A Filologia, entendida como Crítica Textual
e as acepções
que norteiam o conceito de autoria

Maria Cristina Antonio Jeronimo (UFF)
Ceila Maria Ferreira B. R. Martins (UFF)

 

“A filologia é a arte de ler devagar”. (Jakobson)

 

INTRODUÇÃO

Nesta presente comunicação, temos por objetivo apontar questões preliminares sobre os estudos de Filologia como também, abordar algumas considerações diversas acerca da questão autor-filólogo, criando relações e comparações com concepções e idéias já difundidas por três importantes pensadores – Umberto Eco, Michel Foucault e Roland Barthes.

Neste trabalho, como sugere o tema, daremos preferência ao termo crítico textual, sendo este aquele que é o responsável pela edição quer fidedigna, quer crítica de uma obra (ou texto) de um determinado autor.

Em hipótese alguma, tencionamos desconstruir ou refutar leis, premissas e definições já consagradas por tantos renomados especialistas, muito menos, depreciar a posição em que reside um autor.

Pretendemos, apenas, aluzir este profissional, chamado mais comumente hoje de crítico textual, por conta do trabalho herculâneo que empreende, na medida em que seu objetivo primordial consiste na restituição de algo perdido, ou mesmo, de algo equivocado. Uma contribuição inestimável para a humanidade.

 

A POLISSEMIA NOS TERMOS: FILOLOGIA E ECDÓTICA

Filologia – de sua origem grega ao latim – “amor às letras, instrução, erudição, literatura, palavrório” (HOUAISS, 2004: 1344). Concernente aos textos escritos de qualquer natureza, tem por finalidade primordial: recuperar, preservar, fixar, interpretar e explicar corretamente, com o objetivo derradeiro de restituir os textos (na medida do possível) à forma de sua apresentação original, à última vontade (intenção) materializada de seu autor, ou ao que dela mais se aproxima.

Nem sempre usado neste âmbito, da Antigüidade até hoje, o significado e uso do termo filologia vem gerando divergências entre os especialistas. Ora em sentido mais restrito, como a crítica dos textos (o estudo dos textos para sua fixação e interpretação), ora em sentido mais amplo, entendendo-se a Filologia como uma ciência que abarcaria um complexo de disciplinas ligadas a todos os estudos de língua e literatura, incluindo-se nesse rol a Lingüística, a Teoria da Literatura e a própria Crítica Textual.

No que tange à distinção entre Lingüística e Filologia, destacamos o parecer de Saussure, que propôs para o último termo designar a ciência com objetivos de fixar, interpretar e comentar os textos, diferentemente dos propósitos da Lingüística Geral:

A língua não é o único objeto da filologia, que quer, antes de tudo, fixar, interpretar, comentar os textos; este primeiro estudo a leva a se ocupar também da história literária, dos costumes, das instituições, etc.; em toda parte ela usa seu método próprio, que é a crítica. Se aborda questões lingüísticas, fá-lo sobretudo para comparar textos de diferentes épocas, determinar a língua peculiar de cada autor, decifrar e explicar inscrições redigidas numa língua arcaica ou obscura. (Saussure, 1969: 7-8)

Deficiência e problemática terminológica também encontramos no termo Ecdótica, que para alguns consiste em sinônimo da Crítica Textual, para outros refere-se a fase final do estabelecimento e edição, publicação dos textos (etapa final da Crítica Textual). E ainda há os que defendem Ecdótica como a ciência geral dos textos, da qual a Crítica Textual seria uma de suas partes integrantes (o núcleo básico).

Tal diversidade de nomenclatura, de fato, não favorece o entendimento e gera problemas. O célebre Professor Doutor Ivo Castro, Catedrático da Universidade de Lisboa e Coordenador da Equipe Pessoa, tem demonstrado preferência pelo termo Crítica Textual, tendo o profissional dessa atividade o nome, obviamente, de crítico textual. Em seu importante livro Editar Pessoa, da Coleção Estudos, Ivo Castro afirma que esta tarefa deve ser confiada aos técnicos da especialidade, que é a Crítica Textual.

 

A CRÍTICA TEXTUAL – OBJETIVO E MÉTODO

Segundo Aurélio Roncaglia, a “Crítica textual é a garantia da genuinidade e exatidão de todo conhecimento histórico que se fundamenta em documentos escritos” (Martins, 2006).

Sabemos que o passar do tempo; as inúmeras cópias sem o devido rigor; as inúmeras intervenções de terceiros no processo editorial (copistas, editores, revisores, tipógrafos, dentre outros) podem gerar alterações e deturpações no texto.

