DE TUNICA ET TOGA: HISTÓRIA DO TRAJE

Lêda Maria Mercês Gonçalves

 

O interesse pelo estudo do cotidiano e pela significação dos objetos manifesta-se através da história da sociedade. Esse interesse envolve também a linguagem, já que ela se caracteriza como um elemento de interação social. Os historiadores se preocupam, na maioria das vezes, com a influência que o traje exerce sobre a condição social, traduzindo as diferenças que existem em uma sociedade. O homem é um ser social, assim, suas relações estão organizadas conforme regras e restrições.

Neste trabalho, pretende-se analisar questões do vocabulário do traje, especificamente, os itens lexicais túnica e toga no latim e em algumas línguas românicas. Aspectos morfológicos, semânticos, sócio-históricos e culturais serão abordados nesta pesquisa para sistematizar a reconstrução da etimologia da túnica e da toga no léxico do vestuário.

A Lingüística possui dois caminhos importantes para o estudo das palavras, ou seja, a Etimologia (origem das palavras) e a Semântica (significado das palavras). No século I a..C., a Etimologia foi considerada por Varrão, como uma das principais divisões da Lingüística, aliada à Morfologia e à Sintaxe. Os métodos etimológicos não eram científicos até o século XIX. A Semântica assumiu o seu papel como parte importante na divisão dos estudos lingüísticos no século XX.

Inicialmente, a Semântica tinha como prioridade de caráter histórico, estudar as mudanças do significado, explorar as suas causas e classificá-las segundo critérios lógicos, psicológicos, ou outros. Posteriormente, essa ciência passou a se relacionar com a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia e a História. Esse fato possibilitou uma melhor compreensão dos processos semânticos.

Os corpora investigados para esta pesquisa são dicionários etimológicos e históricos da língua latina e de algumas línguas românicas. Essa escolha tornou a pesquisa relevante, pois não se recorreu à iconografia, mas aos dicionários de etimologia e de história. Este trabalho pretende contribuir para o esclarecimento das questões que envolvem o traje e as suas designações na Antigüidade e em geral.

A história do desenvolvimento do traje apresenta duas perspectivas distintas: a roupa masculina, cuja indumentária mais identificadora do gênero seria a calça, e a feminina, com predominância da saia. Entretanto, sabe-se que nem sempre os homens usaram calças e as mulheres, saias. Os gregos e os romanos usavam túnica, isto é, saias. Os escoceses e os gregos modernos também usam saias. No Extremo Oriente, as mulheres vestiam calças, conservando esse hábito. Observa-se, portanto, que essa divisão por sexo não determina o uso do vestuário.

A princípio, acreditou-se que a história da vestimenta surgiu com as primeiras civilizações do Egito e da Mesopotâmia. No entanto, uma documentação mais primitiva, resultante de estudos de pinturas em cavernas, comprova que ocorreu uma série de eras glaciais, tornando o clima da Europa bastante frio. Assim, embora o uso da roupa possa ter implicações sociais e psicológicas, esse tipo de clima tornou-se, então, o principal motivo para que o homem necessitasse do uso de roupa.

A vestimenta dos egípcios, assírios, gregos e romanos era, no início, um retângulo pequeno de pano que envolvia a cintura, em forma de sarongue, ou seja, uma forma primitiva de saia. Posteriormente, um quadrado de tecido enrolava os ombros, preso por broches. A civilização da época foi marcada pela roupa drapeada e as que fugiam a esse padrão, acompanhando as formas do corpo, eram consideradas ‘bárbaras’. Os romanos, durante um certo período, condenavam à morte os indivíduos que as usavam. A vestimenta drapeada foi, pouco a pouco, substituída por uma túnica com mangas nos trajes comuns masculinos.

Os persas habitavam uma região montanhosa de clima frio e usavam trajes quentes, para se proteger do clima. Entretanto, quando dominaram a civilização da Babilônia, no século VI a.C., substituíram os seus trajes pelas túnicas com franjas. A inovação mais importante foi o uso de calças, que foram consideradas como traje típico persa. Sabe-se que as calças foram usadas, também, pelas mulheres, através dos poucos registros encontrados.

Os romanos, no início de seu desenvolvimento, foram governados pelos etruscos. Antes que esse povo entrasse em contato com as colônias da Magna Grécia, seus trajes tinham poucos traços da influência grega. Ao contrário, refletiam uma ligação mais remota com a civilização cretense, modificada por elementos orientais. Suas roupas eram costuradas e drapeadas (Laver, 2001: 34-36). Observa-se uma certa evolução a partir do que os estudiosos chamam de túnica-veste, característica do período entre 700 a 575 a.C., até um tipo de toga, como a toga romana, feita com um semi-círculo de pano.

