Razão e discurso:
conflitos da modernidade em São Bernardo

Aline Bezerra da Silva (FAETEC)

 

Os conceitos de ordem e racionalidade modernas surgem a partir de diferentes visões de mundo e imbricam-se numa tessitura fluida. Alexandre Koyré (1892-1964), filósofo russo conhecido pelos trabalhos consagrados à gênese dos grandes princípios da ciência moderna, desenvolve questões vinculadas à racionalidade, por meio da discussão físico-teológica a respeito da (in)finitude do mundo no Espaço-Tempo e da existência (ou não) de Deus.

No livro Do mundo fechado ao universo infinito, Koyré contrapõe posições assumidas por diferentes cientistas responsáveis por descobertas imprescindíveis para o desenvolvimento da ciência moderna, cujo advento datado na era renascentista incita o debate sobre a racionalidade e sobre o conceito de ordem vigentes em determinadas épocas.

A partir do século XVII, radicalizou-se uma revolução mental da qual a ciência moderna seria ao mesmo tempo a raiz e o fruto. Desse modo, a relação entre a ciência moderna e a revolução mental pode ser apontada sem, contudo, precisar-lhes a temporalidade, sem estabelecer entre as duas uma conexão de causa e conseqüência.

Segundo Koyré, enquanto alguns historiadores enfatizaram o afastamento de metas transcendentes, como a substituição do cuidado com o outro mundo e com a outra vida pelo interesse por esta vida e por este mundo, outros estudiosos destacaram a mudança da relação entre a teoria e a praxis, assinalando a passagem da pura contemplação da natureza e do ser para o desejo de dominação e subjugo.

Concomitantes a essas transformações, verificam-se a mecanização da concepção de universo e o desaparecimento da coerência de um mundo no qual já não se proclamava a glória de Deus.

A ciência, a filosofia e a teologia debatidas por Kepler, Newton, Descartes e Leibniz reavaliam a necessidade da discussão sobre a natureza do espaço, a estrutura da matéria, os padrões de ação, e sobre a natureza, a estrutura e o valor do pensamento e da ciência humanas. Dessa maneira, os aspectos destacados desnudam o homem perdido em um labirinto de verdades inconsistentes.

A dificuldade de lidar com um mundo laico fez desse homem o retrato do desamparo: perdeu a um só tempo o seu lugar no mundo, o próprio mundo sobre o qual pensava e seus pontos de referência do pensamento.

Um universo indefinido no qual todos os componentes identificadores mantêm-se coesos e têm o mesmo valor substituiu a concepção de um mundo hierarquicamente ordenado.

Galileu Galilei (1564-1642), o grande fundador da ciência moderna, afirmava que o objeto da ciência eram, não as essências metafísicas das coisas, mas os fenômenos naturais, que deveriam ser provados por experiências e explicados pela matemática e, submetendo-se a tais conhecimentos, Galileu realizou as primeiras aplicações técnicas da ciência moderna. Tais aplicações revestiam-se de um valor espiritual: o domínio do homem sobre a natureza desde que reconhecesse a primazia de Deus em relação a esse “domínio consentido”.

O astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler (1571-1630) introduziu a física no estudo do cosmo, inaugurando uma nova era em astronomia, recorrendo à geometria como “chave para resolver os mistérios do Universo” (Gleiser, 2001: 116).

Por sua vez, a grande revolução racionalista do século XVIII, base da filosofia moderna, atribui-se a René Descartes (1596-1650), que acreditava na razão como mecanismo de igualdade entre os homens e é apontado como o formulador dos princípios da nova ciência, da nova cosmologia e da matemática.

Isaac Newton (1642 – 1727), responsável pelo clímax da Revolução Científica, elaborou uma teoria do movimento dos corpos celestes, revelou-se precursor da aplicação eficiente da matemática à física e foi o gerador da mudança conceitual das visões coletivas de mundo até o início do século XX. Graças a Newton, a matemática deixou de ser um fundamento e converteu-se em um meio auxiliar para a compreensão de fenômenos da filosofia natural.

Por último, G. W. Leibniz (1646-1716), importante oponente intelectual de Newton e contestador oficial de suas idéias, apresentou-se como um visionário quanto aos resultados da concepção newtoniana do mundo e de Deus. Se lhe faltaram argumentos em vida, sobraram os resultados previstos por ele quase um século depois da Nova Cosmologia iniciada pelo cientista inglês.