Desta forma, leremos o que o escritor se dispôs a escrever? Não, é certo que não. O que estaremos a ler é um pseudo-autor, menos o autor original. Como pseudo-autor queremos, num primeiro momento, levantar a possibilidade de alguém, que não o autor, ter se apoderado de uma obra, outras vezes esta é a representação de várias vozes, de toda uma cultura (como ocorre muitas vezes nos textos clássicos). Em outra esfera, estando o nome do autor atribuído de forma correta à respectiva obra, poderemos ainda assim ler os erros imprimidos através do tempo e não o genuíno texto. A função da Crítica Textual é “corrigir” estes equívocos, é resgatar estes textos, devolvendo-lhes sua forma original (a autorizada pelo autor), ou a que mais se aproxima dela, a seus leitores.

Segundo o Professor Doutor Ivo Castro, em obra já mencionada: “Uma edição crítica bem sucedida obriga o público a esquecer os versos que sabia de cor e os críticos a reescrever, sobre textos renovados, as suas interpretações” (Castro, 1990: 17).

Com sua metodologia científica de investigação, através do levantamento das tradições (direta e indireta), após inúmeros e minuciosos estudos sobre um determinado texto, o crítico textual visa a transmissão, publicação do texto fidedigno, autêntico – restituído, diferente daquele que era conhecido. A magnitude deste trabalho sempre exigiu e ainda exige do crítico textual grande conhecimento em diversas outras áreas.

Para corroborar o trabalho empreendido pela Crítica Textual, tal como a autoridade que a envolve, citamos, como muito bem disse, a filóloga Luciana Stegagno Picchio, sobre a expressão “estatuto do filólogo”. A referida filóloga diz que o crítico textual não é simplesmente

um mero preparador de textos a serem entregues depois, prontos para a interpretação, a um pesquisador de grau superior, identificável com o crítico literário [...] o seu estatuto é o de crítico, pois nenhuma constituição textual, nenhuma emenda seriam possíveis fora ou antes de uma compreensão total, de uma interpretação no sentido mais amplo e preciso do termo. (Silva, 1994: 61)

 

O CARÁTER DA SUBJETIVIDADE

De acordo com o grande mestre Contini, toda edição crítica é uma hipótese de trabalho. Bem o sabemos, e segundo o já citado Professor Doutor Ivo Castro, “o original perdido é irrecuperável” (Castro, 1995: 516). É fato inegável, que podemos chegar ao derradeiro fim de nosso trabalho sem encontrarmos o texto verdadeiro, talvez o que mais se aproxime dele.

Nesses meandros, mesmo com todo o rigor e neutralidade com que se propõem métodos e técnicas, o crítico textual corre o risco de esbarrar no limiar da subjetividade:

Apesar de todos os extremos de rigor, erudição e crítica que pode atingir, o método oferece, durante a operação final de estabelecimento do texto, pelo menos quatro momentos em que o filólogo, em vez de recuperar dados objectivos e exteriores, corre o risco de oferecer o resultado de uma opinião sua acerca desses dados, ou seja, pura e simplesmente uma sua interpretação. O risco de a ciência e o gosto do filólogo (a sua subjectividade) interferirem no estabelecimento do texto surge nos seguintes quatro momentos: quando ele julga identificar o erro, quando ele conjectura a respectiva emenda, quando decifra o original (podendo a sua expectativa quanto ao que o texto quer dizer sobrepor-se ao que o autor disse) e, finalmente, quando escolhe os signos gráficos que, na sua transcrição, vão equivaler aos do exemplar. (Op. cit. p. 515)

Logicamente, que críticos textuais sabedores de sua responsabilidade desfrutam de inúmeras opções para realizarem a indicação aos seus leitores de seus critérios de leitura e edição, como por exemplo, a prática de não se publicarem palavras ilegíveis. Ainda assim:

Esta reconstituição resulta hipotética a vários níveis: [...] tem, finalmente, de fazer escolhas quanto à seqüência das folhas que constituem um texto, dos fragmentos soltos que constituem uma obra e, no caso dos nomes poéticos, quanto à estrutura dos respectivos volumes e quanto à atribuição de determinados textos a uma ou outra autoria. (Castro, 1990: 8)

Não estamos de modo algum negando o caráter científico da metodologia da Crítica Textual, que é muito bem aplicada, nem muito menos sendo condescendentes com procedimentos que irão simplesmente preencher lacunas e contaminar o texto. Tais práticas caminham em oposição a tudo o que dissemos até aqui. Queremos salientar, apenas, esse caráter subjetivo e real ao qual o crítico textual está sujeito.