Em Roma, no século II a.C., os teutões usavam túnica de couro. O traje principal desse povo caracterizava-se por uma túnica curta, formada por dois pedaços de couro. Posteriormente, esse traje passou a ser feito de lã ou linho. Esse fato demonstra a mudança que ia ocorrendo na confecção do vestuário.

No início da República, os homens romanos usavam um saiote simples de linho que, durante o Império, foi substituído por uma túnica, equivalente ao ‘quíton’ grego. Essa túnica era feita com dois pedaços de tecido, vestida pela cabeça e presa com um cinto, chegando aos joelhos. Entretanto, em ocasiões especiais, como o casamento, esse traje era mais longo. Ele era usado sob a toga pelas classes superiores. Os soldados e trabalhadores vestiam somente a túnica, que era conhecida como dalmática, quando as mangas chegavam aos cotovelos, sendo também uma vestimenta da igreja cristã. Denominava-se tunica palmata, quando era toda bordada. Nos tempos pagãos, os romanos elegantes usavam esse traje até um pouco abaixo do joelho.

Os romanos, às vezes, usavam duas túnicas: por baixo, a subacula, e por cima, a tunica exteriodum, que foi, pouco a pouco, ficando mais longa, quando, aproximadamente, a partir do ano 100 d.C., chegou aos tornozelos, quando ficou conhecida como caracalla. Em torno do ano 200 d.C., a túnica foi adotada por quase todos os romanos.

No século I d.C., as mulheres romanas usavam túnica, inicialmente, de lã, depois de linho ou algodão. A túnica feminina era mais comprida do que a masculina, chegando aos pés. As mulheres ricas possuíam túnica de seda. As cores preferidas eram vermelho, amarelo e azul. Esse traje era muito bordado e enfeitado com franjas douradas.

No ano 330 d.C., em Constantinopla, o imperador Constantino vestia túnica de tecido dourado, bordado com desenhos. Esse traje tinha mangas estreitas e, às vezes, era substituído por uma dalmática de mangas largas. Essa vestimenta era bordada com jóias. Em Constantinopla, no século VI, a imperatriz Teodora usava uma túnica feita de algodão, linho ou seda. Esse traje era branco, longo e enfeitado com uma faixa vertical bordada.

Os visigodos, no século V d.C., em Roma, usavam túnica de linho com mangas que tinham pele, em volta dos punhos. Essa vestimenta romanizou-se pouco a pouco. A descrição de historiadores romanos, como Sidônio Apolinário, sobre o traje permite que se entenda melhor a sua evolução.

Na França, durante a época merovíngia, em 481-752, os homens da dinastia franca, (teutões), costumavam usar uma túnica, que ia até o joelho, chamada gonelle, bordada nas extremidades e presa por um cinto. Durante a guerra, preferiam uma espécie de túnica feita de couro ou tecido resistente, coberta com uma placa de metal. Nessa época, as mulheres utilizavam como traje uma túnica longa, de seda, enfeitada com faixas bordadas. Essa túnica chamava-se stola, que era presa, nos ombros, com broches e não possuía mangas. Um cinto de couro complementava a vestimenta.

Carlos Magno tornou-se imperador de Roma no ano 800. Nessa época, a França e a Europa Ocidental atravessavam um período estável e a riqueza estava presente no traje. O imperador costumava vestir uma túnica com mangas, cujos punhos eram bordados com ouro e, sobre ela, uma dalmática, além de várias vestimentas, sendo que uma delas era de brocado, feito em Constantinopla (Laver, 2001: 52). Esse traje tinha figuras de elefantes, em círculos, com flores verdes, azuis e douradas. O imperador usava, também, um pano de ouro brocado em quadrados. No centro desses quadrados, colocava-se uma pedra preciosa, ou seja, um rubi.

Os dicionários, em geral, definem a túnica, do latim tunica, como um traje antigo, longo e ajustado ao corpo, além de ser um parâmetro que os diáconos usam sob a alva. Por extensão, a túnica é uma vestimenta feminina, mais longa que a blusa e usada, geralmente, sobre a saia, calça comprida, short etc., ou ainda, como vestido curto ou longo. Esse tipo de traje pode ser considerado como um casaco reto e justo, característico de certos uniformes militares, usado, geralmente, sem camisa.