Por intermédio da evolução dos pensamentos científicos e filosóficos, o ideal de mundo fechado, finito, geocêntrico, teocêntrico e previsível – simulacro de ordem e perfeição – cede espaço e tempo à visibilidade de um mundo aberto, infinito, acêntrico, antropocêntrico e repleto de alterações inesperadas – a desordem instaurada nas anteriores predições de um mundo metodicamente disciplinado.

Até o advento da Revolução Científica, as concepções acerca do assunto praticamente inexistiam – conseqüência do domínio de um pensamento unilateral estimulado pelo poder da Igreja durante a Idade Média, o que se legitima pelo acesso restrito ao conhecimento.

Posições ideológicas de diferentes responsáveis pelo desenvolvimento dos princípios da ciência moderna possibilitaram, a partir do século XVII, uma revolução mental de que tal ciência seria, ao mesmo tempo, a origem e o produto.

Ao pensar a sociedade como reflexo dos avanços intelectuais engendrados pelos seus ilustres integrantes, faz-se necessário entender que diversas correntes de estudos físicos, matemáticos, astronômicos e filosóficos induziram à mudança na apreensão do mundo e da sociedade, instaurando novos paradigmas acerca da ordem cósmica e, no seu bojo, da ordem social.

Também a natureza dicotômica da percepção do homem semeava discussões filosóficas sobre o papel de Deus na concepção e no desenvolvimento do mundo e sobre a finitude e a infinitude do universo. De maneira geral, pode-se resumir a natureza das discussões à relação estabelecida pelos filósofos e cientistas entre Deus e a dinâmica dos corpos celestes: Sua interferência na criação e no funcionamento do universo, a presença ou ausência de finalidade para tal criação, a natureza dos movimentos celestes, a extensão temporal e espacial do mundo diante da ubiqüidade divina.

Como modo imitativo de Deus – o primeiro ordenador metafórico de acordo com os mitos cosmogônicos que aceitam a idéia de criação –, os homens remetiam-se às manifestações de domínio, subjugo e remodelagem da natureza por conceberem-na uma existência não-ordenada. Atribuir funções utilitárias à natureza justificava a associação entre ela e aquilo que não estivesse ordenado. Reaparece, então, a noção de caos para legitimar a existência de um ideal de sucessivas mudanças em busca da perfeição. Tudo em nome do progresso da humanidade.

Por meio de pesquisas e inovações científicas, a existência “imperfeita” da natureza foi ganhando novos ares: Kepler supunha a geometria como chave para desvendar os mistérios do Universo, inaugurando uma nova era em astronomia; o racionalismo cartesiano fazia emergir um ideal de igualdade entre os homens, já que se baseava na capacidade de alcançar a verdade por meio do uso da razão; Newton traçou um paralelismo que submetia céu e terra aos mesmos mecanismos de compreensão baseados em leis de movimento expressas matematicamente; e Leibniz apontava, nas idéias de Newton, as brechas conceituais que levariam os sucessores de seu oponente a negarem a existência de Deus, submetendo-O à condição de mera hipótese, como afirmado por Laplace em resposta a Napoleão, no livro Mecânica celeste, sobre o papel reservado a Deus.

A partir desses desdobramentos, possíveis em virtude da Revolução Científica, o processo de secularização do conceito de ordem ocorre de maneira tão vertiginosa que a própria noção de ordem, surpreendentemente, transforma-se em um “fator natural preexistente” às sucessivas descobertas científicas e discussões filosóficas. Tal ordem só poderia ser suplantada pelo advento do caos, o qual certamente deveria ser combatido. Inverte-se o discurso inicial de busca da organização e a ordem moderna transforma-se em origem e destino, como se nunca, em tempo algum, tivesse existido algo diferente dela. Transforma-se a ordem em mito e, como confirma Barthes, no livro Mitologias, “o mito é vivido como uma fala inocente: não que as suas intenções estejam escondidas: se o estivessem não poderiam ser eficazes; mas porque elas são naturalizadas” (Barthes, 1989: 152).