 

AUTORES, AUTORIAS, LEITORES:
ALGUMAS PERSPECTIVAS (ECO, FOUCAULT, BARTHES)

Sabemos que diversos pensadores já se propuseram e ainda se propõem a discutir e teorizar as questões relativas aos conceitos de autor, leitor e outros termos que deles se avizinham.

Como já explicitamos na “Introdução”, o objetivo deste trabalho não está em traçar retrospectivas cronológicas, resgatando todos os teóricos que já trataram ou tratam da temática – autor, autoria, dentre outras –, como também, não pretende rever todos os conceitos e noções já instituídas ao longo do tempo.

A partir de três grandes nomes do pensamento intelectual – Umberto Eco, Michel Foucault e Roland Barthes – nos inclinaremos sobre questões que julgamos inquietantes à crítica e teoria literárias, mas que apresentam pontos de interseção com a Crítica Textual, na medida em que nos reportam ao lugar, papel e limites facultados ao crítico textual.

Qual a relação hoje deste profissional com os conceitos e definições de autor? Qual o lugar do crítico textual em torno da noção de autoria, a partir do momento em que não dispomos mais de originais autógrafos, ou se dispomos os mesmos apresentam falhas, lacunas “a primeiros olhos” indecifráveis?

Ainda na condição de existirem os originais, considerando-se a tradição de um texto toda alicerçada numa edição vulgata (errônea, equivocada), que não representa a intenção final do autor, qual seria o papel, a posição do crítico textual que se incumbirá da missão de “reescrever” o legítimo autor?

Questões capciosas, no mínimo complexas, que certamente uma mera comunicação não pode, nem dará conta.

 

Umberto Eco

Ao entrarmos no bosque de Umberto Eco, “metáfora para o texto narrativo” (ECO, 1994: 12), criada por Jorge Luis Borges, deparamos-nos com dois tipos de leitores estabelecidos por ele: o leitor empírico e o leitor-modelo. Como contraponto, Eco nos apresenta também, o autor empírico e o autor-modelo.

A princípio, o que mais nos interessa é a figura do leitor-modelo de Umberto Eco, pois este leitor é aquele que produz sentidos à medida que executa a leitura, ou seja, torna-se um colaborador, instituindo uma relação de cooperação. Podemos dizer, que uma de suas características principais é a de ser co-autor da obra em questão. O leitor-modelo faz um “pacto” com o texto, interpretará o mesmo ao “gosto do autor”. Segundo Eco, o leitor-modelo é “uma espécie de tipo ideal que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura criar” (Op. cit. p. 15).

Efetuando-se um empréstimo desta categorização de Umberto Eco para a Crítica Textual, poderíamos, então, classificar o crítico textual como um leitor-modelo, sabendo-se que ele é um exímio leitor, ao passo que realiza leituras e interpretações fundamentadas em metodologia rigorosa. Acompanhando esta ótica, o crítico textual seria também o co-autor, alguém que produz em conjunto com o autor.

Quanto aos autores, o autor empírico não interessa a Eco, à proporção que o mesmo não se preocupa com a interpretação realizada pelos leitores e insiste em manter a sua personalidade.

Em contrapartida, o autor-modelo é aquele que consegue sair, abster-se de sua pessoalidade, ainda que com um estilo inconfundível. Dessa forma, ele se aproxima também, do caráter imparcial, tão inerente ao crítico textual.

Sabemos que na concepção de Eco o autor-modelo se configura, muitas vezes, como estratégia textual, e que também pode ser reconhecido como um estilo. Por sua vez, o leitor-modelo é uma figura que não preexiste fora do texto, é construído pelo próprio autor. De qualquer forma, para o nosso olhar fundamentado na Crítica Textual, tais análises não deixam de ser, no mínimo, interessantes, pois de acordo com esta relação o crítico textual se configuraria, ao mesmo tempo, modelo de leitor e de autor.

 

Michel Foucault

“O que é um autor?”, texto de 1969, de forma simplificada, estremece a categoria de sujeito, que de acordo com Michel Foucault pode ter várias nomeações, inclusive a de autor – “figura exterior e anterior” ao texto. Esta categoria de autor, como suas análises subseqüentes formam o tema sobre o qual Foucault se debruçou neste trabalho.