No Vocabulário de Bluteau (1712: 326), encontra-se a forma túnica como: “Antigamente entre os Romanos era hũa a veòtidura interior, òem mangas, que òervia de camiòa. [...] Entre nòs chamão alguns Religioòos Túnicas às camiòas de lãa, que trazem debaixo de òeus hábitos”.

Este autor destaca em latim o seguinte: “Milites ergo [...] acceperunt veòtimenta ejus [...] fecerunt quatuor partes [...] tunicam”. Logo os soldados lhe tomaram a vestimenta e dividiram a túnica em quatro partes’ S. Jerônimo (apud Bluteau, 1712: 326).

Segundo Corominas (1997: 695), a palavra túnica é definida como: “[...] tomado del latín tunica vestido interior de los romanos, empleado por los do sexos.‘tomado do latim túnica, traje interno dos romanos, usado pelos dois sexos’”.

Neste autor, também se identifica a forma tonga como variante de túnica. Este item lexical tem o sentido de: “[...] bastilla inferior de la falda, pila o porción de cosas apiladas en orden, capa en el sentido de estrato e pila de paja que queda del trigo después de aventarlo.” ‘bainha da saia, pilha ou porção de coisas empilhadas em ordem, capa no sentido de camada e pilha de palha que sobra do trigo depois que é aberto’.

Du Cange (1954: 208), no seu Glossário, define túnica como: ‘vestimenta sacerdotal’ (Tunica Monachorum) e ‘uniforme militar’ (Sagum militare). Neste corpus, encontra-se em francês antigo o seguinte exemplo: “Et avoit vestu un Tournicle d’or à aigle noir, etc. E vestia uma pequena Túnica de ouro com águia negra, etc.’.”

Ernout e Meillet (1994: 707) assinalam esse vocábulo como: “[...] vêtement de dessous que portaient les hommes et les femmes, analogue par l’usage à la chamise et par la forme à la blouse. ‘vestimenta de baixo que usam os homens e as mulheres, semelhante pelo uso à camisa e pela forma à blusa’.

Segundo Gaffiot (1934: 1612), existem dois sentidos para túnica: “[...] vêtement de dessous de Romains à l’usage des deux sexes. ” ‘roupa de baixo dos Romanos para uso dos dois sexos’ e ”[...] enveloppe de toute espèce, [...]” [...]envoltório de toda espécie, [...]’.”

A palavra feminina tunicela, de tunicella, diminutivo do latim túnica, designa uma túnica pequena ou espécie de casula que os bispos usavam entre a vestimenta e a alva (Morais Silva, 1958: 346; Corominas, 1997: 695). O elemento de composição tunici, do latim tunica, exprime a idéia de túnica, como invólucro: tunicíferos ou tunicados.

Corominas (1997: 695) assinala que o vocábulo tinicla é substituído por tunicla, do latim tunicula, diminutivo de tunica, ‘traje sem mangas’.

Encontra-se, neste corpus, a forma tunicla com a seguinte definição: “especie de cota de armas que usaban los señores mayores del ejército, más larga y ancha que la cota, y las mangas más estrechas que las del plaquín” (Corominas, 1997: 695). ‘espécie de armadura de ferro que usavam os militares mais graduados do exército, mais comprida e mais larga que o gibão, e as mangas mais estreitas que as do plaquin’.

Em francês antigo, observa-se também o vocábulo tunicle com o mesmo sentido; posteriormente, encontra-se turnicle, turniquel e tourniquet, freqüentes até o final do século XV. Este último, de ‘traje militar’, passou a designar ‘uma espécie armadilha‘, usada para impedir a aproximação do inimigo, ou seja: “Do latim tunica [...] luego designó varios aparatos”(Corominas, 1997: 696). ‘Do latim tunica [...] logo designou vários aparatos’.

Os vocábulos tunico, tunicare, verbo transitivo, são derivados de tunica. Tunicularia designa a mulher que usa uma túnica (Gaffiot, 1934: 1612; Ernout; Meillet, 1994: 707).

Bluteau (1712: 326), no seu Vocabulário, define assim o termo túnica: “Diz-∫e das pelliculas, ou membranas, que como ve∫tiduras cobrem alguãs partes do corpo. [...] Tunica, também ∫e appropia a pelles, ou ca ∫cas delgadas de certas frutas”.

