HISTÓRIA DA COMPLEMENTAÇÃO VERBAL
NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Fabiana dos Anjos Pinto (UERJ)

 

Quando pensamos na palavra memória, logo nos surgem eventos vinculados à idéia de lembrança: um dia feliz com a família, por exemplo. É pouco provável, entretanto, que o termo “esquecimento” desponte em nossa mente como similar à idéia de memória. Ao contrário, “esquecer” nos parece justamente o oposto de “guardar”, “lembrar”. Essa associação entre esquecimento e o sentido mais usual de memória - faculdade de conservar e reproduzir as idéias, imagens ou conhecimentos anteriormente adquiridos – nos serve de âncora para a seguinte discussão deste trabalho: é o esquecimento que produz efeitos de sentido e que servirá como o ponto de partida para construirmos a nossos próprios guardados acerca de uma questão crucial da tradição gramatical, o conflito entre complementos e adjuntos do verbo. O simples fato de encontrarmos, atualmente, nas gramáticas e manuais de ensino, “objetos indiretos” e “adjuntos adverbiais” descritos como termos integrantes e acessórios, respectivamente, mascara uma situação, como se sempre os estudos gramaticais tratassem dessa forma os termos referentes ao verbo.

Nosso principal objetivo, portanto, consiste em avaliar se o tradicional confronto entre complementos e adjuntos do verbo sempre existiu, desde as primeiras gramáticas brasileiras; se há efeitos positivos, na assimilação desse contraste, para o falante-aprendiz da língua; e até que ponto essa questão pode (ou não) estar vinculada à idéia de poder, de sistematização da normativização e descrição de particularidades de uma língua empregada por uma dada elite: a elite do português do Brasil.  No afã de alcançarmos nossos propósitos, valemo-nos da concepção de gramatização brasileira, nos termos de Guimarães (GUIMARÃES: 2004), para investigarmos quais conceitos da sintaxe motivam as diversas formulações da concepção de complemento.

Cabe ressaltar que a nossa breve incursão na produção gramatical brasileira elege o século XIX, mais precisamente a segunda metade, por ser nessa época em que o processo de gramatização é remodelado, caracterizando-se, de um lado, pela busca da autonomia lingüística do Brasil em relação a Portugal, com a influência de idéias científicas de outros países europeus (sem a exclusividade da antiga Metrópole); e, de outro lado, pela instituição escolar brasileira, com a fundação do Colégio Pedro II. Cumpre lembrar que, para elaborarmos a história da complementação verbal, estamos considerando os acontecimentos políticos, institucionais e fatos associados à produção do saber da língua portuguesa do Brasil. Sendo assim, verificaremos como os discursos-sobre o conhecimento da língua, vinculados aos discursos-sobre o conhecimento escolar, influenciam na elaboração das gramáticas e, conseqüentemente, na formação do conceito de complementação.

 

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