Percebemos que a idéia de desconstrução da necessidade de nomeação (da categoria de autor) já se insinua no título de sua comunicação, “O que é um autor?” sugere “autor” como algo coisificado, na medida, em não questiona quem é – exclusão do sujeito individual – e sim pergunta o que é um.

De acordo com Foucault:

Na escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever, nem da fixação de um sujeito numa linguagem; é uma questão de abertura de um espaço onde o sujeito de escrita está sempre a desaparecer. (Foucault, 1992: 35)

Regressando ao passado distante, a partir da epopéia grega Michel Foucault relaciona a escrita com a morte, na medida em que essa narrativa se propunha a transmitir de gerações a gerações a glória de um povo, representada pela figura de um herói. Tal perpetuação é marcada com a imortalidade deste herói.

Esta relação da escrita com a morte manifesta-se também no apagamento dos caracteres individuais do sujeito que escreve; por intermédio de todo o emaranhado que estabelece entre ele próprio e o que escreve, ele retira a todos os signos a sua individualidade particular; a marca do escritor não é mais do que a singularidade da sua ausência; é-lhe necessário representar o papel do morto no jogo da escrita. Tudo isto é conhecido; há já bastante tempo que a crítica e a filosofia vêm realçando este desaparecimento ou esta morte do autor. (Op. cit. p. 36-37)

Foucault afirmará que um nome de autor exerce uma função classificativa, pois admite que os textos sejam agrupados, delimitados, selecionados, “o nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso” (Op. cit. p. 45). A partir destas conjecturas estabelece-se o conceito de “função autor”, na proporção em que o nome de autor se difere, em muito, do nome próprio, ele circunda os textos demarcando-os, caracterizando-os. “A função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade” (Op. cit. p. 46).

O autor – ou o que tentei descrever como a função autor – é com certeza apenas uma das especificações possíveis da função sujeito. Especificação possível, ou necessária? Olhando para as modificações históricas ocorridas, não parece indispensável, longe disso, que a função autor permaneça constante na sua forma, na sua complexidade e mesmo na sua existência. Podemos imaginar uma cultura em que os discursos circulassem e fossem recebidos sem que a função autor jamais aparecesse. [...] Que importa quem fala. (Op. cit. p. 70-71)

Vimos que a o prestígio romântico da noção de autor parece se esvair de acordo Foucault. Na verdade, ficou evidente que esta supressão do autor ocorre em benefício das “formas próprias aos discursos”. Percebemos também que a função autor de ontem não se dará da mesma forma, em um outro contexto cultural, contemporâneo, por exemplo.

 

Roland Barthes

Após a problematização do sujeito e conseqüentemente, do autor em Foucault, não poderíamos deixar de referir o renomado artigo de Roland Barthes “A morte do autor”.

Segundo Roland Barthes “a voz perde a sua origem, o autor entra na sua própria morte, a escritura começa” (Barthes, 1988: 65). Depois de descrever o “percurso” da produção e instituição deste sujeito, “personagem moderna” – o autor –, na nossa sociedade e fabricado por ela, Barthes prossegue a desmistificação, o processo de “dessacralizar a figura do Autor”, em prol do “nascimento do leitor”:

Um texto é feito de escritas múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o leitor: o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino, mas esse destino não pode mais ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; ele é apenas esse alguém que mantém reunidos em um único campo todos os traços de que é constituído o escrito. (Op. cit. p. 70)

De acordo com Barthes o escritor não pode apresentar nada de original, ele apenas detém a possibilidade de “mesclar as escrituras”. Para ele o autor é nada mais que um “eu de papel”, a voz do indivíduo, do autor é sucumbida para dar vez à voz da linguagem – é a “substituição do eu falo pelo isto fala”. O mito se inverte, deixa de iluminar o autor para se focar no leitor.

Uma pergunta que se torna imperativa: Por que discutir assuntos sobre a dissolução da imagem do autor, se a comunicação em questão se alicerça numa ciência que tem por objeto de trabalho um texto de alguém, de autoria de um autor, para sermos redundantes? Para fomentarmos o problema: e a crítica genética[1], que além de empreender o trabalho crítico já mencionado, irá também se debruçar sobre o labor autoral, sobre os processos e percursos da elaboração e criação literária? Como ela irá tratar da gênese dos textos que ficaram órfãos?

As razões podem ser variadas, mas abordaremos duas. A primeira, reside no simples fato de que não poderíamos ousar mencionar conceitos de autor e autoria sem nos reportarmos a “A morte do autor” que se trata, obviamente, de um cânone da crítica e teoria literárias (aqui, estendo esta condição a todo o legado barthesiano, como também o foucauldiano).