Para Morais Silva (1958: 346), a túnica possui dois sentidos: “Qualquer membrana que forma as paredes de um órgão ou da cavidade de onde ele se contém: as túnicas do testículo; as túnicas do globo ocular” e “Invólucro especial do corpo dos tunicados que se compõe essencialmente de uma substância isômera de celulose, a tunicida. [...] Tunicado [...] (de tunica). [...] Espécie de molusco”.

Segundo Saraiva (1993: 1231), encontra-se essa forma no seguinte exemplo: “Ponunt tunicas aestate cicadae”. ‘As cigarras mudam de pele no estio’.

No exemplo abaixo, o vocábulo túnica significa ainda: “[...] pericárpio, bainha, vagina, vagem, casca, [...]” (Virgílio e Plínio, apud Saraiva, 1993: 1231).

Ernout e Meillet (1994: 707) explicam a túnica como: ”Se dit par extension des téguments ou membranes recouvrant certains corps ou organes. ‘Diz-se, por extensão, de peles ou membranas encobrindo certos corpos ou órgãos’.

A história do vestuário apresenta uma característica importante, a saber, o uso da túnica, como se pode observar nessa pesquisa. Esse traje romano foi se tornando, passo a passo, uma referência para o estudo da vestimenta na Antiguidade.

Os exemplos analisados nos corpora demonstram a variação e a mudança que ocorreram no vocábulo túnica no latim e em algumas línguas românicas.

A túnica foi a primeira e a mais indispensável vestimenta dos romanos e judeus. Esse traje foi usado também pelo clero, recebendo nesse sentido, várias denominações. Existe uma relação bastante estreita entre os estilos da Antiguidade e o estilo da indumentária religiosa. Esta última conservou, até o presente momento, características que permitem fazer uma idéia muito precisa dos trajes usados na Idade Média.

No início, a túnica era uma peça simples, feita de lã, de uso interno. Posteriormente, ela se tornou um traje caracterizado pela riqueza, confeccionado em seda, bordado, muitas vezes, em ouro e pedras preciosas. Na sua história, o vocábulo túnica passou a designar também ‘traje militar’, ‘armadilha’, significando também ‘pele’, assim como ‘uma espécie de molusco’.

O traje (vestis, vestimentum) dos romanos diferenciava essencialmente do nosso. Os romanos não conheciam vestimentas justas de tecido, que se adaptavam ao corpo. O clima e os esforços constantes dos romanos para fortalecer o corpo exigiam simplicidade no traje. Em geral, as roupas eram vestimentas que se passava por cima da cabeça, sendo usado também o manto. Distinguia-se indutus e amictus, o primeiro significava vestir a túnica e, o segundo, vestir a toga (Krieg, 1892: 391).

O romano tinha apenas duas vestimentas essenciais: a túnica e a toga. A túnica, como já foi citada anteriormente, era uma roupa usada por baixo, em lã, de cor branca, sedo uma vestimenta larga que se vestia pela cabeça. A vestimenta usada por cima era a toga (de tego), uma espécie de manto, que era usado em todos os atos oficiais, tanto civis quanto militares, ou religiosos. Este traje era proibido para os escravos, os estrangeiros, ou os proscritos. O cidadão usava a toga quando aparecia em público, nas assembléias do povo, diante dos tribunais, no teatro, etc.. Este traje era confeccionado com um pedaço de lã, de cor branca, com oito alnas de altura (antiga medida francesa de comprimento com três palmos) e com quatro ou cinco alnas de largura, tendo os ângulos inferiores arredondados de tal maneira que o conjunto ficava com uma forma elíptica. Este manto era jogado sobre o peito e a espádua direita, depois sobre as costas; em seguida, jogava-se parte deste traje sobre o braço direito e sua outra extremidade era ainda colocada sobre a espádua esquerda. Na frente, havia uma dobra (sinus), onde se colocavam diferentes objetos, como o lenço (sudarium), carteira (marsupium), etc. O braço direito permanecia completamente livre e a parte inferior da toga ia até a perna. A toga era usada somente em tempo de paz. Daí a expressão cives togati (termo oposto: sagati), ou os cidadãos com roupa de paz. Os homens usavam no começo do Império togas muito simples. A toga de Catão de Utica, por exemplo, era uma toga exigua.