A idéia de perfeita interação dos corpos celestes orientou cientistas na defesa da busca da ordem terrena como representação de um mundo indefectível. Medidas assumidas como profiláticas foram tomadas em nome da expansão da ordem e do domínio da razão. Violência, recusa, domínio e morte compõem o cenário da emoção destemperada como importante legitimadora do discurso da barbárie.

Paulo Honório, personagem-narrador de São Bernardo, não se preocupa com a (in)finitude do mundo no espaço-tempo, mas destaca constantemente a riqueza da propriedade cuja importância econômica e política não pode ser desprezada, de acordo com sua ótica.

Ao considerar a propriedade e os trabalhadores que nela habitam engrenagens complementares e ao expressar superioridade em relação a todos que o cercam, Paulo Honório assume a posição enérgica de criador, conhecedor e governador do mundo que, para ele, identifica-se com a propriedade denominada São Bernardo. Instaura-se uma aparente analogia entre o papel de Paulo Honório e o papel de Deus conforme o pensamento cristão de supremacia divina em relação ao mundo.

No entanto, tal analogia aparente pode ser desfeita quando, no decorrer do livro, Paulo Honório resolve questionar a ausência de postura religiosa de sua esposa Madalena ao mesmo tempo em que define o papel de Deus na própria vida. Torna-se claro que Deus e Paulo Honório não se resolvem, simbolicamente, em uma única figura, além de a definição do personagem em relação à supremacia divina estar condicionada a uma ótica particularmente interessada na justiça decorrente do benefício ou prejuízo pessoal do narrador.

A verdade é que não me preocupo muito com o outro mundo. Admito Deus, pagador celeste dos meus trabalhadores, mal remunerados cá na terra, e admito o diabo, futuro carrasco do ladrão que me furtou uma vaca de raça. Tenho, portanto, um pouco de religião, embora julgue que, em parte, ela é dispensável num homem. Mas mulher sem religião é horrível. (Ramos, 2001: 132-133)

No que tange à existência da razão como instrumento de igualdade entre os homens, Paulo Honório vale-se de argumentos bastante peculiares em defesa dos próprios interesses, considerando-se dotado de extraordinária persistência, capaz, até mesmo, de modificar os passos da casualidade, como no trecho a seguir: “Eu não sou preguiçoso. Fui feliz nas primeiras tentativas e obriguei a fortuna a ser-me favorável nas seguintes” (Ramos, 2001: 38).

Emblemática figura de proprietário rural e narrador de São Bernardo, que intenta o enriquecimento por meio da exploração da mão-de-obra barata e da conclusão de negociatas escusas, Paulo Honório também se utiliza do discurso de exaltação à racionalidade e da necessidade de dominar a natureza como tentativa de ordenação.

Movido por uma justificativa pautada na escassez de recursos com que teve de lidar durante a infância, o narrador manipula seus objetivos de aquisição de mais riqueza, prestígio e, conseqüentemente, poder, por meio de um discurso enérgico que confere a si mesmo a condição de vencedor. Tal retórica e caracterização adquirem grandeza superlativa quando confrontadas com todas as intempéries vividas até a aquisição de respeitabilidade por parte do personagem-narrador.

Diante da autoglorificação e seu colaborador subliminar – o desprestígio do outro – o personagem Paulo Honório reconhece, por vezes, que sua dureza de espírito (ou sua racionalidade mecânica) é fruto de um passado de sacrifícios. Nesse contexto, os escritos de Graciliano[1] apresentam-se, então, como denúncia social – testemunho de uma ordem preestabelecida e contínua à política desenvolvida, mais tarde, pelo presidente Getúlio Vargas. Como se pode verificar ao longo do livro, os trabalhadores rurais não tinham seus direitos legitimados, o que pode ser comprovado pelo seguinte trecho do sociólogo R.S. Rose (2001: 40-41):

Em geral deixava-se que os potentados dirigissem suas propriedades e seus empregados como lhes fosse conveniente. Getúlio faria algumas concessões à classe média urbana que emergia e, por fim, propiciaria até algumas reformas menores ao proletariado urbano.