A segunda razão relaciona-se com a Crítica Textual, uma vez que, esta ciência é portadora de um traço marcante e porque não dizer plural da interdisciplinaridade. Os questionamentos da História, da Crítica, da Teoria Literárias e também da Literatura são os questionamentos da Crítica Textual. Como restabelecer um texto sob critérios rígidos, sem adentrarmos e também nos questionarmos acerca dos conceitos de autor, autoria, intencionalidade, autoridade autoral, obra, texto que norteiam o nosso objeto de trabalho? Conceitos imprescindíveis à atividade da Crítica Textual.

 

CONCLUSÃO

Pretendemos elucidar algumas questões práticas quanto à polissemia, objetivo e método próprios da Crítica Textual. Em sua metodologia de trabalho vimos que o crítico textual está sujeito ao caráter subjetivo da natureza textual.

Quanto ao Estruturalismo, sabemos que o mesmo busca analisar, através de sistemas e métodos rigorosos, os textos literários de forma a desumanizar a obra, uma vez que não considera a sua realidade extralingüística, primando de certa maneira, pelas características formais e lingüísticas do texto. De qualquer forma, não poderíamos deixar de mencionar o que nos é oferecido pelo estruturalismo de Foucault e Barthes.

Uma “estética da recepção”, mais clarividente em Umberto Eco, mas também presente em Foucault e Barthes (não iremos cair nas armadilhas de categorizações aprisionadoras) entende o leitor como parte integrante do processo de produção e compreensão literária.

Os conceitos apresentados (não apenas o de autor, mas todos os que se filiam a ele) mostraram-se titubeantes quanto à sua natureza oblíqua e versatilidade temporal, revelaram também seu caráter subjetivo. Diante das diversas “ciências”: Crítica Textual, Literatura, Crítica, Teoria e História da Literatura, as perguntas ainda ecoam.

Em terreno nebuloso, por conta de toda a subjetividade instaurada, ficamos com a certeza do papel desempenhado pelo crítico textual – devolver à Humanidade os seus produtos, os frutos de seu trabalho (suas obras), tão impregnados de sua existência. A assinatura, ao final da restituição se mostra mutável, se transforma em símbolo de autoridade, garantia da autenticidade.

De certo modo, o responsável científico (que é, para este efeito, o editor) substitui-se a um escritor que não pode já tomar decisões, reclamando para si uma autoridade que, sem ser propriamente a do autor, é a única legítima na sua falta; legítima, desde que um tal editor possua a gama de conhecimentos suficientes para apresentar, ler, transcrever, comentar e relacionar com a obra conhecida os materiais que edita. Não se trata, pois, de uma simples divulgação; mais do que essa divulgação, o que importa é fazer dos materiais editados instrumentos que contribuam para um melhor conhecimento do escritor em causa, com maioria de razão quando neles se patenteia o vigor e a espontaneidade de um processo criativo em desenvolvimento. (Reis; Milheiro, 1989: 24)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução: Mario Laranjeira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.

CASTRO, Ivo. Editar Pessoa. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1990. v.1.

––––––. O retorno à filologia. In: PEREIRA, Cilene da Cunha; PEREIRA, Paulo Roberto Dias. Miscelânea de estudos lingüísticos, filológicos e literários in memoriam Celso Cunha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 511-520

ECO, Umberto. Entrando no bosque. In: Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 7-31

FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Tradução: António Fernandes Cascais e Eduardo Cordeiro. 3. ed. [S.l.]: Passagens, 1992.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p. 1344.

MARTINS, Ceila Maria Ferreira Batista Rodrigues. Sobre o retorno à filologia. Disponível em:      www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno10-16.html. Acesso em: 18 ago. 2006.

REIS, Carlos; MILHEIRO, Maria do Rosário. A construção da narrativa queirosiana: O espólio de Eça de Queirós. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1989.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. Tradução: Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1969.

SILVA, Maximiano de Carvalho e. Crítica Textual: conceito – objeto – finalidade. In: Confluência, revista do Instituto de Língua Portuguesa . Rio de Janeiro, n o.07, 1º semestre de 1994. p. 57-63.

SPAGGIARI, Barbara; PERUGI, Maurizio. Fundamentos da Crítica Textual. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

 


 


 

[1] Nesta comunicação não iremos nos aprofundar nas discussões em torno da Crítica Genética, que para alguns se filia à Crítica Textual, sendo uma espécie de ramo desta; outros estudiosos porém, a consideram uma ciência díspar da Crítica Textual.