Durante este período, procurou-se obter um tecido cada vez mais fino e criou-se então a toga trasparente (perlucida toga); pouco a pouco, fez-se a toga de seda (toga serica). Este tipo de tecido propiciava um belo e bem artístico drapeado. A cor da toga era branca (toga pura, alba). Os acusados e as pessoas de luto usavam uma toga de lã de cor cinza (toga sordida, pulla), ou negra. As togae purpureae, praetextae, trabeatae e pictae eram vestimentas, que identificavam os cidadãos. A purpurea era a usada pelos imperadores: César usou a primeira toga vermelha; a praetexta era reservada às crianças nobres até os dezesseis anos mais ou menos, época do tirocinium, e a trabeata, toga branca, com uma larga faixa de cor púrpura em toda sua extremidade; era reservada aos reis, aos cavalheiros e aos áugures; a picta usada pelos cônsules, que a usava sobre a tunica palmata (ornada de palmas bordadas). Os primeiros romanos usavam a toga no campo, mas em lugar de jogá-la sobre a espádua esquerda, eles faziam uma volta em torno do corpo, o que sustentava a toga e deixavam os dois braços livres. O sagum, manto de soldado, espécie de manto de lã grosseira, de origem gaulesa, foi empregado mais tarde como uniforme de guerra pelos romanos, celtas e germânicos. Este manto era também jogado em volta do corpo, juntando-se as extremidades sobre a espádua esquerda com um broche (fíbula). A abolla, manto de guerra, duplo, espesso, mais ou menos curto, usado sobretudo, na época do Império. Este manto parecia com a paenula, capa espessa, meio escura, sem mangas, com capuz, usada nas viagens. A abolla era a roupa dos escravos, soldados e camponeses. As pessoas de outras classes sociais a usavam também sobre a túnica quando chovia, durante as viagens. A laena, capa de inverno, era igualmente um manto de lã espessa, mas era em geral de cor clara, sendo colocada sobre a toga. Este manto era mais usado por pessoas de melhor condição social. A lacerna era um manto fino, com capuz; ele era aberto na frente, sendo fechado com broche. Na época Império, a lacerna e o pallium, manto grego, foram substituídos quase completamente pela toga. O romano usava a synthesis nas refeições; era uma vestimenta leve que lembrava a túnica simples.

Segundo Saraiva (1993: 1231), encontra-se o item lexical toga como:

Toga (de tegere) VARR. MART. Qualquer sorte de cobertura. HOR. QUINT. Toga, vestidura particular aos cidadãos romanos.Toga pura. CIC.- libera. OV.- virilis. PLIN. Toga branca, a toga viril (que os meninos romanos tomavam aos deze septe annos de edade). SIL. Trajo de paz. Fig. HOR. Qualidade de cidadão romano. CIC. A paz. MART. Cliente. PRUD. Juventude, mocidade. TIB. Meretriz. JUV. Capa de mulher (mormente de meretriz ). PLIN. J. TAC. Eloqüência judiciária. TITIN. NON. Tecto, morada, habitação.

Borba (2004: 1362) define assim a palavra toga:

Toga: manto usado pelos antigos cidadãos livres romanos; vestimenta usada pelos juízes, advogados e promotores no tribunal; vestimenta usada por formandos na cerimônia de formatura: beca; magistratura: “Resolveu abandonar a toga”.

Bueno (1968: 3992) apresenta o seguinte registro:

Toga: veste talar usada outrora em Roma pelos homens e hoje apenas pelos universitários, sobretudo, magistrados, advogados, o mesmo que beca. Lat. toga, do mesmo tema de tegere cobrir, envolver (Bueno, 1968: 3992).

No Dicionário etimológico de Machado (1995: 311), o vocábulo toga designa:

Toga: do lat. toga, ‘primitivamente’ , o que cobre, tecto; veste (diurna e noturna, para homens e mulheres); toga: veste dos cidadãos romanos em tempo de paz; fig. veste nacional, nacionalidade romana; veste de paz; veste de cortesã. Séc. XVI: a toga era uma veste de linho, na qual posta um botão de ouro ou de prata sobre o ombro erguido vinha por baixo do braço direito e dali rodeava a cintura meio torcida e com muita arte, e a outra parte ficava pendendo em pregas.

Para Gaffiot (1934: 1580), este item lexical é registrado como: “Toga [...] ce qui couvre [...] vêtemente des citoyens romains em temps de paix [...]”. Toga [...] aquilo que cobre [...] vestimenta dos cidadãos romanos em tempo de paz’.

Vale ressaltar que a túnica e a toga desempenharam papel relevante na história do traje. Estas peças do vestuário assumiram também outras designações que foram surpreendentes, como se pode verificar na análise dos dados. Espera-se que a partir desta pesquisa, outros trabalhos possam surgir com novas contribuições.

 

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