Pode-se afirmar que, segundo Paulo Honório, o processo de escritura da narrativa São Bernardo, da intenção ao produto final, levou dez anos, situando-se, historicamente, entre 1917 e 1927. Tal consideração pode ser atestada levando-se em consideração as claras referências à Revolução Russa, no início do livro, e às colunas, no fim do livro, como se pode verificar através das passagens a seguir:

Padre Silvestre recebeu-me friamente. Depois da revolução de Outubro[2], tornou-se uma fera, exige devassas rigorosas e castigos para os que não usaram lenços vermelhos. Torceu-me a cara. E éramos amigos. Patriota. Está direito: cada qual tem as suas manias. (Ramos, 2001: 5-6)

Um dia Azevedo Gondim trouxe boatos de revolução. O sul revoltado, o centro revoltado, o nordeste revoltado (...).

Depois os boatos engrossaram e viraram fatos: batalhões aderindo, regimentos aderindo, colunas [3] organizando-se e deslocando-se rapidamente, bandeiras encarnadas por toda a parte, o governo da república encurralado no Rio. (Ramos, 2001: 175-176)

Atirado no centro da ação, o leitor, ora cúmplice ora crítico, percebe no narrador um estilo rápido, dinâmico, obstinado. Buscando evitar reflexões reducionistas da obra, o autor Graciliano Ramos intenta desenvolver mecanismos que esclareçam o comportamento do protagonista sem que juízos de valor sejam estimulados pela leitura do texto. Despindo-se de um julgamento maniqueísta, crítico e escritor assemelham-se em prol de uma análise mais complexa das questões abordadas. Tal afirmação pode ser ratificada no seguinte trecho da crônica “O fator econômico no romance brasileiro” (Ramos, 1989: 251-252):

E o indivíduo que matou os filhos e deu um tiro na cabeça? De que se alimentava esse malvado, a que gênero de trabalho se dedicava? Certamente ele é um malvado. Mas a obrigação do romancista não é condenar nem perdoar a malvadez: é analisá-la, explicá-la. Sem ódios, sem idéias preconcebidas, que não somos moralistas.

Reconhecer os limites da racionalidade pela possibilidade de interpretá-la como uma construção coletiva sujeita aos interesses da manutenção hegemônica do poder reconduz ao debate sobre a mitificação dos conceitos de ordem e perfeição no imaginário moderno. Tal questionamento atordoa as mentalidades tão acostumadas às pretensas certezas. Coroadas pelas idealizações de perfeição, as analogias entre céu e terra levaram os homens à representação de um mundo possivelmente indefectível. E, em nome da expansão da ordem e do domínio da razão - condutores rumo ao mundo perfeito - representantes da racionalidade cometeram as mais diversas atrocidades. “A razão não pode deixar de ser vista como opressora, quando o poder que oprime fala em nome dela e quando ela é percebida como a única possível” (Rouanet, 2000: 16).

A fragilidade das certezas pautadas em uma lógica racional a serviço do poder e a demonstração das possíveis incongruências justificadas pelo desejo de busca da perfeição permitem ao homem ocupar um lugar bastante desconfortável nas relações de poder. Descobriu-se que o trono tem espinhos.

Camuflar o desejo de poder e de direito à voz do discurso nunca pareceu tão difícil. Pensar o mundo com o afastamento de um Deus-hipótese confere autonomia, ao mesmo tempo em que possibilita um questionamento mais intenso das idéias, visto não haver mais representações supremas e indiscutíveis baseadas em questões de ordem metafísica.

Com a defesa da democratização do acesso ao conhecimento, viabiliza-se uma alternância de poder não fundamentada nas questões transcendentais, porém diretamente relacionada com a visibilidade e o direito à voz no discurso. Rompe-se com o paradigma do dogma e abrem-se as cortinas para o paradigma do “conhecimento”, no qual saber é poder e tal saber não se relaciona necessariamente ao conhecimento academicamente estabelecido.

Trânsito em meio às possibilidades discursivas, reconhecimento dos motivos de interdição, sejam eles o tabu do objeto, o ritual da circunstância, o direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala, marcam a ascensão de Paulo Honório, como personagem que sabe mover-se em meio às adversidades ou confluências do discurso. Ele sabe, perfeitamente, em que contexto e com quais elementos pode dar vazão a todo o seu potencial autoritário.

