar esses lugares de reflexão, buscar bibliografias e contrapor perspectivas, na busca de um novo olhar sobre a escrita, e, conseqüentemente, sobre as estratégias de trabalho com a escrita, seja em salas de aula ou nas nossas relações cotidianas. Evidentemente propusemos uma ‘Sala’, ou seja, um lugar exceção, mas ainda assim um lugar em que a emergência do sujeito foi possível.

Fica a questão: a escrita, na escola, deve sempre ser apresentada como estratégia de adaptação e assim, como um processo por vezes traumatizante, ou ela pode se constituir em um espaço de construção de subjetividade, de busca de identidade?

Segundo José Juvêncio Barbosa, em artigo publicado na revista Nova Escola em 1992, pág. 4, a escola produz um alfabetismo subletrado a fim de atender as novas exigências associadas à ascensão das sociedades industriais modernas que exigia da população um nível rudimentar de uso da escrita. A escrita se apresenta ao aluno como uma comunicação oral diferenciada. Para esse autor, o alfabetizado se torna não só social, mas tecnicamente excluído da cultura letrada.

No entanto, hoje, diante do dinamismo e instantaneidade dos meios eletrônicos de comunicação de massa, além da democratização emergente, esse alfabetismo subletrado já não basta. Faz-se necessário formar leitores e produtores de sentido.

O sentido que a palavra veicula precisa ser retomado não em direção à padronização, mas sim no caminho da individualidade insubstituível. O que torna um texto importante, inédito, pessoal é, precisamente, a forma particular como cada um enfrenta os jogos de linguagem que encontram significados ao nível da história, no burlar do sistema lingüístico e dos modelos de textos já estabelecidos.

Nessa experiência da “Sala de Leitura e Produção de Textos” pudemos perceber que as pessoas, com sua palavra, são insubstituíveis em sua vida e não podem ser representadas por ninguém. No entanto, o sentido da individualidade insubstituível somente ganha significado no seio da comunidade onde as diferenças se destacam, onde o que temos em comum soma-se e cada pessoa pode acrescentar, para a sobrevivência do grupo, aquilo que ela possui como unicamente seu, seu modo particular de ser.

Por fim, pudemos concluir que o produtor de textos, ainda adormecido em suas potencialidades, não conseguirá aprimorar a sua capacidade de redação sozinho ou a partir de debates sobre a linguagem. Nesse sentido pensamos que a escola pode fazer uma diferença se transfere o foco do ensino de redação: do texto para o sujeito produtor do texto, e assim oportuniza o ressurgir das diferenças numa sociedade marcada pela falta do outro. Nesse encontro do outro e de si mesmo nos textos é que a ‘Sala’ foi lugar de propulsão da vida e não da ancoragem do medo, como é o costume no trabalho com a escrita.

Gostaríamos de terminar com um texto de Rubem Braga que me lembra muito o processo de escrita, chama-se “O Pavão”:

Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d’água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco íris de plumas.

Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! Minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira, em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz do teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alfred, Baur. Sentido da palavra – no princípio era o verbo. São Paulo: Antroposófica, 1992.

Barthes, Roland. Do ato de fala ao ato de escrita. In. O texto, a leitura. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

––––––. O rumor da língua. São Paulo: EDUSP, 1984.

Bernardo, Gustavo. Redação inquieta. São Paulo: Globo, 1986.

Deleuze, Giles e Guattari, Felix. O anti-édipo, capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

Gnerre, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

Kristeva, Julia. História da linguagem. Lisboa: Edições 70, 1969.

Mari, Hugo. Os lugares do sentido. Belo Horizonte: Faculdade de Letras / UFMG, 1991 (Cadernos de Pesquisa / NAPq, 1)

Maturana Romesin, Humberto e Varela, Francisco. A árvore do conhecimento. [s/l.]: Palas Athena, 2001.