Retornar à questão do confronto com o imprevisível possibilita afirmar que, habituado a pensar segundo uma lógica que respalda atitudes baseadas no raciocínio, o homem moderno inquieta-se diante do imponderável. Como afirma Bauman, “quanto mais completa tenha sido a resolução dos problemas iniciais, menos manejáveis são os problemas que resultam” (Bauman, 1999: 21).

Tal como um sujeito acostumado a escolher entre dois caminhos, o homem moderno depara-se com a dúvida, a imprecisão, a indefinição de limites, a nova ordem, o caos. E a abrangência desse caos torna-se mais reveladora quando se dá a descoberta da inexistência da perfeição tão almejada, perseguida, erroneamente dita conquistada pelos homens por meio da Revolução Científica.

Os limites - disfarces que possibilitam a compreensão das diferenças entre céu e terra, razão e sensibilidade, ordem e caos - tornam-se embaçados sob as lentes da percepção e da racionalidade. Não mais encaradas como o mal a ser combatido, a dúvida e a imprecisão despontam como alternativa reflexiva, em um mundo em que as perguntas, muitas vezes, mostram mais perspicácia e inteligência do que as respostas.

Sendo assim, pensar o espaço-mundo sem recorrer a categorias dicotômicas desafia a emoção e a razão. Mais uma vez, abalam-se os pontos de referência do habitante-pensamento, pois, neossignificando a fala de Benjamin, “Não há nesse espaço um único ponto em que seu habitante não tivesse deixado seus vestígios” (Benjamin, 1994: 117).

Afirmar a modernidade como um período histórico iniciado no século XVII na Europa Ocidental, associado a uma série de transformações socioestruturais e intelectuais profundas foi, para Zygmunt Bauman, a maneira de delimitar tal conceito. Em Modernidade e ambivalência, o autor acrescenta que a modernidade atingiu sua maturidade como projeto cultural através do avanço do Iluminismo; depois, como forma de vida, com o desenvolvimento da sociedade industrial capitalista e, mais tarde, também, com o desenvolvimento da sociedade comunista.

A elaboração de críticas à modernidade não se encerra como um fim em si, mas, ao contrário, pretende municiar o debate de suas mazelas para um conseqüente despertar da letargia embriagante da modernidade. O grande desafio é a transformação da (auto-) crítica moderna em trampolim para novas idéias, debates e atitudes – ainda que se verifique, com o auxílio de lentes baumanianas a impossibilidade de solução para tudo o que ora se apresenta como problema.

Diante dessa perspectiva, Paulo Honório desempenha importante função reflexiva operando a passagem do homo faber para o homo cogito – possibilidade de analisar o vivido rumo à compreensão do mundo que o cerca e, por extensão, de si mesmo, num movimento contrário ao até então orientado. Como bem assinalou Homi Bhabha, no livro O local da cultura, “relembrar nunca é um ato tranqüilo de introspecção ou retrospecção. É um doloroso re-lembrar, uma reagregação do passado desmembrado para compreender o trauma do presente” (p. 101). E, como completaria, Benjamim, “o importante (...) não é o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração, o trabalho de Penélope da reminiscência” (p. 37).

 

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[1] Embora a primeira versão de São Bernardo, escrita em norma culta, date de 1924, só em 1936 ocorre a publicação do livro, já em sua segunda versão, acrescida de expressões regionais.

[2] “Revolução de Outubro de 1917 na Rússia czarista. O movimento operário passou a ser objeto de preocupação e ganhou as primeiras páginas dos jornais. Os trabalhadores não pretendiam revolucionar a sociedade, mas melhorar suas condições de vida e conquistar um mínimo de direitos. O que não quer dizer que muitos não fossem embalados pelo sonho de uma sociedade igualitária.”(Fausto, 2001: 169).

[3] Referência à “coluna paulista” e a seu fruto, a Coluna Prestes. “A Coluna Prestes realizou uma incrível marcha pelo interior do país, percorrendo cerca de 24 mil quilômetros até fevereiro/março de 1927, quando seus remanescentes deram o movimento por terminado e se internaram na Bolívia e no Paraguai. (...) A Coluna evitou entrar em choque com forças militares ponderáveis, deslocando-se rapidamente de um ponto para outro”. (Idem, 2001: 173).